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Anderson Alves Batista x Estado De Minas Gerais

ID: 261402855

Tribunal: TJMG Órgão: Juizado Especial da Comarca de Buritis Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública Nº Processo: 5001330-82.2024.8.13.0093

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

ANDERSON ALVES BATISTA

Polo Passivo:

ESTADO DE MINAS GERAIS

Intimação

Advogados:

SILAS LEANDRO GOMES DOS SANTOS ALMEIDA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Buritis / Juizado Especial da Comarca de Buritis Rua Dois Poderes, 01, ZONA RURAL, Buritis - MG - CEP: 38660-000 PR… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Buritis / Juizado Especial da Comarca de Buritis Rua Dois Poderes, 01, ZONA RURAL, Buritis - MG - CEP: 38660-000 PROCESSO Nº: 5001330-82.2024.8.13.0093 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA (14695) ASSUNTO: [Contribuição sobre a folha de salários, 1/3 de férias] AUTOR: ANDERSON ALVES BATISTA CPF: 892.723.231-34 RÉU: ESTADO DE MINAS GERAIS CPF: não informado SENTENÇA Relatório dispensado (art. 38 da Lei n. 9.099/95). Trata-se de ação cível pelo procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública, ajuizada por Anderson Alves Batista em desfavor do Estado de Minas Gerais, na qual o autor, servidor público estadual ocupante do cargo de policial penal, alega que vem sofrendo descontos indevidos de contribuição previdenciária sobre verbas de natureza transitória e não incorporáveis à aposentadoria, como adicional noturno, adicional de desempenho, 13º salário, terço constitucional de férias, férias e descontos relacionados ao IPSEMG. Afirma que tais parcelas não possuem caráter permanente ou remuneratório e, por isso, não podem compor a base de cálculo da contribuição previdenciária, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 163 da Repercussão Geral. Informa que os descontos indevidos ocorrem mês a mês e que a situação tem causado prejuízos materiais, requerendo a cessação das cobranças e a restituição dos valores descontados nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, no valor de R$ 5.488,52. Vieram os autos conclusos. Fundamento e decido. Verifico que o feito se encontra em ordem e em condições regulares para julgamento. Estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, notadamente a legitimidade das partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido. As partes foram devidamente intimadas e manifestaram expressamente desinteresse na produção de outras provas, conforme se depreende dos documentos de ID 10319330017(autor) e ID 10322704579 (réu). Dessa forma, considerando que a controvérsia posta nos autos envolve exclusivamente matéria de direito e prova documental já produzida, notadamente contracheques e demonstrativos de pagamento, entendo que o feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Inexiste necessidade de dilação probatória ou de designação de audiência de instrução e julgamento, sendo o conjunto documental suficiente para a adequada resolução da lide. Passo à análise das preliminares. DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR O Estado de Minas Gerais, em sua contestação (ID 10259676256), suscita preliminar de ausência de interesse de agir quanto ao pedido formulado pelo autor relacionado à contribuição previdenciária incidente sobre o terço constitucional de férias. Sustenta que tal parcela, por força de entendimento administrativo atual, não está mais sujeita à incidência de contribuição previdenciária, razão pela qual não haveria lesão ou ameaça de lesão a direito, inviabilizando o exercício válido da pretensão jurisdicional. Não assiste razão ao requerido. Ao contrário do que alega, os autos contêm prova documental suficiente de que o desconto previdenciário sobre o terço constitucional de férias efetivamente ocorreu no período recente, o que demonstra a existência de lesão concreta e atual, legitimando o ajuizamento da demanda. Com efeito, no documento de ID 10244596799, constam diversos contracheques emitidos entre os anos de 2019 a 2024, nos quais se observa o lançamento da rubrica “Grat.1/3 F.regulamen”, correspondente ao terço constitucional de férias, ao lado de descontos sob a rubrica “Contrib.prev.art. 28”, identificando o recolhimento previdenciário sobre a remuneração total, inclusive sobre verbas de natureza transitória. Além disso, o autor não busca apenas a cessação da cobrança, mas também a restituição dos valores indevidamente descontados nos últimos cinco anos, o que, por si só, justifica o interesse de agir, ainda que os descontos tivessem cessado — o que não é o caso. Nos termos do art. 17 do Código de Processo Civil, considera-se presente o interesse processual quando a parte demonstra a necessidade da tutela jurisdicional e a utilidade da providência pleiteada, requisitos plenamente preenchidos neste caso, diante da existência de ato concreto da Administração que motivou o ajuizamento da ação. Assim, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir. DA LIMITAÇÃO TEMPORAL DA RESTITUIÇÃO – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL Embora o Estado de Minas Gerais tenha suscitado, em sua contestação (ID 10259676256), questão prejudicial ao mérito consistente na prescrição, verifico que seu pedido se restringe à exclusão, em eventual condenação, das parcelas vencidas antes do quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação, ou seja, anteriores a 12 de junho de 2019. Trata-se, portanto, não de alegação de prescrição do fundo de direito, mas sim de pleito de limitação temporal da repetição de indébito, nos moldes já sedimentados pelo Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, em se tratando de relação jurídica de trato sucessivo, em que o autor sofre descontos mensais e sucessivos a título de contribuição previdenciária sobre verbas de natureza transitória, aplica-se o entendimento consagrado na Súmula 85 do STJ, que assim dispõe: “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.” Essa orientação reconhece que, nas hipóteses de lesão que se renova a cada novo pagamento, o prazo prescricional não afeta o direito material discutido, mas apenas as parcelas vencidas fora do interregno de cinco anos que precedem a propositura da demanda, respeitando-se, assim, o art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. No caso concreto, o autor, servidor público estadual em atividade, impugna a legalidade de contribuições previdenciárias incidentes sobre parcelas de caráter nitidamente transitório, como o terço constitucional de férias, férias, adicional de desempenho, adicional noturno, 13º salário e descontos vinculados ao IPSEMG , as quais, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 163 da Repercussão Geral, não se incorporam aos proventos de aposentadoria e, portanto, não devem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária no âmbito do regime próprio. A ação foi proposta em 12/06/2024. Logo, considerando o marco prescricional de cinco anos, mostra-se legítima a pretensão de restituição das parcelas descontadas a partir de 12/06/2019, devendo ser reconhecida a prescrição apenas em relação aos valores exigidos antes dessa data. É oportuno destacar que a parte autora, ao formular seu pedido, respeitou os limites da prescrição quinquenal, tendo delimitado expressamente o valor reclamado aos últimos cinco anos. Nesse contexto, o acolhimento da tese de trato sucessivo não implica qualquer surpresa ou inovação na decisão, tampouco prejuízo à Fazenda Pública, mas apenas a adequada conformação da condenação ao prazo prescricional legalmente estabelecido. Portanto, acolho parcialmente o requerimento do Estado de Minas Gerais para reconhecer que a restituição de valores descontados indevidamente a título de contribuição previdenciária deve se limitar às parcelas exigidas a partir de 12/06/2019, nos termos da Súmula 85 do STJ, restando prescritas apenas as anteriores a esse marco temporal. Tal limitação, contudo, não compromete a análise do mérito nem o reconhecimento da ilegalidade dos descontos questionados, os quais devem cessar independentemente de quando tenham iniciado. Superadas as preliminares/prejudiciais de mérito, passo ao exame do mérito propriamente dito. DO MÉRITO DA INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A controvérsia posta nos autos diz respeito à legalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre parcelas de natureza transitória ou indenizatória recebidas pelo servidor público estadual, tais como décimo terceiro, férias, terço constitucional de férias, adicional noturno, adicional de desempenho e descontos vinculados ao IPSEMG. Requer o autor, além da cessação dos referidos descontos, a restituição dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos. A discussão demanda a análise do regime jurídico da contribuição previdenciária aplicável aos servidores públicos vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), disciplinado no art. 40 da Constituição da República, cuja redação foi substancialmente alterada pelas Emendas Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003. Tais reformas promoveram a vinculação da base de cálculo da contribuição previdenciária à remuneração efetiva do servidor, respeitando os princípios da contributividade e do equilíbrio atuarial. O § 2º do art. 40 da CF dispõe que “os proventos de aposentadoria e as pensões serão calculados com base nas remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência”. O § 3º do mesmo artigo, por sua vez, prevê que os benefícios previdenciários devem guardar relação direta com as remunerações percebidas pelo servidor ao longo da vida funcional, em especial para fins de média contributiva. Complementa esse arcabouço constitucional o art. 201, § 11, da Constituição Federal, que estabelece: “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.” Dessa forma, a Constituição veda a incidência de contribuição sobre verbas que não integrem o cálculo da aposentadoria ou que não apresentem habitualidade ou caráter retributivo permanente. Firmado esse entendimento constitucional, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 593.068, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 163), fixou a seguinte tese vinculante: “Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.” A Corte deixou claro que a contribuição previdenciária somente pode incidir sobre ganhos habituais que tenham repercussão nos benefícios previdenciários futuros, sendo inconstitucional qualquer forma de tributação que incida sobre verbas eventuais, transitórias ou de caráter indenizatório, como é o caso do adicional noturno, adicional de insalubridade, periculosidade, horas extras, terço constitucional de férias e 13º salário. Em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 163 da Repercussão Geral, o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais também tem reiteradamente decidido que as contribuições previdenciárias não incidem sobre verbas de caráter transitório ou indenizatório que não se incorporam aos proventos de aposentadoria. Segundo a jurisprudência consolidada da Corte mineira, são indevidos os descontos efetuados a título de contribuição previdenciária sobre parcelas como férias-prêmio indenizadas, adicionais noturnos, de periculosidade e de insalubridade, horas extras, “plantão RX” e “função gratificada”. Em corroboração, correlaciono os seguintes precedentes: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. VERBAS DE NATUREZA TRANSITÓRIA E INDENIZATÓRIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA R DO MUNICÍPIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PARCIAL REFORMA DA SENTENÇA. I. CASO EM EXAME 1. Ação coletiva ajuizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Várzea da Palma visando à cessação de descontos previdenciários sobre verbas remuneratórias de natureza transitória e indenizatória e à repetição de indébito referente a valores recolhidos indevidamente. Sentença de parcial procedência declarou a ilegitimidade da incidência da contribuição sobre tais parcelas, condenou os réus à repetição do indébito, reconheceu a prescrição quinquenal e rejeitou a legitimidade passiva do Município para o pedido de restituição. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) a legitimidade passiva do Instituto de Previdência e do Município para a ação; (ii) a validade dos descontos previdenciários sobre as verbas indicadas e a responsabilidade pela repetição do indébito; (iii) a aplicação de critérios de correção monetária e juros de mora; e (iv) o cabimento de honorários advocatícios de sucumbência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A legitimidade passiva consiste na pertinência abstrata entre a parte e o objeto da ação, sendo configurada no plano processual conforme a "teoria da asserção". O Instituto de Previdência, como destinatário dos repasses, e o Município, como responsável pelos descontos, possuem relação com o objeto da demanda, ensejando sua legitimidade passiva. 4. As contribuições previdenciárias não incidem sobre verbas de caráter transitório ou indenizatório que não se incorporam aos proventos de aposentadoria, em conformidade com o Tema 163 do STF (RE 593.068) e a Lei federal nº 9.717/1998. Assim, são indevidos os descontos so bre as parcelas indicadas (férias-prêmio indenizadas, adicionais noturno, de periculosidade e de insalubridade, horas extras, "plantão rx" e "função grat".). 5. A restituição de indébito é devida para evitar o enriquecimento ilícito, observada a prescrição quinquenal. O Município responde de forma subsidiária pela devolução dos valores descontados indevidamente se a Autarquia não puder arcar com a obrigação. 6. Em razão da natureza tributária das contribuições previdenciárias, os valores repetíveis devem ser corrigidos pelo INPC a partir de cada desconto indevido e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a citação (STF - Tema 810; STJ - Tema 905). 7. A ação coletiva ajuizada por sindicato não se confunde com ação civil pública regulada pela Lei nº 7.347/85, sendo cabível a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais. Considerando a mínima sucumbência do sindicato, os réus devem ser responsabilizados pelos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa (CPC, art. 86, p.ú). IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Sentença parcialmente reformada em reexame necessário e provimento da segunda apelação. Primeira apelação prejudicada. Tese de julgamento: A legitimidade passiva na relação jurídica-tributária deve ser analisada de forma abstrata, considerando a pertinência subjetiva da parte ao objeto da ação. As contribuições previdenciárias não incidem sobre verbas de natureza transitória ou indenizatória que não integram a base de cálculo dos proventos de aposentadoria do servidor público. responsabilidade pela restituição de indébito recai primariamente sobre o Instituto de Previdência e, de forma subsidiária, sobre o Município responsável pelos descontos, observado o prazo prescricional quinquenal. As verbas tributárias repetíveis devem ser corrigidas monetariamente pelo INPC e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Na ação coletiva ajuizada por sindicato é cabível a fixação de honorários advocatícios, que devem ser suportados pel (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.24.043561-0/001, Relator(a): Des.(a) Manoel dos Reis Morais , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/02/2025, publicação da súmula em 21/02/2025) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - SERVIDOR PÚBLICO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O TERÇO DE FÉRIAS - ART.300 DO CPC - REQUISITOS AUSENTES - ART. 1º, § 3º DA LEI 8.437/92 - TUTELA SATISFATIVA- IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA. - O Código de Processo Civil traz em seu artigo 300, §3º, do CPC, que: "A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão". - Ao apreciar o Tema 163, quando do julgamento do RE nº 593.068/SC, fixou a seguinte tese: "Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade". - Não demonstrada a indecência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias no contracheque dos servidores municipais atualmente, inexiste periculum in mora a ensejar o deferimento da tutela. - Nos termos do disposto pelo art. 1º, § 3º da Lei 8.437/92, não será concedida a medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.305665-2/001, Relator(a): Des.(a) Luzia Divina de Paula Peixôto , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2024, publicação da súmula em 26/11/2024) Nesse cenário, ressalto que ainda que o Estado de Minas Gerais invoque legislação local, como a Lei Complementar Estadual nº 64/2002 e alterações posteriores, tais normas não podem prevalecer frente à interpretação constitucional conferida pelo STF, dotada de efeito vinculante para todos os órgãos do Judiciário, conforme determina o art. 927, inciso III, do Código de Processo Civil. A insistência na incidência de contribuição sobre essas parcelas configura flagrante violação aos princípios da legalidade tributária, da proporcionalidade e da correlação entre contribuição e benefício, além de caracterizar enriquecimento sem causa da Administração Pública, especialmente quando não há qualquer reflexo dessas verbas na base de cálculo da aposentadoria do servidor. Por conseguinte, é evidente que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, adicional de desempenho, adicional noturno, décimo terceiro, férias e descontos vinculados ao IPSEMG, pois, em se tratando de verbas de natureza transitória, não repercutem no cálculo dos proventos de aposentadoria e, portanto, não podem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES Em relação ao pedido de restituição dos valores indevidamente descontados, tal pretensão encontra amparo no art. 165 do Código Tributário Nacional, que garante ao sujeito passivo o direito à devolução do tributo pago indevidamente, bem como nos artigos 884 e 885 do Código Civil, que vedam o enriquecimento sem causa. Por fim, tratando-se de relação de trato sucessivo em que figura a Fazenda Pública como devedora, aplica-se a Súmula 85 do STJ, que limita a pretensão de restituição às parcelas vencidas nos cinco anos anteriores à propositura da demanda. Diante disso, restando comprovado nos autos o indevido recolhimento da contribuição previdenciária sobre verbas transitórias e não incorporáveis à aposentadoria, impõe-se o reconhecimento do direito à restituição parcial e à cessação dos descontos ilegais. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ANDERSON ALVES BATISTA em desfavor do ESTADO DE MINAS GERAIS, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, nos artigos 40, §§ 2º e 3º, e 201, § 11, da Constituição da República, nas Emendas Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003, bem como na tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 163 da Repercussão Geral (RE 593.068), para: a) Declarar a ilegalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre as parcelas recebidas a título de décimo terceiro, férias, terço constitucional de férias, adicional noturno, adicional de desempenho e descontos vinculados ao IPSEMG, desde que não incorporáveis aos proventos de aposentadoria, por se tratar de verbas de natureza transitória; b) Determinar que o Estado de Minas Gerais se abstenha de realizar descontos de contribuição previdenciária sobre as referidas verbas, enquanto vigente o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 163; c) Condenar o Estado de Minas Gerais a restituir ao autor os valores descontados indevidamente a esse título nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da presente ação, no valor de R$ 5.488,52 (cinco mil, quatrocentos e oitenta e oito reais e cinquenta e dois centavos), com incidência de correção monetária, a partir do vento danoso, pelo IPCA-E, e com juros de mora pelos índices da caderneta de poupança, na forma do art.1º-F da Lei nº 9.494/97, a contar da citação, até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 113/2021, quando então incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente; Sem condenação em custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/1995. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Buritis, data da assinatura eletrônica. AMANDA CHARBEL SALIM Juiz(íza) de Direito Juizado Especial da Comarca de Buritis

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Miriam Dias Lourenco x Banco Santander (Brasil) S.A. e outros

ID: 338986398

Tribunal: TJMG Órgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Ipatinga Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5001330-04.2024.8.13.0313

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

MIRIAM DIAS LOURENCO

Polo Passivo:

BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. BEVICRED INFORMACOES CADASTRAIS LTDA - ME

Intimação

Advogados:

RODRIGO APARECIDO SENO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GERALDO DIONISIO DE OLIVEIRA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

CAIO CREPALDI MARTINS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

CELINA EIKO MAKINO NICOLETI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

EDUARDO DOS SANTOS BERG

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GABRIEL AUGUSTO RIBEIRO DE OLIVEIRA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

HELIANE GUIMARAES

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

PAULO ROBERTO TEIXEIRA TRINO JUNIOR

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

CARLOS VENICIUS CORDEIRO GOMES

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Ipatinga / 1ª Vara Cível da Comarca de Ipatinga Rua Maria Jorge Selim de Sales, 170, Centro, Ipatinga - MG - CEP: 3… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Ipatinga / 1ª Vara Cível da Comarca de Ipatinga Rua Maria Jorge Selim de Sales, 170, Centro, Ipatinga - MG - CEP: 35160-011 PROCESSO Nº: 5001330-04.2024.8.13.0313 ar CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Quebra de Sigilo Bancário, Empréstimo consignado] AUTOR: MIRIAM DIAS LOURENCO CPF: 304.549.136-72 RÉU: BEVICRED INFORMACOES CADASTRAIS LTDA - ME CPF: 07.452.085/0001-98 e outros SENTENÇA Cuida-se de ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de tutela antecipada, repetição do indébito e indenização por danos morais, movida por Miriam Dias Lourenço em face de Banco Santander S/A e Bevicred Informações Cadastrais Ltda., sob o argumento de que foi vítima de fraude praticada mediante o chamado “golpe do empréstimo consignado”, com utilização indevida de seus dados pessoais e bancários. A autora, pessoa idosa, aposentada e pensionista do INSS, relatou ter sido contatada por suposta agente financeiro do banco réu, a qual, de posse de informações sensíveis de sua relação contratual anterior com a instituição financeira, ofereceu restituição de valores alegadamente cobrados de forma indevida. Mediante orientações prestadas por essa atendente, a autora confirmou operações enviadas por link eletrônico, que acreditava se tratar de meros procedimentos para restituição dos valores, mas que, na realidade, formalizavam contratos de empréstimos consignados não autorizados. Os valores contratados, segundo narra, foram efetivamente depositados em sua conta, seguidos de nova comunicação da mesma pessoa, agora solicitando a devolução de quantias sob pretexto de erro no valor creditado. Aduz que, em 24 de novembro de 2023, manteve contato com o canal de atendimento do banco, sob o protocolo nº 22832880, ocasião em que lhe foi assegurado que, no dia subsequente, seriam enviados boletos para devolução dos valores. Entretanto, diante da inércia da instituição em cumprir a promessa, a autora voltou a contatar o atendimento bancário em 29 de novembro de 2023, sob o protocolo nº 228477752, reiterando o pedido de emissão dos referidos boletos. Relata, ainda, que no dia seguinte recebeu comunicação por e-mail, informando que havia sido registrada solicitação de boleto e que o mesmo seria encaminhado por meio do aplicativo “WhatsApp” Acreditando na veracidade da operação por se tratar de instituição com a qual já havia celebrado contratos regulares anteriormente, afirma ter efetuado o pagamento de tais boletos. Posteriormente, ao consultar seus extratos do INSS, constatou a existência de três contratos de empréstimos que afirma jamais ter contratado, sendo surpreendida pelos descontos diretos em seus benefícios previdenciários, razão pela qual lavrou boletim de ocorrência. Alega que toda a operação fraudulenta somente se viabilizou em razão de o estelionatário dispor de um código de acesso ao sistema bancário, vinculado a um correspondente ou agente financeiro autorizado, o qual tem acesso para operar integralmente na plataforma de serviços da instituição financeira ré. Em sede de tutela de urgência, pugna pela concessão de tutela de urgência para suspensão imediata dos descontos decorrentes dos contratos supostamente fraudados – contratos nº 280583170 (R$ 28.378,68), nº 280587329 (R$ 11.919,05) e nº 280328111 (R$ 15.000,11) – cujas parcelas são, respectivamente, de R$ 700,00, R$ 294,80 e R$ 371,35. No mérito, requer a declaração de inexistência dos contratos impugnados; a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente e a condenação solidária das rés ao pagamento de indenização por danos morais, no montante sugerido de R$ 10.000,00. Requer, ainda, o deferimento da justiça gratuita e a inversão do ônus da prova. A inicial foi instruída com os documentos e procuração. Intimada a esclarecer se efetuou o pagamento do último boleto, a autora informou que os valores referentes ao segundo e ao terceiro empréstimos permanecem depositados em sua conta bancária, razão pela qual requereu a realização do depósito judicial das respectivas quantias. (ID 10181943477). A justiça gratuita e a tutela de urgência foram deferidas e o pedido de inversão do ônus da prova indeferido (ID 10184982391). Depósito judicial realizado no ID 10192702768. Devidamente citado, o banco Santander apresentou contestação no ID 10199697027. Em preliminar, impugna o pedido de justiça gratuita e alega a sua ilegitimidade passiva. No mérito, defende a regularidade da contratação, afirmando que os contratos estão devidamente assinados, sendo a assinatura compatível com a constante na exordial. Argumenta que a disponibilização do crédito foi feita em conta bancária de titularidade da autora, não havendo desconhecimento ou irregularidade e que não foi praticado ato ilícito por parte da instituição financeira, invocando excludente de responsabilidade pela culpa exclusiva de terceiro, conforme previsto no art. 14, §3º, II, do CDC. Defende que não há prova do alegado dano moral, tampouco do nexo causal com a conduta da ré, inexistindo qualquer fundamento para indenização e que eventual restituição de valores pressupõe a devolução do montante recebido, sob pena de enriquecimento ilícito. Por fim, impugna o pedido de inversão do ônus da prova, afirmando que não há verossimilhança nas alegações autorais e que os documentos constantes nos autos não comprovam os fatos constitutivos do direito invocado. Ao final, requer a improcedência dos pedidos autorais. Citada, a Bevicred Informações Cadastrais Ltda apresentou contestação no ID 10204303219. Suscita a preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, alega que atua como correspondente bancário apenas fornecendo acesso à plataforma digital do banco, não tendo qualquer ingerência na formalização do contrato ou na liberação de valores, tampouco nas averbações de descontos. Sustenta que os contratos foram formalizados diretamente pela autora, que forneceu seus dados, assinou digitalmente e recebeu os valores em sua própria conta. Informa que os lojistas responsáveis pelas contratações foram devidamente identificados. Aduz que a autora, embora alegue ter sido vítima de golpe, não trouxe aos autos qualquer prova das tratativas com o suposto fraudador, tampouco diligenciou para impedir os efeitos dos contratos, mesmo após receber os valores e que permaneceu com os valores em sua conta por longo período, demonstrando aceitação tácita. Afirma que há culpa exclusiva de terceiro, visto que a autora foi induzida por terceiros a realizar empréstimos por meio de seu telefone, fornecendo os seus dados pessoais. Ressalta, inclusive, que os valores foram transferidos a pessoa diversa, devidamente identificada, que sequer foi incluída no polo passivo da demanda. Defende que o boleto é uma falsificação grosseira, possuindo terceiro como beneficiário, não o Banco Santander. Impugna os pedidos de indenização, argumentando inexistência de ato ilícito, dano ou nexo causal. Alega que a contratação é válida, pois realizada com observância das exigências legais, e que, havendo o recebimento dos valores, não se pode cogitar de enriquecimento sem causa. Ao final, requer a improcedência dos pedidos iniciais. O INSS informou a suspensão dos empréstimos no ID 10216356642. Impugnação às contestações apresentadas no ID 10242832414, em óbvia contrariedade. Intimados para especificarem provas, o banco Santander dispensou a produção de novas provas (ID 10260872981), a autora requereu a oitiva de testemunhas (ID 10270196097) e o correspondente bancário requereu o depoimento pessoal da autora (ID 10275281819). A audiência de instrução e julgamento foi designada no ID 10331004050. Em audiência, foi tomado o depoimento pessoal da autora e dispensada a condução coercitiva das testemunhas da requerente (ID 10425685760). Em alegações finais, as partes reiteram as alegações contidas nos autos. Vieram-me os autos conclusos. FUNDAMENTAÇÃO. A parte ré suscitou preliminares. A primeira ré insurge-se contra a justiça gratuita deferida à autora. Contudo, não juntou aos autos documentos capazes de afastar a hipossuficiência declarada pela parte, razão pela qual hei por bem manter o benefício. Quanto às preliminares de ilegitimidade passiva, a legitimidade do Banco Santander para figurar no polo passivo do feito decorre dos supostos empréstimos indevidos lançados pela instituição financeira em nome da autora, e não do fato de ser o praticante da fraude. A legitimidade não se confunde com a responsabilidade. Esta é uma questão de mérito e como tal será analisada. A correspondente bancária, responsável por intermediar a contratação do empréstimo bancário, também possui legitimidade para figurar no polo passivo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. A questão controvertida nos autos cinge-se à (in)existência de contratação válida do empréstimo realizado em nome da autora, bem como à apuração da culpa pela fraude ocorrida posteriormente. A autora foi ouvida em audiência e narrou (ID 10425685760): Que recebeu uma ligação falando sobre os seus empréstimos; que tinha empréstimos com o banco Olé e o outro não se recorda; que disseram que ela estava pagando juros abusivos; que haveria uma redução de juros e que teria uma devolução; que teriam que lhe ressarcir algum valor; que, no entanto, ao invés disso, foi realizado um novo empréstimo; que o contato se deu por meio de ligação telefônica; que a pessoa informou que ela receberia um valor e pediu que fosse tirada uma "selfie"; que não assinou contrato, sendo todo o procedimento feito por meio de "selfie"; que foi depositada a quantia de 15 mil e poucos em sua conta; que informaram que ela deveria devolver R$ 12.000,00, pois o restante corresponderia ao valor do ressarcimento; que realizou a devolução de R$ 12.000,00; que não foi esclarecido por que depositaram a mais; que lhe enviaram um boleto para devolução em nome do Santander; que, por ser leiga, efetuou a devolução; que, ao chegar em casa, analisou o recibo e percebeu que não estava em nome do banco, mas sim de uma pessoa chamada Brenner; que, então, percebeu que havia cometido um erro; que a pessoa que entrou em contato se apresentou como funcionária do banco Olé Santander; que a pessoa voltou a ligar para a depoente; que ela possui dois benefícios, e informaram que no outro benefício também haveria um ressarcimento; que foi depositada a quantia de R$ 40.000,00 em sua conta; que pediram para devolver R$ 34.000,00; que não se recorda com exatidão; que enviaram um boleto para a devolução; que ficou desconfiada; que foi até uma loja em que costumava fazer empréstimos, onde lhe informaram que o boleto era falso; que foi até uma agência do Santander e conversou com uma gerente; que lhe informaram que não poderiam fazer nada e a orientaram a ligar para o 0800; que ligou para o 0800, e foi enviado um boleto para devolução dos R$ 40.000,00; que ficou desconfiada, pois o primeiro boleto era falso; que o boleto estava em nome de outra pessoa, não do banco; que voltou à loja e conversou com uma funcionária; que pediu para ela verificar, pois tinha mais acesso; que a funcionária afirmou que o boleto era falso, não era do Santander; que ligou para o 0800 e lhe disseram que não poderiam fazer nada; que a funcionária da loja é quem entrou em contato com o Banco Santander; que foi confirmado que o segundo boleto também era falso; que o Banco Santander disse que não poderia fazer nada; que, diante disso, decidiu procurar a Justiça; que esclarece que, na agência do Santander, informaram que não poderiam fazer nada, pois o caso era relativo ao banco Olé; que foi orientada a entrar em contato com o banco Olé; que entrou em contato e constatou que o segundo boleto também não era verdadeiro; que procurou um advogado e os R$ 40.000,00 foram depositados em juízo; que a pessoa que ligou se identificou como funcionária do banco Olé; que ninguém tem acesso às suas informações do gov.br, à sua conta bancária ou ao seu cartão; que apenas ela tem acesso; que enviou apenas uma "selfie"; que os interlocutores telefonaram informando todos os seus dados; que possuíam todos os seus dados, como CPF, RG, telefone, endereço — tinham sua ficha completa; que não enviou nenhum documento; que o documento de identidade juntado ao processo é de sua titularidade; que não tirou foto do documento; que tirou a foto de ID nº 10199704827; que a foto foi tirada no dia do contato; que não se recorda de ter tirado a foto de ID nº 10199713056, mas que a imagem é sua; que não se lembra da data em que a tirou. Na peça de defesa, o Banco Santander S/A apresentou os documentos identificados sob os ID’s 10199704827, 10199711349 e 10199713056, consistentes em três contratos de empréstimo firmados, segundo a instituição, mediante a captura de “selfie”. Intimada para especificar provas, requereu apenas o depoimento pessoal da autora. Cabia à parte requerida demonstrar de maneira sólida a existência da contratação, ônus do qual não se desincumbiu. O banco limitou-se a apresentar a “selfie” da requerente. Entendo que a “selfie” não é suficiente para demonstrar que o consumidor anuiu com todos os termos da negociação. Para que a “selfie” fosse aceita, esta deveria estar acompanhada das mensagens ou e-mails onde a negociação foi feita. Se a contratação foi feita à distância por ligação telefônica, por que os réus não juntaram os referidas áudios? Se foi feita presencialmente, por que não houve assinatura física? Os réus não respondem a essas perguntas que demonstram a invalidade da negociação por “selfie”. Insta ressaltar que uma “selfie” pode ser tirada para diversas razões. Muitos aposentados noticiam que o pedido de “selfie” se deu para regularização de cadastro junto ao INSS e outras situações diversas. Uma mesma “selfie” serve para instruir vários contratos, se não vier acompanhada das mensagens que ensejaram a referida negociação. Em seu depoimento pessoal, a autora negou expressamente que tenha enviado a fotografia para fins de contratação dos empréstimos. Ao contrário, sustentou que somente enviou a imagem em virtude de ter sido induzida a erro por suposta funcionária do banco Olé, que lhe prometera restituição de valores em razão da incidência de juros abusivos. O próprio correspondente bancário afirmou, em sua contestação, que identificou os funcionários responsáveis pelas operações. Assim sendo, por qual razão não juntou os arquivos de áudio das conversas realizadas com a autora? Trata-se de uma prova facílima, que estava ao pleno alcance dos réus. A ausência da referida prova somente serve para comprovar a ilicitude de sua utilização. Outrossim, as fraudes cometidas com o uso das “selfies” têm se tornado corriqueiras no meio policial, o que torna ainda mais premente que a referida assinatura digital venha acompanhada de prova da ciência do contrato. Conforme se verifica do link abaixo, vários idosos do Vale do Aço foram enganados por estelionatários que se utilizaram exatamente da “selfie” para aplicar golpes nas vítimas: https://www.diariodoaco.com.br/noticia/0122261-estelionatario-que-aplicava-golpe-da-foto-para-reconhecimento-facial-e-preso-em-coronel-fabriciano Portanto, a “selfie” não pode servir como prova da contratação. Neste sentido, cite-se julgado do TJMG: EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSFERÊNCIA VIA PIX PARA CONTA DE TERCEIRO. TRANSAÇÃO NÃO AUTORIZADA PELA AUTORA. EMPRÉSTIMO PESSOAL. NÃO CONTRATADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO BANCO. DANOS MORAIS. MINORADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Apelação cível objetivando a reforma da sentença que julgou procedentes os pedidos autorais, que visavam a declaração de inexistência do débito impugnado, bem como a condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais. II - O recurso versa sobre a análise da validade do negócio jurídico, a licitude da operação financeira realizada por meio do sistema PIX e a razoabilidade do quantum indenizatório fixado a título de danos morais. III - Conforme o art. 14, do CDC, as instituições financeiras, enquanto fornecedoras de serviços, estão sujeitas à responsabilidade objetiva, de modo que elas respondem pelos danos causados ao consumidor, independentemente de culpa, devendo reparar eventuais falhas na prestação dos serviços. IV - Levando em consideração que, juntamente à selfie apresentada pelo banco apelante não consta sequer a modalidade do negócio jurídico pactuado, não é possível afirmar que a imagem se refere à transação impugnada pela parte autora. V - Embora seja tecnicamente viável a realização de empréstimos pessoais por meio do aplicativo em aparelhos de terceiros, essa circunstância, somada aos demais elementos probatórios, contribui para reforçar a irregularidade da contratação. VI - Os danos morais surgem quando há lesão de bem imaterial formador da personalidade do indivíduo, tais como a liberdade, a honra, a integridade da esfera íntima, o bom nome, causando sofrimento, dor física e ou psicológica à vítima. VII - A significativa diminuição dos recursos financeiros destinados à alimentação constitui uma violação à dignidade humana no âmbito social, haja vista que compromete diretamente a capacidade do indivíduo de garantir sua própria subsistência. VIII - Recurso conhecido e parcialmente provido. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.24.444190-3/001 - COMARCA DE IPATINGA - APELANTE(S): NU FINANCEIRA S.A. - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - APELADO(A)(S): TATIANE OLIVEIRA AMORIM – Relator: DES. LUIZ GONZAGA SILVEIRA SOARES Ademais, revela-se absolutamente inverossímil que a autora, tendo efetivamente anuído com a celebração dos contratos de empréstimo, optasse por efetuar o pagamento de boleto bancário para devolução dos valores supostamente creditados em sua conta e, em seguida, buscasse o Poder Judiciário com o intuito de obter a declaração de inexistência da relação jurídica. A autora inclusive efetuou o depósito judicial das quantias relativas aos demais contratos. É evidente que houve uma clara tentativa de forçar o consumidor a aceitar operações diversas daquelas desejadas Isto posto, entendo que o caso atrai a aplicação do art. 46 do CDC, reproduzido a seguir: “Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.” Quanto à fraude posteriormente ocorrida, a Súmula 479 do STJ estabelece que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Se o banco aceita realizar contratações à distância, ele deve garantir que as operações sejam realizadas de forma segura, não permitindo, portanto, que intermediários atuem de modo fraudulento solicitando empréstimos indevidos. Após o contato telefônico dos correspondentes do Banco Olé, ocasião em que foram realizados os empréstimos indevidos sob a falsa promessa de restituição de valores cobrados indevidamente, a autora recebeu um boleto bancário para devolução da quantia de R$ 12.893,71 (ID 10155453884). O documento possui os dados pessoais da autora, bem como a logo marca do Banco Santander, circunstâncias que conferiram aparência de legitimidade à operação. Além disso, a autora relatou que, após o depósito da quantia de R$ 40.000,00 em sua conta bancária, entrou em contato com o canal oficial de atendimento do Banco Olé. Em resposta, foi encaminhado um novo boleto por e-mail, igualmente falso, no valor de R$ 41.564,13, cuja cópia consta no ID 10155447255 - Pág. 7. Trata-se de fato gravíssimo, visto que o boleto falso foi encaminhado após contato com o canal oficial do banco, tendo a autora informado os protocolos nº 22832880 e 228477752. Os protocolos não foram impugnado pelos réus. As circunstâncias acima revelam que houve relevante falha na segurança interna das instituições financeiras rés, sugerindo que a fraude tenha ocorrido por meio de alguém de dentro do Banco ou da Financeira. Portanto, ambos os réus deverão ser responsabilizados solidariamente, eis que ambos atuaram na cadeia de consumo. Destarte, em relação ao pagamento do primeiro boleto, a Teoria da Aparência deve ser considerada e aplicada ao caso, pois, a autora agiu pautada na boa-fé objetiva e acreditando que o boleto recebido havia sido gerado pelo credor e que era apto para a devolução de valores depositados a mais. No caso, o boleto foi gerado após o contato dos correspondentes bancários. O serviço prestado pelo réu, portanto, mostrou-se defeituoso, eis que não trouxe a necessária segurança que o consumidor dele espera (art. 14, §1º, do CDC). Cabia a parte ré zelar pela segurança e confiança de seus serviços, não permitindo o vazamento de dados ou a solicitação fraudulenta de empréstimos em nome de outras pessoas, o que não fez, devendo responder pelo risco da atividade, pois não restou comprovada a excludente de responsabilidade. Neste sentido, conforme preceitua o art. 309 do Código Civil, “O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor”. Assim sendo, o pedido de declaração de inexistência de débito relativos aos contratos discutidos nos autos deve ser julgado procedente. Destarte, a requerente deve ser ressarcido dos valores cobrados indevidamente, uma vez que não há relação jurídica entre as partes. A devolução deverá ser feita de forma simples, já que a cobrança se deu com base em contrato posteriormente considerado inválido, o que caracteriza o engano justificável. Passo à análise do pedido de danos morais. Para a configuração dos danos morais é necessário que estejam presentes o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre os dois primeiros (arts. 186 e 927, ambos do Código Civil). A autora alega que os réus devem ser condenados ao pagamento de danos morais pela falha na prestação do serviço, visto que os contratos de empréstimos foram realizados sem sua anuência. Entendo que a parte ré agiu de forma negligente ao autorizar empréstimo em nome da autora, sem sua autorização, e ao permitir que fraudadores utilizassem os dados da autora para firmar os respectivos contratos. Cabe ao banco verificar a veracidade das informações apresentadas no momento em que firma contratos, bem como garantir a segurança das operações realizadas na prestação de seus serviços financeiros. Se o banco aceita conceder um crédito mediante desconto em folha, sem que haja uma autorização autêntica da pessoa em cuja conta o empréstimo será descontado, assume o risco desta sua conduta, o qual não pode ser transferido ao consumidor. O serviço prestado pelo réu mostrou-se defeituoso, eis que não trouxe a necessária segurança que o consumidor dele espera (art. 14, §1º, do mesmo diploma legal). Verifico que a autora depende de seus proventos para viver. Os descontos das parcelas do contrato fraudulento alcançaram aproximadamente o valor total de R$ 1.366,15 e cessaram apenas após o ajuizamento desta ação judicial e o deferimento da liminar. É evidente que para uma aposentada do INSS que recebe benefício previdenciário, o desconto do valor supracitado representa perda substancial e consiste em abalo moral, eis que o cidadão se vê compelido a comprovar que está sendo injustamente desapossado dos proventos a que faz jus. A falta do dinheiro necessário à manutenção da família, à compra de remédios e aos gastos normais a que todos estamos submetidos normalmente causa angústia e aflição, sentimentos estes que constituem os chamados danos extrapatrimoniais, os quais merecem ser ressarcidos. Por fim, os danos morais são devidos pela aflição provocada pelo vazamento de seus dados, por ver seu dinheiro perdido e pela cobrança de uma dívida que não anuiu e acreditou ter quitado. Lado outro, a atitude do réu de depositar na conta da autora valores não requeridos e incluir descontos nos seus proventos de INSS, obrigando a autora a vir até a justiça para reverter essa situação criada pelo réu, demonstra que o réu causou extremo desconforto a autora em razão de sua atitude negligente. In casu, verifico ainda que a pretensão indenizatória se mostra legítima em decorrência do desgaste e significativo tempo despendidos na tentativa de solução do imbróglio gerado pelas rés. A autora comprovou que registrou Boletim de Ocorrência sobre o fato (ID 10155453035) e tentou resolver a questão administrativamente, conforme protocolos nº 22832880 e 228477752. Assim, a autora se viu obrigada a contratar advogado e entrar em juízo para defesa de seus interesses. Em casos similares, este Egrégio TJMG vem decidindo no sentido da aplicação da chamada Teoria do Desvio Produtivo. Confira-se: EMENTA: APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO OU PERDA DE TEMPO ÚTIL DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM ARBITRADO. RAZOABILIDADE. De acordo com a teoria do desvio produtivo, a perda injusta e intolerável de seu tempo útil constitui fato bastante para causar-lhe dano extrapatrimonial passível de indenização. A indenização deve ser fixada em valor suficiente a compensar o ofendido pelo prejuízo experimentado, sem gerar enriquecimento indevido, desestimulando, por outro lado, a reiteração da conduta pelo ofensor, o que exige do magistrado a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. (TJ-MG - AC: 10000211086038001 MG, Relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 12/08/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/08/2021) Quanto ao valor a ser fixado a título de danos morais, entendo que este deve ser suficiente para minimizar o sofrimento da vítima e, ao mesmo tempo, penalizar o causador do dano, de forma a dissuadi-lo quanto à prática de atos ilícitos. No caso dos autos, atendendo-se às condições pessoais da parte autora, às circunstâncias do caso concreto (fato praticado mediante ação sub-reptícia, em que a representante da ré alegou a restituição de valores cobrados indevidamente) e ao porte econômico da ré, hei por bem fixar a indenização no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A diferença entre o valor depositado na conta da autora (R$ 15.000,11) e o valor devolvido via boleto (R$ 12.893,71) deverá ser utilizada para amortizar o valor da condenação. Portanto, não há falar em devolução desses valores ao réu. DISPOSITIVO Ante o exposto, mantenho o deferimento da tutela de urgência e, no mérito, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais em relação aos réus, para: i) declarar a inexistência dos débitos referentes aos contratos discutidos nos autos; II) condenar os réus, solidariamente, a restituírem à autora os valores debitados em seu benefício previdenciário, de forma simples, corrigidos a partir de cada desconto e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação. O valor a ser ressarcido deverá ser apurado em liquidação de sentença. III) condenar os réus, solidariamente, ao pagamento, a título de indenização pelos danos morais, da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à autora. Sobre esse montante deverá incidir, nos termos dos arts. 389 e 406 do Código Civil, alterado pela Lei nº 14.905, de 2024, a SELIC (que já engloba a correção e os juros). Os índices acima incidirão a partir da publicação da sentença, data em que o valor do dano moral foi arbitrado e, portanto, a quantia se tornou conhecida e passou a ser devida (REsp 494183/SP). Insta acrescentar que o valor foi fixado nesta data, já atualizado, atendendo-se ao valor que hoje representa a quantia exata que é suficiente para penalizar o agressor e indenizar a vítima. Autorizo que a parte ré desconte do valor da condenação a quantia de R$ 2.106,40 (R$ 15.000,11 - R$ 12.893,71), quantia que deverá ser devidamente corrigida desde a data do depósito. O depósito judicial do valor de R$ 40.297,73 (ID num 10192727492) também deve ser utilizado para amortizar o valor da condenação, sendo o restante devolvido ao réu Santander. Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência que fixo em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Após, nada mais havendo, baixar e arquivar. P.R.I. Ipatinga, data da assinatura eletrônica. ELIMAR BOAVENTURA CONDE ARAÚJO Juiz(íza) de Direito 1ª Vara Cível da Comarca de Ipatinga

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