Processo nº 0667876-03.2016.8.13.0105
ID: 295568082
Tribunal: TJMG
Órgão: 1ª Vara Criminal da Comarca de Governador Valadares
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0667876-03.2016.8.13.0105
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IAN DE ABREU FERREIRA
OAB/MG XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Governador Valadares / 1ª Vara Criminal da Comarca de Governador Valadares Praça do Vigésimo Aniversário, 0, Centro…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Governador Valadares / 1ª Vara Criminal da Comarca de Governador Valadares Praça do Vigésimo Aniversário, 0, Centro, Governador Valadares - MG - CEP: 35010-142 PROCESSO Nº: 0667876-03.2016.8.13.0105 CLASSE: [CRIMINAL] PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITÓXICOS (300) ASSUNTO: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] AUTOR: Ministério Público - MPMG CPF: não informado RÉU: TATIANE FONSECA MACHADO CPF: 073.844.586-09 SENTENÇA O Ministério Público denunciou VALDEIR RODRIGUES e TATIANE FONSECA MACHADO, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06. Sobre os fatos, é o que narra a denúncia: No dia 02/08/2016, por volta das 18h, na avenida do Canal, n° 833, bairro Altinópolis, nesta cidade, os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, transportavam droga conhecida como crack, visando ao consumo alheio, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Consta dos autos que a Polícia Militar recebeu denúncia anônima informando que o denunciado Valdeir iria entregar droga para um indivíduo conhecido pela alcunha de “Ivan” e em troca receberia a quantia de R$69.000,00 (sessenta e nove mil reais). Diante desta informação, os milicianos realizaram um cerco e passaram a monitorar o local, momento em que obtiveram êxito em abordar o veiculo VW/gol, placa HMT-4847, conduzido por Valdeir, tendo como carona a denunciada Tatiane. Efetuada busca no automóvel, foram encontrados 6.193 Kg (seis quilogramas e cento e noventa e três gramas) de crack, divididos em 08 (oito) tabletes, conforme laudo toxicológico. APFD às fls. 05/09; REDS às fls. 10/13v (ID 10100966638); auto de apreensão às fls. 17; Exame Preliminar às fls. 19; capturas de tela às fls. 33/36; Exame Toxicológico Definitivo às fls. 37/37v (ID 10100966639). Por encontrar-se em local incerto e não sabido para notificação, foi determinado o desmembramento do feito com relação a Tatiane Fonseca Machado - sendo os autos são os originados do desmembramento (fls. 110/110v do ID 10100966642). Notificada (fls. 118 do ID 10100966643), a ré apresentou Defesa Preliminar (fls. 120/120v do ID 10100966643). A denúncia foi recebida em 19/08/2017 (fls. 122 do ID 10100966643). Realizada a audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as testemunhas arroladas e interrogada a ré (ID 10183909152). Em sede de alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação da acusada nos termos da denúncia (ID 10296771095). No bojo de suas alegações finais, a defesa da acusada pugnou por sua absolvição por haver prova de que não cometeu o crime a ela atribuído, e, não sendo o caso, pela nulidade do feito por ofensa à cadeia de custódia. Subsidiariamente, colimou pela aplicação da minorante do tráfico privilegiado (ID 10313351147). É o relatório. Decido. Passo a analisar a preliminar de nulidade do feito por suposta quebra da cadeia de custódia. I. PRELIMINARMENTE A Defesa insurge-se com a alegação de nulidade do feito sob o argumento de quebra na cadeia de custódia, sustentando que a ausência da bolsa onde foi encontrada a droga nos autos inviabiliza a análise sob o crivo do contraditório, comprometendo a autenticidade e integridade da prova. Contudo, a preliminar não merece prosperar, explico. Com o advento legislativo do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), a temática da cadeia de custódia ganhou destaque mais avantajado na legislação pátria, trazendo ritos procedimentais desde o achado do vestígio até seu descarte, visando minorar erros judiciais, trazer segurança aos atores processuais e manter a história cronológica dos vestígios. O art. 158-A do CPP define cadeia de custódia como o conjunto de procedimentos utilizados para documentar ininterruptamente a história cronológica do vestígio, garantindo sua identidade, integridade e autenticidade. No entanto, eventual irregularidade na cadeia de custódia não invalida automaticamente a prova, exigindo análise holística do caso concreto para verificar se o desrespeito aos procedimentos comprometeu a confiabilidade do elemento probatório. No caso em apreço, a defesa alega que a bolsa onde estava a droga não foi apreendida nem apresentada nos autos, limitando o contraditório sobre sua origem e posse. Todavia, a substância entorpecente (6,193 kg de crack) foi corretamente acondicionada, periciada e vinculada ao local da apreensão, garantindo sua identidade e natureza ilícita. A ausência da bolsa reduz a credibilidade da ligação física entre a ré e a droga, mas não invalida a materialidade do crime, já que a substância foi devidamente documentada e periciada. As contradições nos depoimentos policiais (ex.: número de tabletes e suposta confissão inicial) dizem respeito à valoração do conjunto probatório, e não à invalidade da prova material. A jurisprudência do STJ reforça que irregularidades na cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, aferindo se a prova é confiável (STJ. 6ª Turma. HC 653.515-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 2021). Conforme trazido por juristas e diretrizes a nível nacional acerca da temática, a “cadeia de custódia” representa: (…) um procedimento de documentação ininterrupta, desde o encontro da fonte de prova, até a sua juntada no processo, certificando onde, como e sob a custódia de pessoas e órgãos foram mantidos tais traços, vestígios ou coisas, que interessam à reconstrução histórica dos fatos no processo, com a finalidade de garantir sua identidade, integridade e autenticidade. (…)1 Denomina-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.2 Legislativamente, se observa, que o dispositivo legal (art. 158-A do CPP), aborda estas nuances, trazendo uma conceituação segura acerca da “cadeia de custódia”, veja-se: Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Passadas essas breves considerações introdutórias à temática, observa-se que a argumentação defensiva, no sentido de “desrespeito ao procedimento legal”, “quebra da cadeia de custódia” e “perda total da confiabilidade”. Nesse cenário, destaco que a legislação restou silente nos casos de eventual quebra da cadeia de custódia, assim sendo, passo à análise em pormenores. Compactuo do entendimento que eventual quebra da cadeia de custódia (break on the chain of custody), não pode, por si só, conduzir à nulidade da prova obtida. Em situações como estas, cabe ao magistrado, fazer uma análise holística do caso, para assim, verificar se eventual procedimento adotado, pôde por si só inviabilizar a prova colhida, o que não é o caso destes autos. Parece-me que a realidade fática demonstrada, não deslegitima a apreensão, transporte e a confecção dos laudos toxicológicos preliminar e definitivo. Portanto, feita esta análise, não visualizo cenário que conduza a imprestabilidade da prova produzida nos autos. Nesse sentido, destaco a jurisprudência prevalecente no Superior Tribunal de Justiça: As irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. STJ. 6ª Turma. HC 653.515-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/11/2021. A ausência de lacre em todos os documentos e bens - que ocorreu em razão da grande quantidade de material apreendido - não torna automaticamente ilegítima a prova obtida. STJ. 5ª Turma. RHC 59.414-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/6/2017 Destaco, como reforço argumentativo que, os militares foram uníssonos na narrativa de que o material apreendido (maconha), foi localizado inicialmente, com o acusado e, seu restante, acondicionado dentro do guarda-roupa da residência de Jonathan. Os militares, acrescentaram que a droga foi levada por uma viatura para a Delegacia e, lá, foi repassada para a Polícia Civil. Portanto, se tem um cenário confiável acerca da autoria e materialidade delitiva delineado nos autos. Notável que eventual desrespeito à cadeia de custódia, descaracteriza a prova, se os procedimentos adotados no caso em concreto, forem aptos a não trazer a segurança necessária para a aferição da procedência do material. Contudo, como já demonstrado, não se observa isto neste caderno processual. Trago à baila, que doutrinariamente, se solidifica o entendimento que, eventualmente, havendo quebra na cadeia de custódia, esta não se reveste de um caráter absoluto, para conduzir a nulidade da prova obtida. Ou seja, é necessário uma análise sistemática, visando averiguar se eventual desrespeito aos procedimentos fora apto a não trazer a confiabilidade necessária a esta prova. Nesse sentido, o jurista Leonardo Barreto, entende que: É dizer, a quebra da cadeia de custódia não resulta, necessariamente, em prova ilícita ou ilegítima, interferindo apenas na valoração dessa prova pelo julgador. A irregularidade na cadeia de custódia reduzirá a credibilidade da prova, diminuirá o seu valor, passando-se a ser exigido do juiz um reforço justificativo caso entenda ser possível confiar na integridade e na autenticidade da prova e resolva utilizá-la na formação do seu convencimento. Enfim, “a quebra da cadeia de custódia não significa, de forma absoluta, a inutilidade da prova colhida. É preciso não se esquecer que a cadeia de custódia existe não para provar algo, mas para garantir uma maior segurança – dentro do possível – à colheita, ao armazenamento e à análise pericial da prova (…). Desta forma, a análise do elemento coletado e periciado, se houver quebra dos procedimentos de cadeia de custódia, interferirá apenas e tão somente na valoração dessa prova pelo julgador.3 No caso, a droga foi apreendida, acondicionada e periciada conforme protocolos técnicos, mesmo que a bolsa onde estava não tenha sido preservada. A ausência desse elemento físico não inviabiliza a autoria, que depende de análise conjunta de outros fatores subjetivos (como contexto fático e testemunhos). A doutrina de Leonardo Barreto reforça que a quebra da cadeia de custódia interfere apenas na valoração da prova pelo julgador, exigindo reforço justificativo caso decida utilizá-la (Barreto, ob. cit.). Assim, rejeito a preliminar de nulidade, pois a ausência da bolsa não compromete a integridade da droga apreendida, cuja autenticidade foi atestada por laudo toxicológico definitivo. A cadeia de custódia, embora incompleta quanto ao recipiente, foi respeitada quanto ao entorpecente em si, garantindo sua admissibilidade como prova. A crítica à ligação entre a ré e a bolsa diz respeito à valoração da autoria, e não à invalidade da materialidade. A decisão sobre a participação de Tatiane dependerá da análise conjunta das provas, considerando as inconsistências nos depoimentos e a fragilidade do vínculo entre a ré e a droga apreendida. Não havendo outras preliminares a apreciar ou nulidades a sanar, sigo ao mérito. A materialidade delitiva restou comprovada a partir do APFD às fls. 05/09; REDS às fls. 10/13v (ID 10100966638); auto de apreensão às fls. 17; Exame Preliminar às fls. 19; capturas de tela às fls. 33/36; Exame Toxicológico Definitivo às fls. 37/37v (ID 10100966639). A autoria delitiva se comprovou em face de Tatiane Fonseca Machado, a partir da prova oral produzida em juízo, esta, por sua vez, complementada pelos elementos informativos que constam do APFD às fls. 05/09; REDS às fls. 10/13v (ID 10100966638); auto de apreensão às fls. 17; Exame Preliminar às fls. 19; capturas de tela às fls. 33/36; Exame Toxicológico Definitivo às fls. 37/37v (ID 10100966639). Saliento que a ré foi presa em estado de flagrância é a mais cabal, a mais convincente das provas do crime e de sua autoria que a Justiça pode obter, desde que não encontre oposição formada em juízo que a inutilize ou modifique (nesse sentido, TACRIM/SP - AP - Rel. Gonçalves Sobrinho – JUTACRIM/SP 43/251). A ré Tatiane Fonseca Machado, ao ser interrogada em juízo: I - negou ser traficante de drogas e afirmou que estava comprando água de coco em um mercadinho quando encontrou Valdeir, pedindo carona até o bairro Jardim Pérola para buscar uma antena da Sky; II - durante o trajeto, Valdeir precisou passar no bairro Planalto, mas não sabia o motivo; III - antes de descer do carro, Valdeir puxou uma bolsa debaixo do banco onde ela estava, desconhecendo a procedência da bolsa com tabletes de crack; IV - negou ter conhecimento sobre a droga e afirmou que jamais entraria no carro caso soubesse; V - conhece Valdeir há 15 anos, sendo ele sobrinho do ex-cunhado dela, Walter Rodrigues Marques; VI - afirmou que o aparelho celular Samsung branco com capa rosa é de sua propriedade, desconhecendo a origem dos outros celulares encontrados no veículo. O co-réu Valdeir Rodrigues, ouvido como testemunha: I - negou qualquer envolvimento com tráfico de drogas e afirmou que deu carona a Tatiane após encontrá-la em um bar, levando-a ao centro para comprar um controle de televisão; II - durante o trajeto, foram surpreendidos por policiais militares em um cerco; III - afirmou não ter conhecimento sobre a droga encontrada debaixo do banco do carona, alegando ter deixado o veículo em uma oficina na Avenida JK; IV - desconhecia a procedência dos celulares encontrados dentro da bolsa com a droga; V - negou ser traficante e que não estava transportando drogas para entregar a Ivan em troca de R$ 69.000,00. O policial Vanderli de Souza Nobre relatou que: I - após receber denúncias anônimas sobre Valdeir entregando drogas a Ivan, realizaram um cerco e monitoramento, abordando o veículo VW/Gol conduzido por Valdeir; II - durante buscas, encontraram aproximadamente seis quilos de crack divididos em oito tabletes; III - constataram que Valdeir estava acompanhado de Tatiane para a entrega da droga; IV - deram voz de prisão aos conduzidos e apreenderam substâncias entorpecentes e aparelhos celulares. A testemunha Renato Andrade Catalunia, policial militar, afirmou que: I - participou da prisão de Valdeir e Tatiane pela prática de tráfico de drogas após cerco policial; II - auxiliou nas prisões e conduções dos acusados para a delegacia, juntamente com substâncias entorpecentes; III - durante buscas no interior do veículo VW/Gol, encontrou uma bolsa com oito tabletes de crack pesando mais de seis quilos; IV - confirmou que Tatiane estava no veículo acompanhando Valdeir na entrega da droga; V - não se lembrava do nome dos réus, mas confirmou que a entrega de drogas seria realizada por Valdeir e Tatiane para Ivan, envolvido com a gangue "Milete". O policial Mauro César Prates relatou que: I - a guarnição saiu em patrulhamento após receber informações sobre indivíduos transportando drogas; II - ao chegarem à avenida do acesso 2, o veículo dos réus entrou em um cortejo sem sinalizar, chamando a atenção da equipe; III - durante a abordagem, foi encontrada uma bolsa com cerca de seis barras de cocaína; IV - os réus assumiram a propriedade da droga e confirmaram que a entrega seria feita a Ivan, traficante do bairro Planalto, em troca de R$ 69.000,00; V - os acusados ficaram nervosos no momento da abordagem e, inicialmente, negaram transportar drogas. Não se pode olvidar, no caso em tela, que os depoimentos de policiais têm validade e devem ser recebidos sem restrições, desde que em harmonia com os demais elementos de convicção existentes nos autos, como ocorre no presente caso. Inexiste indício nos autos que possa desabonar os depoimentos prestados pelos policiais penais, em juízo, de molde a caracterizar que fossem desafetos do acusado, tivessem hostil prevenção contra ele, ou quisessem indevidamente prejudicá-lo. A experiência profissional adquirida ao longo do tempo e, ainda, notadamente pela forma e circunstâncias que os fatos se deram creditam tais depoimentos. A respeito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: O depoimento testemunhal de agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. (HC 73.518-5, Rel. Celso de Mello - DJU - 18.10.96, p. 39.846). Tenho por suficientes as provas que compõem o processo, e entendo que os fatos foram elucidados em consonância com a descrição da denúncia, não subsistindo dúvidas a respeito da materialidade do fato e da autoria com relação a ré. A defesa insurge-se com a alegação de insuficiência probatória quanto à autoria delitiva, sustentando que a ré não teria participado do transporte da droga apreendida. Contudo, a análise do conjunto probatório demonstra que os elementos colhidos nos autos são hábeis a respaldar a condenação, em conformidade com os princípios da livre convicção motivada e da correlação entre prova e decisão judicial. A materialidade do crime restou inconteste, atestada pelo auto de apreensão, laudo toxicológico definitivo e depoimentos policiais, que confirmaram a apreensão de 6,193 kg de “crack”, substância entorpecente de alto potencial danoso e claramente vinculada ao tráfico, dada a quantidade e forma de acondicionamento (08 tabletes). O § 2º do artigo 28 da Lei de Drogas é claro ao estabelecer que a destinação mercantil da droga deve ser aferida considerando a quantidade apreendida, as circunstâncias do fato e a conduta dos envolvidos. No caso, a quantidade exorbitante do consumo pessoal, aliada ao contexto de transporte e entrega a terceiro, evidencia a intenção de comercialização, nos termos do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06. Quanto à autoria, os depoimentos dos policiais militares Mauro César Prates, Vanderli de Souza Nobre e Renato Andrade Catalunia, colhidos sob o crivo do contraditório, são unânimes em apontar a presença da ré no veículo no momento da abordagem e sua proximidade com a droga encontrada debaixo do banco onde estava sentada. O policial Mauro César Prates relatou, em juízo, que os réus inicialmente negaram a posse da droga, mas ficaram visivelmente nervosos durante a abordagem, conduta incompatível com mera carona casual. A ré, em seu interrogatório, admitiu que Valdeir puxou a bolsa debaixo do banco antes de descer do veículo, o que corrobora a tese de que a droga estava em local acessível e sob controle dos ocupantes do carro. A defesa sustenta que a ré desconhecia a existência da droga, alegando ter sido surpreendida por Valdeir durante o trajeto. No entanto, contradições flagrantes entre os depoimentos dos réus enfraquecem essa versão. Enquanto Tatiane afirmou ter pedido carona para buscar uma antena de Sky no bairro Jardim Pérola, Valdeir declarou ter levado a ré ao centro da cidade para comprar um controle de televisão. Além disso, Valdeir alegou ter deixado o veículo em uma oficina na Avenida JK, sem explicar como a droga teria chegado ao interior do automóvel, enquanto Tatiane negou qualquer ligação com o recipiente onde a substância foi encontrada. Tais incoerências, somadas à ausência de elementos externos que comprovem a versão defensiva (como perícia nos celulares apreendidos ou quebra de sigilo bancário), reforçam a credibilidade das testemunhas policiais e a consistência da narrativa acusatória. Ademais, o horário dos fatos, por volta das 18h, não parece favorecer a ideia de que buscavam uma antena ou controle de televisão. Também não merece crédito versão que alega o desconhecimento da origem dos entorpecentes ao aventar que o carro teria ficado certo tempo em uma oficina, pois a probabilidade de que um traficante com tamanho grau de descuido pudesse abandonar seis quilogramas de crack em um automóvel desconhecido não se reveste de grau algum de persuasão. Destaque-se, ainda, que o celular pessoal da ré (Samsung branco com capa rosa) foi encontrado dentro da bolsa que continha os tabletes de crack, fato que, isoladamente, não implica autoria, mas, em conjunto com outros elementos, fortalece a hipótese de participação. Por fim, a ré não apresentou qualquer prova alternativa capaz de desconstituir a hipótese acusatória, limitando-se a negar a autoria sem oferecer elementos concretos que sustentem sua versão. A simples negativa, sem respaldo probatório, não é suficiente para afastar a responsabilidade penal, especialmente quando confrontada com a robustez do contexto fático e a convergência das testemunhas. Assim, a autoria delitiva resta configurada, pois o conjunto probatório demonstra, além de qualquer dúvida razoável, que a ré estava ciente da presença da droga no veículo e participou, direta ou indiretamente, de sua remoção. A conduta de "transportar" prevista no art. 33, caput, da Lei 11.343/06 consuma-se com a simples posse da substância para fins alheios ao consumo pessoal, o que restou comprovado pela quantidade apreendida e pelas circunstâncias do flagrante. A despeito do pleito ministerial concernente à inaplicabilidade do tráfico privilegiado, prevista no §4° do art. 33 da Lei n° 11.343/2006, entendo que Tatiane faz jus à causa de diminuição da pena, eis que primária, de antecedentes imaculados, e inexistem informações dando conta de envolvimento pretérito na criminalidade, habitualidade delitiva ou envolvimento com organizações criminosas. A quantidade de droga, por si só, não induz à conclusão de habitualidade delitiva, apesar de indicar possíveis conexões com fontes de fornecimento de entorpecentes. Considerando, no entanto, que a conduta de Tatiane, por assemelhar-se ao transporte de drogas nas modalidades popularmente conhecidas como “mula”, nada impede que seja, de fato, a primeira vez em que se dispõe a transportar drogas. Desta feita, é caso de aplicar a minorante, sem prejuízo da opção por diminuir a pena em fração menor. Não por outra razão, é o entendimento do Egrégio TJMG: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS, POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO E CORRUPÇÃO DE MENORES -PRELIMINAR: PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA EM RELAÇÃO AOS DELITOS DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO E CORRUPÇÃO DE MENORES - OCORRÊNCIA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - MÉRITO: ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - QUANTIDADE DE ENTORPECENTES - CRITÉRIO EXCLUSIVO PARA BALIZAR A FIXAÇÃO DA PENA-BASE - INVIABILIDADE - APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA DE REDUÇÃO - DESCABIMENTO - CONCURSO DE CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO - NECESSIDADE DE CORREÇÃO DE OFÍCIO - CONCESSÃO DE INDULTO - MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO - ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP) - PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO - PLEITO PREJUDICADO - REGULAR TRÂMITE DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 28-A DO CPP - INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO PELO PARQUET. - Transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação e transcorrido o prazo prescricional previsto em lei entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória em relação aos delitos de posse irregular de arma de fogo e corrupção de menores, deve ser declarada extinta a punibilidade da apelante em relação a esses crimes. - Comprovadas a materialidade e a autoria, inviável a absolvição, impondo-se a manutenção da condenação. - A quantidade e natureza da droga são vetores que podem ser sopesados tanto para fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, vedando-se, apenas, a dupla valoração. - Tratando-se de elevada quantidade de drogas e de alto potencial lesivo, impossível a redução da pena pela minorante do tráfico privilegiado em sua fração máxima, devendo ser aplicada no patamar de 1/6, quantum justo e razoável ao caso concreto [...] (TJMG - Apelação Criminal 1.0000.24.477996-3/001, Relator(a): Des.(a) Paula Cunha e Silva , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/06/2025, publicação da súmula em 04/06/2025) Isto posto, comprovadas a autoria e materialidade delitivas e não havendo causas que excluam a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, impera a condenação da da ré Tatiane Fonseca Machado nos termos da denúncia. DISPOSITIVO Ante o exposto e por tudo que consta dos autos, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, para CONDENAR a ré TATIANE FONSECA MACHADO como incurso nas iras dos arts. 33, § 4°, da Lei nº 11.343/06. Passo a fixar-lhe a reprimenda, atento às diretrizes do art. 68 do Código Penal Brasileiro, observando as circunstâncias judiciais insertas no artigo 59, do mesmo Códex. A ré agiu com culpabilidade que demanda valoração, pois transportava expressiva quantidade de drogas, haja vista apreensão de quantitativo superior a 06 kg (seis) quilogramas da droga. Seus antecedentes são imaculados. Não há nos autos elementos técnicos acerca da personalidade do acusado. Quanto à sua conduta social, não há nos autos elementos hábeis para valoração. Os motivos são inerentes ao tipo. As circunstâncias foram aquelas inerentes a este tipo penal. Quanto às consequências, estas foram normais para o crime. E, finalmente, no caso presente não há que se falar em comportamento da vítima. Ponderadas as circunstâncias judiciais, e tendo como parâmetro o valor de (um sexto) da pena mínima cominada para o crime, fixo-lhe a pena-base em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos) dias-multa, o que tenho como necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Na etapa seguinte, a segunda do critério trifásico, não incidem atenuantes ou agravantes, pelo que fixo a pena intermediária em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos) dias-multa. Na terceira e última etapa, inexistindo causas de aumento da pena, mas incidindo a minorante do tráfico privilegiado, tenho por diminuir a pena em 1/6 (um sexto), diante da natureza da droga, posto que o crack ostenta elevado grau de perniciosidade e capacidade de determinar dependência. Com isso, torno definitiva e concreta a pena em 04 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa. Em observância aos critérios previstos no art. 59 do Código Penal Brasileiro, diante das disposições do art. 33, § 2º, alínea 'b’ do mesmo códex, o regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto. Considerando a pena aplicada e o início da prisão provisória do réu, estas não têm o condão de alterar o regime de pena, impossibilitando, por conseguinte, a aplicação do disposto no art. 387, §2° do Código de Processo Penal (detração). A ré não faz jus às benesses de que tratam os arts. 44 e 77 do Código Penal, em virtude do quantum da pena aplicada. Atendendo às condições econômicas do réu, relatadas nos autos, bem como o fato de que uma pena de alto valor tornará impossível o seu cumprimento, esvaziando o próprio sentido da pena, arbitro cada dia-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos (art. 60, CPB), conforme permitido no art. 49, § 1º, do CPB. A multa deverá ser atualizada quando da execução, na forma do art. 49, § 2º, do Código Penal Brasileiro. DISPOSIÇÕES FINAIS Intime-se a ré da sentença e a pagar a pena de multa, decorridos dez dias do trânsito em julgado desta decisão, vez que condeno os réus ao pagamento das custas processuais, mas, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC c/c art. 3º, do CPP, concedo-lhes os benefícios da justiça gratuita, haja vista as informações extraídas das manifestações defensivas. Em não havendo pagamento da multa, encaminhe-se certidões à Procuradoria da Fazenda Estadual para as providências cabíveis. Com fundamento no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, DETERMINO A SUSPENSÃO dos direitos políticos dos réus enquanto durarem os efeitos desta condenação. Concedo à ré Tatiane Fonseca Machado o direito de recorrer em liberdade, eis que assim permaneceram ao longo da instrução processual, não havendo razão para alteração deste quadro. Determino o perdimento do valor em monetário, apreendido nos autos (auto de apreensão ID 10100966639 – págs. 14) em favor da União,ante a existência de nexo de instrumentalidade do referido bem com o ilícito de tráfico de drogas tratado nestes autos (art. 91, II, 'a' e 'b', CPB c/c art. 60 da Lei nº 11.343/06). Determino, ainda a dos aparelhos telefônicos apreendido Auto de apreensão (auto de apreensão ID 10100966639 – págs. 14) juntando-se aos autos o respectivo termo, nos moldes do art. 10º do Provimento Conjunto nº 24/12, da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais e Manual de Gestão dos Bens Apreendidos editado pelo CNJ. Informo que a instituição a qual deverá proceder-se a doação é o Lar dos Velhinhos da sociedade de São Vicente de Paulo, sob CNPJ nº 21.078.191/0001-84, situada na rua Osvaldo Cruz, 88 Centro, Governador Valadares CEP 35010-210. Proceda-se conforme disposto no art. da Lei n.º 11.343/06, no tocante às drogas apreendidas (auto de apreensão ID 10100966639 – págs. 14), caso a diligência ainda não tenha sido determinada. Por fim, determino a destruição dos demais bens apreendidos (auto de apreensão ID 10084283925 – págs. 19), tudo nos termos da Recomendação Conjunta 08/2011, emanada da Corregedoria Geral de Justiça e Corregedoria Geral do Ministério Público. Após o regular trânsito em julgado, se inalterada a presente decisão, procedam-se às anotações e comunicações necessárias, lançando-se o nome da réu no Livro Rol dos Culpados. Expeça-se Guia de Execução com as praxes legais. P.R.I.C. 1 BADARÓ, Gustavo. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson B. (org.). Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 523. 2 BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Portaria n. 82 de 18 de julho de 2014. Estabelece as Diretrizes Sobre os Procedimentos a Serem Observados no Tocante à Cadeia de Custódia de Vestígios. 3 ALVES. Leonardo Barreto Morais. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 754 Governador Valadares, data da assinatura eletrônica. EVERTON VILLARON DE SOUZA Juiz(íza) de Direito 1ª Vara Criminal da Comarca de Governador Valadares
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear