Processo nº 0014194-69.2021.8.13.0474
ID: 317378452
Tribunal: TJMG
Órgão: Núcleo de Justiça 4.0 - Criminal
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO SUMáRIO
Nº Processo: 0014194-69.2021.8.13.0474
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RONEY WALLISON BARBOSA BOA MORTE
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / Núcleo de Justiça 4.0 - Criminal , 1753, 16º andar, torre 2, Belo Horizonte - MG - CEP: 30380-900 …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / Núcleo de Justiça 4.0 - Criminal , 1753, 16º andar, torre 2, Belo Horizonte - MG - CEP: 30380-900 PROCESSO Nº: 0014194-69.2021.8.13.0474 CLASSE: [CRIMINAL] AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO SUMÁRIO (10943) ASSUNTO: [Contra a Mulher] AUTOR: Ministério Público - MPMG CPF: não informado RÉU: WILSON GOMES DA SILVA CPF: não informado SENTENÇA I - RELATÓRIO WILSON GOMES DA SILVA, qualificado nos autos, foi denunciado pelo Ministério Público Estadual como incurso nas sanções do art. 129, § 9º, do Código Penal, c/c o art. 7°, I, da Lei 11.340/06, pela prática do(s) seguinte(s) ato(s) delituoso(s): “Versam os autos que, no dia 30 de outubro de 2021, por volta das 22h22m, na Rua Doutor Geraldo José Martins, 285, Distrito Lagoa Bonita, em Cordisburgo/MG, em ato doloso de livre vontade, prevalecendo-se das relações domésticas, o DENUNCIADO ofendeu a integridade corporal de sua ex-companheira Neide Alves da Conceição Oliveira. Denota-se do Inquérito Policial que, no dia e local retromencionados, a vítima se encontrava em um bar, quando o DENUNCIADO a visualizou. Em ato contínuo, o DENUNCIADO aproximou-se da ofendida e desferiu tapas e socos contra a mesma, momento em que ela veio a cair ao solo perdendo momentaneamente a consciência, como exposto à fl. 10v dos autos. O Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID. 9608715896, fls. 02/06) deu início às investigações policiais. Laudo de Exame Corporal acostado junto ao ID. 9608715898, fl. 50. A prisão em flagrante do acusado, ocorrida em 30/10/2021, foi convertida em prisão preventiva no dia 31/10/2021, conforme decisão de ID. 9608715897, fls. 21/22, sendo posteriormente revogada em 01/12/2021, por força de concessão parcial de ordem de Habeas Corpus (ID. 9608715898, fls. 59/63). A denúncia (ID. 9608715896, fls. 01-D/02-D) foi oferecida em 19/11/2021, e recebida pelo juízo competente no dia 22/11/2021, consoante decisão de ID. 9608715898, fl. 53. O réu constituiu procurador nos autos (ID. 9608715898, fl. 42), o qual substabeleceu poderes (ID. 10332379389), foi devidamente citado (ID. 9608715899, fl. 68) e apresentou resposta à acusação por intermédio do defensor dativo (ID. 9608715899, fl. 73). Em audiência de instrução e julgamento, realizada em 17/05/2024 (ID. 10231795201), ausentaram-se a vítima e o réu. Na ocasião, foram inquiridas as testemunhas Josué Ferreira e Mailson Pereira, tendo o representante do Ministério Público insistido na oitiva da vítima e, para tanto, requerido sua condução coercitiva. Outrossim, a Defesa insistiu na oitiva da vítima e das testemunhas Odair Moreira de Carvalho e Ivaldir Luiz Pereira. Em relação à vítima e à testemunha Ivaldir, foi expedido mandado de condução coercitiva e, quanto ao réu, deu-se vista à Defesa para informar seu endereço atualizado no prazo de 10 dias. Em Audiência em continuação, realizada em 05 de junho de 2025 (id 10465728265) foram ouvidas as testemunhas Odair Moreira de Carvalho e Ivaldir Luiz Pereira, sendo decretada a revelia do réu. Posteriormente, o Ministério Público não logrou êxito em localizar a vítima, sendo encerrada a instrução processual. O Ministério Público, em alegações finais escritas (10470367337), pugnou pelo julgamento de procedência da pretensão punitiva estatal, com a condenação do réu nas sanções do delito previsto no art. 129, §13º, do Código Penal, com as implicações da Lei 11.340/06. Destacou as palavras da vítima em sede extrajudicial, com a integração pelos relatos dos Policiais Militares. Por sua vez, em memoriais escritos (id 10482828095), a Defesa requereu a absolvição do réu, sendo insuficiente para tanto o relato da ofendida, mormente porque destaca a circunstância de ter essa pessoa ido atrás do acusado. Ponderou que outras pessoas, em um ambiente público, poderiam ter prestado relatos, o que não foi providenciado. Enfatizou que “ a própria Sra. Neide deu causa às agressões verbais recíprocas entabuladas pelos litigantes”. Em caso de condenação, pleiteou pela fixação da pena-base no mínimo legal. É O RELATÓRIO. DECIDO. II - FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, cumpre salientar que não há nos autos qualquer causa que enseje a extinção da punibilidade, tampouco irregularidades ou nulidades a serem reconhecidas de ofício. Assim, o feito está apto a julgamento, razão pela qual inicio a análise das provas formadas no presente processo. A materialidade restou comprovada pelo APFD (ID. 9608715896, fls. 02/06), Boletim de Ocorrência (ID. 9608715896, fls. 09/11, Laudo de Exame Corporal (ID. 9608715898, fl. 50), bem como, indiretamente, pela prova oral colhida em Juízo. Passo à análise da autoria delitiva. Em sede policial (ID. 9608715896, fl. 06), o acusado negou a prática delitiva, nos seguintes termos: “[...] relata que está separado de NEIDE, com quem tem um filho menor; Que, na data de ontem o declarante estava em um bar e NEIDE chegou no local; Que, NEIDE agrediu o declarante com unhadas nas costas e queria jogar uma garrafa nele, então o declarante deu um tapa na cara de NEIDE e saiu em seguida do bar [...]”. Em juízo, não foi ouvido, em razão da revelia. Nota-se que, apesar de refutar a sua responsabilidade criminal pelo fato, não nega ter desferido um tapa na cara da vítima, mas utilizou como justificativa a necessidade de se defender. Ouvida na fase extrajudicial (ID. 9608715896, fl. 05), a vítima Neide Alves prestou o seguinte depoimento: “[...] QUE a declarante e WILSON foram amasiados durante onze anos e possuem um filho em comum de quatro anos de idade; Que faz cerca de quatro meses que a declarante e WILSON estão separados, mas ele não aceita o término e sempre agride a declarante; Que possui medida protetiva contra WILSON, mas mesmo assim ele a agride; Que, na data de ontem (30/10/21), a declarante estava em um bar e quando saiu na porta do estabelecimento para ver seu filho que estava brincando na praça com sua outra filha, WILSON já estava na porta e começou a agredi-la com socos pelo corpo; Que, a declarante caiu no chão e WILSON evadiu; Que a declarante foi para casa e acionou os policiais, que conseguiram prender WILSON; Que a declarante foi encaminhada ao hospital municipal onde recebeu atendimento médico; Que está com lesão na face e na mão direita, e sente dores pelo corpo devido à agressão; Que, deseja representar criminalmente contra WILSON pelas agressões sofridas [...]”. Em juízo, não foi encontrada para ratificar a versão por ela apresentada. Anoto que a palavra da vítima merece relevância no contexto de violência doméstica, uma vez que, em casos como este, ela reflete a realidade de um ambiente de intimidação e controle, frequentemente caracterizado pela dependência emocional/psicológica entre os envolvidos. Por isso, reveste-se de credibilidade das palavras da parte vulnerável, mormente quando seus relatos são consistentes com as evidências materiais e testemunhais, adquirindo relevância significativa no processo, com capacidade de revelar a dinâmica de agressão. Nessa direção, destaco os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: "Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume especial importância, atento que geralmente as ofensas ocorrem na clandestinidade. Incidência da Súmula n. 83 do STJ" (AgRg no AREsp n. 2.206.639/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 23/2/2024). “Na linha dos precedentes desta Corte, "não há qualquer ilegalidade no fato de a condenação referente a delitos praticados em ambiente doméstico ou familiar estar lastreada no depoimento prestado pela ofendida, já que tais ilícitos geralmente são praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais, motivo pelo qual a palavra da vítima possui especial relevância" (AgRg no AREsp n. 1.225.082/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 3/5/2018, DJe de 11/5/2018). “[...] Nos delitos perpetrados contra a mulher, em contexto de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação da condição feminina, a palavra da vítima recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por outros elementos probatórios. Isso porque em tais casos os delitos são praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais. Precedente. (AgRg no HC n. 842.971/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.) Extrai-se do relato da ofendida um detalhamento sobre as agressões e sua dimensão, bem como o contexto fático em que a violência ocorreu, não se vislumbrando, ainda, nenhum motivo para que a vítima pudesse incriminar injustamente o réu. Inquirida em juízo (ID. 10231795201), a testemunha PM Josué Ferreira Alves afirmou lembrar-se dos fatos e relatou que, na data em questão, a vítima informou que estava no “Bar do Walder” quando a acusado chegou ao local e passou a agredi-la com socos e tapas, por não ter gostado de vê-la bebendo com outras pessoas. Revelou que, segundo informações de populares presentes no estabelecimento, a vítima chegou a perder a consciência por alguns instantes em razão das agressões, tendo o acusado se aproveitado desse momento para deixar o local. Declarou que, ao chegar ao local, a vítima já havia sido socorrida e levada para sua residência. Constatou diversos hematomas no rosto da vítima, que ainda se queixava de dores nas costas, em razão de ter caído ao solo durante as agressões. Informou que, segundo relatos da vítima, o réu havia lhe mostrado uma arma na cintura e a ameaçado naquele mesmo dia, chegando a levantar a camisa para demonstrar que estava armado, com o intuito de intimidá-la. Destacou que a vítima afirmou que o réu exigia a reatamento do relacionamento antigo entre ambos, mas que, na época, ela possuía medida protetiva em vigor contra o agressor. Respondeu que localizou o autor na casa do irmão dele, Marcelo, mas ele negou tê-la agredido, afirmando que apenas tiveram um desentendimento. Relatou ainda que o acusado disse ter ido atrás da vítima por causa do filho que ambos tinham em comum, pois ela havia levado a criança para um ambiente de bar. Respondeu à Defesa que, inicialmente, o réu afirmou não ter agredido a vítima, mas, no quartel, durante a confecção do REDS, optou por permanecer em silêncio até o momento de sua apresentação na Delegacia de Polícia, razão pela qual sua versão não consta no boletim de ocorrência. Declarou que os frequentadores do bar presenciaram as agressões e que Marcelo, irmão do acusado, estava presente e teria retirado o réu do local. Explicou que a localidade é pequena e que as pessoas possuem laços de parentesco, o que as deixa receosas de prestar depoimento umas contra as outras, em razão da convivência próxima. Detalhou que, segundo populares, Marcelo presenciou o desenrolar dos fatos. Afirmou que outras pessoas estavam presentes no local, dentre elas a filha de Walder, proprietária do bar, embora não se recorde do nome dela. Lembrou-se de que ela tentou intervir para evitar transtornos no ambiente do bar. Destacou, por fim, que a vítima apresentava hálito etílico no dia dos fatos; contudo, o réu encontrava-se em estado avançado de embriaguez, manifestado por fala desconexa e olhos avermelhados, sintomas característicos desta condição. Na mesma ocasião (ID. 10231795201), sob o crivo do contraditório, a testemunha PM Mailson Pereira Machado declarou se lembrar dos fatos apurados neste feito, informando que a vítima acionou a polícia, e que a guarnição compareceu ao local dos acontecimentos. Explicou que o casal já protagonizou muitos episódios de brigas, tendo atendido diversas ocorrências envolvendo os dois. Relatou que, ao chegar ao local, encontrou Neide com um hematoma no rosto, e que ela afirmou ter sido agredida e ameaçada pelo marido. Recordou que encontrou o autor na residência do irmão deste, adotando os procedimentos policiais cabíveis. Informou que não presenciou os fatos, e que o acusado não se encontrava no local quando a guarnição chegou. Relatou que, segundo apurou, a vítima estava em um bar/festa quando o autor a viu no local e a agrediu com socos, lançando-a ao chão, momento em que ela teria perdido a consciência por alguns instantes. Lembrou ainda que havia uma medida protetiva em favor da vítima contra o autor. Respondeu que se dirigiram ao estabelecimento onde a vítima ainda se encontrava, ocasião em que ela relatou o ocorrido aos policiais. Confirmou o inteiro teor do depoimento prestado em sede extrajudicial. Em resposta à Defesa, afirmou que o acusado não quis apresentar sua versão no momento da elaboração do REDs, e declarou não saber informar se a vítima ou o réu apresentavam sinais de embriaguez. Elucidou que foram até o estabelecimento e a vítima ainda encontrava-se no local, tendo relatado o ocorrido para os policiais. Confirmou o inteiro teor do seu depoimento prestado em sede extrajudicial. Respondeu à Defesa que o acusado não quis apresentar sua versão no momento da elaboração dos REDs e que não sabe afirmar se a vítima ou o réu apresentavam sinais de embriaguez. Inquirida em juízo, a testemunha Odair Moreira de Carvalho declarou que conhece o réu há 11 anos; que estava no bar quando iniciou a briga; que só presenciou bate-boca; que não viu agressões; que nunca viu o réu agredindo a vítima ou outra pessoa; que é uma pessoa tranquila, não usa armas e é trabalhadora; Em sede judicial, a testemunha Ivaldir Luiz Pereira informou que estava em casa mesmo, no dia dos fatos, e nada presenciou; que conhece o réu faz tempo e trabalham juntos; que o acusado sempre foi uma pessoa trabalhadora; que não conhece a vítima. Por todo o exposto, consigno que existem elementos probatórios e circunstanciais robustos de que a vítima foi alvo de agressões físicas pelo réu, sendo evidenciada uma relação íntima de afeto entre a ofendida e o seu agressor, a teor dos arts. 5°, III, e 7°, I e II, ambos da Lei 11.340, de 2006. Apesar de não ter sido ouvida a ofendida sob o crivo do contraditório, integram os indícios colhidos em sede inquisitorial os relatos uníssonos dos Policiais Militares, capazes de revelar um cenário de violência doméstica contra a mulher, além da própria confissão do acusado, no sentido de ter desferido um tapa na vítima, o que se coaduna com o próprio arcabouço material. Independente de quem tenha iniciado as discussões, ou mesmo o ambiente da ocorrência, percebe-se, na sequência, um cenário de uso desmoderado de violência do réu no sentido de repelir eventual agressão por ele sofrida. Tem-se como parâmetro a situação de extrema vulnerabilidade da vítima frente ao réu, assim como a desproporção das sequelas geradas em um e outro. A desproporção se revela tão clara que sequer o réu invocou em seu favor a excludente de ilicitude quando ouvido anteriormente, preferindo se valer da tese sobre a negativa de sua conduta. Logo, a ação do réu se desqualifica como legítima defesa, uma vez que não preenchidos os pressupostos do art. 25, do Código Penal. Conforme pondera Guilherme de Souza Nucci, citando Jardim Linhares: “A escolha do meio defensivo e seu uso importarão na eleição daquilo que constitua a menor carga ofensiva possível, pois a legítima defesa foi criada para legalizar a defesa de um direito e não para punir o autor” (Código Penal Comentado - 9a ed. RT, 2009, p. 259). Passo a analisar a subsunção típica. Do crime de lesão corporal – Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Em primeiro lugar, entendo ser o caso de emendatio libelli, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, e em conformidade com o ponderado pelo Representante do Ministério Público. Com o advento da Lei 14.188/21, em 29 de julho de 2021, foi incluída a qualificadora do § 13 ao artigo 129 do Código Penal nas hipóteses em que "a lesão for praticada contra mulher, por razões da condição do sexo feminino", resultando uma pena de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão. A partir da leitura do mencionado dispositivo legal, conclui-se que a nova qualificadora descreve, especificamente, a violência de gênero, ultrapassando a interpretação contida no § 9º do artigo 129 do Codex. Assim, o crime de lesão corporal praticada em âmbito doméstico (artigo 129, § 9º, do CP) admite que o sujeito passivo seja tanto homens quanto mulheres, desde que seja "ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade". Dessa maneira, em síntese, o § 13 do artigo 129 do CP incidirá quando demonstrada a violência de gênero, enquanto o § 9º do mesmo dispositivo legal reserva-se para outros hipossuficientes nas relações domésticas. Ademais, quando o crime for praticado contra a mulher em âmbito doméstico, a situação de vulnerabilidade é presumida. No presente caso, o contexto em que se deram as agressões praticadas pelo réu demonstra que a violência sofrida pela vítima foi em razão do gênero, haja vista a relação entre as partes e a condição de vulnerabilidade da ofendida, o que caracteriza a violência definida no § 13 do artigo 129 do Código Penal. Nesse sentido é o entendimento do e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais: APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL PRATICADA CONTRA MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DE SEXO FEMININO (ART. 129, § 13, CÓDIGO PENAL)- DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME PREVISTO NO ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL - IMPOSSIBILIDADE. Constatado que o crime de lesão corporal foi praticado contra mulher, por razões da condição do sexo feminino, resta caracterizado o tipo penal descrito no art. 129, § 13, do Código Penal, não havendo, pois, que se falar em desclassificação da conduta para o delito descrito no § 9º". (TJMG, Apelação Criminal 1.0000.23.154367-9/001, Rel.(a) Des.(a) Valeria Rodrigues, 9a Câmara Criminal Especializa, julgamento em 31/01/2024, publicação da súmula em 31/01/2024- negritei). APELAÇÃO CRIMINAL - DELITOS DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA PRATICADOS NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO (ARTIGOS 129, § 13, E 147, CP) (...) DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA PREVISTA NO ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL - DESCABIMENTO (...). Os elementos constantes nos autos comprovam de forma satisfatória que o acusado prometeu e ofendeu a integridade física da vítima, causando-lhe as lesões corporais atestadas no exame de corpo de delito juntado aos autos, condutas que se amoldam àquelas descritas nos tipos previstos no art. 129, § 13 e 147, ambos do Código Penal, sendo de rigor a manutenção da condenação. Constatada a ocorrência de violência de gênero, afigura-se descabida a pretensão de desclassificação da conduta tipificada no art. 129, § 13, do Código Penal, para aquela prevista no art. 129, § 9º, do mesmo diploma legal. (...)". (TJMG, Apelação Criminal 1.0000.23.150833-4/001, Rel.(a) Des.(a) Kárin Emmerich, 9a Câmara Criminal Especializa, julgamento em 08/11/2023, publicação da súmula em 08/11/2023 - destaquei). Pois bem. Ao analisar as provas verifica-se como clarividente o nexo de causalidade entre a agressão à vítima e uma conduta dolosa do agente. Apesar de o réu tentar minimizar sua ação, o arcabouço probatório angariado no presente feito, especialmente pelo depoimento da vítima, não dá margem à dúvida de uma violência física sofrida pela ofendida. Ou seja, a relevância da palavra da vítima e elementos circunstanciais permitem essa conclusão. Cuida-se a infração penal de uma modalidade de contenda envolvendo a violência física/material, com a finalidade de provocar dano no corpo da vítima. O referido delito é um campo de adequação às práticas de que resulta no(a) ofendido(a) equimose (mancha escura, resultado de rompimento de vasos sanguíneos) e/ou hematoma (que seria uma equimose com um tumor ou inchaço). In casu, o Laudo de Exame Corporal (ID. 9608715898, fl. 50), registrou as seguintes lesões na vítima: “hematoma periocular direito com pequenas escoriações locais” e “escoriações em deltoide direito e punho”. Tais ferimentos corroboram o depoimento da vítima e revelam-se suficientes para a configuração do delito sub judice. Deste modo, tem-se que a conduta do acusado amolda-se ao crime previsto no art. 129, 13°, do Código Penal, sendo a condenação a medida a ser adotada. Considerações derradeiras A CAC (ID. 10464018956) constata que o réu é primário, registrando-se, contudo, que possui condenações com trânsito em julgado que tornam maus seus antecedentes. III - CONCLUSÃO DIANTE DO EXPOSTO e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO, para fins de CONDENAR WILSON GOMES DA SILVA, qualificado nos autos, às disposições do art. 129, § 13º, (redação anterior à Lei nº 14.994, de 2024), do Código Penal, com as implicações da Lei nº 11.340/2006, passando a fixar-lhe as penas respectivas. IV – FIXAÇÃO E DOSIMETRIA DAS PENAS Em face do disposto nos artigos 59 e 68, do Código Penal, passo a aferir as circunstâncias judiciais. A culpabilidade, enquanto juízo de reprovabilidade da conduta, embora grave, é inerente ao crime em apuração com as suas circunstâncias, razão pela qual não a valoro contrariamente ao sentenciado. Quanto aos antecedentes, verifica-se da documentação aportada aos autos que o sentenciado, apesar de primário, ostenta ao menos duas condenações transitadas em julgado pelo delito de lesão corporal qualificada pela violência doméstica (art. 129, § 9º, do Código Penal), conforme se constata dos processos de n° 0240220-48.2006.8.13.0474 e 0169496-53.2005.8.13.0474, razão pela qual são maus seus antecedentes. Em relação à conduta social e personalidade, estas não podem ser aferidas, ausentes dados sociológicos ou técnicos para tanto em prejuízo do sentenciado. Os motivos são inerentes ao próprio tipo penal incriminador, não sendo revelados na denúncia, ou após a produção da prova qualquer futilidade ou torpeza. As circunstâncias do crime são gravíssimas, considerando que as agressões ocorreram em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, contudo deixo para valorá-las, uma vez que já integra a figura típica em sua elementar. As consequências do crime não extrapolam as comuns e inerentes ao delito. O comportamento da vítima não incentivou, tampouco legitimou em qualquer grau a conduta do agente. Atento às circunstâncias analisadas, constatando apenas uma desfavorável ao sentenciado, promovo o aumento de 1/8. O aumento incidirá a partir da pena mínima da infração penal correspondente, e tendo como base de cálculo a diferença entre as sanções dispostas no tipo penal (01 a 04 anos de reclusão). Dessa forma, estabeleço a pena base em: 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda fase, ausentes causas atenuantes e agravantes, mantenho a pena no patamar anterior. Destaco que apesar do réu confessar a agressão contra a vítima, não se vislumbra espontaneidade no sentido de assumir qualquer responsabilidade pela infração, razão pela deixo de considerar a minorante em seu favor. Seguro o entendimento do STF de seu afastamento quando se tratar de confissão qualificada, dificultando a solução judicial: [...] A confissão qualificada, quando o réu admite parcialmente os fatos, mas apresenta tese defensiva contrária à acusação, como legítima defesa, não configura colaboração suficiente para justificar a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal, em conformidade com precedentes do STF. (2a Turma - HC 249365 AgR - Relator(a): Min. EDSON FACHIN, j; 22/02/2025). “[...] A atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime), configuradora da confissão, não se verifica quando se refere a fato diverso, não comprovado durante a instrução criminal, porquanto, ao invés de colaborar com o Judiciário na elucidação dos fatos, dificulta o deslinde do caso. (HC 102.002, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22.11.2011). “[...] Ao contrário do que afirma a impetrante, não se trata de confissão parcial, mas de confissão de fato diverso, não comprovado durante a instrução criminal, o que impossibilita a incidência da atenuante genérica de confissão espontânea, prevista no art. 65, III, d, do Código Penal. Precedente. (HC 108.148, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 07.06.2011) Na terceira fase, inexistentes causas de aumento e diminuição de pena, razão pela qual fixo a pena final em: 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. V – DISPOSIÇÕES FINAIS E EFEITOS DA CONDENAÇÃO O cumprimento da pena será feito inicialmente no regime ABERTO, conforme determinação do art. 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal. A prática delitiva mediante violência afasta a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, I, do Código Penal). Contudo, não havendo elementos da persistência de maior gravidade da situação, notadamente pela ausência de localização da vítima, legitima a aplicação do sursis (art. 77, do Código Penal), pelo prazo de 02 anos, com prestação de serviços à comunidade no primeiro ano, a teor do §1°, do art. 78, do CP. Afasto a possibilidade da modalidade especial de suspensão da pena, considerando os maus antecedentes do agente. Condeno o sentenciado ao pagamento das custas processuais, conforme art. 804 do CPP. Deixo de fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (art. 387, inciso IV, do CPP), porque não há nos autos elementos suficientes para aferir qualquer prejuízo à vítima, tampouco pedido expresso e quantificado nesse sentido. Com o trânsito em julgado, comunique-se ao TRE/MG, para os fins do art. 15, inciso III, da Constituição da República; façam-se os registros e comunicações necessários; e expeçam-se Guia de Execução Definitiva, instruindo-a com as cópias necessárias destes autos e encaminhando-a à competente Vara de Execuções Criminais. Com relação à cobrança de todas as despesas processuais, deverá a Secretaria, oportunamente, remeter cópia da liquidação desta sentença à Vara de Execuções Criminais competente, para que naquele Juízo possam ser cobradas todas as despesas processuais, nos termos da Lei de Execução Penal vigente. P.R.I De Belo Horizonte para Paraopeba, 03 de julho de 2025. DANIEL LEITE CHAVES Juiz de Direito Núcleo de Justiça 4.0 - Criminal
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