Processo nº 1015901-62.2024.8.11.0003
ID: 339884024
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1015901-62.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JACQUELINE ALMEIDA DROSGHIC
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1015901-62.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários] Relator: …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1015901-62.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MARCELLA MORAIS DIAS - CPF: 051.003.331-89 (APELANTE), RONALDO BEZERRA DOS SANTOS - CPF: 020.982.599-56 (ADVOGADO), JACQUELINE ALMEIDA DROSGHIC - CPF: 044.757.051-00 (ADVOGADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (APELADO), MILENA PIRAGINE - CPF: 295.235.348-40 (ADVOGADO), FLAVIO OLIMPIO DE AZEVEDO - CPF: 056.897.838-20 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): MARCELLA MORAIS DIAS APELADO(S): BANCO DO BRASIL AS EMENTA. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. DESCONTO DE VALORES DO FGTS PARA PAGAMENTO DE FIES. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. DESCABIMENTO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DE HONORÁRIOS. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais e materiais, condenando o Banco do Brasil S.A. à devolução simples de R$ 6.549,92 descontados de sua conta referente a título de FGTS utilizado para pagamento de dívida do FIES, afastando o pedido de devolução em dobro, indenização por danos morais e alegação de compensação de honorários. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se é devida a restituição em dobro dos valores descontados da conta da autora; (ii) estabelecer se a retenção de valores do FGTS caracteriza dano moral indenizável; (iii) determinar se houve compensação indevida dos honorários de sucumbência na sentença. III. RAZÕES DE DECIDIR O desconto realizado pelo banco é legítimo quando decorre de dívida existente, autorizada expressamente pela correntista, e praticado no exercício regular de direito. A utilização de valores do FGTS, uma vez creditados em conta corrente de livre movimentação, permite a compensação bancária prevista no art. 368 do Código Civil. A repetição do indébito em dobro exige cobrança indevida com má-fé, não caracterizada no caso concreto. A responsabilidade objetiva da instituição financeira depende da existência de conduta ilícita, nexo causal e dano, inexistentes quando há autorização expressa para o desconto. O dano moral pressupõe violação grave aos direitos da personalidade, não se caracterizando por mero aborrecimento ou dissabor. A distribuição proporcional dos honorários sucumbenciais prevista no art. 86 do CPC não configura compensação vedada pelo art. 85, §14, do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A compensação de valores depositados em conta corrente autorizada pelo correntista para pagamento de dívida legítima não configura ilicitude nem gera direito à repetição em dobro. A retenção de valores do FGTS autorizada pelo titular, após o crédito em conta, não enseja indenização por dano moral se não demonstrada violação grave aos direitos da personalidade. A distribuição proporcional dos honorários em caso de sucumbência recíproca não constitui compensação vedada pelo CPC. Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 14 e art. 42, parágrafo único; CC, arts. 188, I, e 368; CPC, arts. 85, § 11 e § 14, e 86. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 844.736/DF; TJMT, 1004080-64.2024.8.11.0002, 1047909-46.2022.8.11.0041; TJSP 10005374620218260453; TJDF 07027643620208070004 R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação (ID. 298706363) interposto por MARCELLA MORAIS DIAS contra sentença (ID. 298706362) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, nos autos da Ação de Restituição de Valores c/c Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada em face do BANCO DO BRASIL S/A, nos seguintes termos: Vistos, etc... MARCELA MORAIS DIASD, com qualificação nos autos, via seu bastante procurador, ingressou com a presente “Ação de Restituição de Valores c/c Indenização por Danos Morais” em desfavor de BANCO DO BRASIL S/A, com qualificação nos autos, aduzindo: “Que, no ano de 2017, abriu conta bancária, com a finalidade de receber o financiamento estudantil; que, no mês de fevereiro/2024, por conta do encerramento do contrato de trabalho, e, ao tentar realizar o saque do seu FGTS, percebeu que quase todo o valor fora utilizado para amortizar a dívida do FIES; que, o fundo tem caráter alimentar; que, o ato praticado pelo réu é abusivo; que, procurou solucionar a questão de forma administrativa, não logrando êxito, assim, requer a procedência da ação, com a restituição do valor de R$ 6.549,92 (seis mil, quinhentos e quarenta e nove reais, noventa e dois centavos), bem como a condenação do mesmo em danos morais e nos encargos da sucumbência. Junta documentos e dá à causa o valor de R$ 18.099,84 (dezoito mil, noventa e nove reais, oitenta e quatro centavos), postulando a ação sob o manto da assistência judiciária”. O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido, não sobrevindo nenhum recurso. O pedido de assistência judiciária foi deferido, bem como determinada a citação do réu, não sendo designada audiência de conciliação. Devidamente citado, ofereceu contestação, onde procurou rebater os argumentos levados a efeito pela autora, pugnando pela improcedência do pedido, com a condenação da mesma nos ônus da sucumbência. Juntou documentos. Houve impugnação. Foi determinada a especificação das provas, tendo as partes requerido o julgamento antecipado da lide, vindo-me os autos conclusos. É o relatório necessário. DE CI DO: Não há necessidade de dilação probatória no caso em tela, uma vez que a prova documental carreada ao ventre dos autos é suficiente para dar suporte a um seguro desate à lide, por isso, passo ao julgamento antecipado e o faço com amparo no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. A jurisprudência de nossos tribunais é firme no sentido de que o Banco do Brasil possui legitimidade passiva nas ações envolvendo contrato do FIES, visto que é o responsável pela gestão financeira do contrato. APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO ORDINÁRIA – IMPUGNAÇÃO A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – PRELIMINARES REJEITADAS – INSTITUIÇÃO DE ENSINO – APLICAÇÃO DO CDC – COBRANÇA DE MENSALIDADE EM VALOR SUPERIOR A DE ALUNOS PARTICULARES – FATO CONSTITUTIVO DEMONSTRADO – ART. 373, INCISO I, DO CPC – LEGITIMIDADE DO BANCO DO BRASIL – SENTENÇA MODIFICADA NO PONTO – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – 1º APELO – CONHECIDO E DESPROVIDO – 2º APELO – CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. É ônus do impugnante a comprovação da ausência dos requisitos da parte adversa para a concessão da assistência judiciária, sob pena de rejeição da impugnação. O cerne da demanda refere-se a cobrança de suposta diferença da mensalidade, e por esta razão, compete à Justiça Estadual a análise do contrato celebrado entre o aluno e a instituição de ensino . Não há cerceamento de defesa quando as provas produzidas nos autos são suficientes para estabelecer um juízo de certeza a respeito do caso. “O Banco do Brasil é parte legítima para figurar no polo passivo das ações onde se discute o contrato oriundo do FIES, independente da participação do FNDE. (TMT 10252952320178110041, Relatora: ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES, Data do Julgamento: 16.12 .2021, Data da Publicação:16.12.2021, Terceira Câmara de Direito Privado).” O ônus da prova incumbe ao autor os fatos constitutivos do seu direito (art . 373, inciso I do CPC) e ao réu quanto a fato impeditivo, modificativo e extintivo de seu direito (art. 373, inciso II, do CPC). In casu, restou devidamente demonstrado que a requerida, sem qualquer justificativa plausível, cobrou valores de mensalidade acima da parte autora, beneficiária do FIES, do que é cobrado de alunos particulares. (TJ-MT - AC: 10110363320198110015, Relator.: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 22/03/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/03/2023). Por fim, o pedido de impugnação ao valor da causa deve ser repelido, uma vez que em ação indenizatória, o valor atribuído à causa deve corresponder à cumulação de pedidos, nos termos do artigo 292, inciso V e VI, do Código de Processo Civil. Registro, inicialmente, a aplicabilidade doCódigo de Defesa do Consumidorà espécie, por se inserir a autora em pretensa relação jurídica como destinatária final dos serviços prestados pela ré, mercê dos danos supostamente sofridos pelos descontos indevidos em conta bancária do consumidor. Assim, por se tratar de relação de consumo, não há que se indagar a respeito da culpa dobancorequerido, sendo que sua responsabilidade decorre, exclusivamente, da suposta falha na prestação do serviço, diante da expressa previsão do artigo14,§ 1º, doCDC, que determina que o fornecedor responde, independentemente de culpa, pelos danos causados aos consumidores, ou àqueles equiparados em razão do defeito do serviço, dentre outras hipóteses. O fornecedor somente poderá eximir-se da sua responsabilidade quando comprovado que não existiu a falha, ou que houve culpa exclusiva de outrem, conformeestabelecido pelo § 3º do mesmo dispositivo legal. Nessa senda, cinge-se a controvérsia em analisar à possibilidade da instituição financeira debitar valores de abono salarial doFGTS, depositados na conta corrente da parte autora, para pagamento de dívida de financiamento estudantil, à devolução em dobro do indébito e à existência de danos morais a serem indenizados. Sobre o tema em exame, cediço que, consoante o art.2º,§ 2º, da Lei nº8.036/1990 e art.4ºda Lei Complementar nº26/1975, os saldos existentes em contas vinculadas ao FGTS e aoPIS-PASEPsão absolutamente impenhoráveis. Nesse sentido, inclusive, é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio do enunciado da Súmula 603,que assim dispõe: "É vedado ao banco mutuante reter em qualquer extensão o salário, os vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo comum contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignada, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual". Por certo, não pode o banco se valer da apropriação de salário do cliente, depositado em sua conta corrente, como forma de compensar-se da dívida deste em face de contrato de empréstimo inadimplido, eis que a remuneração, por ter caráter alimentar, é imune a constrições dessa espécie, porque viola, de fato, a regra legal da impenhorabilidade, a que alude o art.833, incisoIV, doCPC, aplicável por analogia. Todavia, impede pontuar, neste tocante, que o valor indevidamente retido já foi depositado em Juízo, como informado pela parte requerida Id 177229022. Além disso, entendo que não há que se falar em restituição em dobro, visto que ausente a demonstração de má-fé da instituição financeira, pressuposto inarredável para a aplicação do preceito contido no art.42,parágrafo único, doCódigo de Defesa do Consumidor. Por fim, quanto ao dano moral, tenho que também não merece ser acolhido. Isso porque,a meu juízo, apesar de ter a autora afirmado na inicial que teve sua moral e imagem abaladas em decorrência dos mencionados descontos, entendo que esses, ainda que realizados de forma indevida pelo requerido, por si só, não têm o condão de ensejar a reparação pelo alegado dano moral, tratando-se de mero aborrecimento, mormente em razão de terem ocorrido em um único dia, em verba extra recebida pelo autor. Ressalte-se que, não há nos autos qualquer informação de que em decorrência dos fatos a autora tenha sofrido constrangimento ou abalo à honra suficiente para a caracterização do dano moral, e tampouco houve comprovação nesse sentido. Não houve abalo de crédito, exposição a ridículo, nem repercussão negativa à requerente, configurando-se a situação dos autos em mero aborrecimento. Na espécie, o dano moral não é presumido, porque não se extrai nenhum constrangimento grave decorrente da conduta do requerido, de proceder a descontos de valor em conta corrente do cliente, ainda que tais descontos não fossem autorizados. Apesar do aborrecimento, não se constata perturbação sofrida pelo autor a ponto de atingir suas relações, sua tranquilidade e honra. Assim, não demonstrada a efetiva ocorrência dos alegados danos morais, o caso é de improcedência da referida pretensão. Face ao exposto e princípios de direito aplicáveis à espécie JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente “Ação de Restituição de Valores c/c Indenização por Danos Materiais e Morais” promovida por MARCELLA MORAIS DIAS, com qualificação nos autos em desfavor de BANCO DO BRASIL S/A, com qualificação nos autos para determinar a restituição da importância de R$ 6.549,92 (seis mil, quinhentos e quarenta e nove reais, noventa e dois centavos), devendo ser corrigida: juros de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária INPC a contar do desconto, ratificando a decisão Id 174452180. Arbitro os honorários advocatícios em 10% (dez por cento), sobre o valor dado à causa. Uma vez julgado parcialmente procedente a pretensão conjunta, é imperioso, processualmente, que se distribua e se autorize a compensação dos ônus sucumbenciais na proporção de 60% (sessenta por cento) para a autora e 40% (quarenta por cento) para o réu, conforme a orientação do art. 86, do CPC e da Súmula 306, do STJ. Neste caso, diga-se, considerar-se-ão as despesas e custas apuradas, respeitando-se os efeitos da gratuidade de justiça concedida à autora da ação, na forma do § 3º, do artigo 98 do Código de Processo Civil. Em suas razões recursais (ID. 298706363), a parte recorrente invoca os seguintes argumentos fático-jurídicos: 1. Possibilidade de restituição do valor do indébito em dobro na relação de consumo 2. Responsabilidade objetiva do banco e dever de indenizar por dano moral 3. Impossibilidade de compensação dos honorários de sucumbência Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, determinando a restituição em dobro do valor de R$ 6.549,92, condenando o apelado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 e afastando a compensação dos honorários advocatícios. Recurso tempestivo (Aba Expedientes – Sentença (39646711) – PJE 1º Grau) e preparo dispensado ante o deferimento da justiça gratuita (ID. 299375355). Contrarrazões (ID. 298706365), pelo desprovimento recursal. Não houve manifestação da Procuradoria de Justiça em razão da matéria. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): MARCELLA MORAIS DIAS APELADO(S): BANCO DO BRASIL SA VOTO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Reitero se tratar de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente a Ação de Restituição de Valores c/c Indenização por Danos Morais e Materiais, condenando o banco réu à restituição simples do valor de R$ 6.549,92 relativo ao FGTS da autora utilizado indevidamente para amortização de dívida do FIES, afastando o pedido de repetição do indébito em dobro e a indenização por danos morais. A parte Apelante, em suma, defende que deve ser reconhecida a possibilidade de restituição em dobro do valor indevidamente descontado, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. Sustenta, ainda, que há responsabilidade objetiva do banco e dever de indenizar por danos morais, em razão da utilização indevida do valor do FGTS, de caráter alimentar, para amortização de dívida do FIES. Além disso, argumenta que não é possível a compensação dos honorários de sucumbência, conforme vedação expressa no § 14 do art. 85 do CPC. Lado outro, a parte Apelada assevera que não há danos morais a indenizar, pois não restou comprovado prejuízo íntimo da autora em razão dos fatos narrados. Defende, ainda, que o mero aborrecimento não caracteriza dano moral indenizável e por fim, pugna pela manutenção da sentença recorrida. Passo à análise das teses recursais. 1. Possibilidade de restituição do valor do indébito em dobro na relação de consumo A Recorrente alega que considerando a retenção indevida pela Recorrida de valores depositados em sua conta corrente e atinentes a depósito de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, deve a restituição se dar na forma dobrado. Analisando detidamente os autos, verifica-se que, houve transferência do valor do FGTS para a conta da autora (ID. 298705878), bem como que de acordo com o documento apresentado pela Recorrida e não impugnado pela Recorrente, houve autorização expressa desta para que aquela procedesse com descontos em conta dos valores referente ao Financiamento 218.603.001 (ID. 298706353). A Apelada, por sua vez, demonstrou que o contrato de numeração 218.603.001 se refere ao Contrato de Abertura de Crédito celebrado em 10/03/2019 para financiamento de encargos educacionais da apelante (FIES) (ID. 298706353. Assim, considerando o débito legítimo e existente em nome da mesma junto ao Banco do Brasil, referente ao financiamento estudantil FIES, bem com como a sua expressa autorização para desconto de tais valores em sua conta, não há ilegalidade na retenção dos valores para pagamento da dívida. A autora/apelante é cliente do banco réu e tinha ciência da dívida existente. A instituição financeira, ao efetuar o desconto dos valores depositados na conta corrente da autora para adimplemento de dívida com sua expressa anuência, agiu no exercício regular de seu direito. Não obstante, cabe destacar que a Súmula 603 do STJ, que vedava a retenção de salários, vencimentos e/ou proventos para adimplir mútuo comum, foi cancelada pela Segunda Seção, na sessão de 22 de agosto de 2018, ao julgar o REsp 1.555.722-SP, não podendo mais ser utilizada como fundamento jurídico para a presente demanda. Cumpre salientar que, embora os valores oriundos do FGTS possuam natureza alimentar, não se pode olvidar que, uma vez depositados em conta corrente de livre movimentação, esses valores se incorporam ao patrimônio disponível do correntista, possibilitando que a instituição financeira, diante da inadimplência contratual, efetue a compensação bancária prevista no artigo 368 do Código Civil. Nesse sentido, tem sido o entendimento jurisprudencial recente: APELAÇÃO – Ação de restituição c.c. indenização por danos morais – Pretensão fundada em retenção indevida de verba salarial (abono PIS /PASEP)– Financiamento estudantil – Retenção do valor creditado para pagamento da dívida - Sentença de parcial procedência – Recursos de ambas as partes - Salário que depositado em conta corrente se transforma em ativo financeiro comum, cujo gasto fica a critério exclusivo do correntista – Contrato FIES que traz previsão expressa de amortização da dívida em conta corrente – Ausência de qualquer ilicitude – Improcedência da demanda que se impõe - Recurso do réu provido, prejudicado o recurso da autora. (TJ-SP - AC: 10005374620218260453 SP 1000537-46 .2021.8.26.0453, Relator.: Irineu Fava, Data de Julgamento: 10/02/2022, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/02/2022) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. AUTORIZAÇÃO LEGAL E CONTRATUAL DE DESCONTO EM CONTA CORRENTE . IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO. 1. Em recente pronunciamento, o C. STJ fixou tese repetitiva para afastar a limitação de descontos de empréstimos em conta corrente quando autorizados pelo mutuário (Tema 1085) . 2. No caso ora em análise, apesar de se tratar de contrato de financiamento estudantil firmado entre as partes, não há dúvidas de que o devedor concedeu livre autorização para a realização de descontos em conta corrente, não havendo razões suficientes para afastar o entendimento vinculante manifestado pelo C. STJ. 3 . O desconto em conta corrente advindo de expressa autorização em contrato de financiamento regularmente formalizado entre as partes não se confunde com penhora de valores, de maneira que não se sustenta o argumento da impenhorabilidade de verbas. 4. Deu-se provimento ao apelo do réu e negou-se provimento ao apelo do autor. (TJ-DF 07027643620208070004 1682989, Relator.: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 23/03/2023, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 11/04/2023) Ademais, não se verifica má-fé do banco apelado a justificar a repetição do indébito, visto que o desconto foi autorizado pela Recorrente e realizado em virtude de débito existente e legítimo, dentro da relação contratual mantida entre as partes. Desta forma, não há que se falar em devolução em dobro dos valores, uma vez que a cobrança realizada pelo banco foi legítima, dentro do exercício regular de seu direito. 2. Responsabilidade objetiva do banco e dever de indenizar por dano moral A recorrente pleiteia que seja reconhecida a responsabilidade objetiva do banco e dever de indenizar por dano moral pela retenção indevida dos valores depositados em sua conta e que se relacionamento com seu fundo de garantia. Como é cediço, a responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras, prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe a demonstração do dano e do nexo causal entre este e a conduta do agente. Contudo, não haverá o dever de indenizar quando não configurado o ato ilícito, conforme preceitua o artigo 188, inciso I, do Código Civil, que exclui a ilicitude dos atos praticados no exercício regular de um direito reconhecido. In casu, como já explicitado, o banco apelado agiu no exercício regular de seu direito ao proceder à compensação do débito existente com os valores depositados na conta da apelante, a qual reitero se deu com sua própria autorização. Assim, não havendo conduta ilícita, não se configura o dever de indenizar. Além disso, para a caracterização do dano moral indenizável, é necessária a ocorrência de uma lesão significativa aos direitos da personalidade, situação que transcende o mero dissabor ou aborrecimento cotidiano. Na hipótese dos autos, não há elementos que demonstrem que a apelante tenha sofrido abalo psíquico de magnitude tal que ultrapasse o campo do mero aborrecimento. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que "mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo " (REsp 844.736/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 09/11/2009). Em sentido similar, a jurisprudência desta Corte: EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. DESCONTOS AUTORIZADOS EM CONTA CORRENTE. AUTENTICIDADE DA ASSINATURA NÃO COMPROVADAMENTE AFASTADA. INÉRCIA NA PRODUÇÃO DE PROVA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO I. Caso em exame 1. Apelação interposta por consumidora contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de inexistência de débito, devolução em dobro dos valores descontados de sua conta bancária e indenização por danos morais, em razão de descontos realizados sob a rubrica “PSERV”, atribuídos a contrato de prestação de serviço com a empresa ré. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se houve cerceamento de defesa pela não realização de perícia grafotécnica; (ii) saber se existe relação jurídica entre a autora e a empresa responsável pelos descontos; (iii) saber se há responsabilidade do banco pelos descontos efetuados; (iv) saber se é devida a restituição em dobro e a indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. Não configurado cerceamento de defesa, diante da inércia da parte autora ao ser intimada para especificação de provas, tendo deixado de requerer a perícia grafotécnica oportunamente. 4. A existência de contrato com dados pessoais da autora e autorização expressa de descontos em conta corrente, somada à ausência de impugnação técnica válida, corrobora a legitimidade da contratação. 5. A atuação do banco se limitou à execução de ordens autorizadas pela titular da conta, inexistindo demonstração de irregularidade em sua conduta. 6. Inviável a devolução em dobro por ausência de cobrança indevida comprovada. 7. A inexistência de ato ilícito afasta a possibilidade de reparação por danos morais, não se caracterizando a ocorrência de violação a direitos da personalidade. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação desprovido. *Tese de julgamento:* "1. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento de produção de prova pericial quando a parte interessada, intimada, deixa de se manifestar sobre as provas a produzir. 2. A existência de contrato assinado com autorização expressa de desconto bancário, não infirmado por prova técnica idônea, legitima os lançamentos realizados em conta corrente. 3. O banco não responde solidariamente por descontos realizados por ordem do correntista, ausente demonstração de má-fé ou irregularidade. 4. A devolução em dobro e a indenização por danos morais exigem prova da indevida cobrança e do dano, o que não se verifica quando comprovada a contratação regular." (N.U 1004080-64.2024.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO APARECIDO GUEDES, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 21/07/2025, Publicado no DJE 21/07/2025) Portanto, não havendo ilicitude na conduta do banco apelado, tampouco demonstração de dano moral efetivamente suportado pela apelante, não há que se falar em responsabilidade civil e consequente dever de indenizar. 3. Impossibilidade de compensação dos honorários de sucumbência A Recorrente assevera, ainda, que a sentença incorreu em erro ao determinar a compensação dos honorários advocatícios considerando ser caso de sucumbência parcial, bem como por se tratar de vedação expressa do legislador nesse sentido. Cumpre, de logo, enfrentar a questão atinente à fixação e ao modo de pagamento dos honorários de sucumbência, uma vez que a sentença de origem, ao arbitrá-los em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, determinou a sua repartição entre as partes, atribuindo à parte recorrente a responsabilidade pelo pagamento de 60% (sessenta por cento) e à parte ré o encargo dos 40% (quarenta por cento) restantes. É preciso destacar que essa forma de distribuição não se confunde com compensação de honorários, instituto expressamente vedado pelo artigo 85, § 14, do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe textualmente: " Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial". O que se verifica na hipótese é a aplicação do artigo 86 do CPC, que impõe, havendo sucumbência recíproca, a divisão proporcional dos ônus sucumbenciais, incluindo custas e honorários. Nessa hipótese, cada parte é condenada a suportar a verba honorária devida ao patrono da parte adversa na medida de sua própria derrota, e não há, em momento algum, a extinção de obrigações pela via da compensação. Em outras palavras, não se está diante de um encontro de contas, mas de obrigações autônomas e recíprocas: a parte autora (recorrente) deve arcar com 60% do valor dos honorários, diretamente em favor dos patronos da parte ré, enquanto a parte ré responde pelos 40% remanescentes, a serem pagos diretamente aos advogados da parte autora. Com isso, cada crédito permanece hígido e pode ser exigido de forma independente, sem abatimentos ou deduções cruzadas, sendo, portanto, técnica de rateio proporcional dos encargos sucumbenciais, preservando-se, como determina o legislador, o caráter alimentar e autônomo da verba honorária. Assim, a distribuição adotada na sentença está em conformidade com a legislação processual e com a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a vedação à compensação de honorários não impede a repartição proporcional do encargo em casos de sucumbência recíproca. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO POR AMBAS AS PARTES – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO - PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA – RELATIVIZAÇÃO – RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO ENTRE AS PARTES – JUROS REMUNERATÓRIOS EXCESSIVOS – POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO – JUROS CONTRATADOS MUITO ALÉM DA TAXA MÉDIA DE MERCADO PREVISTA PELO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO – NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO PREVISTA PELO BACEN - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – VIABILIDADE – INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBÊNCIAIS – ÔNUS MANTIDOS - APLICAÇÃO DO ART. 86, CAPUT, DO CPC – DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL AO GRAU DE PERDA - MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DESCABIMENTO – SENTENÇA MANTIDA – AMBOS OS RECURSO DESPROVIDOS - É possível a revisão de cláusulas pactuadas quando demonstrada a onerosidade excessiva ao consumidor, admitindo-se a relativização do princípio pacta sunt servanda a fim de estabelecer o equilíbrio contratual. Demonstrado o excesso dos juros remuneratórios capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, admite-se a sua revisão, a fim de readequar à taxa média de mercado prevista pelo BACEN. Restando constatada, em sede de liquidação de sentença, a ocorrência de pagamento indevido pelo consumidor, é possível a restituição, na forma simples, dos valores pagos indevidamente, devidamente atualizados, sob pena de enriquecimento ilícito. O rateio proporcional ao grau de perda é medida que se impõe quando ambas as partes foram vencidos e vencedores, conforme prescreve o art. 86, caput, do novo CPC. No que tange aos honorários advocatícios, a 2.ª Seção do STJ já definiu que “primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º). [...]. (AgInt no AREsp 1760685/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2021, DJe 12/05/2021). (sem grifos no original) Não há que se falar em minoração e/ou majoração dos honorários advocatícios, quando o percentual fixado na sentença está em conformidade com o § 2º, art. 85 do CPC, considerando que não houve produção de outros tipos de prova, a não ser documentais, além do fato de tratar-se de demanda de pouca complexidade, uma vez que a verba honorária fixada está condizente com os trabalhos realizados pelos causídicos na defesa de seus clientes, não comportando alteração. (N.U 1047909-46.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/08/2023, Publicado no DJE 30/08/2023) (grifo nosso) Por conseguinte, a condenação imposta na origem – 10% sobre o valor da causa, sendo 60% devidos pela recorrente e 40% pela recorrida – não caracteriza compensação de honorários, mas simples repartição das obrigações, cada qual exigível de forma direta e independente pelo advogado da parte contrária. Conclusão. Por essas razões, conheço do recurso de Apelação e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo inalterados os termos da r. sentença fustigada. Ante o resultado do julgamento, majoro os honorários de sucumbência fixados, pelo Juízo de 1º Grau, em desfavor do recorrente MARCELLA MORAIS DIAS, para o importe de 12% (doze por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC, todavia, a execução de valores ficará suspensa, tendo em vista o benefício da assistência judiciária, de acordo com o art. 98, §3º, do Código de Processo Civil. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025
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