Jesuel Da Silva x Jesuel Da Silva
ID: 335933358
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1008349-68.2023.8.11.0007
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JAIRO CEZAR DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ABDIEL VIRGINO MATHIAS DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1008349-68.2023.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TAD…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1008349-68.2023.8.11.0007 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES Turma Julgadora: [DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), A APURAR (APELANTE), JESUEL DA SILVA - CPF: 062.181.631-05 (APELANTE), JAIRO CEZAR DA SILVA - CPF: 932.655.651-49 (ADVOGADO), ABDIEL VIRGINO MATHIAS DE SOUZA - CPF: 024.704.181-51 (ADVOGADO), KAUE DA SILVA FERREIRA - CPF: 102.971.221-26 (TERCEIRO INTERESSADO), SELESVAN DE SOUSA - CPF: 026.365.721-39 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDERSON DE SA FERREIRA - CPF: 019.981.631-05 (TERCEIRO INTERESSADO), AMANDA BRUNO DE CAMPOS - CPF: 066.691.611-07 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDERSON PEREIRA FERREIRA - CPF: 992.072.651-68 (TERCEIRO INTERESSADO), ANTERO AMARAL SOUZA NETO - CPF: 012.781.201-65 (TERCEIRO INTERESSADO), CLEONICE MARTINS DA SILVA - CPF: 791.096.321-15 (TERCEIRO INTERESSADO), ERIK AMARAL COSTA - CPF: 047.625.101-06 (TERCEIRO INTERESSADO), GUSTAVO VINICIUS MONTEIRO DOS REIS - CPF: 012.654.491-39 (TERCEIRO INTERESSADO), LEANDRO APARECIDO DA SILVA - CPF: 049.467.421-07 (TERCEIRO INTERESSADO), LUANA CHAGAS DE OLIVEIRA - CPF: 062.015.251-65 (TERCEIRO INTERESSADO), PAULO ROBERTO DE AMARAL - CPF: 934.530.271-91 (TERCEIRO INTERESSADO), TATIELE DE SOUZA MAGRI - CPF: 105.950.549-51 (TERCEIRO INTERESSADO), VALTAIR JOSE MARCOS - CPF: 015.858.011-78 (TERCEIRO INTERESSADO), R. C. D. S. - CPF: 073.720.651-94 (ASSISTENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), ABDIEL VIRGINO MATHIAS DE SOUZA - CPF: 024.704.181-51 (ADVOGADO), JAIRO CEZAR DA SILVA - CPF: 932.655.651-49 (ADVOGADO), JESUEL DA SILVA - CPF: 062.181.631-05 (APELADO), LEANDRO KLAUS DE FREITAS - CPF: 045.040.401-31 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. .EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA DO MEIO CRUEL. DECISÃO DOS JURADOS EM CONSONÂNCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. PEDIDO DEFENSIVO DE ANULAÇÃO DA SESSÃO DO JÚRI. INVIABILIDADE. ARGUMENTOS DE AUTORIDADE NÃO CONFIGURADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CONDUTA SOCIAL E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. READEQUAÇÃO DA DOSIMETRIA. CONTRIBUIÇÃO DA VÍTIMA PARA OS FATOS. PENA REDIMENSIONADA. REGIME FECHADO MANTIDO. I. Caso em exame: 1. Trata-se de apelações interpostas contra a sentença do Tribunal do Júri que condenou o réu pela prática de homicídio qualificado por meio cruel, fixando-lhe pena de 12 (doze) anos de reclusão em regime fechado. II. Questão em discussão: 2. Há duas questões em discussão: (I) saber se a decisão do Conselho de Sentença é manifestamente contrária à prova dos autos, inclusive quanto à qualificadora do meio cruel, e se houve nulidade na sessão do júri por uso de argumentos de autoridade; (II) saber se é possível a readequação da dosimetria da pena, considerando a conduta social do réu, as consequências do crime e o comportamento da vítima. III. Razões de decidir: 3. A alegação de nulidade por uso de “argumento de autoridade” foi afastada, pois os elementos utilizados pela acusação estavam regularmente nos autos e acessíveis à defesa. 4. A prova coligida sustenta a decisão dos jurados quanto à autoria e à qualificadora do meio cruel, devendo ser respeitada a decisão soberana do Tribunal do Júri. 5. A conduta social do réu foi negativada com base em provas de sua inserção e função relevante em organização criminosa, o que se sobrepõe à vedação da Súmula 444 do STJ. 6. A consequência do crime extrapola o tipo penal, considerando a orfandade de filha menor da vítima. 7. O comportamento da vítima contribuiu para a eclosão dos fatos, justificando a mitigação da pena-base. 8. A pena foi redimensionada para 14 (catorze) anos de reclusão em regime fechado. IV. Dispositivo e tese: 5. RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. Teses de julgamento: “1. A utilização de elementos constantes dos autos, ainda que oriundos de outros processos, não configura nulidade por ‘argumento de autoridade’ quando respeitado o contraditório e a ampla defesa. 2. Não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Tribunal do Júri que encontra respaldo no conjunto probatório, ainda que indireto. 3. A inserção do réu em facção criminosa justifica a valoração negativa da conduta social. 4. A orfandade da vítima menor autoriza a negativação das consequências do crime. 5. O comportamento provocador da vítima permite o abrandamento da pena-base. 6. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri impede a anulação do julgamento quando adota versão amparadas por provas nos autos.” Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59, 121, §2º, III; CPP, art. 593, III, d; CF/1988, art. 5º, XXXVIII, c. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, AgRg no HC 810692/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 11/09/2023, DJe 14/09/2023. STJ, AgRg no HC 822339/SC, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, 6ª Turma, j. 04/03/2024, DJe 07/03/2024. STJ, AgRg no AREsp 1902179/MA, Rel. Min. Laurita Vaz. TJMT, N.U 0003713-74.2016.8.11.0087, Rel. Paulo Sergio Carreira de Souza, Segunda Câmara Criminal, j. 07/07/2025, DJE 07/07/2025. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES (RELATOR). Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por JESUEL DA SILVA e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, pretendendo a reforma da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara da Comarca de Alta Floresta/MT, que condenou: A) JESUEL DA SILVA como incurso nas penas do artigo 121, § 2º, inciso III (meio cruel), do Código Penal, impondo-lhe a pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado. Em suas razões recursais, JESUEL DA SILVA preliminarmente, arguiu a nulidade da sessão plenária de 04/07/2024, alegando que o Promotor de Justiça utilizou "argumentos de autoridade" e documentos de outros processos, o que induziu os jurados ao erro, causando-lhe prejuízos. No mérito, postula a anulação do julgamento, por considerar a decisão manifestamente contrária à prova dos autos quanto à autoria e à qualificadora do meio cruel, sustentando que não há indícios de sua autoria e que a reiteração de golpes não caracteriza meio cruel, requerendo a concessão Habeas Corpus e a análise do comportamento da vítima para abrandar a pena-base. Ao final, prequestiona os artigos 59 e 121, § 2º, inc. III, do Código Penal, artigo 387, inc. IV, do Código de Processo Penal, e artigos 1º, III, 5º, XXXV, XXXVIII e alíneas, LVII, e 93, IX, da Constituição Federal, bem como as Súmulas nº 444 e 545 do STJ, para fins de eventual Recurso Especial e/ou Extraordinário. B) Por sua vez, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, em suas razões de apelo, busca a exasperação da pena-base, requerendo a negativação das circunstâncias judiciais relativas à culpabilidade, conduta social, personalidade, circunstâncias do crime e consequências do crime, a fim de que a pena final seja fixada em 23 (vinte e três) anos e 3 (três) meses de reclusão. Em contrarrazões, a Defesa de JESUEL DA SILVA pediu o desprovimento do recurso do Ministério Público, e o Ministério Público, em suas contrarrazões, manifestou-se pelo não provimento do recurso defensivo. Na sequência, a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso defensivo e parcial provimento do apelo ministerial, somente para negativar as circunstâncias judiciais referentes à conduta social, circunstâncias e consequências do crime, aumentando a sanção imposta. É o relatório. À douta revisão. VOTO Egrégia Câmara: Conheço o recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, bem como, por ser tempestivo. Infere-se da peça acusatória que: “(...) no dia 1º de maio de 2023, por volta das 03h00, na via pública da Avenida Amazonas, Bairro Cidade Alta, nas proximidades do estabelecimento comercial “Chora Viola”, Município de Alta Floresta/MT, JESUEL DA SILVA, dolosamente e com meio cruel, matou a vítima Leandro Klaus de Freitas. Averiguou-se que na data e local supracitados, após entrevero entre a vítima Leandro Klaus de Freitas e o adolescente Kaue da Silva Ferreira – vulgo Coveiro, faccionado com a organização criminosa denominada Comando Vermelho –, JESUEL tomou posse de um machadinho e desferiu vários golpes na cabeça de Leandro Klaus de Freitas, resultando em ferimentos que levaram o ofendido a óbito. Constatou-se que o crime foi praticado com meio cruel, ante a multiplicidade de golpes e a brutalidade desmedida na execução do delito. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO denuncia JESUEL DA SILVA como incurso no artigo 121, § 2º, inciso III (meio cruel), do Código Penal, a fim de que, recebida e autuada esta, seja o acusado citado, nos termos do art. 384 do Código de Processo Penal, processado e pronunciado, submetendo-o a julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri desta Comarca, com vistas à sua condenação, com fixação de indenização mínima aos herdeiros da vítima em razão do dano sofrido (dano material e moral, este em no mínimo R$ 100.000,00), ouvindo-se, para tanto, as testemunhas abaixo mencionadas (Sic-id. 238903687) I – PRELIMINAR Inicialmente, no que tange à preliminar de nulidade da sessão do Tribunal do Júri, fundada na alegada ocorrência de "argumentos de autoridade", tenho que a tese defensiva não merece prosperar. Com efeito, a Defesa sustenta que houve a utilização indevida de documentos e a menção a elementos estranhos ao fato criminoso em julgamento, bem como, que a investigação se baseou em denúncias anônimas, violando preceitos constitucionais e processuais. No entanto, observa-se que os documentos e mídias questionadas foram devidamente acostados aos autos dentro do prazo legal, com a ciência da Defesa, o que assegura o contraditório e a ampla defesa. Registra-se que, o rol previsto no artigo 478 do Código de Processo Penal, que elenca as proibições de referências durante os debates em Plenário como "argumento de autoridade", é, em sua essência, taxativo (numerus clauses). Relatórios policiais, antecedentes criminais do acusado e mídias extraídas de aparelhos telefônicos legalmente apreendidos não se inserem nas vedações expressas deste dispositivo, mormente porque o § 3º do artigo 480 do Código de Processo Penal assegura aos jurados o acesso integral aos autos, permitindo-lhes consultar quaisquer peças. Outrossim, a alegação de que o órgão acusatório teria se valido da autoridade do magistrado em Plenário, se bem verificado, não restou configurada a ponto de ensejar nulidade, conforme a ata de julgamento demonstrou. Assim, não se vislumbra prejuízo concreto à defesa que justifique a declaração de nulidade, com base no artigo 563 do Código de Processo Penal, que acolheu o princípio “pas de nullité sans grief”. Em conclusão, impõe-se a rejeição da preliminar de nulidade. II – MÉRITO Da autoria delitiva De proêmio, verifico que os fatos se deram em contexto de organização criminosa, situação fática que foi demonstrada por elementos dos autos, notadamente pelos documentos de ID nº 238903858, que, inicialmente, evidenciam a inserção do apelante Jesuel da Silva em facção criminosa com atuação local, inclusive por meio de relatórios de investigação e elementos de prova colhidos sob supervisão judicial. A extração de dados do aparelho celular de Jesuel reforça essa vinculação. Foram encontrados vídeos em que o apelante faz apologia explícita ao grupo criminoso denominado “Comando Vermelho” (ID nº 238903863), além de um registro audiovisual em que afirma ter recebido um segundo celular da “família”, referindo-se ao grupo criminoso, e declara estar “na ativa”, subentendendo-se que estava integrado às atividades da facção. Essa inserção em organização criminosa também explica o silêncio das testemunhas presenciais, conforme correlatado no Relatório de Investigação nº 2023.13.5855 (ID nº 132128676). Nele, os policiais civis destacam a dificuldade em obter depoimentos formais, mesmo com o crime tendo ocorrido em local público e diante de uma multidão. O receio de represálias, em razão do envolvimento dos autores com o Comando Vermelho, impõe um ambiente de intimidação que dificulta, quando não impede que as testemunhas venham a juízo para testemunhar sobre os fatos. Vejamos os respectivos trechos retirados do Relatório de Investigação Nº 2023.13.58555: “[…] Diante do envolvimento de membros da facção criminosa denominada Comando Vermelho e do temor das testemunhas, não foi possível mais uma vez trazer aos autos oitivas formais a respeito da autoria do crime.” (Id. 132128676 - Pág. 3) “[…] Kaue da Silva Ferreira e Jesuel da Silva tem várias passagens pela polícia e são investigados pela prática da comercialização de drogas no município de Alta Floresta bem como por integrarem a facção criminosa Comando Vermelho. Jesuel da Silva seria “disciplina” da facção criminosa Comando Vermelho e estaria promovendo salves recentes na cidade. Jesuel é também suspeito da prática do crime de maus tratos a animais, ocorrido no bairro Cidade Bela. Segundo consta dos autos do Auto de Investigação Preliminar nº 55.11.2023.14192 (A.I.P. 258/2023), um cachorro foi espancado e arrastado pelo asfalto em uma moto no referido bairro e largado em uma área de mata ao lado da ponte. […] Sabe-se que ambos são suspeitos da ação criminosa em tela, mas por receio e medo de retaliação, testemunhas que presenciaram a ação criminosa se reservaram no anonimato. É de conhecimento da Polícia Civil que pelo menos três pessoas viram e cumprimentaram Leandro Klaus dentro do estabelecimento comercial Chora Viola, uma delas até emprestou dinheiro para a vítima, porém, com medo dos integrantes da facção criminosa não quiseram prestar depoimento e não querem ser identificadas. […]” (Id. 132128677) Nesse cenário de intimidação instaurado pela atuação da facção criminosa, é compreensível que testemunhas presenciais ou detentoras de informações diretas tenham optado por silenciar, temendo represálias. Essa dinâmica confere especial relevância à declaração prestada pelo pai de Kauê, testemunha de “ouvir dizer”, que afirmou ter ouvido do próprio filho a confissão do crime pelo apelante Jesuel. Em um contexto marcado pelo silêncio forçado das testemunhas diretas, tal relato adquire valor probatório significativo. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já consolidou o entendimento de que, em hipóteses excepcionais, a prova testemunhal indireta (ou hearsay testimony) pode ser admitida como elemento de reforço probatório. Essa admissibilidade se justifica especialmente quando o contexto fático aponta para a verossimilhança da narrativa, ausentes indícios de má-fé, contraditoriedade ou inidoneidade da fonte, o que sobressai em importância, no caso, pela própria fuga do réu após os fatos. No caso em análise, o depoente não apenas mantém relação familiar direta com Kauê, como também apresenta uma narrativa harmônica com os demais elementos da investigação. Diante de tais circunstâncias, não há como afastar a probidade dessa prova que, aliás foi reconhecida pelo Conselho de Sentença, cuja conclusão encontra respaldo tanto na lógica do conjunto fático probatório quanto na jurisprudência consolidada. Neste contexto, convém ressaltar que, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a incidência do distinguishing no HC n. 810.692/RJ, admitindo pronúncia, exclusivamente, com base em testemunhos decorrente de “ouvir dizer”, ante o perigo concreto para vida dos depoentes, em casos em que a atuação do acusado impõe pavor às testemunhas e a própria comunidade. Vejamos: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO (POR TRÊS VEZES). GRUPO DE EXTERMÍNIO. PLEITO PELA IMPRONÚNCIA. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA EXCLUSIVA DE TESTEMUNHOS DE "OUVIR DIZER". SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA SOB O ENFOQUE EM QUESTÃO. CONDENAÇÃO PERANTE O PLENÁRIO DO JÚRI. PREJUDICIALIDADE. MÉRITO. TESTEMUNHOS AFIRMANDO QUE A COMUNIDADE POSSUI PAVOR DOS DENUNCIADOS POR CONSTITUÍREM GRUPO DE EXTERMÍNIO COM ATUAÇÃO HABITUAL NA COMUNIDADE. DISTINGUISHING. EXCEPCIONALIDADE QUE JUSTIFICA A INEXISTÊNCIA DE DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS OCULARES DO DELITO. 1. A alegação referente à impossibilidade de a pronúncia estar embasada apenas em testemunhos de "ouvir dizer" não foi decidida no acórdão ora impugnado. Com efeito, a ausência de debate da ilegalidade aventada na Corte de origem, sob o enfoque suscitado, indica supressão de instância, circunstância que, por si só, obsta a análise da presente insurgência nesta Corte. (...) 3. Adentrando ao mérito, verifica-se que apesar de nenhuma testemunha ocular ter sido ouvida perante o juízo, diante das peculiaridades do caso, entendo não assistir razão à defesa, isso porque, extrai-se dos autos que todas as pessoas da comunidade tinham medo ou pavor dos denunciados, que integravam um grupo extremamente temido pela comunidade, visto que agiam, habitualmente, como grupo de extermínio, matando "sem medo nenhum de represália por parte da polícia", de "cara limpa". 4. Ademais, consta dos autos, que uma testemunha, atuando como policial civil, esteve no local dos fatos no dia seguinte aos assassinatos e que escutou de diversas pessoas que os acusados foram os autores do delito, o que se confirmou no decorrer das investigações, porém, em razão do medo generalizado na comunidade do referido grupo de extermínio, nenhuma das testemunhas oculares prestou depoimento na delegacia. Ressalta que várias pessoas sabiam da autoria delitiva, mas que todas tinham medo ou pavor dos acusados, razão pela qual se negaram a prestar depoimento. 5. Apesar da jurisprudência desta Corte entender pela insuficiência do testemunho indireto para consubstanciar a decisão de pronúncia, entendo, excepcionalmente, que o presente caso, em razão de sua especificidade, merece um distinguishing, pois extrai-se dos autos que a comunidade tem pavor dos denunciados, tendo em vista que eles constituem um grupo de extermínio com atuação habitual no local, razão pela qual não se prestaram a depor perante as autoridades policial e judicial. 6. Agravo regimental improvido.” (STJ - AgRg no HC: 810692 RJ 2023/0092424-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 11/09/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/09/2023) Sob essa ótica, cumpre destacar que, em casos envolvendo organizações criminosas que disseminam temor tanto às testemunhas quanto à comunidade, a admissibilidade de testemunhos baseados em relatos de terceiros, não devem se limitar à etapa de pronúncia. Se estes elementos são considerados idôneos para formar a convicção inicial do magistrado sobre a viabilidade da acusação, igualmente devem ser admitidos como suporte para uma eventual condenação pelo Conselho de Sentença. Portanto, a admissão desses testemunhos não apenas preserva o princípio da busca da verdade real, mas também garante que o processo não seja frustrado pela ação intimidadora de organizações criminosas. Nesse contexto, nota-se que a decisão do Conselho de Sentença quanto a autoria do delito está devidamente amparada e, portanto, não há que se cogitar em nulidade por decisão contrária à prova dos autos. O apelante pleiteia, também, o afastamento da qualificadora do por meio cruel, pugnando pela nulidade da sentença do Conselho e que os autos sejam remetidos a novo julgamento, com alicerce no art. 593, inc. III, alínea “d”, do Código de Processo Penal. Entretanto, ao analisar o acervo probatório, em especial o referido laudo pericial, é possível depreender que a materialidade delitiva e a forma de sua execução transcendem, de modo significativo, a mera intenção de ceifar a vida da vítima ou a hipótese de uma suposta legítima defesa. De fato, o laudo de necropsia, ao descrever as lesões externas, aponta um "Ferimento cortocontuso em região frontal/occipital direita com fratura de ossos frontal, parietal, temporal e occipital direito com exposição e perda de massa encefálica", além de um "Ferimento cortocontuso em região occipital esquerda" e um "Ferimento cortocontuso em região lombar direita com pedaço de vidro em seu interior", somado a diversas escoriações em diferentes partes do corpo. Tais constatações periciais, mormente a dilaceração craniana com exposição de massa encefálica, evidenciam uma brutalidade desmedida, que vai muito além do necessário para causar a morte, caracterizando, por conseguinte, a crueldade no modo de execução do delito. A despeito da resposta formalmente negativa ao quesito específico sobre meio cruel, no laudo de necropsia, a interpretação sistemática dos elementos fáticos contidos no mesmo documento, conjugada com a prova oral, autoriza conclusão diversa. O instrumento utilizado, uma machadinha, comprovadamente apta a causar lesões graves ou a morte, empregada de forma reiterada e violenta contra uma região vital da vítima, culminando na fratura de múltiplos ossos do crânio e na perda de massa encefálica, demonstra o propósito do agente em infligir sofrimento supérfluo e martirizante. A barbárie da agressão, que culminou com o instrumento cravado no crânio da vítima, revela um requinte de perversidade que choca a sensibilidade comum e traduz a intenção deliberada de causar padecimento inútil, dissociado do objetivo puramente letal. Nesse contexto, convém ressaltar que a qualificadora do meio cruel, insculpida no artigo 121, § 2º, inciso III, do Código Penal, configura-se não apenas pela multiplicidade de golpes, mas, sobretudo, pela maneira em que a ação denota um excesso de brutalidade, traduzindo uma ausência do mais elementar sentimento de piedade por parte do agente. Embora a defesa possa argumentar que a reiteração de golpes, por si só, não configura o meio cruel, no presente caso, a natureza das lesões infligidas e a forma como a machadinha foi utilizada, ceifando a vida da vítima mediante um sofrimento atroz, desvela a inegável intenção de submeter o ofendido a padecimento desnecessário. O conjunto probatório, portanto, é coeso ao indicar que o julgamento popular, ao acolher a qualificadora, não se manifestou de forma contrária à prova dos autos. É cediço que, havendo mais de uma tese razoável nos autos, o Conselho de Sentença, em sua soberania constitucionalmente assegurada, pode optar por aquela que melhor se coaduna com os elementos de convicção existentes no processo, e neste caso, há substrato fático-probatório apto a sustentar a decisão dos jurados. Nesse contexto, mostra-se correta a decisão do Conselho de Sentença ao reconhecer a qualificadora do meio cruel, por encontrar respaldo fático e probatório nos autos. A manutenção da referida qualificadora é medida que se impõe, em atenção à realidade dos fatos apurados e em respeito à soberania do veredicto popular. Em casos tais, eis o entendimento jurisprudencial deste e. Tribunal de Justiça, in verbis: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO (MOTIVO TORPE E MEIO CRUEL). POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. DOSIMETRIA. RECONHECIMENTO DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA QUALIFICADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta por réus condenados pelo Tribunal do Júri por homicídio qualificado pelo motivo torpe e emprego de meio cruel e, quanto a um dos apelantes, também por posse irregular de arma de fogo (art. 121, § 2º, I e III, do CP; art. 12 da L. 10.826/2003). Pretensão de anulação do julgamento, desclassificação para crime menos grave, exclusão das qualificadoras, absolvição quanto ao crime da Lei nº 10.826/2003 e revisão da dosimetria. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se a decisão do Tribunal do Júri é manifestamente contrária à prova dos autos; (ii) se estão configuradas as qualificadoras do motivo torpe e do meio cruel; (iii) se justificada a condenação pelo crime de posse irregular de arma de fogo e, (iv) se há excesso na dosimetria das penas, especialmente quanto à aplicação das agravantes, atenuantes e fundamentação dos aumentos da pena-base. III. Razões de decidir 3. A decisão do Conselho de Sentença encontra respaldo em elementos probatórios robustos, não havendo manifesta contrariedade às provas dos autos a justificar a anulação do julgamento, sendo observada a soberania dos veredictos. 4. As qualificadoras do motivo torpe e do meio cruel estão devidamente comprovadas, diante do contexto fático e da forma de execução do crime. 5. Configurada a posse irregular de arma de fogo, independentemente do vínculo com o homicídio. 6. A dosimetria das penas observou as circunstâncias judiciais e os critérios legais, sendo devida apenas a redução da pena de um dos réus em razão da confissão espontânea qualificada, com compensação parcial com a agravante do motivo torpe. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso parcialmente provido para reconhecer a atenuante da confissão espontânea qualificada em favor de um dos réus e reduzir sua pena para 17 anos de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. Tese de julgamento: "1. Não configura julgamento manifestamente contrário à prova dos autos a decisão do júri popular amparada em conjunto probatório idôneo. 2. São legítimas as qualificadoras do motivo torpe e do meio cruel quando fundadas em provas consistentes sobre o contexto e o modo de execução do crime." Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59, 61, II, a, 65, III, d, 121, § 2º, I e III; CPP, art. 593, III, d; L. 10.826/2003, art. 12. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 948202/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJEN 13.02.2025; STJ, REsp 2195162/MG, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 24.04.2024.” (N.U 1002336-50.2020.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 03/07/2025, Publicado no DJE 03/07/2025). Como já mencionado, a decisão entendida como manifestamente contrária à prova dos autos é aquela em que o Conselho de Sentença despreza completamente o conjunto probatório, conduzindo a um resultado dissociado da realidade apresentada nos autos, o que não se vislumbra no caso presente. Havendo versões contraditórias e uma sendo a escolhida, há que se respeitar a manifestação soberana do Tribunal do Júri, que é o juiz natural da causa, previsto, constitucionalmente. Em sendo assim, coexistindo teses opostas e havendo coerência na escolha de uma delas pelo Júri Popular, é vedado ao Tribunal ad quem cassar a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, sob pena de ofender o princípio da soberania dos vereditos, previsto no art. 5.º, inc. XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal. Nesse sentido é o entendimento pacificado neste Egrégio Tribunal de Justiça, consoante se depreende do Enunciado n.º 13 da Jurisprudência Uniformizada da Colenda Turma de Câmaras Criminais Reunidas, in verbis: “Não se caracteriza como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que, optando por uma das versões trazidas a plenário do Tribunal do Júri, não se encontra inteiramente divorciada do conjunto fático-probatório existente no processo”. Nesse contexto, observa-se que a decisão do Conselho de Sentença está devidamente amparada pelas provas constantes nos autos, razão pela qual deve ser mantida a qualificadora de meio cruel, não havendo, portanto, que se falar em nulidade por eventual contrariedade à prova. Diante disso, conclui-se que a deliberação dos jurados encontra respaldo no conjunto probatório apresentado, afastando-se a necessidade de submeter o apelante a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. Acerca do pleito de concessão de Habeas Corpus no bojo de um recurso de apelação criminal, observa-se que tal medida é processualmente inadequada, por não encontrar respaldo na sistemática recursal penal. A apelação criminal, por sua natureza e finalidade, destina-se à reanálise de questões de fato e de direito previamente suscitadas na ação penal originária, sempre nos limites da matéria devolvida ao tribunal pela insurgência recursal. Por sua vez, o habeas corpus, embora amplamente admitido como sucedâneo recursal em situações excepcionais, possui rito e finalidade distintos. Assim, qualquer alegação relativa à ilegalidade na privação ou ameaça de privação da liberdade, ainda que surja no curso do processo de apelação, deve ser veiculada por meio da via adequada do habeas corpus, assegurando-se, dessa forma, a correta observância das normas do processo penal, motivo pelo qual rejeito o pleito da concessão da ordem requerida. Por fim, no que refere ao pleito de incidência, na espécie, da circunstância judicial do comportamento da vítima para fins de redução da pena-base, embora não se tenha logrado êxito em reconhecer a legítima defesa ou qualquer excludente de ilicitude, a prova dos autos revela elementos que denotam certa contribuição da vítima para o desenrolar dos fatos, o que impõe uma valoração favorável ao réu no que se pertine a alegada circunstância judicial. Segundo relatório de investigação nº 2023.13.33935 (id. 238902182) da equipe plantonista, verificou-se que, na data dos fatos, em entrevista à viúva da vítima, Selesvan de Sousa, esta relatou que Leandro Klaus havia passado o dia anterior ao fato (domingo, 30/04/2023) ingerindo bebida alcoólica em uma chácara com os familiares dele e por volta das 02h foi até a sua residência e saiu repentinamente. Informou que perguntou aonde Leandro iria e este lhe respondeu “tenho que resolver uma coisa ali” tomando rumo ignorado conduzindo sua moto, e que “o temperamento da vítima era explosivo quando bebia e este não aceitava determinadas atitudes nestes momentos, acreditando ser este o principal motivo para o desfecho trágico” Já no Relatório de investigação nº 2023.13.3145 (id. 238903670), restou constatado que: “Havia vários comentários na cidade sobre a forma como o crime teria ocorrido. Um deles era o de que a vítima teria entrado numa briga no estabelecimento comercial Faculdade Snooker Bar, ido em casa e retornado com uma machadinha e foi atingido com o objeto pelas pessoas com quem brigou. Outros três comentários eram o de que a vítima teria se envolvido numa briga dentro do estabelecimento comercial Chora Viola, ido em casa e retornado com uma machadinha, sendo atingido e morto por esta. Porém, dois destes últimos comentários eram o de que a briga teria sido por causa de mulher e um deles que a mulher seria a viúva.” Conforme se depreende do depoimento da esposa da vítima, esta possuía histórico de agressividade e, no dia dos fatos, encontrava-se em estado de embriaguez. Ademais, os relatórios constantes dos autos indicam que a própria vítima, após deixar momentaneamente sua residência, retornou ao local portando a "machadinha" que, lamentavelmente, acabou sendo utilizada para ceifar sua própria vida. Essa conduta, ainda que não justifique o ato criminoso, revela um comportamento provocativo e imprudente por parte do ofendido, que, sob o efeito de álcool e munido de um instrumento letal, contribuiu, de certa forma, para a escalada dos acontecimentos que culminaram em sua morte. Assim, a conduta da vítima, ao se portar de maneira agressiva e ao retornar armada para o local do embate, mitiga a censura do comportamento do agente, justificando o abrandamento da pena-base neste particular. Por derradeiro, no que tange ao prequestionamento deduzido pelo apelante, para fins de eventual interposição de recursos às instâncias superiores, consigno que, muito embora seja “desnecessário, para fins de prequestionamento, que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão”. (TJMT, Nº 0023129-32.2017.8.11.0042, Câmaras Isoladas Criminais, Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 02/02/2021, publicado no DJE 05/02/2021), registro que os artigos elencados pela Defesa e relacionados com as teses sustentadas no próprio recurso, foram observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, pois, prequestionados. Analisados os pleitos defensivos, passo à análise do Recurso de Apelação apresentado pela acusação. No que se refere ao pleito ministerial de exasperação das circunstâncias judiciais relativas à: a) culpabilidade; b) conduta social; c) personalidade do agente; d) circunstâncias e, e) consequências do crime, entendo que merecem parcial acolhimento, nos moldes a seguir expostos. Com efeito, a valoração negativa da culpabilidade deve pautar-se em elementos que transcendam a própria descrição do tipo penal e suas qualificadoras, referindo-se a um “plus” de reprovabilidade na conduta do agente, que não esteja já absorvido por outro vetor da dosimetria da pena. Na hipótese vertente, os fundamentos utilizados para sustentar a especial reprovabilidade da conduta, a brutalidade da agressão, o sofrimento imposto à vítima e a natureza das lesões, foram precisamente aqueles que levaram o Conselho de Sentença a reconhecer a qualificadora do meio cruel, conforme já analisado e mantido nesta decisão. Assim, a dupla utilização de argumentos que já justificaram o reconhecimento da qualificadora de meio cruel, não merece acolhimento, sob pena de incorrer em bis in idem. Quanto à conduta social do agente, embora por vezes complexa, deve refletir sua inserção e comportamento no meio social, não se confundindo com registros de inquéritos policiais ou procedimentos que não culminaram em condenação definitiva. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, em sua Súmula n.º 444, pacificou o entendimento de que "é vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base". Esse preceito visa a resguardar o princípio da presunção de inocência, impedindo que fatos ainda não submetidos ao crivo do contraditório judicial ou que não resultaram em culpa formada, sirvam como fundamento para exasperar a pena-base. Todavia, a vedação sumular não se estende à valoração negativa da conduta social quando devidamente comprovado o envolvimento do réu com organização criminosa. A filiação ativa e hierarquizada a uma facção criminosa, por sua natureza intrínseca, revela um comportamento social desvirtuado e uma flagrante oposição às normas e valores que regem a vida em comunidade, caracterizando uma conduta social reprovável. No caso em tela, as provas coligidas aos autos revelam, que o apelante JESUEL DA SILVA não apenas integra, mas exerce função de relevo na organização criminosa conhecida como "Comando Vermelho". Nesse diapasão, o Relatório de Investigação Nº 2023.13.58555 assevera que o apelante é investigado pela prática da comercialização de drogas e por integrar a referida facção criminosa, sendo, inclusive, apontado como "disciplina" do "Comando Vermelho", responsável por "promover salves recentes" na cidade. Não bastasse isso, o mencionado relatório destaca a dificuldade de obtenção de depoimentos formais de testemunhas oculares do crime, "mesmo com o crime tendo ocorrido em local público e diante de uma multidão", em razão do "temor de represálias" e da "lei do silêncio" imposta pela facção. Ademais, na análise da extração de dados do aparelho celular de JESUEL foram encontrados vídeos em que o apelante ostenta o símbolo "V", conhecido como "tudo 2", representativo do "Comando Vermelho", além de um registro audiovisual no qual ele próprio afirma ter recebido um segundo aparelho celular da "família", em clara alusão à facção, e declara estar "na ativa", indicando sua participação ativa nas atividades criminosas. A conduta social de um indivíduo que se insere voluntariamente em uma estrutura criminosa organizada, não pode ser equiparada à de um cidadão comum, ainda que primário. Essa inserção do apelante em facção criminosa de alta periculosidade, demonstra uma patente reprovabilidade de sua conduta social, exigindo, por consequência, uma maior censura em sede de dosimetria da pena. Sobre o tema, vejamos o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça: “3. “É legítimo o aumento da pena-base no tocante à conduta social em razão de o Agente ser integrante de facção criminosa de alta periculosidade que domina uma localidade da região e praticou a infração justamente para ganhar visibilidade no grupo criminoso. (AgRg no HC n. 822 .339/SC, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024.) Assim, a exasperação da conduta social afigura-se medida imperativa e justa. No que tange à valoração da personalidade do agente, cumpre registrar que esta circunstância judicial deve ser aferida a partir de elementos concretos dos autos que revelem o perfil psicológico do acusado, sua índole, sensibilidade e modo de agir. No entanto, a mera existência de investigações em curso, a exemplo de apurações por supostos maus-tratos de animais, não se mostra suficiente para negativar a personalidade do agente. Por conseguinte, a pretensão de exasperar a pena-base com fundamento em investigação, não finalizada por sentença condenatória transitada em julgado, encontra óbice também, na Súmula n.º 444 do Superior Tribunal de Justiça. Destarte, qualquer consideração desfavorável à personalidade do apelante, baseada unicamente em procedimentos investigatórios pendentes, carece de respaldo jurídico e fático, porquanto não há nos autos elementos conclusivos que permitam traçar um perfil psicológico desfavorável apto a justificar a exasperação da reprimenda nesse ponto. No tocante às circunstâncias do crime, por este ter sido praticado “durante a madrugada, em evento festivo, iniciando a conduta em frente de uma casa noturna que se encontrava em pleno funcionamento e repleto de clientes, deixando o corpo mutilado da vítima em via pública” igualmente não se verifica fundamentação idônea para a exasperação. No caso em tela, o modo de execução já qualificou o crime por meio cruel. A acusação não apontou elementos circunstanciais que, de forma concreta e excepcional, extrapolassem o que ordinariamente se espera de um crime de homicídio qualificado por crueldade, como a existência de vigilância, particular premeditação não absorvida pela qualificadora, ou qualquer outro fator que demonstre uma especial gravidade ou uma maior engenhosidade na execução para fins de aumento da pena. Vejamos jurisprudência nesse sentido: “CRIME DE HOMICÍDIO. ERRO OU INJUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA PENA. ADEQUAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO. 1. O fato de o delito ter ocorrido em via pública, numa região residencial e no período noturno, por si só, não autoriza a valoração negativa das circunstâncias do crime se não foram indicados elementos concretos de que a conduta resultou em risco para terceiros. (...). (Acórdão 1239193, 00023042720198070004, Relator: JESUINO RISSATO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 19/3/2020, publicado no PJe: 30/3/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)". Desse modo, ausente a demonstração de uma reprovabilidade que transcenda a gravidade intrínseca ao tipo penal violado, não se justifica a valoração desfavorável das circunstâncias do crime para fins de dosimetria da pena-base. Finalmente, quanto às consequências do crime, constato nos autos que a vítima, Leandro Klaus de Freitas, teve sua vida ceifada, deixando órfã uma filha de tenra idade, de apenas 3 (três) anos, conforme apontado na manifestação ministerial. Tal fato, sem sombra de dúvida, extrapola as consequências ordinárias inerentes ao delito de homicídio. A orfandade de uma criança em idade tão vulnerável, decorrente de um ato criminoso, acarreta um desamparo afetivo e material que se estende para além do resultado típico do crime, produzindo um dano social e pessoal de maior reprovabilidade que o intrínseco ao tipo penal. Essa perspectiva encontra ressonância na jurisprudência deste Tribunal de Justiça, que tem reiteradamente reconhecido a idoneidade da valoração negativa das consequências do crime quando a morte da vítima deixa filhos em tenra idade desamparados. Vejamos: “(...) 5. A existência de filhos menores da vítima autoriza a valoração negativa das consequências do crime, por desbordar das consequências ordinárias do tipo penal. 6. A jurisprudência reconhece que a orfandade de crianças e adolescentes, gerada pelo homicídio, justifica a exasperação da pena-base. (...) (N.U 0003713-74.2016.8.11.0087, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 07/07/2025, Publicado no DJE 07/07/2025) “A existência de filhos menores da vítima de homicídio pode ser considerada para fins de majoração da pena-base em razão da circunstância judicial consequências do crime, tendo em vista que tal circunstância não é inerente ao tipo penal em destaque. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ - AgRg no AREsp: 1902179/MA). (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 1012257-23 .2022.8.11.0055, Relator.: PEDRO SAKAMOTO, Data de Julgamento: 27/05/2024, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/05/2024) 4. “O fato de que a Vítima deixou três filhos órfãos, sendo dois menores de idade que dela dependiam para o seu sustento, extrapola as elementares do tipo penal de homicídio e autoriza a exasperação da pena-base, pela negativação das consequências do crime” (STJ - REsp: 1847745 PR 2019/0335311-7, Relator.: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 03.11 .2020, T6 - SEXTA TURMA, publicado no DJe 20.11.2020). (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 00042825220138110064, Relator: LUIZ FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 13/03/2024, Vice-Presidência, Data de Publicação: 15/03/2024) Destarte, o desvalor do resultado do crime, neste particular, justifica a maior censura na dosimetria da pena, visto que os efeitos da conduta do apelante foram particularmente danosos e ultrapassaram o que se espera de um crime dessa natureza. Por fim o Parquet, requereu a aplicação de 1/8 entre a pena mínima e máxima do tipo penal para cada circunstancial valorada negativamente. Quanto à fração a ser utilizada na pena base, ressalto que não existe critério estritamente aritmético aplicável para tal cálculo, conforme já consolidado pela Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal Justiça, no Enunciado n. 39 que dispõe o seguinte: “Inexiste critério estritamente aritmético aplicável para fixação da pena-base, de modo que cada circunstância judicial pode ser valorada e quantificada de maneira distinta, por meio de juízo de discricionariedade, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. Com base nesse entendimento, não é vedado ao magistrado a atribuição de peso superior, à determinada circunstância, na dosagem da pena básica, desde que assim o faça de forma fundamentada e com amparo nas peculiaridades que envolvem o caso concreto, demonstrando idoneamente as razões que o levaram a concluir pela maior gravidade de determinada circunstância Ademais o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se posicionando na adoção da fração de 1/6 sobre a pena mínima, como usual (menor montante fixado para as causas de aumento ou diminuição da pena), a fim de se evitar a aplicação em quantidades aleatórias. Vejamos: “[...] O STJ reconhece a fração de 1/6 (um sexto) como padrão de alteração da pena diante cada circunstância judicial negativa e a necessidade de fundamentação de qualquer acréscimo. E, não apresentada motivação específica para o incremento da pena em fração superior à referida fração [1/6], de rigor o reajuste nos termos referência dos pelo Tribunal Superior. Precedente. (AgRg no HC 426.278/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 24/06/2021) (N.U 100747367.2021.8.11.0045, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 20/06/2023, Publicado no DJe 23/06/2023)” (sic) Portanto, diante do exposto, aplico a fração de 1/6 sobre a pena mínima na análise de cada circunstância judicial considerada. Assim, passo a readequação da dosimetria: -Homicídio qualificado por meio cruel Pena - reclusão, de doze a trinta anos. 1 - Primeira fase: Circunstâncias judiciais A culpabilidade do acusado, diante do modo pelo qual o delito foi praticado é normal e inerente ao tipo penal infringido. O acusado não registra antecedentes criminais. A conduta social deve ser exasperada, vez que restou constatado que o apelante participa de organização criminosa. A personalidade do agente e os motivos são inerentes ao próprio tipo infringido. As consequências do crime devem ser negativadas, visto que a vítima tinha uma filha em tenra idade, o que extrapola a elementar do tipo penal. Quanto ao comportamento da vítima, esta não deve permanecer neutra, mas sim abrandada em favor do réu, vez que a vítima contribuiu com o seu comportamento para que sujeito ativo do crime o praticasse. Tudo isso sopesado, adotando a fração de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima para cada circunstancial negativada a pena-base resulta, em princípio em 16 (dezesseis) anos. Todavia, como foi reconhecida uma circunstância em favor do réu, como acima explanado, torno definitiva a pena-base em, 14 (catorze) anos de reclusão. 2 - Segunda fase - Circunstâncias legais: Não existem. 3 - Terceira fase: Circunstâncias Especiais de Aumento e/ou Diminuição da Pena: Não existem. 4 - Expostos os fundamentos da dosimetria, fixo a pena final, para este delito em 14 (catorze) anos de reclusão, pena esta, que imponho ao réu JESUEL DA SILVA, como medida de justa e suficiente retribuição, pelo crime por ele praticado. 5 – Mantenho o regime fechado para início do cumprimento da pena, conforme disposto no art. 33, § 2º, “a”, do Código Penal. 6 – Mantenho a condenação o réu no pagamento das custas e despesas processuais. Ante o exposto, em dissonância com o Procuradoria Geral de Justiça, CONHEÇO e dou PARCIAL PROVIMENTO ao recurso apresentado pelo réu, para reconhecer o abrandamento da circunstancial de “comportamento da vítima”. Quanto ao recurso Ministerial, CONHEÇO, e dou PARCIAL PROVIMENTO para exasperar as circunstâncias judiciais da “conduta social” e “consequências do crime”, redimensionando a pena para 14 (catorze) anos de reclusão, a ser cumprida no regime fechado. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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