Processo nº 1000146-10.2025.8.11.0020
ID: 322367959
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE ALTO ARAGUAIA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1000146-10.2025.8.11.0020
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE ALTO ARAGUAIA SENTENÇA Processo: 1000146-10.2025.8.11.0020 Cuida-se de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Danos Morais e Tutel…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE ALTO ARAGUAIA SENTENÇA Processo: 1000146-10.2025.8.11.0020 Cuida-se de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Danos Morais e Tutela de Urgência Antecipada, ajuizada por HONEIDE DOURADO DE PAULA em face de ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., partes devidamente qualificadas nos autos. A Requerente narra em sua peça vestibular (ID 181707534) que vem recebendo cobranças indevidas de débitos relativos ao fornecimento de energia elétrica de um imóvel localizado na Comunidade Liberdade, no município de Rosário Oeste/MT, associado à Unidade Consumidora (UC) de número 6/1660934-9. Alega que as cobranças se referem ao período que compreende os meses de outubro de 2015 a setembro de 2024. A autora assevera que, em dezembro de 2014, após se mudar para Alto Araguaia/MT, comunicou a mudança à empresa Requerida e solicitou o desligamento do serviço de fornecimento de energia elétrica do referido imóvel. Contudo, mesmo após a solicitação de desligamento, a Requerente continuou a receber cobranças advindas daquela unidade consumidora, tendo a companhia elétrica se recusado reiteradamente a desvincular os débitos de seu nome. Em decorrência da persistência das cobranças, a Requerente, por intermédio da Defensoria Pública, ajuizou uma ação declaratória de inexistência de débito, a qual tramitou sob o número 1015177-17.2019.8.11.0041, tendo sido julgada parcialmente procedente (sentença anexada em ID 181707536), declarando indevidas as cobranças relativas à unidade consumidora nº 6/1660934-9, durante o período de outubro de 2015 a março de 2016. Não obstante a decisão judicial anterior, a Requerida tornou a realizar cobranças em nome da assistida a respeito da mesma Unidade Consumidora, culminando na negativação de seu nome junto às instituições de proteção de crédito, conforme comprovado pelos instrumentos de protesto em ID 181707536 (págs. 4-5) e histórico de faturas em atraso (ID. 181707536, págs. 6-7). Ademais, a Requerente teve negada uma solicitação de religamento do serviço elétrico em um imóvel secundário de sua propriedade, em razão dos débitos indevidos relacionados à UC 6/1660934-9. Diante de tal cenário, a autora pugna, na presente ação, pela declaração de inexistência da relação jurídica e dos débitos, o cancelamento definitivo dos protestos e inscrições junto aos órgãos de proteção de crédito, bem como a condenação da Requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor sugerido de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A gratuidade da justiça e a prioridade de tramitação em virtude da idade da Requerente foram inicialmente pleiteadas (ID 181707534) e devidamente deferidas por decisão judicial (ID 181983574). Por meio da decisão proferida em ID. 181983574, foi deferida a tutela de urgência pleiteada, determinando-se que a Requerida suspendesse a cobrança dos débitos discutidos nos autos, abstendo-se de interromper o fornecimento de energia elétrica para a residência da Requerente em virtude das cobranças ora em discussão, bem como promovesse, no prazo de 15 (quinze) dias, o cancelamento dos protestos realizados junto aos órgãos de proteção de crédito em nome da autora, até a prolação da sentença e/ou ulterior determinação judicial, sob pena de multa diária a ser arbitrada oportunamente. A Requerida foi intimada da decisão conforme mandado de intimação (ID 182004804) e certidão de cumprimento (ID. 184440243). Em ID 188631059, a Requerida protocolou petição para comprovar o cumprimento da tutela antecipada deferida. Em seguida, foi designada audiência de conciliação para o dia 28 de março de 2025 (ID 184717336, ID 185276725, ID 187610543), a qual restou infrutífera, conforme Termo de Sessão de Conciliação de ID 188847663. A Requerida apresentou Contestação em ID 191110982, arguindo a improcedência dos pedidos iniciais. Em sua defesa, sustentou a ocorrência de coisa julgada, aduzindo que não houve fato novo que ensejasse o ajuizamento de outra ação, e que a parte autora deveria ter alegado descumprimento de ordem judicial nos autos do processo anterior (nº 1015177-17.2019.8.11.0041). Argumentou que a simples cobrança, sem a comprovação de circunstâncias vexatórias, não é suficiente para justificar uma indenização extrapatrimonial, configurando, no máximo, mero desconforto ou mal-estar. Requereu, ao final, a improcedência de todos os pedidos da inicial. A Requerente apresentou Impugnação à Contestação em ID 191956202, rebatendo a tese de coisa julgada. Afirmou que a permanência das cobranças indevidas, mesmo após decisão judicial transitada em julgado (referentes ao período de outubro de 2015 a março de 2016), a religação indevida da unidade consumidora em seu nome sem qualquer solicitação ou autorização, e a realização de novas cobranças relativas ao período de setembro de 2020 a setembro de 2024, além da negativa de fornecimento de energia em outro imóvel e a inscrição indevida de seu nome em cadastros de inadimplentes, configuram fatos novos e reiteração de conduta ilícita, afastando a alegação de coisa julgada material. Reafirmou que tais condutas ultrapassam o mero dissabor, gerando lesão presumida à honra e tranquilidade, e que a Requerida, como fornecedora de serviço essencial, possui responsabilidade objetiva. Instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir (ID 192508965), ambas as partes manifestaram-se pugnando pelo julgamento antecipado da lide, reiterando as provas já constantes nos autos (ID 192897772 e ID 193713661). É o relatório. Decido. De início, verifica-se que a controvérsia dos autos prescinde de dilação probatória adicional, uma vez que as provas documentais já acostadas são suficientes para o deslinde da demanda. As partes, inclusive, expressamente requereram o julgamento antecipado da lide, manifestando não possuírem mais provas a produzir. Desse modo, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, impõe-se o julgamento antecipado do mérito. Da Relação de Consumo e da Responsabilidade Objetiva do Fornecedor A relação jurídica estabelecida entre as partes é inegavelmente de consumo, conforme o disposto nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). A Requerente, na condição de destinatária final do serviço de fornecimento de energia elétrica, enquadra-se como consumidora. A Requerida, por sua vez, como concessionária de serviço público de energia elétrica e prestadora de serviços de forma contínua e habitual, figura como fornecedora. Essa caracterização impõe a aplicação das normas consumeristas ao caso concreto, em especial a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, independentemente da existência de culpa, nos termos do artigo 14, caput, do CDC. A responsabilidade da Requerida, na qualidade de concessionária de serviço público essencial, rege-se pela teoria do risco da atividade, também agasalhada pelo artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Sob esta ótica, a empresa que aufere os bônus e lucros de sua atividade empresarial deve, em contrapartida, arcar com os ônus e os riscos inerentes ao seu empreendimento. No caso dos autos, o risco da atividade da concessionária de energia elétrica não se limita a falhas técnicas na rede, mas abrange, de forma inequívoca, a gestão administrativa e comercial de suas operações, como o controle de cadastros de consumidores, o processamento de faturas e, crucialmente, o atendimento a solicitações de desligamento. A falha da Requerida em processar adequadamente a solicitação de desligamento da unidade consumidora nº 6/1660934-9, comunicada pela Requerente ainda em dezembro de 2014, conforme narrado na inicial (ID 181707534) e corroborado pela própria suspensão do fornecimento registrada na sentença anterior (ID 181707536, pág. 1), representa a materialização de um defeito na prestação do serviço. Este defeito desencadeou uma série de danos à consumidora, consistentes na emissão de cobranças contínuas e indevidas por quase uma década, culminando na abusiva negativação de seu nome, como provam os instrumentos de protesto (ID 181707536, págs. 4-5) e o extenso histórico de faturas em atraso (ID 181707536, págs. 6-7). Portanto, para a configuração do dever de indenizar, a análise judicial se restringe à comprovação da conduta falha (defeito no serviço), do dano suportado pela consumidora (cobranças vexatórias, negativação, privação de acesso a outro serviço) e do nexo de causalidade entre eles, todos fartamente demonstrados pela prova documental. Torna-se, assim, inteiramente prescindível a perquirição da culpa da concessionária, sendo irrelevante se a falha decorreu de erro humano ou de deficiência sistêmica, pois tais contingências inserem-se no âmbito do risco empresarial que a Requerida optou por assumir. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, em casos que versam sobre a responsabilidade civil de concessionárias de energia elétrica, tem reiteradamente confirmado que a definição da responsabilidade se dá com base na análise do conjunto fático-probatório dos autos. Embora tratando de evento danoso distinto, a lógica jurídica aplicada é perfeitamente análoga ao presente caso, como se extrai do seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO . DANOS MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. REEXAME . NÃO CABIMENTO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. I - Na origem, trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, nos autos de ação de indenização por danos morais, reconheceu que existe relação de consumo entre as partes . No Tribunal a quo, negou-se provimento ao agravo. II - Sobre o cabimento da inversão do ônus da prova, a Corte a quo analisou as alegações da parte com os seguintes fundamentos: "Outrossim, a parte requerida/agravante possui responsabilidade objetiva na reparação de prejuízos causados em razão da prestação dos seus serviços, forte no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal e no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor: [...] Ademais, conforme o art. 22 do CDC, a ré, como prestadora de serviço público essencial, responde perante o consumidor em face do seu dever de fornecer serviços adequados, eficientes e seguros. Por isso que, naturalmente, aplica-se a teoria estática na distribuição do ônus, sendo da empresa prestadora de serviços públicos a aptidão natural para comprovar a perfeição no fornecimento de energia elétrica ao tempo dos fatos que motivaram a demanda, sob pena de responder pelos danos ocasionados. Além disso, em que pese a previsão de instrumentos processuais em favor da parte mais fraca seja uma realidade, deve-se ponderar a sua utilização em ordem ao cumprimento da finalidade que lhes dá razão de existir, qual seja, a busca do equilíbrio no âmbito do processo . E nisso se inclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, assim disposta no art. 6º, VIII, do CDC: [...] Alinhando-se a este contexto as peculiaridades do caso concreto, em que a causa de pedir imputa a responsabilidade da concessionária de energia elétrica, tenho que concorrem tanto o requisito da verossimilhança das alegações quando o da hipossuficiência da parte autora/agravada. E, no mesmo compasso, não vejo irrazoabilidade na determinação da inversão do ônus da prova, já que não há imposição de realização de prova negativa e não é encargo processual impossível ou dificultoso à ré, não obstante o seja à parte autora." III - Verifica-se que a Corte de origem analisou a controvérsia dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria. Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado n . 7 da Súmula do STJ, segundo o qual "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial". IV - Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 2184432 GO 2022/0245103-1, Data de Julgamento: 06/03/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2023). No mesmo sentido é a jurisprudência desta Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO INOMINADO. COBRANÇA. PROTESTO DE DÉBITO RELATIVO A FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME 1. Recurso interposto pela reclamante contra decisão monocrática, que homologou o projeto de sentença elaborado pela juíza leiga e julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais decorrentes de suposto protesto indevido de débito de energia elétrica. 2. A parte recorrente alega a inexistência do débito, a ilegalidade da cobrança e a ocorrência de protesto indevido, pleiteando reparação por dano moral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. Há três questões em discussão: (i) verificar se houve negativação indevida de débito já quitado; (ii) aferir a legalidade da cobrança realizada pela fornecedora de energia elétrica; e (iii) analisar se houve dano moral indenizável decorrente da alegada falha na prestação do serviço. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A responsabilidade civil do fornecedor de serviços é objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo necessário, para a configuração do dever de indenizar, demonstrar o defeito na prestação do serviço e o nexo causal entre a conduta e o dano sofrido. [...] Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, VIII, e 14, caput e § 3º, I e II; CPC, arts. 373, I e II, e 98, § 3º; Lei nº 9.099/95, arts. 33, 46 e 55. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 18.02.1992, RSTJ 34/285. (N.U 1089048-30.2024.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, GONCALO ANTUNES DE BARROS NETO, Primeira Turma Recursal, Julgado em 27/06/2025, Publicado no DJE 27/06/2025). Como se observa do precedente, a responsabilidade da concessionária foi firmada com base nas provas dos autos, que demonstraram a falha na prestação do serviço e o nexo com o dano. De modo similar, na presente lide, a prova documental é robusta e inconteste ao demonstrar a falha administrativa da Requerida e os consequentes prejuízos morais impostos à Requerente, o que torna imperativa a condenação. Da Inexistência da Relação Jurídica e da Não Ocorrência da Coisa Julgada A Requerente alega que, em dezembro de 2014, ao se mudar para Alto Araguaia/MT, solicitou o desligamento do serviço de fornecimento de energia elétrica da unidade consumidora nº 6/1660934-9, localizada em Rosário Oeste/MT. Contudo, a despeito de tal comunicação e pedido, continuou a receber cobranças. É incontroverso que a Requerente já ajuizou ação anterior (autos nº 1015177-17.2019.8.11.0041), na qual foi declarada a inexistência dos débitos referentes à UC 6/1660934-9 para o período de outubro de 2015 a março de 2016. A Requerida, em contestação (ID 191110982), sustenta a ocorrência de coisa julgada, alegando que a presente demanda se trata de mera reiteração de fatos já discutidos e decididos. Entretanto, a análise dos autos revela que a pretensão da Requerente na presente ação vai além do período e dos fatos já acobertados pela coisa julgada material. A petição inicial desta demanda (ID 181707534) destaca que a Requerida "tornou a realizar cobranças em nome da assistida a respeito da mesma Unidade Consumidora, culminando na negativação de seu nome junto às instituições de proteção de crédito". Além disso, a inicial é clara ao afirmar que "fora incluído novos débitos (conforme histórico de débitos anexo)" e que as cobranças atualmente compreendem o período de outubro de 2015 a setembro de 2024. O histórico de faturas (ID. 181707536, págs. 6-7) e os instrumentos de protesto (ID. 181707536, págs. 4-5) corroboram a emissão de cobranças e a efetiva negativação do nome da autora em períodos posteriores ao que foi expressamente declarado indevido na sentença anterior (março de 2016). Destaca-se, por exemplo, protestos de junho de 2023 e setembro de 2022. A tese de coisa julgada, nesse contexto, não se sustenta. Embora a unidade consumidora em questão seja a mesma, a reiteração das cobranças após uma decisão judicial que já havia declarado sua indevididade, a extensão temporal dessas cobranças para períodos posteriores ao já julgado, a efetiva negativação do nome da consumidora, e o impedimento de obtenção de serviço essencial em outro imóvel da Requerente, configuram novos fatos geradores de direitos e novas violações que não foram abarcadas pelo processo anterior. A conduta da Requerida em persistir com as cobranças e negativar o nome da consumidora, mesmo ciente da decisão anterior que reconhecia a inexistência dos débitos em parte do período, revela desídia e desrespeito à autoridade judicial e aos direitos da consumidora. A Requerida não se desincumbiu do ônus de comprovar a existência de relação jurídica que legitimasse as cobranças posteriores a dezembro de 2014, tampouco demonstrou que a Requerente solicitou o religamento do serviço na referida unidade consumidora. Pelo contrário, a própria sentença anterior (ID 181707536, pág. 1) registrou que a Requerida "evidenciou que ficou suspenso o fornecimento de energia no período de 05/11/2014 a 03/06/2015 [quando ocorreu o religamento]", o que corrobora a alegação da autora de que houve um pedido de desligamento ou, no mínimo, a cessação da fruição do serviço por sua parte em 2014. Sendo assim, considerando que a dívida de energia elétrica possui natureza propter personam e que a Requerente não usufruiu dos serviços na unidade consumidora após sua mudança em dezembro de 2014, é imperiosa a declaração de inexistência da relação jurídica entre a autora e a UC 6/1660934-9 a partir de dezembro de 2014. Isso implica que todas as cobranças posteriores a essa data, incluindo aquelas referentes ao período de outubro de 2015 a setembro de 2024, são indevidas. Do Dano Moral Indenizável A Requerida argumenta que os fatos narrados configuram mero aborrecimento e não ensejam indenização por danos morais. No entanto, a conduta da concessionária, de persistir com cobranças indevidas e, mais gravemente, negativar o nome da consumidora em órgãos de proteção ao crédito e impedir o acesso a um serviço essencial em outro imóvel da Requerente, após uma decisão judicial já ter declarado indevida parte dessas cobranças, transcende em muito o que se pode considerar um mero dissabor da vida cotidiana. A inscrição indevida em cadastros de inadimplentes, por si só, configura dano moral in re ipsa, ou seja, o prejuízo é presumido e decorre do próprio ato ilícito, sendo desnecessária a comprovação do abalo psicológico sofrido. DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. COBRANÇA POR RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REALIZADO PELA CONCESSIONÁRIA. REGULARIDADE DAS COBRANÇAS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL CONFIGURADO. PARCIAL PROVIMENTO. I. Caso em exame Apelação cível interposta pela concessionária de energia elétrica Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S/A, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, que declarou a inexistência de débitos oriundos de cinco faturas e condenou a ré ao pagamento de danos morais no valor de R$ 4.000,00, além das verbas sucumbenciais. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é legítima a cobrança de consumo de energia elétrica decorrente de procedimento administrativo de recuperação de consumo realizado pela concessionária; (ii) saber se há responsabilidade civil por dano moral decorrente de inscrição indevida do nome do autor em cadastro de inadimplentes quanto a faturas não impugnadas no recurso. III. Razões de decidir 3. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, atraindo a incidência das normas do CDC, inclusive a inversão do ônus da prova. 4. Comprovada a irregularidade no fornecimento de energia mediante ligação direta sem medidor, a concessionária possui o direito de recuperar o consumo não faturado, desde que observado o devido procedimento administrativo, conforme Resolução Normativa ANEEL nº 1000/2021. 5. No caso concreto, restou demonstrada a realização da vistoria com lavratura de Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, acompanhado do consumidor, com documentação probatória suficiente (relatório técnico e imagens da inspeção). 6. A cobrança das faturas nos valores de R$ 1.179,63 e R$ 498,60, ambas com vencimento em 27/06/2023, mostrou-se legítima, conforme critérios regulatórios e ausência de impugnação administrativa pelo consumidor. 7. Contudo, a concessionária não impugnou a cobrança referente às demais faturas reconhecidas como indevidas na sentença, relativas aos valores de R$ 4.030,97 e duas faturas de R$ 177,30, o que culminou na inscrição indevida do nome do autor em cadastros restritivos. 8. A jurisprudência consolidada do STJ reconhece o dano moral presumido (in re ipsa) nos casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito. IV. [...] A inscrição indevida em cadastro de inadimplentes enseja o dever de indenizar por dano moral, independentemente de prova do prejuízo.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X, e 6º; CC, art. 944; CDC, arts. 6º, VIII, e 14; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.501.927/GO, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 12.11.2019; TJMT, Apelação Cível 1021503-39.2021.8.11.0003, Rel.ª Des.ª Antônia Siqueira Gonçalves, j. 25.05.2022; TJMT, N.U 1028369-64.2024.8.11.0001, Rel. Juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, j. 21.10.2024. (N.U 1036213-93.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/07/2025, Publicado no DJE 03/07/2025). A honra e o crédito da pessoa são bens jurídicos tutelados, e sua violação acarreta lesão à esfera personalíssima do indivíduo. Além disso, a reiteração da conduta ilícita por parte da Requerida, desprezando a autoridade de uma decisão judicial transitada em julgado, agrava o sofrimento da consumidora e o dano à sua dignidade. A autora, em sua impugnação (ID 191956202, pág. 3), enfatiza que tal atitude "revela desrespeito ao Poder Judiciário e verdadeiro escárnio ao consumidor, que vê seus direitos continuamente violados mesmo após vitória judicial". A negativa de religamento de energia elétrica em outro imóvel da Requerente, com base em débitos manifestamente indevidos de uma unidade consumidora que não está sob sua responsabilidade, reforça o sofrimento e a privação de um serviço essencial, culminando em mais uma falha grave na prestação do serviço. Tal situação causa constrangimento, angústia e prejuízo à vida digna da consumidora, que teve seu direito à moradia e ao acesso a um serviço básico comprometido. SÚMULA DO JULGAMENTO RECURSO INOMINADO. ÁGUA E ESGOTO. SOLICITAÇÃO DE TROCA DE TITULARIDADE E RELIGAÇÃO DA UNIDADE. NEGATIVA EM RAZÃO DE DÉBITOS PENDENTES DECORRENTES DA UTILIZAÇÃO DO SERVIÇO APÓS A COMPRA DO IMÓVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Consta dos autos que a parte autora adquiriu o imóvel localizado na Rua 120, n.01, Quadra 26, Setor I, Bairro Tijucal, Cuiabá-MT, no dia 14/10/2013 e que por muitos anos ficou desocupado. Argumenta que em 01/07/2021, esteve pessoalmente no endereço da reclamada, apresentando todos os documentos necessários, para fazer o pedido de transferência da matrícula nº 5277-9 para o seu nome, juntamente com religamento dos serviços que se encontrava desativado desde a aquisição, porém foi negado em razão da existência de débitos. 2. É cedido que a obrigação de pagar pelo serviço de energia elétrica não possui natureza jurídica de obrigação propter rem, caracterizando-se como propter personae, ou seja, é natureza pessoal, e a empresa fornecedora de água não pode condicionar a transferência de titularidade da unidade ao pagamento de débitos pendentes em nome do antigo usuário. [...] (N.U 1026944-07.2021.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS, Turma Recursal Única, Julgado em 17/05/2022, Publicado no DJE 17/05/2022). Diante desse cenário, resta evidente a ocorrência de dano moral passível de reparação. A fixação do quantum indenizatório deve observar o caráter compensatório para a vítima e punitivo-pedagógico para o ofensor, de modo a desestimular a reiteração de condutas semelhantes e a promover o cumprimento da legislação consumerista. Deve-se considerar a gravidade da conduta da Requerida, a reincidência, a condição de idosa e aposentada da Requerente, com renda de um salário mínimo (ID 181707535, pág. 1), e o porte econômico da concessionária. O valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) diverso do sugerido na inicial, mostra-se mais condizente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como com a extensão do dano e o caráter dissuasório da medida, evitando, por um lado, o enriquecimento sem causa da vítima, e por outro, a banalização do ilícito. DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, resolvendo o mérito da lide, para o fim de: i) RATIFICAR a tutela de urgência anteriormente concedida em ID. 181983574, que determinou à Requerida a suspensão das cobranças dos débitos discutidos e a abstenção de interromper o fornecimento de energia elétrica para a residência da Requerente em virtude das cobranças ora em discussão, bem como o cancelamento dos protestos realizados junto aos órgãos de proteção de crédito em nome da autora, até a prolação da sentença. ii) DECLARAR a inexistência da relação jurídica entre HONEIDE DOURADO DE PAULA e a Unidade Consumidora (UC) nº 6/1660934-9 a partir de dezembro de 2014, bem como a inexigibilidade de todos os débitos de consumo de energia elétrica referentes a esta unidade consumidora lançados em nome da Requerente desde então, abrangendo, inclusive, o período de outubro de 2015 a setembro de 2024, devendo a Requerida abster-se de realizar quaisquer novas cobranças ou imputar responsabilidade à Requerente por débitos vinculados a esta UC. iii) DETERMINAR à ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. que proceda ao cancelamento definitivo de todos e quaisquer protestos e inscrições do nome de HONEIDE DOURADO DE PAULA nos órgãos de proteção ao crédito (SPC, SERASA e outros) relacionados aos débitos da UC 6/1660934-9, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar do trânsito em julgado desta sentença, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme o artigo 537 do Código de Processo Civil. iv) CONDENAR a ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. ao pagamento de indenização por danos morais em favor de HONEIDE DOURADO DE PAULA no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Sobre o valor da condenação por danos morais, deverá incidir correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da data do evento danoso (data da primeira negativação indevida ou da cobrança que gerou o impedimento de religamento), nos termos do artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ. v) CONDENAR a Requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação (danos morais mais proveito econômico obtido com a declaração de inexigibilidade dos débitos), conforme o disposto no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Os honorários sucumbenciais deverão ser destinados ao FUNDO DE APOIO E APARELHAMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO, com depósito no BANCO DO BRASIL, AGÊNCIA 3834-2, CONTA CORRENTE 1041050-3 (TITULAR: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ Nº 02.528.193/0001-83). Após o trânsito em julgado, o que deverá ser previamente CERTIFICADO nos autos, ARQUIVEM-SE os presentes autos, mediante as baixas e anotações pertinentes. P.R.I. Alto Araguaia/MT, data da assinatura digital. DANIEL DE SOUSA CAMPOS Juiz de Direito em Substituição Legal Rua Onildo Taveira, n. 143, Bairro Vila Aeroporto - Alto Araguaia/MT - CEP: 78.780-000 - Telefone: 66 3481-1244
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