Processo nº 1018263-85.2022.8.11.0042
ID: 257995574
Tribunal: TJMT
Órgão: 1ª VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO SUMáRIO
Nº Processo: 1018263-85.2022.8.11.0042
Data de Disponibilização:
17/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANIA MARIA CARVALHO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ AÇÃO PENAL Nº 1018263-85.2022.8.11.0042 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GRO…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE CUIABÁ AÇÃO PENAL Nº 1018263-85.2022.8.11.0042 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ACUSADO: CARMO HENRIQUE DOS SANTOS SENTENÇA. VISTOS. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso ofereceu denúncia contra CARMO HENRIQUE DOS SANTOS, pela prática, em tese, do delito previsto no art. 24-A, do Código Penal, com as implicações na Lei nº 11.340/06, em desfavor da vítima M(...)[1], sua ex-companheira. Narra a denúncia, em suma, que no dia 04/04/2022, a vítima solicitou medidas protetivas de urgência, que foram deferidas nos autos de nº 1004795-54.2022.8.11.0042, sendo CARMO HENRIQUE devidamente notificado da decisão judicial no dia 06/04/2022. Ocorre que, mesmo ciente da decisão judicial que o proibia de se aproximar e de manter contato com a vítima, o denunciado não deixou a residência, e no mês de abril de 2022, a vítima foi até o local, na rua Aimoré, nº 20, quadra 4, bairro Parque Atalaia, Cuiabá/MT, para retirar alguns pertences, em razão de CARMO HENRIQUE não sair do local, na companhia da patrulha Maria da Penha, descumprindo, assim, as medidas protetivas que foram impostas. No mês de setembro de 2022, novamente a vítima foi no imóvel e se deparou com as fechaduras trocadas, porém o denunciado não mais morava no local. Boletim de Ocorrência nº 2022.256082, datado de 16.09.2022; Termos de Declarações da vítima; Pedido de Providências Protetivas; Termo De Qualificação, Vida Pregressa E Interrogatório Nº 2022.8.205855; e; relatório policial estão devidamente acostados aos autos. Denúncia recebida em 3.5.2023 (id. 116751665). O acusado foi devidamente citado (id. 117009457). Resposta à acusação foi apresentada. Porém, tendo em vista a inexistência nos autos de qualquer hipótese para absolvição sumária do acusado, foi ratificada a decisão de recebimento da denúncia, dando-se prosseguimento à instrução processual. Audiência de instrução ocorreu no dia 19.3.2025, ocasião em que ocorreu a oitiva da vítima, o depoimento das testemunhas e o interrogatório do réu, nos exatos termos da gravação audiovisual anexa. Pelo Ministério Público foram apresentadas alegações finais na forma de memoriais orais, ocasião na qual o Promotor de Justiça ratificou os termos da denúncia, pugnando por sua PROCEDÊNCIA, com a condenação do acusado nas sanções dos crimes nela previstos, conforme gravação em anexo nos autos. Após, dada a palavra à defesa, a nobre Defensora apresentou as alegações finais na forma de memoriais escritos, pugnando pela ABSOLVIÇÃO do Réu por falta de provas, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (id. 190436573). EIS O RELATO NECESSÁRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. O acusado responde perante este Juízo pelo crime previsto art. 24-A, do Código Penal, com as implicações na Lei nº 11.340/06, em desfavor da vítima M(...)[2], sua ex-companheira. Os autos tramitaram regularmente, não havendo nenhuma irregularidade ou nulidade que impeça a prolação da sentença. Inicialmente, é importante registrar que o presente conjunto probatório não deixa dúvidas de que o crime foi praticado no âmbito da violência doméstica contra a mulher, tendo como base as questões de gênero, substancialmente, o desdém pela vítima como sujeito de direitos e vontades, o machismo e a masculinidade tóxica que trata a mulher como objeto de posse daqueles que com ela se relacionam. Diante disso, bem como, considerando que o Brasil, recentemente, foi condenado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Márcia Barbosa de Souza, vítima de feminicídio em 1988, em razão da utilização de estereótipos negativos em relação à vítima e por não investigar e julgar a partir da perspectiva de gênero, necessária a utilização da lente de gênero nos julgamentos praticados no âmbito da violência doméstica e familiar, seguindo assim as recomendações emitidas pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres da CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher), observando as desigualdades estruturais e não julgando de maneira abstrata, obtendo com isso, resultados judiciais o mais próximo possível da previsão de igualdade substantiva prevista na Constituição Federal e nos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte em matéria de Direitos Humanos. Isto porque não há como deixar de se reconhecer a desigualdade estrutural causada pela influência do patriarcado, do machismo, do sexismo, de maneira transversal em todas as áreas do direito, produzindo efeitos na sua interpretação e aplicação, sendo necessária, neste contexto, a atuação jurisdicional, a fim de equalizar/equilibrar esta balança. Diante disso, busca-se além da identificação das questões de gênero, a identificação e tratamento das partes envolvidas observando suas condições e necessidades pessoais, oferecendo a elas condições de enfrentamento das questões provenientes ou que causaram o processo, ofertando grupo de reflexão e de apoio e acompanhamento psicológico, além do jurídico, às vítimas de violência doméstica e familiar, o que foi efetuado nos autos, onde foram concedidas à vítima medidas protetivas e acompanhamento psicológico. Essa é a postura a ser adotada na condução dos autos, sempre com as lentes da perspectiva de gênero, tentando evitar a revitimização e a violência institucional, proibindo perguntas desnecessárias, repetidas e degradantes. Assim, cumpre ressaltar que, neste contexto e considerando a natureza dos delitos praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, geralmente praticados com a ausência de testemunhas, a palavra da mulher deve ser especialmente valorada, desde que coerente e apresentada sem contradições. Conforme termo de declarações n° 2022.8.173167 a vítima Maria, foi ouvida em sede policial, no dia 16.9.2022, e declarou que: “[...]QUE o autor dos fatos é seu ex convivente. CARMO HENRIQUE DOS SANTOS, 59 anos, pedreiro. QUE conviveram por 16 (dezesseis) anos e não tiveram filhos. Perguntado sobre como os fatos ocorreram, respondeu QUE: a vítima relata que esteve nesta Especializada no dia 04 de abril (04) de 2022 solicitando as medidas protetivas de urgência, pois havia sido ofendida e ameaçada pelo suspeito no dia 03 de abril (04) de 2022. Relata que saiu da residência no dia da briga, indo morar de favor na residência de sua irmã, pois estava com medo do suspeito cumprir com as ameaças de morte. Relata que a residência éde sua propriedade, pois adquiriu a residência no ano de 2005 e foi morar com CARMO no ano de 2006. Relata que no ano de 2018 fizeram uma partilha de bens registrada em cartório, pois o suspeito exigia sua parte dos bens para sair da residência e deixar a vítima em paz. A vitima relata que após a partilha o suspeito continuou na casa, se negando a deixar o local. Narra a vítima que o suspeito sempre lhe dizia VENDA ESTACASA POR DUZENTOS MIL E ME DE CEM MIL REAIS; SUA DESGRAÇADA FILHA DA PUTA. VOU CORTAR O SEU PESCOÇO. QUE diante das ameaças a vítima solicitou as medidas protetivas e pediu o afastamento do suspeito do lar, porém, apesar do deferimento, ainda no mês de abril (04) de 2022, CARMO nunca deixou a residência. A vitima relata que precisou buscar seus pertences na residência acompanhada da patrulha maria da penha por duas vezes. Relata que no dia 16 de setembro (09) de 2022, se deslocou até sua residência acompanhada da patrulha maria da penha para buscar alguns pertences pessoais, no entanto, percebeu que suas chaves já não abriam a fechadura, pois CARMO havia trocado. Narra que precisa retornar para sua casa e que o oficial de justiça não retirou o suspeito da residência quando foi deferida a medida protetiva e o afastamento do suspeito do lar. Relata sentir muito medo do suspeito e só deseja voltar para sua residência e viver em paz. QUE diante dos fatos registrou boletim de ocorrência e deseja que sejam tomadas as devidas providências. [...] (sic, id. 105014124). A vítima foi ouvida em juízo, ocasião em que ratificou a versão anteriormente apresentada na delegacia, esclarecendo que, desde o momento em que o acusado teve ciência de que deveria desocupar o imóvel, este se recusou a fazê-lo. Relatou que, em companhia da Patrulha Maria da Penha, compareceu ao local por diversas vezes com o intuito de retirar alguns pertences pessoais para realizar uma viagem. Narrou que, em uma das ocasiões, ao chegar ao imóvel, constatou que o réu havia trocado a fechadura e aplicado cola no mecanismo, impedindo seu ingresso no local. Acrescentou que o acusado chegou a reter alguns de seus bens, e somente desocupou o imóvel no mês de setembro, deixando-o em estado de abandono, com acúmulo de lixo, situação que lhe causou perplexidade. Informou, ainda, que o imóvel pertence a ela, sendo adquirido antes de seu casamento, estando todos os registros em seu nome, e que não sabe por qual motivo o réu se recusava a desocupar o local. Em resposta aos questionamentos formulados pela defesa, afirmou que nunca consentiu que o acusado residisse no imóvel de sua propriedade, destacando que, à época, encontrava-se morando de favor na residência de sua irmã. Esclareceu que não presenciou o momento em que o acusado aplicou cola no cadeado, mas que, ao chegar ao imóvel, o encontrou dessa forma, não tendo dúvidas de que a conduta foi praticada por ele. Ressaltou que o acusado não teve qualquer contato com ela enquanto está permaneceu na casa de sua irmã. Relatou que a decisão judicial determinando medidas protetivas foi proferida no início de abril, após o episódio de agressão, e que, durante esse período, o réu não compareceu à residência de sua irmã. Afirmou que registrou boletim de ocorrência em abril, sendo que o réu apenas desocupou o imóvel no final de agosto. Disse que procedeu à limpeza do local em setembro, reiterando que o imóvel foi adquirido por ela antes de contrair matrimônio. Em seguida, foi colhido o depoimento da testemunha José Carlos, que declarou desconhecer a existência de medidas protetivas em desfavor do réu. Informou que o acusado permaneceu residindo no imóvel do casal entre os meses de abril e setembro, mas que não sabe se houve anuência da vítima quanto à permanência do réu na residência. Ato continuo ocorreu o depoimento da testemunha Leoni, que disse que antes da vítima o réu morava em uma casa localizada no bairro Parque Ohara. No âmbito policial, o acusado foi ouvido e declarou: “: QUE após tomar ciência das acusações proferidas em seu desfavor e dos direitos constitucionais o interrogando deseja responder ao seu interrogatório neste ato; QUE o interrogando vem esclarecer que nunca foi intimado das medidas protetivas pelo oficial de justiça, e realmente após tomar conhecimento do boletim de ocorrência que sua ex-companheira MARIA QUINTINO fez contra ele o mesmo ficou muito transtornado e ficou meio fora de si, visto que ele já fazia tratamento com psiquiatra alguns anos por sofrer de ansiedade, inclusive toma remédio controlado e quando deixa de tomá-lo perde a noção da realidade; QUE no mês de junho/2022, não se recorda a data, a sua advogada tomou conhecimento do processo e se habilitou informando que ele estava cumprindo a decisão judicial das medidas protetivas, porém devido ao seu estado psicológico o mesmo se recusava a sair da casa, visto que não estava bem psicologicamente, porém após sua advogada lhe convencer a deixar o imóvel, visto que está sendo objeto discutido no processo de dissolução de união estável, o interrogando acabou saindo da casa no mês de Setembro/2022, não se recorda exatamente a data, portanto realmente chegou a descumprir tais medidas, pois se recusava a sair da casa; QUE o interrogando não trocou as fechaduras das portas da casa, somente trocou o cadeado do portão, pois o cadeado tinha estragado, portanto não fez isso com a intenção de impedi-la de entrar no imóvel; QUE o interrogando somente pediu para MARIA QUINTINO que queria a sua parte no imóvel em que o casal morou por mais de dezoito(18) anos, visto que o relacionamento entre eles durou por volta de vinte e oito(28) anos, sendo dez(10) de namoro, porém ele jamais a xingou de "SUA DESGRAÇADA, FILHA DA PUTA, VOU CORTAR O SEU PESCOÇO", sendo tais declarações inverídicas; QUE o interrogando foi indagado se ele possui algum laudo ou parecer médico do psiquiatra sobre seu transtorno psicológico para juntar nos autos e o mesmo disse que nesse momento não possui;”. (id. 104675903). O acusado foi interrogado em audiência de instrução, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ocasião em que alegou que teria sido a vítima quem trocou o cadeado do imóvel. Afirmou que não possuía outro local para residir, questionando: "ia para onde?", embora tivesse ciência da existência do processo judicial em seu desfavor. Relatou que possuía uma casa no bairro Parque Ohara, a qual se encontrava alugada à época dos fatos. Alegou ter convivido com a vítima por 28 (vinte e oito) anos e que, segundo suas palavras, foi expulso sem sequer compreender os motivos, considerando-se alvo de uma "trama" supostamente arquitetada contra si, na qual seria, segundo sustenta, a verdadeira vítima. Declarou fazer uso de medicação para controle da ansiedade. Disse, ainda que teria contribuído com a construção da garagem, do piso e de outras benfeitorias. Por fim, sustentou que auxiliou a vítima, reiterando que conviveram por 28 (vinte e oito) anos. Negou que a vítima já fosse proprietária do imóvel antes da relação, afirmando que, à época, ela residia com sua genitora, e que teriam se mudado para o local juntos. 1 – DO MÉRITO. Depois de acurada análise das provas colhidas nos autos, conclui-se pela procedência da ação penal com a condenação em relação ao crime de descumprimento de medida protetiva. 1.2 – DO CRIME DE DESCUMPRIMENO DE MEDIDA PROTETIVA. Trata-se de figura típica delituosa – descumprimento de medida protetiva contra a vítima, previsto no artigo 24-A, da Lei nº 11.340/2006, incluído pela Lei nº 13.641, de 03/04/2018 – punida a título de dolo, ou seja, consistente na vontade livre e consciente de descumprir decisão judicial que defere medida protetiva com base na Lei Maria da Penha. Evidentemente, para que haja o crime, é indispensável que exista a decisão judicial, nos autos próprios, que defere as medidas protetivas nos termos da Lei 11.340/06. Conforme apurado, as medidas protetivas de urgência foram deferidas em favor da vítima na data de 04 de abril de 2022, sendo o réu devidamente intimado no dia 06 de abril de 2022, conforme certidão constante dos autos: "... dia 05 de abril de 2022, enviei o Mandado de Intimação das Medidas Protetivas Deferidas a favor da Vítima pelo WhatsApp, para conhecimento do conteúdo da Decisão, somente no dia 06 de abril de 2022, às 12h19min, foi confirmado e após as formalidades legais PROCEDI A INTIMAÇÃO DO REQUERIDO CARMO HENRIQUE DOS SANTOS, nos termos do art. 18 da Lei 11.340/06, em desfavor de seu ex-companheiro, sustentando, em resumo, que foi vítima de violência doméstica praticada pelo representado, consubstanciada nos crimes de AMEAÇA E INJÚRIA, o qual bem ciente ficou de todo conteúdo do mandado, após uma ligação a respeito do teor do mandado que recebeu a cópia pelo WhatsApp". A medida deferida determinava, dentre outras providências, o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima, com fulcro no artigo 22, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, reforçada pela previsão de reforço policial, caso necessário ao cumprimento da ordem, conforme dispõe o §3º do mesmo dispositivo legal. Contudo, mesmo devidamente ciente da ordem judicial, o réu optou por descumpri-la, persistindo na ocupação do imóvel comum, sob o argumento de que “não tinha para onde ir”, alegando que tinha problema com ansiedade, revelando com isso não só a ciência da medida imposta, mas, sobretudo, a deliberada vontade de não cumpri-la, evidenciando o dolo exigido para a configuração do tipo penal. Importa destacar, ainda, os depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, os quais corroboram a versão apresentada pela vítima, no sentido de que o réu permaneceu na residência mesmo após regularmente intimado da ordem judicial de afastamento do lar, revelando, pois, o dolo necessário à configuração do tipo penal do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006. A testemunha José Carlos declarou que o réu permaneceu residindo no imóvel entre os meses de abril e setembro, ou seja, justamente no período subsequente à concessão e intimação da medida protetiva de urgência, ocorrida em 06 de abril de 2022. No mesmo sentido, a testemunha Leoni declarou que, antes de residir com a vítima, o réu morava em uma casa situada no bairro Parque Ohara, a qual, segundo o próprio acusado, encontrava-se alugada. Ressalte-se que o réu, em seu interrogatório judicial, não negou a ciência da medida protetiva. Pelo contrário, limitou-se a afirmar que não sabia para onde ir e que possui ansiedade, revelando com isso que, apesar de ciente da decisão judicial, optou conscientemente por descumpri-la, o que constitui conduta típica, antijurídica e culpável. Ressalte-se que, mesmo após a intimação formal, o acusado permaneceu no imóvel, tendo, segundo relatos da vítima, dificultado seu acesso ao local mediante obstrução do cadeado, inclusive apropriando-se indevidamente de seus pertences pessoais. Essa conduta prolongou-se até o mês de setembro do mesmo ano, quando finalmente desocupou o imóvel. O comportamento do réu revela inequívoco desprezo à autoridade judicial e à proteção conferida à vítima pelo ordenamento jurídico, motivo pelo qual sua conduta se amolda perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006, conforme já assentado na doutrina e na jurisprudência pátrias. Sublinhe-se que a palavra da vítima, nos crimes de violência familiar, assume especial relevância, na medida em que geralmente perpetrados na clandestinidade, a salvo da presença de possíveis espectadores. A propósito, este é o entendimento jurisprudencial: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 21 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS, NA FORMA DA LEI N. 11.340/2006. ABSOLVIÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, "não há qualquer ilegalidade no fato de a condenação referente a delitos praticados em ambiente doméstico ou familiar estar lastreada no depoimento prestado pela ofendida, já que tais ilícitos geralmente são praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais, motivo pelo qual a palavra da vítima possui especial relevância" (AgRg no AREsp n. 1.225.082/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 3/5/2018, DJe de 11/5/2018). 2. Para que fosse possível a análise da pretensão recursal, quanto à absolvição do crime em questão, no caso, seria imprescindível o reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, o que é defeso em âmbito de recurso especial, em virtude do disposto na Súmula n. 7 desta Corte. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.946.495/DF, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 27/4/2023, DJe de 10/5/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. PALAVRA DA VÍTIMA NA FASE DO INQUÉRITO CORROBORADA PELA PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP. INVERSÃO DO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. "A jurisprudência desta Corte Superior orienta que, em casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância, haja vista que em muitos casos ocorrem em situações de clandestinidade" [...] (HC 615.661/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 30/11/2020).[...] (AgRg no AREsp n. 2.123.567/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 28/10/2022.) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. CÁRCERE PRIVADO E AMEAÇA NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE AMPLO REEXAME DO MATERIAL FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA NOS CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (......) III - Nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que são cometidos, em sua grande maioria, às escondidas, sem a presença de testemunhas. Precedentes. Habeas corpus não conhecido”. (STJ, HC 385.290/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 18/04/2017). As declarações da vítima qualificam-se como meio de prova, de inquestionável importância quando se discute violência de gênero. Tal seriedade faz parte do julgamento com perspectiva de gênero à alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando o desequilíbrio processual. O peso probatório diferenciado se legitima pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, desenvolvida nesses moldes, como imparcial e de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade (art. 5º, inciso I, da Constituição Federal). Dessa forma, verifica-se que as declarações da vítima perante este juízo são compatíveis com seu relato durante a fase inquisitorial, ratificando a narrativa do descumprimento de medida protetiva perpetrado pelo acusado, pois em ambas as fases da persecução penal. Por fim, com o fito de reconhecer a existência da circunstância agravante prevista no art. 61, II, alíneas do Código Penal, valho-me da inteligência do art. 385 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que, nos crimes de ação pública, o Juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Dessa forma, com relação ao delito de descumprimento de medida protetiva, aplico a circunstância agravante da alínea “f”, em razão do delito ter sido cometido com violência contra a mulher nos termos da lei 11.340/2006, sobretudo porque a vítima era ex-esposa do acusado à época dos fatos, ressaltando, desde já, que a aplicação de tal agravante não configura bis in idem, conforme a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no Tema Repetitivo nº 1.197. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, para CONDENAR o réu CARMO HENRIQUE DOS SANTOS, brasileiro, solteiro, pedreiro, nascido em 15/07/1963, natural de Cuiabá/MT, filho de Cecilia Dos Santos Pereira e Augusto Dos Santos Pereira, inscrito no CPF sob o nº 040.508.938-43, residente e domiciliado à Rua Travessa Rio Negro, Casa 14, Bairro Parque Ohara, Cuiabá-MT, na sanção prevista no art. 24-A da Lei nº 11.340/06. DA DOSIMETRIA DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA – 24-A DA LEI 11.340/06 A pena prevista para o crime de descumprimento de medidas protetivas previsto no artigo 24-A, da Lei 11.340/2006 é de 03 (três) meses a 02 (dois) anos, de detenção. Atenta ao princípio constitucional da individualização da pena e considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal; tenho que o acusado é tecnicamente primário, não há elementos nos autos suficientes para aferir com precisão acerca de sua personalidade ou conduta social, a culpabilidade, as circunstâncias, consequência e motivos do delito são inerentes ao tipo penal; já o comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática delituosa. Considerando tais circunstâncias do delito de descumprimento de medidas protetivas, fixo a pena no mínimo legal. Na segunda fase da dosagem penal, seguindo a linha intelectiva da Súmula 545/STJ, reconheço a presença da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, “d”, do CP, bem com a agravante do art. prevista no art. 61, II, alínea “f”, do Código Penal, de modo que faço a compensação entre a única agravante e atenuante e fixo a pena no patamar da pena base. E, na terceira fase, à mingua de causas de aumento e/ou de diminuição da pena, torno DEFINITIVA, a pena em 3 (TRÊS) MESES DE DETENÇÃO PELO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA, por entender necessária e suficiente a reprovação e punição da infração penal. O regime de cumprimento de pena será o aberto, tendo em vista o disposto no art. 33, § 2º, “c” do Código Penal. Deixo de aplicar a hipótese do artigo 44 do Código Penal, em observância à ADI 4424 e Súmula 588 do STJ, por ter sido o delito praticado no âmbito da Lei 11.340/2006. No que concerne à reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, do Código de Processo Penal), tendo em vista a ausência de pedido expresso pela acusação e pela parte da ofendida. [Tema Repetitivo 983]. CONDENO o réu do pagamento das custas processuais. CIÊNCIA ao Ministério Público. INTIME-SE o acusado, através de seu advogado, via DJe, acerca da sentença condenatória e do prazo recursal, o que nos termos do art. 392, II, do CPP e a jurisprudência pacífica[3] de que em se tratando de réu solto, é suficiente a intimação do defensor constituído acerca da sentença condenatória. INTIME-SE a vítima. Transitada em julgado, oficie-se à Justiça Eleitoral (art. 15, III da CF/88), forme-se o PEP, escrevendo-se o nome do réu no rol dos culpados. Expeça-se o necessário. Publique-se. Intimem-se. Cuiabá, 15 de abril de 2025. Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa Juíza de Direito [1] Em cumprimento a Lei n. 14.857/2024, o nome da ofendida ficará sob sigilo. [2] Em cumprimento a Lei n. 14.857/2024, o nome da ofendida ficará sob sigilo. [3] HABEAS CORPUS – CONDENAÇÃO PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS – ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM VIRTUDE DA NÃO CIENTIFICAÇÃO DO CONDENADO ACERCA DA R. SENTENÇA – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NO TRÂNSITO EM JULGADO – RÉU SOLTO DESDE A INSTRUÇÃO E COM DEFENSOR CONSTITUÍDO – DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU – DICÇÃO DO ART. 392 DO CPP – INTIMAÇÃO REGULAR DO CAUSÍDICO VIA IMPRENSA OFICIAL – PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE RECURSAL – INTELIGÊNCIA DO ART. 574 DO CPP – PRECEDENTES DO STJ – ORDEM DENEGADA. Não há falar-se em destituição do trânsito em julgado da r. sentença condenatório, quando o decurso do prazo recursal correu devidamente após a intimação regular, via imprensa oficial, do advogado constituído de réu solto, consoante dispõe o art. 392, inc. II do CPP, defluindo na conclusão de que a coisa julgada se aperfeiçoou de maneira hígida, esvaziando, por conseguinte, o alegado constrangimento ilegal. Ordem denegada. (N.U 1005485-78.2023.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SÚMULA N. 691 DO STF. TERATOLOGIA OU FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO MERITÓRIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão do relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular n. 691 do Supremo Tribunal Federal (precedentes). 2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade. 3. "Não se constata a alegada nulidade quanto à ausência de intimação do paciente, uma vez que a jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que, consoante o disposto no art. 392, inciso II, do CPP, tratando-se de réu solto, mostra-se suficiente a intimação do defensor constituído acerca da sentença condenatória" (AgRg no HC n. 691.007/BA, relator Ministro Jesuíno Rissato - Desembargador Convocado do TJDFT, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 26/11/2021.) 4. Não demonstrada de plano a configuração da flagrante ilegalidade, não há como afastar o óbice ao conhecimento do remédio constitucional, devendo-se aguardar o julgamento meritório da impetração perante o Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 907.636/GO, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. NULIDADES. QUESTÕES NÃO DEBATIDAS PERANTE A CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. RÉU SOLTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. Na esteira da jurisprudência desta Corte, "[a] intimação pessoal somente é exigida da sentença que condena o réu preso (art. 392, I, do CPP)." (AgRg no HC n. 372.423/RS, relator Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, julgado em 21/3/2019, DJe 2/4/2019; grifou-se), o que não é o caso dos autos. 4. "[N]ão há se falar em constrangimento ilegal pela ausência de intimação pessoal do réu quanto ao teor da sentença condenatória quando respondeu ao processo em liberdade, mostrando-se suficiente a intimação do defensor constituído por meio de imprensa oficial, como ocorreu na hipótese." (AgRg no HC 588.801/PE, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 4/8/2020, DJe de 10/8/2020). 5. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Assim sendo, a declaração de nulidade fica subordinada não apenas à alegação de existência de prejuízo, mas à efetiva demonstração de sua ocorrência, o que não ocorre na presente hipótese. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 176.136/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 24/4/2023.)
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