Processo nº 1008056-61.2021.8.11.0042
ID: 330081702
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1008056-61.2021.8.11.0042
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DAVI FERREIRA DE PAULA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1008056-61.2021.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1008056-61.2021.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA Turma Julgadora: [DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), JOAS PEREIRA DOS SANTOS - CPF: 063.161.161-44 (APELANTE), DAVI FERREIRA DE PAULA - CPF: 415.295.701-82 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA CARACTERIZADA. DENÚNCIA ANÔNIMA ESPECÍFICA CONFIRMADA. ALEGAÇÃO DE TORTURA. AUSÊNCIA DE NEXO COM A PRODUÇÃO PROBATÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. DEPOIMENTOS POLICIAIS HARMÔNICOS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. MAUS ANTECEDENTES. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. INAPLICABILIDADE. REGIME FECHADO MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o recorrente à pena de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. II. Questão em discussão 2. Questões em discussão: (i) saber se houve ilegalidade na busca pessoal realizada pela polícia militar, por ausência de fundadas suspeitas; (ii) saber se houve nulidade das provas por suposta tortura policial; (iii) saber se a absolvição é devida por insuficiência probatória; (iv) saber se a conduta deve ser desclassificada para o art. 28 da Lei de Drogas; (v) saber se é possível reconhecer a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da L. 11.343/2006 (tráfico privilegiado), (vi) saber se o regime inicial pode ser o aberto ou o semiaberto. III. Razões de decidir 3. A busca pessoal mostrou-se legítima, amparada em denúncia anônima específica que indicava endereço, características físicas, alcunha e modus operandi do suspeito, confirmada pela tentativa de fuga e posterior apreensão de entorpecentes. 4. As lesões constatadas no laudo pericial são incompatíveis com o relato de tortura apresentado pelo réu, não havendo demonstração de nexo causal entre eventual excesso policial e a produção das provas que fundamentaram a condenação. 5. A materialidade e autoria restaram comprovadas pela apreensão de 14 porções de cocaína, confissão extrajudicial e depoimentos policiais coesos e harmônicos, colhidos sob o crivo do contraditório. 6. A quantidade e forma de acondicionamento da droga, aliadas à dinâmica dos fatos e confissão do réu, afastam a tese de uso pessoal. 7. O tráfico privilegiado foi corretamente afastado diante dos maus antecedentes do réu e indicativos de dedicação à atividade criminosa como meio de subsistência. 8. A substituição da pena e a fixação de regime mais brando são inviáveis ante os maus antecedentes, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP c/c art. 42 da Lei de Drogas. IV. Dispositivo e tese 9. Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. É válida a busca pessoal fundada em denúncia anônima específica, posteriormente confirmada pela apreensão de entorpecentes e tentativa de fuga do suspeito. 2. A alegação de tortura não invalida as provas quando desacompanhada de demonstração do nexo causal com a produção probatória. 3. A confissão extrajudicial corroborada por outros elementos de prova, como apreensão de droga, dinheiro e máquina de cartão, é suficiente para a condenação por tráfico. 4. O tráfico privilegiado não se aplica ao agente com maus antecedentes que se dedica à mercancia como meio de vida.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CP, arts. 44, 59 e 33, §§ 2º e 3º; CPP, arts. 240, § 2º, e 244; L. 11.343/2006, arts. 28, 33 e 42. Jurisprudência relevante citada: STF, RHC 229.514 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. 02.10.2023; STJ, AgRg no AREsp 2.160.831/RJ, Rel. Min. Messod Azulay Neto, 5ª T., j. 07.02.2023; TJMT, Enunciado Criminal nº 8; TJMT, N.U 1004698-04.2023.8.11.0015, Rel. Des. O. Perri, j. 09.05.2025. ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Primeira Câmara Criminal Gabinete 2 - Primeira Câmara Criminal APELAÇÃO CRIMINAL (417) 1008056-61.2021.8.11.0042 APELANTE: JOAS PEREIRA DOS SANTOS APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por JOAS PEREIRA DOS SANTOS contra sentença proferida pelo Juízo da 13ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT que, nos autos da Ação Penal nº 1008056-61.2021.8.11.0042, condenou o réu à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial fechado, além de 500 (quinhentos) dias-multa, como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06. Em suas razões recursais (id. 273647852), a Defesa requer, preliminarmente: 1) a nulidade das provas por ilegalidade da busca pessoal; 2) nulidade da sentença por obtenção de provas mediante tortura policial, postulando a absolvição com fundamento no art. 386, VII, do CPP. No mérito, pleiteia: 3) absolvição, com fundamento no art. 386, IV, V e VII, CPP, sustentando insuficiência probatória e in dubio pro reo; ou, subsidiariamente, 4) a desclassificação para o art. 28 do mesmo codex, invocando o tema 506 do STF; ou, ainda, 5) o reconhecimento do tráfico privilegiado (§ 4º, art. 33, Lei 11.343/06) com redução máxima de 2/3; 6) substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (arts. 44 e 46 do CP), e 7) fixação de regime aberto ou semiaberto. Em contrarrazões (id. 278551352), a 23ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital rebateu as teses defensivas, sustentou a manutenção da sentença recorrida pelos seus próprios fundamentos e pugnou pela rejeição das preliminares e pelo desprovimento do recurso. A Procuradoria-Geral de Justiça, em sintonia com o órgão ministerial de origem, exarou parecer pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (id. 286199899 – 6ª Procuradoria de Justiça, Exma Sra Dra Ana Cristina Bardusco Silva – Procuradora de Justiça). É o Relatório. V O T O (PRELIMINARES) EXMO. SR. DES. WESLEY SANCHEZ LACERDA (RELATOR) Egrégia Câmara 1) Da alegada nulidade da busca pessoal A Defesa sustenta que a abordagem policial foi ilegal, baseada exclusivamente em denúncia anônima, sem investigação prévia, violando os arts. 240, § 2º, e 244 do CPP, bem como os entendimentos consolidados nos Informativos 666 do STJ e 250 do STF. Contudo, a preliminar não merece acolhimento. Isso porque, extrai-se dos autos que a atuação policial não se baseou em mera denúncia anônima genérica, mas em informação específica e detalhada que indicava (id. 264871849): I) o local exato [Travessa 22, Jardim Passaredo]; II) as características físicas do suspeito; III) sua alcunha [“Japão”]; IV) o modus operandi [venda de entorpecentes escondido próximo a uma mangueira, em frente a residência com placa de “vende-se”]. Nesse sentido, os depoimentos dos policiais militares foram uníssonos ao relatarem que, ao chegarem ao local indicado, depararam-se exatamente com o cenário descrito na denúncia, tendo o réu, ao avistar a viatura, empreendido fuga em direção à residência, sendo alcançado e, durante a busca pessoal, foi localizada: 2,65g de cocaína, fracionada em 14 porções; R$ 170,00 em espécie e uma máquina de cartão. O PM Joabe Ferreira Roque foi preciso ao descrever (id. 264872284): “Houve essa denúncia de transeunte ali na região do Passaredo, informando que um cidadão por Alcunha, Japão, estaria na Travessa vinte e dois, em frente a uma residência, próximo a uma árvore, realizando o comércio entorpecente. A guarnição, para verificar o teor da denúncia, deslocou o local, e ao aproximar, visualizou o indivíduo com as mesmas características relatadas na denúncia. Ele, ao visualizar a guarnição, empreendeu fuga e foi abordado, e na revista foi localizado quatorze porções de substância análoga à pasta basta cocaína no bolso da sua bermuda, e na sua linha de cintura, na parte da frente, foi localizado uma máquina de cartão, no momento da voz de prisão, ele tentou se desvencilhar da guarnição, tentou empreender fuga, foi contido e conduzido à delegacia. No bolso da bermuda foi localizado um valor de cento e setenta reais aproximadamente. [...]” Por sua vez, o PM Almir Souza dos Santos, no mesmo sentido, relatou que (id. 264872285): “em rondas pelo bairro Jardim Passaredo, nessa data, no período noturno, fomos informados por uma pessoa, um transeunte, inclusive, dizendo dessa pessoa conhecida como Japão e esse Japão fazia tráfico de entorpecentes em frente à casa dele e ficava escondido ali embaixo de uma mangueira. Aproveitava de ser um local escuro e ali ele fazia tráfico de drogas, em frente à casa dele mesmo, ele alugava a casa lá e, a partir de então, ele começou a fazer as vendas ali na frente da residência, no período noturno e fomos, então, nesse endereço, ao virar a rua, uma rua bem curta, já visualizamos com o farol da viatura essa pessoa. Nos aproximamos, ele tentou ainda correr, porém foi dado ordem de abordagem, ele fez uma abordagem policial, localizado essas porções e se encontrava com ele, inclusive. Além de um valor em dinheiro e uma maquininha de cartão. Alguns clientes ali, ele vendia, acredito que passava cartão, inclusive teve uma certa resistência na detenção dele e, por fim, apresentamos ele à delegacia. [...]” Apesar de ter se retratado em sede judicial, o próprio apelante, na fase inquisitiva, confessou que (id. 264872256): “Devido a pandemia está desempregado e resolveu arrumar uma renda vendendo pasta base; Que, comprou na BR, próximo onde mora uma meia caixa, já esfarelada por R$-450,00 reais e faria com as vendas o valor de R$-800,00 reais, inclusive já tinha vendido algumas porções; Que, está arrependido de ter praticado o tráfico [...]” Como bem assentou o Supremo Tribunal Federal: “Fugir ao avistar viatura, pulando muros, gesticular como quem segura algo na cintura e reagir de modo próprio e conhecido pela ciência aplicada à atividade policial, objetivamente, justifica a busca pessoal em via pública. [...]” (STF, RHC 229514 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 02.10.2023, DJe 20.10.2023) Ademais, a jurisprudência desta e. Câmara Criminal é pacífica no sentido de que: “A abordagem foi motivada por informação do setor de inteligência da PM e tentativa de fuga do réu, em local conhecido pelo tráfico, o que configura fundada suspeita. 4. A autoria e a materialidade estão evidenciadas pelos depoimentos coerentes dos policiais, circunstâncias da prisão, e apreensão de 20 porções de cocaína, parte escondida em peruca, o que revela preparo para venda e não uso pessoal. 5. A versão da defesa, fundada em suposto consumo pessoal e perseguição policial, carece de respaldo probatório e não se mostra verossímil diante do conjunto probatório coligido. 6. Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal (Enunciado Criminal n. 8 do TJMT). [...]” (TJMT, N.U 1012727-93.2022.8.11.0042, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 1ª Câmara Criminal, j. 26.06.2025, p. 26.06.2025) Portanto, a abordagem policial foi plenamente justificada pela convergência de fatores objetivos: denúncia específica, comportamento suspeito, tentativa de fuga e posterior confirmação com a apreensão de entorpecentes, afastando-se qualquer alegação de ilegalidade. 2) Da alegada nulidade por obtenção de provas mediante tortura Argumenta a defesa que o recorrente e sua família foram vítimas de tortura policial, tendo a droga sido “plantada” como forma de retaliação por boletins de ocorrência registrados na Corregedoria Geral da Polícia Militar, invocando o Laudo de Lesão Corporal nº 1.1.02.2021.012011-01. Sem razão o apelante. Primeiramente, cumpre destacar que o laudo pericial acostado aos autos (id. 264872319), datado de 30.04.2021, constatou apenas duas lesões escoriativas de pequena monta, uma no ombro direito e outra no joelho direito, ambas circulares, medindo um centímetro de diâmetro, com crosta seca, vejamos: “III- HISTÓRICO: Exame de reeducando sob custódia do Estado. O periciando relata que foi detido por volta da 01 hora do dia 30/04/2021 e refere que foi agredido fisicamente por Policiais Militares no momento de sua detenção com golpes de socos e sacholadas para falar onde estava escondida a droga. IV- DESCRIÇÃO: Ao exame da superfície corporal foram evidenciadas as seguintes lesões: 1. Lesão escoriativa circular com crosta seca, medindo um centímetro de diâmetro, localizada em ombro direito; 2. Lesão escoriativa circular com crosta seca, medindo um centímetro de diâmetro, localizada em joelho direito; V- COMENTÁRIOS: As lesões evidenciadas ao exame são recentes e foram ocasionadas por instrumentos contundentes. [...]” Tais lesões se mostram absolutamente incompatíveis com o relato de tortura apresentado pelo réu em juízo, que afirmou ter sido “massacrado”, com a cabeça “tacada dentro do vaso”, além de ter levado “sacholadas”, sido “arrastado pelo chão” e agredido com “fios de luz”. Ainda segundo sua narrativa, sua esposa teria sido agredida com tapas no rosto, sufocada com sacola plástica e atingida por spray de pimenta enquanto segurava criança de um ano, in verbis (id. 264872314): “Aí, eles entraram lá na minha casa, me agrediram, bateram na minha, na minha esposa, em mim, no meu filho, tragou até spray de pimenta e pegou no meu filho, entendeu? Bateram em mim, arrancaram até fio de luz lá, cortaram da máquina lá de casa e bateram em mim. [...] no momento eu apanhei fui massacrado, eles tacaram até minha cabeça dentro do vaso, pra me ver se eu caguetava alguma coisa, pra me falar alguma coisa, mas não tinha como falar nada, porque eu não tinha nada. Eu falei pra eles que eu tinha mudado de vida. [...] No meu pescoço, no meu braço, e arrastavam pelo chão, dava sacolada em mim, entendeu? Um monte de coisa comigo, arrastavam pelo quintal pra me falar alguma coisa, mas não tinha como não falar nada, porque eu não tinha nada. Eu pedi pra eles matarem eu na hora, eu falei, mata eu então, senhor, que eu não tenho nada não. Matar eu, já tinha pedido até pra morrer, pra ir, deixa o poder estar no céu. [...]” Ocorre que as escoriações constatadas são compatíveis com a resistência à prisão relatada pelos policiais militares, confirmada pelo Auto de Resistência (id. 264872272, pág. 16). Ademais, não há nos autos qualquer elemento que demonstre o nexo causal entre as alegadas agressões e a produção das provas. Inclusive, conforme depoimento prestado pelo próprio apelante perante a autoridade judiciária, ao ser questionado sobre o andamento do procedimento administrativo na Corregedoria da Polícia Militar, declarou: “Não, não deram andamento não, porque eu também não fui atrás lá, né? Mas no dia eu tava com raiva, eu fui lá na delegacia lá da mulher e fui ver o depoimento lá, né? Falei que eles agrediram eu e minha mulher, se eles não ia fazer nada. [...]” (id. 264872314) Tal afirmação, por sua informalidade e ausência de diligência por parte do próprio recorrente, contribui para enfraquecer a tese defensiva. Em consonância com esse entendimento, é firme a jurisprudência desta Egrégia Corte: “A busca domiciliar foi justificada diante da atitude suspeita do réu, sua tentativa de fuga e o prévio descarte de drogas. Precedentes do STF e STJ reconhecem a legalidade do ingresso em domicílio em tais circunstâncias. Não há comprovação de tortura policial ou de que a lesão descrita em exame pericial tenha sido causada para obtenção de provas. [...]” (TJMT, N.U 1012289-44.2023.8.11.0006, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 1ª Câmara Criminal, j. 13.12.2024, DJe 13.12.2024) “Lesões corporais decorrentes de algemamento, desacompanhadas de prova robusta de abuso policial, não configuram prática de tortura capaz de ensejar nulidade da prova. [...]” (TJMT, N.U 1003146-78.2025.8.11.0000, Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, j. 13.05.2025, DJe 13.05.2025) “A comprovação da prática de tortura é ônus que incumbe ao réu; não há como se reconhecê-la se inexiste prova indene de dúvida que demonstre a sua inadmissível prática. [...]” (TJMT, N.U 1009974-90.2023.8.11.0055, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, 3ª Câmara Criminal, j. 15.04.2024, DJe 15.04.2024) Vale ressaltar que o réu confessou espontaneamente a prática do tráfico em sede policial, fornecendo detalhes sobre a aquisição e venda da droga. Como bem pontuou o magistrado sentenciante: “Denota-se, portanto, que a confissão do réu em fase policial guarda verossimilhança com as demais provas produzidas nos autos, notadamente com os depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, bem como os depoimentos prestados em fase policial, não havendo dúvidas quanto a vinculação com toda droga apreendida e a própria mercancia ilícita.” Por fim, eventual excesso na atuação policial deve ser objeto de apuração em procedimento próprio, não tendo o condão de contaminar as provas legitimamente produzidas. Nesse sentido: “A alegação de tortura policial não se sustenta diante da ausência de lesões constatadas em exame de corpo de delito e da inexistência de prova documental que corrobore os relatos do réu, devendo eventual apuração ocorrer em procedimento próprio. A confissão judicial do réu, aliada aos depoimentos firmes e coerentes dos policiais que realizaram a prisão, constitui conjunto probatório idôneo e suficiente para a condenação, conforme entendimento consolidado no TJMT (Enunciado Criminal nº 8). [...]” (TJMT, N.U 1004698-04.2023.8.11.0015, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 1ª Câmara Criminal, j. 09.05.2025, DJe 09.05.2025) Ante o exposto, diante da ausência de ilegalidade apta a amparar a pretensão da defesa, PRELIMINARES REJEITADAS. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. WESLEY SANCHEZ LACERDA (RELATOR) Egrégia Câmara Superadas as questões preliminares e verificada a presença dos requisitos de admissibilidade recursal, passo ao exame do mérito. Para melhor compreensão dos fatos, transcrevo o essencial da peça acusatória, que imputa ao apelante a prática do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 (id. 264872266): “Conforme Inquérito Policial, no dia 30 de abril de 2021, por volta das 00h13, na Rua Vinte e Dois, Bairro Jardim Passaredo, em Cuiabá/MT, o denunciado Joas Pereira dos Santos, trazia consigo, para outros fins que não o consumo pessoal, 14 (catorze) porções de cocaína, com massa total de 2,65 (dois gramas e sessenta e cinco centigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (laudo definitivo nº 3.14.2021. 75076-01). Na referida data, policiais militares realizavam rondas no Bairro Jardim Passaredo, oportunidade na qual receberam denúncia anônima que informava a ocorrência de tráfico de drogas na Travessa 22, em frente a uma residência, por um indivíduo de alcunha “Japão”, escondido próximo a uma mangueira. Já no local, os militares visualizaram o denunciado, que tentou empreender fuga para o interior da casa e foi capturado em seguida. Realizada a abordagem e busca pessoal, foi encontrada no bolso da bermuda do denunciado, uma sacola plástica com 14 (catorze) porções de cocaína, embaladas e prontas para a venda. Além disso, apreenderam a quantia de R$ 170,00 (cento e setenta reais) e uma máquina de cartão de crédito. Em seu interrogatório, o denunciado admitiu o tráfico e explicou que o fazia diante de dificuldades financeiras. Relatou que comprou as porções por R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) na BR, e que já havia vendido algumas porções, sendo que a máquina de cartão pertencia a sua companheira. Da análise dos elementos presentes no Inquérito Policial, há materialidade do crime de tráfico de drogas, considerando que as substâncias encontradas no local foram identificadas como cocaína pelo laudo pericial, e consta na Portaria SVS/MS 344/1998. Existem, ainda, indícios suficientes de autoria, diante da apreensão dos entorpecentes na posse do denunciado, após denúncia prévia. Noutro giro, as circunstâncias observadas desvirtuam o propósito de consumo pessoal, diante da natureza danosa dos entorpecentes, aliados a quantidade de porções e confissão, evidenciando portanto, a prática de narcotráfico. [...]” O magistrado de origem julgou procedente a exordial acusatória, condenando o recorrente à pena de 5 anos de reclusão, em regime fechado, além de 500 dias-multa (id. 264872338). 1) Da materialidade e autoria delitivas A Defesa, neste grau de reexame, pleiteia a absolvição do apelante, sustentando insuficiência probatória e in dubio pro reo, ou, subsidiariamente, a desclassificação do delito para a conduta descrita no art. 28 da Lei 11.343/06. No entanto, as provas colhidas nos autos são robustas e suficientes para demonstrar a prática do tráfico ilícito de entorpecentes. A materialidade do crime está plenamente comprovada nos autos por meio do: 1) auto de prisão em flagrante delito; 2) boletim de ocorrência nº 2021.105792; 3) termo de apreensão; 4) laudo pericial nº 3.14.2021.75076-01, que atestou a apreensão de 14 porções de Cocaína, totalizando 2,65g (id. 264872261), além, é claro, 5) depoimento e prova oral colhido durante ao longo da instrução criminal. Quanto à autoria, igualmente não pairam dúvidas. Os Policiais Militares Almir Souza dos Santos e Joabe Ferreira Roque apresentaram relatos coesos e detalhados sobre a dinâmica dos fatos, confirmando em ambas as fases processuais que, após denúncia específica, localizaram o réu no exato local e nas circunstâncias descritas, tendo ele tentado fugir ao avistar a viatura. Na busca pessoal, foram encontradas 14 porções de cocaína no bolso de sua bermuda, além de R$ 170,00 em espécie e uma máquina de cartão de crédito. Como visto, o PM Joabe declarou em juízo: “Houve essa denúncia de transeunte ali na região do Passaredo, informando que um cidadão por Alcunha, Japão, estaria na Travessa vinte e dois, em frente a uma residência, próximo a uma árvore, realizando o comércio entorpecente. [...] na revista foi localizado quatorze porções de substância análoga à pasta basta cocaína no bolso da sua bermuda, e na sua linha de cintura, na parte da frente, foi localizado uma máquina de cartão, no momento da voz de prisão, ele tentou se desvencilhar da guarnição, tentou empreender fuga, foi contido e conduzido à delegacia. No bolso da bermuda foi localizado um valor de cento e setenta reais aproximadamente. [...]” (id. 264872284). No mesmo sentido, foi o depoimento judicial prestado pelo PM Almir, que ratificou integralmente as declarações do colega retro citado (id. 264872285). Neste contexto, ressalto que os depoimentos policiais, quando harmônicos entre si e com o conjunto probatório, constituem meio idôneo de prova, conforme consolidado no Enunciado nº 8 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal.” O próprio apelante confessou a prática delitiva em sede policial, fornecendo detalhes precisos sobre a mercancia (id. 264872256): “Devido a pandemia está desempregado e resolveu arrumar uma renda vendendo pasta base; Que, comprou na BR, próximo onde mora uma meia caixa, já esfarelada por R$-450,00 reais e faria com as vendas o valor de R$-800,00 reais, inclusive já tinha vendido algumas porções; Que, está arrependido de ter praticado o tráfico [...]” Assim, a retratação do recorrente em juízo, além de isolada nos autos, mostra-se inverossímil diante do conjunto probatório. No ponto, destaco que o crime de tráfico de drogas configura-se como tipo penal de ação múltipla ou conteúdo variado, sendo suficiente a prática de qualquer dos núcleos previstos no art. 33 da Lei nº 11.343/06 para sua consumação. O STJ reafirma tal atendimento: “Assim, não há que se falar em absolvição ou desclassificação, visto que o delito é tipo criminal de ação múltipla, o qual se consuma pela prática de qualquer um dos núcleos previstos no art. 33, da Lei n. 11.343/2006. [...]” (AgRg no AREsp n. 2.160.831/RJ, Rel. Min. Messod Azulay Neto, 5ª Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 14/2/2023) Quanto ao pleito de desclassificação da conduta para o art. 28 da Lei de Drogas, destaco que a decisão do STF no RE 635.659 [Tema 506] refere-se especificamente ao porte de cannabis sativa (maconha) para uso pessoal, não se aplicando à cocaína, substância apreendida com o réu, in verbis: “1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.” Outrossim, o contexto fático-probatório afasta por completo a tese de uso pessoal. A droga estava fracionada em 14 porções individuais, acondicionadas em invólucros plásticos fechados por nó, formando embalagens tipo “trouxa” – forma típica de acondicionamento para venda. (id. 264872261) Some-se a isso a apreensão de valores em espécie, máquina de cartão de crédito e, principalmente, a confissão do próprio réu de que estava vendendo drogas para complementar a renda durante o desemprego. Ademais, nos termos do Enunciado nº 3 da TCCR/TJMT: “A condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.” De rigor, portanto, o reconhecimento de que se encontram cabalmente comprovadas, tanto a materialidade, quanto a autoria delitiva do crime de tráfico de drogas, revelando-se absolutamente descabida a pretendida desclassificação da conduta para o tipo penal previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06. 2) Do tráfico privilegiado Subsidiariamente, pugna a defesa pelo reconhecimento da causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. O pleito igualmente não prospera. Para a incidência do tráfico privilegiado, exige-se o preenchimento cumulativo de todos os requisitos legais: primariedade, bons antecedentes, não dedicação a atividades criminosas e não integração a organização criminosa. In casu, o réu ostenta maus antecedentes, consubstanciados na condenação definitiva nos autos nº 1004200-26.2020.8.11.0042 [processo executivo: SEEU n° 2001618-31.2023.8.11.0042], por fato anterior (17.03.2020) com trânsito em julgado posterior (08.04.2023), pela prática do mesmo delito ora em análise, qual seja, tráfico de drogas. Conforme consolidada jurisprudência do STJ: “Esta Corte Superior firmou-se no sentido de que a condenação por crime anterior, com trânsito em julgado posterior à prática delitiva em apuração, justifica a valoração negativa da circunstância judicial dos antecedentes, lastreando a exasperação da pena-base. [...]” (STJ, AgRg no AREsp n. 1.557.396/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, j. 12.5.2020, DJe de 18.5.2020) Ademais, a própria confissão do réu evidencia que se dedicava à atividade criminosa como meio de vida durante o desemprego, tendo inclusive declarado que já havia vendido outras porções (id. 264872256). Por fim, o regime fechado foi corretamente estabelecido, considerando o quantum da pena [superior a 4 anos] e a existência de circunstância judicial desfavorável [maus antecedentes], nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP c/c art. 42 da Lei de Drogas. Nesse sentido: “A condenação por fato anterior, com trânsito em julgado posterior, caracteriza maus antecedentes e justifica o afastamento da minorante do tráfico privilegiado. 8. Os maus antecedentes do agente autorizam a fixação do regime inicial fechado, mesmo diante de pena inferior a 8 anos, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. [...]” (TJMT, N.U 1001955-84.2020.8.11.0028, Rel. Des. Hélio Nishiyama, 4ª Câmara Criminal, j. 21.02.2025, DJe 21.02.2025) Ante o exposto, conhecida a pretensão de reexame mas, no mérito, RECURSO DESPROVIDO, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, mantendo incólume a r. decisão combatida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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