Processo nº 1001189-73.2021.8.11.0035
ID: 309887010
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001189-73.2021.8.11.0035
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCELO GERALDO COUTINHO HORN
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001189-73.2021.8.11.0035 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Rel…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001189-73.2021.8.11.0035 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL (420) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES] Parte(s): [JOAO MARCOS CICIGLIANO DO NASCIMENTO - CPF: 035.094.951-44 (EMBARGANTE), MARCELO GERALDO COUTINHO HORN - CPF: 565.167.389-04 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (EMBARGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO EM ACÓRDÃO DE APELAÇÃO CRIMINAL QUANTO À NEGATIVA DE TRANSPOSIÇÃO DE FRONTEIRAS ESTADUAIS E PRESENÇA DOS REQUISITOS CARACTERIZADORES DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO JULGADO. EMBARGOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que conheceu parcialmente de apelação criminal e, nessa extensão, a desproveu, mantendo a condenação por tráfico de drogas. O embargante alegou omissão e contradição quanto à análise da inexistência de transposição de fronteiras estaduais e ao afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas, pleiteando também o prequestionamento da matéria. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se o acórdão embargado incorreu em omissão quanto à ausência de transposição de fronteiras estaduais e à aplicação do tráfico privilegiado; e (ii) apurar a existência de contradição interna no julgado que justifique a oposição dos aclaratórios. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Os embargos de declaração têm cabimento apenas nas hipóteses de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no julgado, conforme disposto no art. 619 do Código de Processo Penal, não servindo como via recursal para reexame de mérito. 4. A omissão é caracterizada pela ausência de análise de ponto essencial devidamente debatido nos autos, enquanto a contradição decorre da incongruência lógica entre as proposições contidas na decisão judicial. 5. No caso, o acórdão embargado examinou, de forma clara e fundamentada, tanto a inaplicabilidade da causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei de Drogas, diante da constatação de habitualidade delitiva, quanto a incidência da causa de aumento do art. 40, V, da mesma lei, ainda que não tenha havido efetiva transposição de fronteiras. 6. A decisão embargada consignou expressamente que a aplicação da majorante prescinde da efetiva transposição interestadual, bastando a comprovação da destinação da droga a outro Estado, conforme orientação pacificada do STJ (Súmula 587) e deste Tribunal (Enunciado Orientativo nº 04). 7. Igualmente, foi analisada a inexistência dos requisitos legais para concessão do tráfico privilegiado, com base na quantidade e forma de acondicionamento da droga, relatos testemunhais e circunstâncias do flagrante, em consonância com o Enunciado Orientativo nº 30 do TJMT e precedentes do STJ. 8. Não há contradição interna no julgado, pois os fundamentos adotados são coerentes e harmônicos com a conclusão mantida no acórdão embargado. 9. O mero inconformismo da parte com a decisão proferida não justifica a oposição de embargos de declaração, tampouco autoriza sua utilização para rediscussão do mérito. 10. A título de prequestionamento, registra-se que os dispositivos legais e constitucionais invocados foram devidamente analisados ou implicitamente enfrentados, integrando a fundamentação da decisão. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Embargos de declaração conhecidos e desprovidos. Tese de julgamento: “1. Os embargos de declaração não se prestam à rediscussão de matérias já analisadas e decididas no acórdão embargado, tampouco à modificação do julgado quando ausentes omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 2. A aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006 prescinde da efetiva transposição de fronteiras estaduais, bastando a comprovação da destinação interestadual da droga. 3. A concessão da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 exige o preenchimento cumulativo dos requisitos legais, sendo possível o afastamento do benefício com base em elementos concretos que revelem dedicação à atividade criminosa." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 619; CF/1988, art. 93, IX; Lei nº 11.343/2006, arts. 33, §4º, e 40, V. Jurisprudência relevante citada: STJ, STJ, EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.768.215/SP, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025; EDcl no AgRg no AREsp n. 2.352.624/MG, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 26/3/2025; TJMT, N.U 0004120-98.2013.8.11.0018, Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2025, Publicado no DJE 16/05/2025; Enunciados Orientativos nº 04 e nº 30 da TCCR. R E L A T Ó R I O EMBARGANTE: JOÃO MARCOS CICIGLIANO DO NASCIMENTO EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Cuida-se de embargos de declaração opostos por JOÃO MARCOS CICIGLIANO DO NASCIMENTO em face do v. acórdão proferido nos autos do Recurso de Apelação Criminal n.º 1001189-73.2021.8.11.0035 [ID 292969896], por meio do qual a Colenda Terceira Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa extensão, o desproveu. Nas razões recursais disponíveis no ID 293710851, o embargante alega a existência de omissão e contradição no acórdão, sustentando que não houve enfrentamento quanto à negativa de transposição de fronteiras estaduais, bem como à presença dos requisitos caracterizadores do tráfico privilegiado. Ao final, requer o prequestionamento da matéria, com vistas à viabilização de eventuais recursos às instâncias superiores. Em observância ao princípio do contraditório, foram apresentadas contrarrazões ministeriais sob o ID 285274363, por meio das quais a i. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento dos embargos de declaração, em razão da sua inadequação; e caso superado o juízo de admissibilidade, pelo seu desprovimento, ante a inexistência dos vícios alegados pela defesa. É o relatório. Inclua-se o feito em pauta de julgamento. V O T O R E L A T O R VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Ab initio, impõe-se o registro de que o conhecimento dos embargos de declaração pressupõe, além da tempestividade, apenas um exame apriorístico da existência de quaisquer das hipóteses descritas no art. 619 do Código de Processo Penal, uma vez que a efetiva verificação dessas hipóteses consubstancia o próprio mérito recursal. Nesse contexto, reconheço que o recurso é tempestivo, foi interposto por parte legítima, e o instrumento utilizado mostra-se adequado e necessário à satisfação da finalidade almejada. Diante disso, conheço dos embargos de declaração opostos por JOÃO MARCOS CICIGLIANO DO NASCIMENTO, por estarem presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade. Sabe-se que os embargos de declaração possuem finalidade específica, expressamente delimitada pelo art. 619 do Código de Processo Penal, o qual dispõe: “Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de 02 (dois) dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão” (grifei). Trata-se, portanto, de espécie recursal cabível para aclarar ideias que possam gerar dubiedade ou contradição, esclarecer eventuais obscuridades, suprir omissões quanto a pontos sobre os quais deveria o órgão julgador pronunciar-se, ou ainda para corrigir equívocos materiais. Isso porque, à luz do disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, a obrigatoriedade de motivação idônea de todas as decisões judiciais constitui verdadeira garantia contra arbitrariedades no exercício do poder estatal. Por conseguinte, os embargos de declaração não se prestam à reforma ou reexame do mérito da decisão embargada, visto que não têm por finalidade a modificação do julgado, mas tão somente o esclarecimento de aspectos dúbios, obscuros, contraditórios ou omissos. Nesse sentido, a omissão caracteriza-se pela ausência de apreciação de ponto devidamente debatido nos autos, evidenciando-se quando a prestação jurisdicional se apresenta aquém do pedido formulado, seja quanto aos fatos, aos fundamentos jurídicos invocados ou à análise da prova produzida. Por sua vez, o vício de contradição ocorre quando constam da decisão proposições inconciliáveis entre si, isto é, quando há utilização de fundamentos antagônicos em um mesmo pronunciamento jurisdicional. Tal contradição pode manifestar-se dentro da própria fundamentação de mérito do acórdão, entre as afirmações nela contidas e a conclusão adotada, ou ainda entre essas afirmações e aquelas constantes do relatório ou da ementa. Significa dizer que a falha da contradição provém da incongruência lógica entre os distintos elementos de uma mesma decisão judicial, e não de eventual dissonância entre o que foi decidido no acórdão e o ponto de vista ou o entendimento sufragado vencedor em outro recurso. A contradição que autoriza, portanto, o acolhimento dos embargos de declaração é aquela existente dentro do próprio julgado, de modo que as meras alegações do recorrente não ensejam o acolhimento dos aclaratórios. E, a despeito do aguerrido inconformismo defensivo, ao confrontar o acórdão impugnado com o teor das razões recursais e das contrarrazões ministeriais, constato a inexistência de omissão ou contradição capaz de justificar o pretendido saneamento da decisão colegiada, uma vez que o v. acórdão baseou-se em minuciosa análise das circunstâncias fático-jurídicas do caso concreto. Com efeito, no voto condutor do julgado, ao contrário do que sustenta o embargante, foram detalhadamente explicitados os fundamentos que motivaram o afastamento tanto da causa de aumento prevista no art. 40, inciso V, da Lei de Drogas quanto da causa de diminuição de pena prevista no § 4.º do art. 33 da mesma lei, conforme demonstram os seguintes trechos, ora transcritos: “[...] I – DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI Nº. 11.343/06: Como primeiro fundamento recursal, a Defesa pleiteia a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, em favor de JOÃO MARCOS, sob o argumento de que, no caso concreto, não há comprovação de que o apelante se dedique a atividades criminosas, razão pela qual estariam preenchidos todos os requisitos legais para a concessão do benefício, na fração máxima de 2/3 (dois terços). Contudo, não assiste razão à tese defensiva. Ao tempo em que conferiu tratamento mais rigoroso aos grandes traficantes e àqueles que se entregam com frequência ao tráfico de entorpecentes, majorando as penas previstas na lei anterior, a Lei n.º 11.343/2006 instituiu uma benignidade modulada em relação ao pequeno traficante, com a previsão da causa especial de diminuição da pena comumente denominada de “tráfico privilegiado”. A benesse está positivada no §4.º do art. 33 da Lei Antidrogas e tem como finalidade conferir tratamento distinto aos indivíduos que não se dedicam à atividade criminosa, mas que por um lapso social ou financeiro cometem de forma isolada o narcotráfico, o que significa dizer que a teleologia da norma diz respeito a abrandar a sanção penal do traficante ocasional. Em outras palavras, o redutor tem seu centro de gravidade no caráter esporádico da conduta realizada pelo agente e pressupõe a ausência de sinais objetivos de que o réu faz do crime um modo de vida ou uma profissão, circunstância que deve ser aferida casuisticamente, com base nos múltiplos aspectos que permeiam o caso concreto. Assim, a incidência da minorante condiciona-se, por força da própria previsão legal, ao preenchimento cumulativo de quatro requisitos indispensáveis, a saber, (i) que o agente seja primário; (ii) com bons antecedentes; (iii) não se dedique a atividades criminosas; e (iv) não integre organização criminosa. Portanto, para o acusado ter o benefício da causa especial de redução da pena prevista no §4º do art. 33 da Lei de Drogas, deverá cumprir, cumulativamente, quatro requisitos, sendo que os dois pressupostos iniciais são de avaliação estritamente objetiva [ser primário e possuir bons antecedentes], de modo que basta verificar a certidão de antecedentes criminais do agente para chegar à conclusão se ele preenche ou não esses requisitos. No entanto, quanto às duas últimas condições [não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa], a análise envolve apreciação subjetiva do magistrado processante, a partir dos elementos de convicção existentes nos autos, para aferir se o apenado se dedica às atividades criminosas ou integra organização criminosa. Diante desta exigência de índole legal, é evidente que o apelante não faz jus à aplicação do privilégio, porquanto possível extrair dos autos indicativos concretos de que se dedica a atividades criminosas. Ao indeferir o pedido de aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei de Drogas, o d. magistrado sentenciante assim consignou, verbis: [...] Com efeito, não obstante o acusado fosse tecnicamente primário ao tempo do delito e possuidor de bons antecedentes, entendo que o transporte da substância entorpecente, nas circunstâncias em que ocorreram a sua apreensão e com destino para outro estado da Federação, não se compatibiliza com a posição de quem não se dedica, com certa frequência e anterioridade, a atividades delituosas. Não se mostra razoável admitir que alguém preso com elevada quantidade de droga de alto valor econômico – 36 (trinta e seis) tabletes de COCAÍNA equivalentes a 37,004kg (trinta e sete quilogramas e quatro miligramas) –, cujo destino do transporte diz com outro Estado da Federação, ostente a condição de traficante eventual, de modo a ser merecedor do referido benefício. Nos termos da jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, “[a]inda que não integre, em caráter estável e permanente, a organização criminosa, o transportador tem perfeita consciência de estar a serviço de um grupo dessa natureza” (AgRg no AREsp n. 1.611.320/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/5/2020, DJe de 3/6/2020). Acresça-se, outrossim, que a forma de acondicionamento do psicotrópico, fracionado em tabletes cuidadosamente embalados e ocultados nos compartimentos das portas do veículo, reforça, de modo inequívoco, a convicção acerca da habitualidade do réu na prática de atividades ilícitas. Aliás, ao tratar do tema, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste TJMT editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n.º 30, cuja redação dispõe, in verbis: “A quantidade, a forma de acondicionamento da droga apreendida, como também a existência de apetrechos utilizados para comercialização de substância entorpecentes, são fundamentos idôneos a evidenciar dedicação à atividade criminosa, de modo a afastar a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006.” (Redação alterada pelo Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 100269/2017, disponibilizado no DJE nº 10257, em 16/05/2018) – Destaquei. Ademais, como cediço, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.887.511/SP (Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJe 1º/7/2021), que “[a] utilização supletiva desses elementos [natureza e da quantidade da droga apreendida] para afastamento do tráfico privilegiado somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa”. À toda evidência, a situação versa sobre considerável quantidade de entorpecente, cujo desenlace ilícito foi realizado com requinte organizacional, com suporte e logística oferecidos por terceiros, o que demonstra inconteste comunhão espúria de pessoas ligadas a atividades criminosas, na medida em que exsurge do caderno processual que JOÃO MARCOS, em contato com várias pessoas ligadas à narcotraficância, aquiesceu à empreitada delitiva, ficando responsável por conduzir o automóvel contendo entorpecentes até outro Estado da Federação, tudo isso mediante a promessa de pagamento de considerável quantia, consistente em R$ 8.000,00 (oito mil reais) só pelo transporte da droga, como o próprio réu confessou judicialmente. Sob o crivo do contraditório, os policiais rodoviários federais José de Carvalho Bastos Filho e Fernando Pandolfo Chaves prestaram declarações harmônicas em relação às informações anteriormente ofertadas na fase inquisitiva. O policial rodoviário federal Fernando Pandolfo Chaves, relatou, em juízo, que no dia 24 de setembro de 2021 realizava operação rotineira de fiscalização na rodovia BR, nas imediações do município de Alto Garças, acompanhado do colega José Filho. Durante essa diligência, abordaram um veículo Jeep Renegade conduzido por JOÃO MARCOS SICILIANO DO NASCIMENTO. Este, ao ser interpelado sobre o destino da viagem, afirmou dirigir-se à cidade de Barretos (SP) para visitar o pai hospitalizado, mas não foi capaz de fornecer maiores informações, demonstrando comportamento visivelmente nervoso. Prossegue asseverando que o condutor alegou também exercer a função de bancário na agência do Bradesco, situada em Cáceres/MT. Diante das inconsistências e do nervosismo evidenciado, os policiais procederam a uma inspeção mais rigorosa do veículo, constatando que as portas apresentavam peso excessivo e fora do padrão usual. Frente a essa constatação, o ora recorrente confessou estar transportando substância entorpecente no interior do automóvel, que se encontrava locado. Após a desmontagem das portas, foram encontrados tabletes de droga, os quais, segundo estimativa visual da testemunha, totalizavam aproximadamente quarenta quilos. A testemunha acrescentou que o réu informou ter recebido a carga ilícita no município de Várzea Grande/MT, com a incumbência de transportá-la até o Estado de São Paulo, mediante pagamento de quantia, cujo valor exato não foi lembrado pelo declarante. Esclareceu, por fim, que a droga se encontrava oculta nas cavidades internas das portas, utilizando-se da estrutura original do veículo, sem alterações externas perceptíveis, caracterizando o conhecido modus operandi denominado “mocó natural”. [Relatório de Mídias, ID 261658797]. Em sintonia com as declarações acima, o policial rodoviário federal José de Carvalho Bastos Filho discorreu em juízo que, em 24 de setembro de 2021, enquanto desempenhava atividade ostensiva de fiscalização em companhia do colega Fernando Pandolfo Chaves, efetuou a abordagem de um automóvel modelo Jeep Renegade. Durante a entrevista preliminar, o condutor alegou ser empregado do Banco Bradesco e informou que estava em deslocamento para fins pessoais. No entanto, as justificativas apresentadas revelaram-se contraditórias e imprecisas quanto à motivação e ao destino da viagem, ensejando fundada suspeita por parte dos policiais. Em razão dessas inconsistências, procedeu-se a uma busca minuciosa no interior do veículo, ocasião em que foi identificada a presença de substância entorpecente, presumivelmente cocaína, acondicionada nos compartimentos internos das quatro portas do automóvel – dianteiras e traseiras. O material ilícito encontrava-se ocultado nos chamados “mocós naturais”, isto é, nos espaços originais das portas, acessado mediante a simples remoção e posterior recolocação dos forros, sem que houvesse qualquer modificação visível na estrutura do veículo. Continuou seus relatos aduzindo que o ora apelante foi imediatamente autuado em flagrante e conduzido à Delegacia da Polícia Civil do município de Alto Garças. Segundo o depoente, o acusado confessou que recebera a carga ilícita em Várzea Grande/MT e que tinha como destino a cidade de São Paulo/SP, onde entregaria a droga, tendo sido prometido o pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) pelo serviço de transporte. [Relatório de Mídias, ID 261658797]. Neste ponto, importa consignar que o fato de as testemunhas em questão consistirem nos policiais rodoviários federais que diligenciaram na fase inquisitiva não retira a credibilidade ou elide a idoneidade dos seus relatos judiciais, os quais foram prestados mediante compromisso legal, especialmente quando estão em consonância com as demais provas coligidas ao feito e quando inexiste nos autos qualquer demonstrativo de que aos agentes estatais interessaria implicar gratuita e injustificadamente o réu no evento ilícito. E salvo melhor juízo, nenhuma pessoa sem envolvimento com o tráfico de drogas auxilia no transporte dessa quantidade de cocaína, mediante o pagamento de considerável montante, sem que no mínimo já conhecesse todo o esquema criminoso, o que só espessa a conclusão de que faz do narcotráfico um meio de vida. A propósito, é evidente que nesse ramo de atividade ilícita lança-se mão de pessoas com as quais se mantenha vínculo de confiança, desenvolvendo a ilicitude com cuidados e eliminação de riscos. E operação como a constatada nestes autos não se elabora ou executa-se de um dia para o outro, apressadamente, mas, sim, organizada e cuidadosamente, por meio de pessoas ligadas por vínculo e comprometimento, pois, os tabletes de cocaína foram adredemente acondicionadas nos compartimentos das portas do veículo. No exercício desse pacto, exteriorizando comunhão de propósitos, conjugação de esforços e distribuição de tarefas, em busca de proveito comum, o apelante transportava o estupefaciente com certa margem de segurança, mediante apoio de pessoas ligadas à associação criminosa, ainda que momentaneamente ou de forma esporádica. Por tudo isso, estou convencido de que as circunstâncias da apreensão do entorpecente, aliadas à quantidade de droga e forma de acondicionamento, revelam profissionalismo que constitui indicativo de envolvimento com atividades delitivas, notadamente com o narcotráfico, a reforçar a conclusão acerca da sua habitualidade na prática criminosa. Nessa toada, já decidiu o c. Tribunal da Cidadania: [...] Nesse cenário, concluo que todos esses elementos concretos seguramente comprovados nos autos, analisados de maneira concatenada e conjugada entre si, convencem-me de que o apelante JOÃO MARCOS não faz jus ao benefício do art. 33, §4.º, da Lei n.º 11.343/2006, devendo ser mantido o indeferimento da minorante. II – DA EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PERTINENTE AO “TRÁFICO INTERESTADUAL”: A Defesa do apelante, em suas razões recursais, sustentou que não restou devidamente caracterizada a interestadualidade do tráfico, razão pela qual requer o afastamento da causa especial de aumento prevista no art. 40, inciso V, da Lei nº 11.343/06. Ocorre que, como é pacífico na jurisprudência, a aplicação da referida majorante não exige a efetiva transposição das fronteiras entre unidades da Federação, sendo suficiente a demonstração, nos autos, de que os entorpecentes apreendidos tinham como destino outra unidade federativa. Nesse sentido orienta o enunciado de Súmula n.º 587 do STJ: “Para a incidência da majorante prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/2006, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da Federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual”. (SÚMULA 587, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017) – destaquei. Na mesma toada sedimentou-se a jurisprudência deste e. TJMT: “04. A incidência da causa de aumento de pena contida no inciso V do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 prescinde da efetiva transposição de divisas interestaduais, bastando a comprovação de que a substância entorpecente tinha por destino outro Estado ou o Distrito Federal”. (Enunciado Orientativo n.º 04 do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017) – Destaquei. No caso em tela, os depoimentos judiciais das testemunhas José de Carvalho Bastos Filho e Fernando Pandolfo Chaves, ambos policiais rodoviários federais, relataram que, durante fiscalização de rotina, deram ordem de parada ao veículo conduzido pelo ora recorrente, o qual demonstrou excessivo nervosismo ao explicar os motivos da viagem, comportamento que despertou suspeita na equipe policial. Em razão disso, foi realizada uma busca minuciosa no automóvel, ocasião em que se localizou expressiva quantidade de cocaína. Indagado sobre os fatos, o réu confessou ter buscado o material ilícito na cidade de Várzea Grande/MT e que o transportaria até o Estado de São Paulo, recebendo, para tanto, a quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais). [Relatório de Mídias – ID 261658797]. Dessa forma, embora os entorpecentes não tenham efetivamente alcançado o território paulista, em virtude da eficiente atuação dos agentes de segurança pública, não subsiste qualquer dúvida quanto à incidência, no presente caso, da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, inciso V, da Lei nº 11.343/06 [...]” – ID 292969896. Dessa forma, não há falar em omissão ou contradição no decisum embargado, uma vez que restou evidenciado o exaustivo exame de todas as provas orais e documentais produzidas ao longo da persecução penal. Cumpre salientar que, conforme entendimento pacificado na jurisprudência, o órgão julgador não está obrigado a refutar expressamente todas as teses suscitadas pelas partes, bastando que a motivação constante da decisão permita aferir as razões pelas quais foram acolhidas ou rejeitadas as pretensões deduzidas, desde que a conclusão esteja amparada nos elementos constantes dos autos, como efetivamente ocorre no presente caso. Nesse sentido, é firme a orientação desta Colenda Terceira Câmara Criminal: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO À ILEGALIDADE DAS PROVAS. INEXISTÊNCIA DO VÍCIO ALEGADO. INCONFORMISMO COM O MÉRITO DA DECISÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE QUESTÕES JÁ APRECIADAS E DE INOVAÇÃO RECURSAL. PREQUESTIONAMENTO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que desproveu recurso de apelação, mantendo o veredito condenatório do Tribunal do Júri, pela prática do crime tipificado no art. 121, §2º, inc. II, do Código Penal. O embargante alega omissão no acórdão. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em analisar se o acórdão embargado efetivamente incorreu no alegado vício de obscuridade. III. Razões de decidir 3. Os embargos de declaração não têm o condão de rediscutir matérias efetivamente analisadas e já decididas pelo órgão julgador, quando inexistem ambiguidades, obscuridades, contradições ou omissões a serem sanadas, assim como ocorre na hipótese. 4. O caso dos autos indica nítida finalidade de ver modificado o acórdão, simplesmente por discordar a parte do resultado do julgamento proferido pelo colegiado, além de ampliar as causas de pedir ou os argumentos de mérito originalmente apresentados, desideratos aos quais não se presta a presente espécie recursal, motivo pelo qual se rejeitam os aclaratórios opostos pela defesa. 5. A título de prequestionamento, restam integrados à fundamentação deste aresto os dispositivos legais e constitucionais relacionados às matérias ora debatidas. IV. Dispositivo e tese 6. Embargos de declaração conhecidos e desprovidos. Tese de julgamento: "1. Os embargos de declaração não se prestam ao reexame de matérias já analisadas e decididas no aresto embargado, tampouco para a correção de supostos erros de julgamento que não constituam omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 619; CF/1988, art. 93, inc. IX. Jurisprudência relevante citada: STJ, EDcl no AgRg no HC 564.325/PB; STJ, AgRg no AREsp 1.850.013/MG”. (N.U 0004120-98.2013.8.11.0018, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2025, Publicado no DJE 16/05/2025) – Destaquei. Diante do exposto, é evidente que o embargante não logrou demonstrar a alardeada omissão ou contradição no v. acórdão impugnado. Ao contrário, limitou-se a tentar fazer prevalecer suas avaliações pessoais acerca do conjunto probatório, exteriorizando inconformismo com o teor da decisão embargada. Nesses moldes, constata-se, em última análise, que o embargante visa à reapreciação de questões já devidamente enfrentadas, uma vez que insiste em discordar do entendimento adotado, sem, contudo, apontar efetivamente a ocorrência dos vícios alegados no v. acórdão. Ressalte-se que o mero inconformismo com o resultado do julgamento não legitima a oposição de embargos de declaração, os quais não se prestam à rediscussão do mérito, tampouco à correção de eventual error in judicando que o embargante entenda ter sido cometido. Com efeito, ausente qualquer das hipóteses previstas no art. 619 do Código de Processo Penal, o desprovimento dos embargos é medida que se impõe. Nesse diapasão: “PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRADIÇÃO. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. REDISCUSSÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, o recurso de embargos de declaração destina-se a suprir omissão, afastar ambiguidade, esclarecer obscuridade ou eliminar contradição existentes no julgado, não sendo cabível para rediscutir matéria já suficientemente decidida. 2. Percebe-se que há uma insatisfação da parte quanto ao resultado do julgamento e a pretensão de modificá-lo por meio de instrumento processual nitidamente inábil à finalidade almejada, o que não pode ser admitido. 3. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a reincidência e a habitualidade delitiva são obstáculos iniciais à aplicação do princípio da insignificância, salvo em casos excepcionais" (AgRg no HC n. 983.019/ES, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 28/4/2025). 4. Embargos de declaração rejeitados”. (STJ, EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.768.215/SP, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.) – destaquei. “DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME DE MATÉRIA JÁ DECIDIDA. IMPOSSIBILIDADE. PLEITO DE CONCESSÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL OU DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do agravo em recurso especial. O embargante sustenta a existência de omissão no julgamento, alegando negativa de prestação jurisdicional e requerendo a anulação do acórdão ou a concessão de habeas corpus de ofício. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se o acórdão embargado incorreu em omissão, obscuridade ou contradição que justifique a oposição de embargos de declaração; e (ii) verificar a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Os embargos de declaração têm cabimento apenas quando há omissão, obscuridade, contradição ou erro material no julgado, nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, o que não se verifica no caso concreto. 4. O acórdão embargado analisou de forma clara e fundamentada as razões do agravo regimental, afastando expressamente a alegação de negativa de prestação jurisdicional. 5. A simples discordância do embargante com o resultado do julgamento não configura omissão, não sendo os embargos de declaração meio adequado para rediscutir a matéria já decidida. 6. A concessão de habeas corpus de ofício é prerrogativa do órgão julgador e somente se justifica diante da constatação de flagrante ilegalidade ou constrangimento ilegal, o que não se verifica no caso. IV. EMBARGOS REJEITADOS”. (STJ, EDcl no AgRg no AREsp n. 2.352.624/MG, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 26/3/2025.) – Destaquei. Dessarte, não se verifica prestação jurisdicional aquém do pedido nem decisão contraditória, razão pela qual não há que se falar, no caso, em omissão ou contradição a ser sanada, tampouco em fundamento que autorize o provimento do presente recurso de embargos. Por fim, a título de prequestionamento, destaco que, muito embora seja “desnecessário que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão” (TJDF – RESE n. 20120510091147 – Relator: Des. João Batista Teixeira – 26.11.2013), os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relacionados às teses sustentadas nestes aclaratórios foram devidamente observados e/ou infirmados, integrando, portanto, a fundamentação do voto e ficando expressamente prequestionados. CONCLUSÃO Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração opostos por JOÃO MARCOS CICIGLIANO DO NASCIMENTO e, no mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO, porquanto não evidenciada qualquer omissão ou contradição a ser remediada. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025
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