Processo nº 1010876-30.2022.8.11.0006
ID: 319459242
Tribunal: TJMT
Órgão: 3ª VARA CRIMINAL DE CÁCERES
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO SUMáRIO
Nº Processo: 1010876-30.2022.8.11.0006
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANIA REGINA MELO FORT
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 3ª VARA CRIMINAL DE CÁCERES SENTENÇA Processo n.º 1010876-30.2022.8.11.0006 AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DENUNCIADO: EDUARDO MELLO GOME…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 3ª VARA CRIMINAL DE CÁCERES SENTENÇA Processo n.º 1010876-30.2022.8.11.0006 AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DENUNCIADO: EDUARDO MELLO GOMES I. Relatório EDUARDO MELLO GOMES, qualificado nos autos em exame, foi denunciado pela prática da conduta típica descrita no artigo 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, conforme denúncia (id. 106750164): “Fato: Consta dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 16 de março de 2022, por volta das 07h15min, em via pública, qual seja, Avenida Tancredo Neves, próximo a sede da Unemat, Bairro Cavalhada II, neste Município de Cáceres/MT, EDUARDO MELLO GOMES, com consciência e vontade, praticou, por imprudência, homicídio culposo na direção de veículo automotor, causando a morte de Laurentino Florência. Ressai que na data acima consignada o denunciado conduziu a motocicleta KMT/390 Duke, cor branca, placa FNB-2C14, sem as cautelas necessárias e com velocidade aproximada de 82 km por hora, ou seja, acima do limite permitido para a via (60 km/h), quando a vítima adentrou à avenida pilotando sua motocicleta. Infere-se que o denunciado em razão do excesso de velocidade que imprimia não conseguiu frear e colidiu na lateral esquerda da motocicleta Honda/Bis 125 KS, placa KAH-4240, conduzida pela vítima, motivo pelo qual ambos caíram ao solo e foram atendidos pelo Corpo de Bombeiros, sendo encaminhados ao hospital. Depreende-se que em razão dos ferimentos sofridos a vítima Laurentino Florencia veio ao óbito. As investigações demonstram que o denunciado contribuiu para o acidente fatal agindo com imprudência, uma vez que não dirigiu com as cautelas necessárias e transitava em alta velocidade pela via, conforme conclusão do laudo pericial n. 400.2.07.2022.002875-01 (id. 104750581, pág. 14/40).” A denúncia foi recebida em 26/01/2023 (id. 107325197). Citado, apresentou resposta a acusação por meio de advogado constituído, id. 112249699. Designada audiência de instrução, foram ouvidas as testemunhas indicadas pela acusação e pela defesa, bem como o interrogatório do acusado (id. 167095673). Houve a tentativa de formalização de acordo entre as partes, cuja proposta foi negada pelo réu (id. 188273922 e 188273929). Com a retomada do curso do processo, em alegações finais escritas, por entender que restou comprovada a autoria e a materialidade delitiva, o Ministério Público requereu a condenação do acusado por incurso no artigo 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, nos termos da denúncia (id. 171171206). Por sua vez, a defesa requereu a absolvição por falta de provas e por ausência de nexo causal, a nulidade de laudo pericial, declaração de nulidade de audiência de instrução por reinquirição de testemunha e a nulidade do processo por violação ao principio da paridade das armas (id. 173089260). É o relatório. Fundamento e decido. II. Fundamentação A) Preliminar – Omissão na Apreciação da Impugnação ao Laudo Pericial A Defesa alega que o Juízo permaneceu inerte diante da impugnação ao laudo pericial indireto juntado aos autos, sustentando a existência de falhas técnicas e lacunas que comprometem sua confiabilidade. Argumenta, ainda, que o referido laudo foi elaborado de forma indireta, após a remoção dos veículos do local e sem o devido isolamento da área. A alegação de nulidade por omissão na apreciação da impugnação ao laudo pericial não merece acolhimento. Verifico que o laudo pericial acostado aos autos oportunizou o exercício do contraditório. Ressalte-se que a valoração de suas constatações e das manifestações a ele relacionadas deve ocorrer no momento da sentença, não havendo obrigatoriedade de análise imediata das impugnações. Ademais, conforme registrado nos autos, a impugnação foi apresentada após a resposta à acusação, quando já exaurido o momento processual oportuno. O Código de Processo Penal (art. 403, §3º) é claro ao estabelecer que a resposta à acusação é o momento adequado para arguir preliminares e requerer provas. Ademais, o juízo efetivamente apreciou a impugnação (Id nº 167095673), reconhecendo a preclusão temporal e a confusão com o mérito. Logo, não há omissão judicial, mas decisão devidamente fundamentada, não havendo nulidade a ser reconhecida. Por tais razões, indefiro a preliminar arguida. B) Preliminar – Reinquirição de testemunhas Alega a defesa que houve uma grave irregularidade no curso da audiência de instrução, vez que houve a reinquirição de testemunha após a manifestação da defesa, impondo-se a declaração de nulidade da audiência de instrução. Lado outro, não houve a indicação de qual a testemunha ouvida teve seu interrogatório violado pela reinquirição, bem como não houve qualquer indicação de prejuízo a Defesa em razão da ocorrência da alegada irregularidade (força do art. 563, do CPP), não sendo possível sequer ser aduzido quem e quais foram os prejudicados. Portanto, não foi demonstrado qualquer prejuízo concreto à defesa, sendo indispensável, nos termos do art. 563 do CPP (princípio do “pas de nullité sans grief”), a demonstração do prejuízo efetivo, o que não ocorreu. A reinquirição de testemunha após a fala da defesa não configura, por si só, nulidade processual. O art. 212 do CPP autoriza o juiz a complementar a inquirição sempre que entender necessário ao esclarecimento dos fatos, inclusive após o encerramento da fase de perguntas pelas partes, o que está dentro de sua discricionariedade instrutória. Outrossim, deve ser salientado que cabe ao Juiz conduzir a audiência com a indicação dos pontos a serem elucidados pelas testemunhas ou complementação das informações, conforme preceitua o art. 212, do CPP. Dessa forma, não havendo indicativos de qual testemunha sofreu violação na ordem de inquirição ou dos prejuízos causados ao acusado, indefiro a preliminar arguida. C) Preliminar – Coação da testemunha Alega a Defesa que no curso da audiência de instrução e julgamento, o Promotor de Justiça coagiu e ameaçou a testemunha Cabo PM Silvano, requerendo o reconhecimento de nulidade do ato processual. Analisando as mídias, não se verifica a existência de intimidação capaz de configurar coação ilegal da testemunha ou de ensejar a nulidade do ato processual, uma vez que a condução do depoimento, ainda que de forma mais firme ou enérgica, por si só, não compromete a legalidade da audiência realizada. A mera referência à remessa do conteúdo da audiência ao superior hierárquico da testemunha militar não configura, por si só, ameaça ou coação, tratando-se de prerrogativa institucional em situações em que há possível conflito entre dever funcional e depoimento judicial. Ademais, a testemunha foi ouvida livremente, não havendo qualquer manifestação no sentido de que sua fala tenha sido cerceada ou influenciada, afastando-se a alegação de vício ou nulidade. Por fim, a Defesa não demonstrou qualquer prejuízo concreto suportado pelo réu em razão da conduta apontada como excessiva. Ressalte-se que não é possível a anulação de atos processuais com base apenas na alegação genérica de violação a princípio processual, sendo imprescindível a comprovação de prejuízo efetivo, nos termos do art. 563 do CPP, o que não se verifica nos autos. Por essa razão, indefiro a preliminar arguida. C) Preliminar – ausência de perícia no local do acidente Pontua a Defesa que a remoção dos veículos e a ausência de perícia no local torna a reconstituição fiel da dinâmica do acidente se torna extremamente difícil, senão impossível, motivo pelo qual requer a nulidade do Laudo Pericial. Em contrapartida, sabe-se que o Código de Processo Penal prevê expressamente a possibilidade de realização de prova indireta, de modo que a elaboração e a utilização do laudo não podem ser obstadas por mera alegação de inaptidão para indicar os motivos, causas e detalhes da colisão. Deve ser ressaltado que, como bem delineado pelas testemunhas, não houve a realização de perícia imediata e isolamento da área porque o acidente relacionado aos autos não gerou, imediatamente, vítimas fatais, motivo pelo qual, seguiu-se as normas gerais de realização de perícia indireta nos veículos relacionados ao evento. Além disso, a realização de perícia não impõe a aceitação pelo Juízo, vez que todas as provas carreadas aos autos devem ser analisadas de forma conjunta para a decretação do edito condenatório ou absolutório. Desta forma, não havendo indicativos de ilegalidade na elaboração do laudo indireto, admitido expressamente pelo era. 158-A do CPP, indefiro o pedido defensivo. D) Preliminar – Prazo Desproporcional entre as Partes No tocante à alegação de nulidade em razão da suposta desproporcionalidade de prazos entre o Ministério Público e a defesa para a apresentação das alegações finais na forma de memoriais, cumpre salientar que não há qualquer irregularidade ou violação ao princípio da paridade de armas. Embora a apresentação de memoriais pelo Ministério Pública tenha sido extemporânea, o que implicou em maior prazo na manifestação, não verifico complexidade na causa que pudesse comprometer a paridade de armas com a apresentação de prazo em 05 dias pela defesa. Assim, a defesa somente faria jus à prorrogação ou à equiparação a eventual dilação indevida concedida ao Ministério Público se restasse demonstrada a existência de causa justificada, como, por exemplo, a complexidade do caso ou dificuldade de acesso aos autos, circunstâncias não verificadas no presente feito. Importante destacar que o transcurso de maior lapso temporal por parte do órgão ministerial decorreu sem que tenha havido decisão judicial autorizando dilação excepcional de prazo à acusação. A mera permanência dos autos com o Ministério Público por período superior aos cinco dias legais, por si só, não gera direito automático e simétrico à defesa, tampouco constitui nulidade processual. Portanto, não havendo comprovação de complexidade jurídica, técnica ou probatória do feito, nem demonstração de prejuízo concreto, inexiste violação ao contraditório ou à ampla defesa. A alegação defensiva, nesse ponto, revela-se infundada e não se sustenta, razão pela qual indefiro. F) Homicídio Culposo Superadas as preliminares, no mérito a denúncia é procedente. Narra o Ministério Público que o réu, em com vontade livre e consciente da ilicitude de sua conduta, praticou homicídio culposo (por imprudência) na direção de veículo automotor contra a vítima Laurentino Florência. O delito de homicídio culposo dispõe: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: (...) A materialidde e a autoria estão demonstradas por boletim de ocorrência (id. 104750580); Termo de exibição e apreensão (Id. 104750581, pág. 08); Laudo pericial no local do acidente (Id. 104750581, pág. 14/40); Laudo de exame de corpo de delito da vítima (Id. 104750585) e depoimentos judiciais. A testemunha Marcos Flavio, policial militar, perguntado, narrou que no dia dos fatos foi acionado pelo CIOSP no período da manhã e, ao chegar ao local, a vítima já havia sido encaminhada ao hospital pelos bombeiros. Informou que no local estava o acusado, que conduzia uma motocicleta e relatou que seguia sentido Cohab Nova ao Centro quando a vítima, em uma moto Bis, teria entrado na via repentinamente, impossibilitando a sua reação e provocando a colisão. Declarou que somente ouviram a versão do acusado, pois a vítima já havia sido removida. Lembrou que, ao chegarem, os veículos já haviam sido deslocados do local original para liberar o trânsito e acredita que o acidente ocorreu no meio da via, embora não soubesse quem havia movido as motos. Disse que as motocicletas estavam avariadas e foram removidas por guincho para o pátio do CISC. Relatou a presença de muitos curiosos e não soube informar sobre parentes da vítima no local. Esclareceu que a Polícia Civil é acionada apenas em caso de óbito e que a perícia depende de solicitação do delegado, não sendo de competência da guarnição policial. Informou que não houve isolamento da área por não ter sido constatado óbito e que não houve preservação dos vestígios. Não se recordava do estado de conservação dos veículos, tampouco da existência de marcas de frenagem ou da presença de caminhão. Disse ter permanecido do início ao fim da ocorrência e que, ao deixar o local, a perícia ainda não havia chegado. Reiterou que o boletim de acidente de trânsito apenas relata as versões dos envolvidos, sem indicar suspeitos, e que, neste caso, ouviu apenas a versão do acusado Eduardo, a qual indicava que a moto da vítima adentrou a avenida repentinamente. Pontuou que ninguém no local apontou culpados. A testemunha Klever Araújo Selasco Cebalho, policial militar, inquirido, relatou que ao chegar ao local controlou o trânsito devido ao grande fluxo naquele horário. Disse que o acusado trafegava pela avenida quando a vítima entrou repentinamente na via, não conseguindo evitar a colisão. Declarou não ter conversado com a vítima e que, ao chegar, ela já havia sido socorrida, não se recordando se foi pelos bombeiros ou pela ambulância da UPA. Disse que os dois veículos estavam no local e que ambos foram guinchados. Afirmou que não houve isolamento da área, pois é de praxe liberar a via para evitar outros acidentes em áreas de grande movimentação. Não se recordava da posição exata dos veículos nem da presença de vestígios. Explicou que a preservação do local só ocorre em caso de óbito e que naquele momento não havia suspeita de morte. Informou que foram ao hospital, mas conseguiram falar apenas com o acusado. Disse que, conforme o relato do réu e de populares, a vítima entrou abruptamente na via. Relatou que não foi possível aferir a velocidade do acusado, mas pelo horário e fluxo intenso de veículos, considerava improvável que ele estivesse acima do limite de 60 km/h. Ressaltou a ausência de sinais de imprudência por parte do réu. Afirmou que, com base em sua experiência como policial e motociclista, se o acusado tivesse percebido a vítima adentrando a via, teria tentado frear ou desviar. Afirmou que não percebeu sinais de embriaguez ou uso de substância ilícita pelo acusado. Confirmou que o local possui grande fluxo de pedestres e veículos devido à existência de escolas próximas, o que dificulta atingir velocidades elevadas. Ressaltou que a perícia só é acionada pelo delegado em casos de óbito ou risco iminente, e que os veículos foram removidos ao pátio do CISC para eventual perícia posterior. A testemunha Waisteim José Lino Muniz de Farias, policial militar, narrou que, ao sair do serviço, deparou-se com o acidente e parou para auxiliar no controle do local, dada a grande movimentação de pessoas e veículos. Disse que não presenciou o acidente, mas viu as vítimas sendo socorridas. Afirmou que os veículos estavam caídos no meio da pista e que havia muitos curiosos no local. Relatou que, segundo comentários dos presentes, a moto Bis teria feito uma conversão irregular ao sair de uma rua paralela, sendo surpreendida pelo acusado que trafegava pela avenida Tancredo Neves. Confirmou que não houve isolamento da área, tampouco a presença da perícia, já que não houve óbito no local. Ressaltou que essa situação é recorrente na cidade de Cáceres, onde a perícia só comparece em caso de morte. Disse que havia um caminhão de gás parado em frente à Bloco Art, supostamente na contramão, e que a conversão da vítima teria ocorrido próximo a ele. Afirmou que a via tem muitas interseções de ruas de terra, o que dificulta a visualização. Disse que não havia marcas de frenagem visíveis, talvez por causa da terra. Ressaltou que nenhuma testemunha indicou que o acusado estivesse em alta velocidade. Informou que as versões colhidas no local apontavam a culpa da vítima pela conversão indevida. Declarou que o caminhão de gás parado pode ter atrapalhado a visibilidade dos envolvidos, e que o acidente foi causado pela conversão irregular da vítima, corroborado por relatos informais de populares presentes no local. A testemunha Silvano Aparecido de Oliveira Cruz, policial militar, relatou que estava saindo de serviço e, ao se deparar com o acidente, parou imediatamente para sinalizar a via e evitar novos acidentes. Disse que foi uma das primeiras pessoas a chegar ao local e que acionou uma viatura da PM, prestando apoio à equipe que posteriormente registrou a ocorrência. Relatou que observou uma das motocicletas (aparentemente a da vítima) realizando uma conversão não permitida, o que teria causado o acidente. Disse que não houve perícia no local, pois não havia óbito aparente, e que a prática da perícia tardia é comum em Cáceres. Observou que a vítima Laurentino apresentava lesão grave no pé e que o acusado Eduardo estava consciente. Informou que a via tem muitos obstáculos visuais, como caminhões, e que havia, naquele momento, um caminhão de gás parado em frente à Bloco Art, o qual pode ter comprometido a visibilidade dos condutores. Declarou que o pneu dianteiro da moto da vítima estava “careca”, ao passo que a moto do acusado estava em melhores condições. Relatou que havia fluxo intenso de veículos e pedestres no momento do acidente e que a velocidade do acusado parecia estar entre 40 e 55 km/h, compatível com o horário de pico. Afirmou que acredita que a conversão indevida e a obstrução visual causada pelo caminhão contribuíram para o acidente. Disse que, após o socorro às vítimas, ajudou a retirar as motos da via e aguardou a chegada do guincho. Confirmou que os veículos foram levados ao pátio do CISC e que não houve isolamento do local. Destacou que a falta de habilitação é fator recorrente nos acidentes na via, segundo estatísticas da própria Polícia Militar. Ressaltou que suas declarações são baseadas na experiência prática e observações realizadas no local, ainda que não tenha presenciado a colisão. No interrogatório judicial, o réu Eduardo negou ter agido com imprudência e narrou que no dia dos fatos saiu cedo de casa para levar o filho à escola, tendo passado posteriormente em uma padaria e retornava para casa para tomar café antes de seguir ao trabalho. Informou que, ao trafegar pela avenida Tancredo Neves, observou grande fluxo de veículos e pedestres, tendo reduzido a velocidade em certo momento para que crianças atravessassem. Relatou que sua velocidade era de 56 km/h, conforme observou no painel da moto, e que a vítima entrou na via repentinamente a partir da sombra de um caminhão de gás, realizando uma conversão irregular. Disse que tentou frear, tendo sua moto acionado o sistema ABS, mas não conseguiu evitar a colisão lateral. Informou que desmaiou após o impacto e foi acordado pelos bombeiros e policiais. Relatou que sua motocicleta estava em perfeitas condições, com pneus e freios novos, e que a visibilidade na pista era razoável, embora com trechos de areia e má sinalização. Afirmou que o caminhão estava estacionado na contramão e que sua presença pode ter comprometido a visão dos condutores. Reforçou que não havia como trafegar em velocidade elevada devido ao intenso fluxo. Disse que a vítima não sinalizou antes da conversão e que a colisão foi inevitável. Afirmou que tomou conhecimento posteriormente que a vítima não possuía habilitação e que os pneus de sua moto estavam em más condições. Relatou que nunca havia se envolvido em acidente anteriormente e que é militar da Marinha há 21 anos. Declarou que está impedido de ser promovido devido à ação penal, sendo que foi promovido a 1º Sargento antes de ser citado no processo, e que acredita que o acidente decorreu da imperícia da vítima ao realizar a manobra. Analisando as provas orais, conclui-se que há provas suficientes para afirmar que o réu teria causado a morte da vítima por imprudência. Conforme consta nos autos, a versão inicialmente apresentada pelo investigado e reforçada por declarações colhidas no curso da investigação sustenta que a vítima teria ingressado de forma abrupta na via, realizando suposta conversão proibida, o que teria impossibilitado qualquer ação eficaz por parte do condutor da motocicleta KTM, Eduardo. Essa narrativa, contudo, não se sustenta diante da análise técnica do conjunto probatório. O laudo pericial elaborado pela POLITEC, sob o nº 400.2.07.2022.002875-01, ao examinar o local dos fatos e os vestígios dos veículos, foi categórico ao afirmar que a sinalização horizontal da via consistia em linha tracejada no eixo central, o que descaracteriza qualquer alegação de conversão proibida. Ademais, é público e notório que na Avenida Tancredo Neves há vias tracejadas nos trechos em que corta por vias transversais, possibilitando a conversão/cruzamento. Com efeito, a sinalização permitia a manobra de conversão à esquerda ou cruzamento da via, não havendo, portanto, vedação legal à ação da vítima. A tentativa de imputar-lhe conduta irregular com base em proibição inexistente se mostra inconsistente e deve ser afastada. Além disso, embora testemunhas tenham alegado que o investigado não trafegava em velocidade excessiva, tais declarações se revelam frágeis, pois nenhuma dessas pessoas presenciou de fato o momento exato da colisão. Portanto, suas conclusões sobre a velocidade do veículo são subjetivas e carentes de valor técnico. Em contrapartida, pelo laudo, a via urbana é sinalizada com limite de 60 km/h, porém o cálculo pericial apurou que o réu conduzia a motocicleta a aproximadamente 82 km/h, o que também é visível no vídeo, uma vez que sua velocidade é muito superior às demais motocicletas que trafegavam naquele momento. Portanto, conforme o laudo, a extensão dos danos, a projeção dos fragmentos e as marcas de fricção no asfalto indicam aceleração incompatível com o dever de cautela exigido do condutor. O laudo também é explícito ao registrar que, embora os vestígios encontrados não permitam determinar a causa exata da colisão, o excesso de velocidade do condutor da motocicleta KTM contribuiu para a gravidade do evento. Veja-se: “Com os vestígios encontrados no local não foi possível determinar a causa da colisão, contudo o excesso de velocidade do condutor de V1 contribuiu para gravidade do evento”. (id. 104750581, p. 38) Importa ainda destacar que o próprio vídeo obtido por câmera de segurança e analisado no curso da investigação revelou que a vítima não ingressou de forma abrupta na pista, o que contraria também a versão do réu. Ela saiu da via transversal em velocidade normal e adentrou na pista e, em seguida, é possível ver o réu passando em alta velocidade. Dessa forma, diante da inexistência de qualquer proibição à conversão realizada pela vítima, da ausência de comprovação de manobra imprudente por parte desta e, por outro lado, da demonstração técnica do excesso de velocidade do investigado e sua contribuição efetiva para o agravamento do acidente, é possível concluir que houve conduta imprudente por parte do condutor Eduardo, a qual concorreu para o desfecho fatal do evento. Verifica-se, pois, a presença de indícios suficientes de materialidade e autoria quanto ao crime previsto no art. 302 do CTB. III. Dispositivo Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva externada na inicial acusatória em desfavor de EDUARDO MELLO GOMES. Passo à dosimetria da pena (adoção do critério trifásico – artigo 68 CP), em estrita observância ao princípio constitucional da individualização da pena, insculpido no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal. O tipo penal do artigo 302, caput, da Lei 9.503/97 prevê a pena de detenção, de dois a quatro anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 1ª Fase – Circunstâncias Judiciais (art. 59 do CP): Culpabilidade normal à espécie. O réu não possui maus antecedentes. Não há elementos para aferir a conduta social. Considerando que não houve prova que revelassem aspectos da personalidade do réu, deixo de valorá-la. Os motivos do crime, as circunstâncias e as consequências são ínsitas ao tipo penal. Por fim, o comportamento da vítima não contribuiu para a prática delituosa. Dessa maneira, considerando as circunstâncias acima, fixo a pena-base no mínimo legal, em 02 (dois) anos de detenção e suspensão/proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 06 (seis) meses. 2ª Fase – Circunstâncias Legais (art. 61 a 65 do CP): Não há circunstância agravante nem atenuante, razão pela qual mantenho a pena em 02 (dois) anos de detenção e suspensão/proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 06 (seis) meses. 3ª Fase – Causas de Aumento e de Diminuição de Pena: não havendo causa de aumento ou diminuição, torno a pena definitiva em 02 (dois) anos de detenção e suspensão/proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 06 (seis) meses. Detração: Deixo de aplicar a regra do artigo 387, §2º, do CPP, uma vez que não houve prisão provisória. Regime inicial de pena: O réu não é reincidente e consubstanciado no art. 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal, combinado com a Súmula 269 do STJ, fixo o regime inicial de cumprimento da pena em ABERTO. Substituição da pena: Verifico estarem presentes no caso os requisitos objetivos e subjetivos do artigo 44 do Código Penal, caso em que SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade e uma de prestação pecuniária consistente no pagamento de 1 (um) salário mínimo vigente, remetendo ao Juízo da Vara de Execuções Penais a fixação das imposições legais aplicáveis à espécie. Valor mínimo de reparação de danos: Condeno, ainda, o autor do delito ao pagamento de R$ 5.000,00 como valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, nos termos do art. 387, IV, do CPP. Recurso em liberdade: Autorizo o réu a apelar em liberdade, uma vez que não estão presentes os requisitos para a prisão preventiva e o réu permaneceu em liberdade durante toda a instrução criminal, além do que o regime inicial fixado é incompatível com a custódia cautelar. Bens apreendidos (id. 104750581): se objeto pessoal sem relação com os crimes, DETERMINO a sua restituição a quem de direito, desde comprovada sua propriedade. Para tal, intime-se no prazo de 05 (dez) dias para restituição. Decorridos o prazo da intimação e não sendo reclamados os bens supramencionados, DECRETO a perda das coisas apreendidas em favor da União, caso se trate de bens/objetos de valor. Do contrário, DETERMINO sua destruição. Fiança: Como se sabe, a fiança é uma medida cautelar de garantia patrimonial prestada pelo acusado com a finalidade de pagamento das custas processuais, indenização em caso de condenação e eventual multa. Deduzidos os valores devidos, o restante da fiança deverá ser restituído ao acusado, exceto se ele não se apresentar para cumprir sua pena, quando então a quantia será integralmente perdida. Condeno, ainda, o réu em custas processuais na forma do artigo 804 do Código de Processo Penal, observado o disposto no artigo 98 do CPC. Após, o trânsito em julgado: (a) comuniquem-se o Instituto de Identificação e o Cartório Distribuidor, nos termos do Código de Normas; (b) DETERMINO a SUSPENSÃO dos direitos políticos da pessoa condenada, enquanto durarem os efeitos da condenação (artigo 15, III, CF). (b) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando a condenação do réu; (c) expeça-se a competente guia de recolhimento; (d) OFICIE-SE o DETRAN para suspensão da habilitação pelo prazo de 06 (seis) meses; CIÊNCIA ao Ministério Público e à Defesa. INTIME-SE pessoalmente o réu desta sentença. Após o trânsito em julgado, feitas as anotações de estilo, ARQUIVEM-SE com baixa. Cáceres-MT, datado e assinado eletronicamente Lucélia Oliveira Vizzotto Juíza de Direito
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