Processo nº 0031693-29.2019.8.11.0042
ID: 261213988
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0031693-29.2019.8.11.0042
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
KAREN LEE BELMONT TEIXEIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0031693-29.2019.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Uso de documento falso, Tráfico de Drogas e Condutas A…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0031693-29.2019.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Uso de documento falso, Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), BRUNO MARTINS DA COSTA - CPF: 053.011.921-83 (APELANTE), KAREN LEE BELMONT TEIXEIRA - CPF: 017.722.351-05 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, PROVEU O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO, SENDO ACOMPANHADO PELO DOUTO VOGAL, DESEMBARGADOR JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES. VENCIDO O DOUTO REVISOR, DESEMBARGADOR PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA QUE VOTOU PELO DESPROVIMENTO. E M E N T A DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. NULIDADE DAS PROVAS. BUSCA PESSOAL E VEICULAR. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA E FUNDADAS RAZÕES. REJEIÇÃO. BUSCA DOMICILIAR ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS SUSPEITAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ACOLHIMENTO. PROVAS INADMISSÍVEIS. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCA PROBATÓRIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. CRIME FORMAL QUE SE CONSUMA COM A SIMPLES UTILIZAÇÃO DO DOCUMENTO FALSO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em Exame Apelação interposta contra sentença que o condenou por tráfico de drogas e uso de documento falso, ao cumprimento da pena de 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 765 (setecentos e sessenta e cinco) dias-multa, em regime inicial no fechado. O apelante suscita ilegalidade da abordagem e busca domiciliar sem mandado, com a consequente a anulação das provas e absolvição, ou, subsidiariamente, a readequação da dosimetria. II. Questão em Discussão A questão consiste em verificar a legalidade da abordagem e da busca domiciliar, bem como a validade das provas obtidas, especialmente a apreensão de drogas no interior da residência do apelante. III. Razões de Decidir Demonstrado que o apelante estava em local ermo e no período noturno, subsiste a justa causa para a realização de buscas pessoal e veicular realizada, porquanto excepcionada em casos que tais a inviolabilidade de ingresso nos bens particulares, para fazer cessar a situação de flagrância. Contudo, a busca domiciliar foi realizada sem mandado judicial e sem a devida autorização, sendo baseada apenas na apresentação de documento falso pelo apelante no momento da abordagem, o que caracteriza violação do direito à inviolabilidade do domicílio. As provas obtidas a partir da busca domiciliar ilegal devem ser anuladas, resultando na absolvição do apelante por insuficiência de provas. De acordo com a jurisprudência do STJ, o tipo penal do art, 304 do CP constitui crime formal, consumando-se, portanto, com a simples utilização do documento falso, não se exigindo a demonstração de efetivo prejuízo à fé pública ou a terceiros (AgInt no AREsp n. 1.229.949/RN). IV. Dispositivo e Tese Recurso provido para anular as provas obtidas na busca domiciliar e absolver o apelante por ausência de provas do crime de tráfico de drogas, mantida a condenação pelo crime de uso de documento público falso. Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 386, II; CF/1988, art. 5º, XI. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC nº 819218/SC, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, 6ª Turma, j. 05.12.2023; TJMT, AP nº 1009721-98.2022.8.11.0003, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, j. 22.03.2024. R E L A T Ó R I O Nos autos da ação penal n.º 0031693-29.2019.8.11.0042 que tramitou pelo Juízo da 13ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, Bruno Martins da Costa, foi condenado por infringência ao disposto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e artigo 304, do Código Penal, ao cumprimento da pena de 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 765 (setecentos e sessenta e cinco) dias-multa, em regime inicial no fechado (id. 218505715). Não se conformando com os termos da sentença Bruno Martins da Costa interpôs recurso de apelação (id. 218505717). Nas razões recursais aduziu preliminarmente (I) a incompetência do juízo, eis que a narrativa fática é idêntica aos autos processuais n. 0022335-40.2019.8.11.0042, que tramita perante a 9ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT; (II) a nulidade da busca domiciliar, eis que não havia fundada suspeita, indicação de terceiros que pudessem subsidiar ou justificar a busca domiciliar do apelante; (III) a abordagem policial foi ilegal, pois não havia fundadas razões, com a justificativa que o veículo estava estacionado em local ermo; no mérito (IV) pela absolvição, diante da ausência de prova da autoria, bem como da propriedade da droga; (V) documento falso foi utilizado pelo apelante para evitar penalidades administrativas de trânsito; (VI) readequação da dosimetria da pena com fixação de regime inicial de cumprimento da pena no mais brando e a substituição por restritivas de direito; e, (VII) afastamento da pena de multa, ante a hipossuficiência do apelante (id. 225899165). Em resposta, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso pugnou pelo desprovimento do recurso, a fim de manter a condenação proferida pelo juízo monocrático (id. 230086668). A douta Procuradoria Geral de Justiça, através do eminente Procurador de Justiça Jorge da Costa Lana, manifestou pelo acolhimento da preliminar suscitada pela defesa, com a absolvição do apelante na forma recomendada pelo artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, em relação ao crime do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006; e, superada a preliminar, no mérito, opina-se pelo provimento recursal, para absolver o apelante quanto ao crime do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, na forma do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. E mantida a condenação do réu pelo crime do artigo 304, do Código Penal (id. 238344684), sintetizando com a seguinte ementa: “APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO DO APELANTE PELO CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E USO DE DOCUMENTO FALSO – PRELIMINARES SUSCITADAS PELA DEFESA: (1) ILICITUDE DA PROVA – OCORRÊNCIA – BUSCA E APREENSÃO EM DOMICÍLIO SEM O DEVIDO MANDADO JUDICIAL – BUSCA REALIZADA POR POLICIAIS COM BASE EM NOTÍCIA ANÔNIMA, APÓS BUSCA VEICULAR EM VIA PÚBLICA QUE FLAGROU O APELANTE FAZENDO USO DE CNH FALSA – AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA DILIGÊNCIA – ILICITUDE DAS PROVAS VERIFICADA – PELO ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR COM AS CONSEQUÊNCIAS DO ARTIGO 157 DO CPP E ABSOLVIÇÃO FUNDADA NO ART.386, INCISO II, DO CPP (TEMA 280/STF). NO MÉRITO, PEDIDO ABSOLUTÓRIO – POSSIBILIDADE – ACERVO PROBATÓRIO QUE NÃO ESCLARECE SEM SOBRA DE DÚVIDA QUE O RÉU SERIA PROPRIETÁRIO OU POSSUIDOR DO BARRACO EM QUE FOI LOCALIZADO UMA BALANÇA E 147,67G DE MACONHA. PELO ACATAMENTO DA PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO NA BUSCA E APREENSÃO REALIZADA E, CASO SUPERADA A PRELIMINAR, NO MÉRITO, PELO PROVIMENTO DO RECURSO, ABSOLVENDO O RÉU EM RELAÇÃO AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS, COM BASE NO ARTIGO 386, VII, DO CPP” É o relatório. V O T O R E L A T O R Como visto, trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Bruno Martins da Costa, contra os termos da sentença prolatada nos autos da ação penal n.º 0031693-29.2019.8.11.0042 que tramitou pelo Juízo da 13ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, na qual foi condenado por infringência ao disposto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e artigo 304, do Código Penal, ao cumprimento da pena de 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 765 (setecentos e sessenta e cinco) dias-multa, em regime inicial no fechado. Em resumo, bruno Martins da Costa requereu preliminarmente (I) a incompetência do juízo, eis que a narrativa fática é idêntica aos autos processuais n. 0022335-40.2019.8.11.0042, que tramita perante a 9ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT; (II) a nulidade da busca domiciliar, eis que não havia fundada suspeita, indicação de terceiros que pudessem subsidiar ou justificar a busca domiciliar do apelante; (III) a abordagem policial foi ilegal, pois não havia fundadas razões, com a justificativa que o veículo estava estacionado em local ermo; no mérito (IV) pela absolvição, diante da ausência de prova da autoria, bem como da propriedade da droga; (V) documento falso foi utilizado pelo apelante para evitar penalidades administrativas de trânsito; (VI) readequação da dosimetria da pena com fixação de regime inicial de cumprimento da pena no mais brando e a substituição por restritivas de direito; e, (VII) afastamento da pena de multa, ante a hipossuficiência do apelante (id. 225899165). DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO O apelante afirmou que “os presentes autos deverão ser arquivados e findados, uma vez que a narrativa fática é semelhante aos autos de nº 0022335-40.2019.8.11.0042 em trâmite na 9ª Vara Criminal de Cuiabá/MT.” Alegou que as provas daqueles autos são as mesmas deste, além das testemunhas arroladas serem idênticas, sendo o mesmo crime e os fatos narrados são idênticos. Desta forma, “uma vez que aqueles autos versam sobre a mesma causa de pedir, e a denúncia naqueles autos foi recebida primeiro do que nestes autos, na data de 09/07/2019, sua baixa é a medida mais adequada...” Peço vênia para transcrever a exordial acusatória destes autos: “... Conforme inquérito policial, no dia 17 de junho de 2019, às 20h, na Rua das Margaridas, no bairro Novo Tempo, nesta cidade, o denunciado Bruno Martins da Costa tinha em depósito, para outros fins que não o consumo pessoal, 01 (uma) porção de maconha, com massa de 147,67g (cento e quarenta e sete gramas e sessenta e sete centigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme laudo definitivo 3.14.2019.55093-01. Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, denunciado fez uso de documento público falso. Na mencionada data, policiais militares faziam rondas pela rua das Margaridas, no bairro Novo Tempo, quando se depararam com um veículo Gol, de cor branca, placa QBL 3844, conduzido pelo denunciado, em atitude suspeita. Por essa razão, foi efetuada a abordagem e revista do veiculo e do condutor deste, contudo, nada de ilícito fora encontrado. Entretanto, em entrevista com os militares, o denunciado identificou-se com o nome falso de Thiago da Silva Costa, sendo desmascarado pela guarnição que, ao checar o documento de RG, notou que o documento mencionado apresentava sinais de falsidade. Em contato, via telefone, com o genitor do suspeito, este revelou que nome do denunciado era Bruno Martins da Costa e que este possuía dois mandados de prisão em aberto em desfavor dele, inclusive. No intervalo entre a abordagem e o levantamento de dados do suspeito, um transeunte revelou que o indiciado, naquele momento, havia acabado de sair de uma boca de fumo localizada na Rua Primavera, próximo ao local. Em posse dessa informação, os policiais militares deslocaram-se até o referido endereço, a fim de averiguar a informação. Ao chegarem no local, encontraram a residência com a porta apenas encostadas, momento em que adentraram no imóvel, onde foi efetuada busca, que resultou na apreensão de 01 (uma) balança de precisão e 01 (um) pote branco contendo um pedaço grande de maconha. Em entrevista, o denunciado informou que os ilícitos apreendidos eram de propriedade de seu amigo vulgo ‘Foguinho’. Dando continuidade às diligências, os militares se encaminharam até a residência do denunciado, onde localizaram a quantia de R$ 900,00 (novecentos reais) e 01 (urna) caderneta contendo anotações e diversos nomes e valores de seus devedores, e mais a quantia de R$ 103,00 (cento e três reais) em posse do indiciado. Na delegacia, perante a autoridade policial, o denunciado negou a propriedade da droga apreendida na residência abandonada, bem como dos demais objetos apreendidos na sua casa. Com relação ao documento falso, confessou que o usava para burlar a legislação de trânsito. Alegou ainda, que os militares não encontraram nada de ilícito em sua residência, apenas a quantia de R$ 900,00 (novecentos reais) que estava reservado para pagar o aluguel da casa. Indagado acerca do caderno contendo anotações suspeitas, Bruno disse que tal objeto pertencia ao seu falecido irmão. Quanto aos aparelhos celulares, explicou que um pertencia à sua esposa e o outro era de propriedade de um cliente. Em diligências no referido bairro, investigadores da polícia civil foram informados pelos moradores da região de que o denunciado Bruno, além de ser usuário de drogas, também fazia a mercancia de drogas no bairro. Além disso, disseram que ele não tinha ocupação licita, bem como utilizava o barraco abandonado para guardar as drogas e demais objetos ilícitos, havia aproximadamente 05 (cinco) meses. Disseram ainda que, o denunciado Bruno teria invadido o referido imóvel, transformando-o em seu ponto de vendas de drogas. As folhas de antecedentes criminais do denunciado Bruno Martins da Costa revelam que ele é reincidente, pois possui 02 (duas) condenações pelo crime de roubo majorado (Códigos 402338 — Várzea Grande/MT e 383497 — Cuiabá/MT). Ainda, responde ação penal pelo delito de tráfico de drogas perante a 9ª Vara Criminal da Capital (579878) e pelo delito de porte ilegal de armas (Código 384091). Destarte, os depoimentos dos policiais militares, o relatório dos investigadores, as circunstâncias do fato, bem como a quantidade de drogas apreendidas, a balança de precisão e os antecedentes criminais do denunciado, são elementos que indicam que ele praticava a traficância. Diante do exposto, o Ministério Público DENUNCIA Bruno Martins da Costa como incurso nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 e 304, do Código Penal, na forma do art. 69, do Código Penal (...). (id. 218505199, p. 1/4). Narra a denúncia dos autos processuais n. 0022335-40.2019.8.11.0042: “ “No dia 09 de maio de 2019, por volta das 15h30min, na Rua Primavera, s/n.º, bairro Novo Tempo (em frente a casa n.º 15, quadra 08), Cuiabá-MT, os denunciados JONAS MIKAEL BARBOSA DE OLIVEIRA, WARLE RAI PEREIRA e BRUNO MARTINS DA COSTA guardavam e tinham em depósito drogas, para outros fins que não o consumo próprio, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Infere-se, ainda, que na mesma data e local citados, os denunciados JONAS MIKAEL BARBOSA DE OLIVEIRA, WARLE RAI PEREIRA e BRUNO MARTINS DA COSTA possuíam e mantinham sob guarda arma de fogo e munições de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior da mencionada residência. Segundo consta, em continuidade ao BO/PM n.º 2019.140179, o qual relata sobre um roubo de uma caminhonete SW4, no bairro Santa Izabel, policias militares receberam informações de que um dos indivíduos envolvidos no referido roubo, após empreender fuga dos agentes, estaria homiziado em uma residência localizada na Rua Dom Luiz Carlos D'amour, no bairro Santa Isabel. Então, os agentes se deslocaram até a residência indicada e, com a devida autorização da proprietária, adentraram e localizaram o ora denunciado JONAS MIKAEL. Questionado pelos policiais, o denunciado JONAS MIKAEL confirmou ter participado do roubo e levou os agentes até a casa que servia de “apoio” para os assaltantes, localizada na Rua Primavera, bairro Novo Tempo. Ao chegarem na residência apontada, os milicianos realizaram buscas, sendo encontrado em cima de uma cama, 01 (um) revólver calibre .32, carregado com 06 (seis) munições, e um simulacro de arma de fogo; também foi apreendido, dentro da geladeira, porções de substância análoga à maconha e, em cima da geladeira, porções de substância análoga à cocaína. Ao ser indagado pelos policiais militares, sobre quem seria o proprietário da casa, o denunciado JONAS MIKAEL informou que o imóvel onde os entorpecentes e a arma de fogo foram encontrados, seria de propriedade do denunciado WARLE RAI PEREIRA, porém ele não se encontrava naquele momento. Na tentativa de localizar o denunciado WARLE, a equipe se deslocou até a residência da sua sogra, cujo endereço foi informado pelo denunciado JONAS, onde os policiais militares foram recebidos pela esposa do denunciado WARLE. A companheira de WARLE disse que seu marido tinha saído para trabalhar por volta das 14h00min e entrou em contato com ele, informando que a polícia estava lhe procurando, mas ele não apareceu no local. Durante a diligência, além da droga, do revólver e das munições, foram também encontrados 27 (vinte e sete) pinos vazios, 01 (um) frasco de removedor de esparadrapo, 02 (dois) pratos, 02 (duas) colheres, 01 (uma) tesoura, 01 (um) rolo veda rosca e 01 (uma) balança de precisão, de acordo com o termo de exibição e apreensão acostado à fl.17-IP. O laudo de constatação n.º 08451/2019, acostado às fls. 21/25- IP, concluiu que as 13 (treze) porções apreendidas, de material vegetal seco, de coloração castanho-esverdeada, pesando 44,07g (quarenta e quatro gramas e sete centigramas), e 01 (uma) porção apreendida, de material vegetal seco, de coloração castanho-esverdeada, pesando 236,55g (duzentos e trinta e seis gramas e cinquenta e cinco centigramas) apresentaram resultado POSITIVO para MACONHA, e 06 (seis) porções de material de tonalidade amarelada, na forma de pó, com massa total bruta de 1,29g (um grama e vinte e nove centigramas), 03 (três) porções de material de tonalidade amarelada, na forma de grânulos, com massa total bruta de 77,03g (setenta e sete gramas e três centigramas), 02 (duas) porções de material de tonalidade esbranquiçada, na forma de pó, com massa total bruta de 36,88g (trinta e seis gramas e oitenta e oito centigramas), 01 (uma) porção de material de tonalidade esbranquiçada, em forma de pasta, com massa total bruta de 8,30g (oito gramas e trinta centigramas), e 14 (catorze) porções de material de tonalidade esbranquiçada, na forma de pó e grânulos, com massa total bruta de 25,02 (vinte e cinco gramas e dois centigramas), apresentaram resultado POSITIVO para COCAÍNA, substâncias psicotrópicas e entorpecentes, conforme Portaria n.º 344/98 AVS/MS, listas F1, F2 e E. Posteriormente, a pedido deste órgão ministerial, investigadores de polícia da Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes fizeram diligência no local e constataram que a residência onde foram encontradas as drogas, a arma de fogo e as munições, também era frequentada pelo ora denunciado BRUNO, que também utilizava o imóvel para práticas criminosas, quais sejam, o tráfico de drogas e a ocultação de objetos roubados. Os policiais civis lograram esclarecer, inclusive, que poucos dias depois da apreensão das drogas objeto da presente denúncia, BRUNO foi preso no mesmo local, com nova quantidade de drogas, e que por tal razão encontra-se atualmente preso na PCE, conforme relatório juntado aos autos. Do conjunto de informações acima mencionadas, descortina-se que todos os denunciados utilizavam a referida residência, não para moradia, mas como “ponto de apoio” para suas práticas criminosas, notadamente o armazenamento de drogas com finalidade de tráfico e a ocultação de objetos roubados, o que faziam com unidade de desígnios e dividindo atribuições entre si. Finalmente, quanto aos noticiados crimes de roubo, associação criminosa e corrupção de menor, infere-se do ofício juntado à fl. 59-IP, em atendimento ao item 2 do despacho de fl. 46-IP, que foi encaminhada cópia destes autos à DERFVA para continuidade das investigações em relação aos referidos delitos praticados, em tese por Jonas Mikael Barbosa de Oliveira, Adriano Souza de Araújo Junior, Renato Roberto Silva Conceição e Julio Cesar da Silva Paixão. Aliás, em contato telefônico, apurou-se que o respectivo inquérito policial foi instaurado sob o n.º 348/2019 perante a DERFVA”. Pela simples leitura das denúncias verifica-se que são fatos diversos, em contextos totalmente diferentes, sendo incabível a alegação de incompetência do Juízo da 13ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT para o processamento e julgamento destes autos. O primeiro fato ocorreu em 09 de maio de 2019 com a apreensão de grande quantidade de entorpecentes de variada natureza, entre eles cocaína e maconha, sendo denunciados Jonas Mikael Barbosa de Oliveira, Warle Rai Pereira e Bruno Martins da Costa por tráfico e posse de arma de fogo de uso permitido. O segundo fato (nestes autos) ocorreu em 17 de junho de 2019, com a apreensão de 01 (uma) porção de maconha, sendo denunciado apenas o apelante Bruno por tráfico. Ainda que se considere a tese da continuidade delitiva, é necessário que sejam observados os requisitos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Habeas Corpus 822.158/SP, quais sejam: (i) crimes de mesma natureza; (ii) pluralidade de condutas; (iii) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira e execução; (iv) unidade de desígnios na prática dos crimes; (v) condutas praticadas em intervalo de tempo inferior a 30 (trinta) dias. Nesse sentido, ainda que o requisito temporal possa ser alargado em situações excepcionais, é certo que não houve identidade entre os crimes (com natureza diversa), tampouco pelas pessoas que o praticaram. Por isso, como bem destacado na sentença condenatória, não há que se falar em aplicação da litispendência ou em extinção do processo. Ademais, tratando-se de hipótese de modificação de competência, logo, a preliminar deveria ser levantada em momento oportuno, sob pena de preclusão, o que não ocorreu in casu. Desta forma, rejeito a preliminar de incompetência do ju´zio. PRELIMINAR - NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR INTERMÉDIO DA ABORDAGEM E DA BUSCA DOMICILIAR, EIS QUE REALIZADA SEM ORDEM JUDICIAL OU AUTORIZAÇÃO. A defesa argumenta, em preliminar, que a abordagem e a busca domiciliar efetivada pelos policiais militares foram eivados de nulidades, alegando a inexistência de fundadas e prévias razões de parte dos policiais. Naquilo que concerne à revista pessoal ou veicular, é importante registrar que de acordo com o artigo 240, §2º, do Código de Processo Penal, “proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior”. Assim sendo, a busca pessoal poderá ser realizada para, dentre outros objetivos, descoberta de objetos necessários à comprovação de prática delitiva ou de qualquer elemento de convicção. Acrescente-se a este ponto a disposição do artigo 244 da Lei Processual Penal: “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”. Atento aos vários pontos trazidos neste recurso, entendo necessário destacar brilhante posicionamento doutrinário acerca das motivações aptas a autorizarem a busca pessoal, pois “há que se pontuar, também, a necessidade de se conter atuações seletivas (escolhas arbitrárias de determinadas pessoas) do aparelho estatal, muitas vezes acobertadas por juízos discriminatórios e inconfessáveis. É dizer: deve a autoridade policial se encontrar apta a justificar a sua atuação, no âmbito de sua corporação, e ao nível do estrito cumprimento do dever legal” (FISCHER, Douglas; PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. Disponível em: Grupo GEN, (12th edição). Grupo GEN, 2020, p. 611). Segundo as declarações dos policiais militares, que participaram da abordagem que culminou na prisão em flagrante do acusado, a ação foi motivada por estar o veículo parado em local ermo e no período noturno. Diante disso, existiam fundadas suspeitas e indícios razoáveis da prática de crime, evidencia a situação de flagrância do apelante, enquanto apresentou Carteira de Identidade falsa, o que viabiliza, por força de exceção constitucional à inviolabilidade. Relativamente ao tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça preconiza que, para justificar as buscas pessoal e veicular, bastam fundadas suspeitas de que o indivíduo esteja cometendo algum delito, tal como se infere do julgado abaixo ementado: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. No julgamento do RE n. 603.616, o Pleno do Supremo Tribunal Federal afirmou que, para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito. 2. No caso em exame, além das denúncias anônimas informando sobre a utilização de adolescentes para a promoção do tráfico de drogas em determinada região, os policiais observaram o paciente em via pública e em atitude suspeita com um adolescente. Quando foram abordados, com eles foram encontradas porções de haxixe (205g). Em diligência na casa da acusada, foram apreendidas mais 12 porções de cocaína. Assim, não há ilegalidade quando a busca domiciliar é precedida da apreensão de entorpecentes - inclusive em maior quantidade - em via pública durante revista pessoal, somada tal circunstância à constatação do possível envolvimento de adolescentes na empreitada. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 758.678/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 2/12/2022.) “PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL E VEICULAR. FUNDADAS SUSPEITAS. POSSIBILIDADE. NULIDADE. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NÃO CONFIGURADO. FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 2. O Superior Tribunal de Justiça entende ser equiparada à busca pessoal, e o art. 244 do CPP assevera que "a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar". 3. Verifique-se que a fundada suspeita reside no fato de que, quando questionado pelos policiais, o recorrente respondeu com base em respostas vagas e imprecisas para responder perguntas simples, caracterizando a fundada suspeita para abordagem. Assim, a busca pessoal ou veicular não foi realizada apenas no suposto nervosismo demonstrado pelo ora agravante (elemento subjetivo). 4. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no exame do RE n. 603.616 (Tema 280/STF), reconhecido como de repercussão geral, assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 5/11/2015). (...) Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 789491 PR 2022/0386481-8, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 24/04/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2023) Portanto, a abordagem do apelante é valida, mas como nada de ilícito foi localizado com o apelante, salvo a apresentação de documento falso, não havia fundadas suspeitas para o ingresso no domicílio do acusado. De fato, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal tem passado por mudanças quanto à interpretação das exceções constitucionais relacionadas à garantia de inviolabilidade de domicílio nas hipóteses de flagrante de crime permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, nas modalidades de guardar, ter em depósito, preparar e produzir. Como se sabe, a prática de crime permanente, cujo estado de flagrância se protrai no tempo, legitima a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva, motivo pelo qual a interpretação da garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal deve compatibilizar os direitos de liberdade com os interesses da segurança pública, por meio do controle judicial das investigações criminais, que pode ser feito antes da adoção da medida – com a expedição prévia de ordem judicial – ou posteriormente, quando, após a prática da medida invasiva, analisa-se a presença dos pressupostos legais e se a execução se deu conforme determina a lei. Nesse desiderato, a jurisprudência tem se aperfeiçoado no sentido de exigir a comprovação de fundadas razões (justa causa) que sinalizem, de maneira clara, a presença de causa provável que sirva de esteio à mitigação do direito fundamental. Em linhas gerais, o atual entendimento das cortes superiores não mais tem tolerado a simples menção à natureza permanente do crime. Com efeito, sobre o tema, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça avançou no sentido de exigir mais elementos que assegurem a preservação da intimidade e da vida privada das pessoas, sobretudo aquelas em situação de maior vulnerabilidade social. Desse modo, a mera constatação de situação de flagrância, após o ingresso forçado nas residências, não pode ser considerada suficiente para justificar a mitigação da garantia constitucional. Na mesma oportunidade, aquele órgão da Corte Superior destacou que o consentimento do morador, de fato, deve ser isento de qualquer espécie de coação ou constrangimento, cabendo o ônus de comprovar que o consentimento foi dado de maneira livre e voluntária aos integrantes das forças de segurança. Consta do boletim de ocorrência n. 2019.148891 que: ''[…] A EQUIPE ROTAM 90 EM PATRULHAMENTO PELA RUA DAS MARGARIDAS NO BAIRRO NOVO TEMPO SE DEPAROU COM UM VEICULO GOL DE COR BRANCO DE PLACA QBL 3844 EM FUNDADA SUSPEITA, FOI FEITA ABORDAGEM E REVISTA AO VEICULO E AO CONDUTOR POREM NADA LOCALIZADO, A0 INDAGAR O CONDUTOR SOBRE O QUE ESTARIA FAZENDO NO REFERIDO LOCAL O MESMO SE IDENTIFICOU PELO NOME DE THIAGO DA SILVA COSTA E NOS INFORMOU QUE MINUTOS ANTES ESTARIA CONVERSANDO COM ALGUNS AMIGOS DE FUTEBOL NA ESQUINA DA REFERIDA RUA. QUE AO SER FEITA A CHECAGEM VIA CIOSP A EQUIPE IDENTIFICOU QUE O RG DO MESMO APRESENTAVA CARACTERÍSTICAS DE FALSIDADE E CONFORME CARACTERÍSTICAS CADASTRADAS NO SISTEMA CIOSP NÃO CONDIZIA COMO SUSPEITO ARORDADO, SENDO IDENTIFICADO ATRAVES DE CONTATO TELEFÔNICO COM O SEU GENITOR QUE INFORMOU QUE A REAL IDENTIDADE DO SUSPEITO É (BRUNO MARTINS DA COSTA) E FOI LOCALIZADO UM MANDADO DE PRISÃO EM DESFAVOR DO MESMO, MOMENTO EM QUE UM TRANSEUNTE QUE PASSAVA PELO LOCAL DA ABORDAGEM QUE NÃO QUIS SE IDENTIFICAR, TEMENDO REPRESÁLIA, NOS INFORMOU QUE O CONDUZIDO TERIA ACABADO DE SAIR DE UM BARRACO DE COR AZUL, CONHECIDO COMO PONTO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENTORPECENTES, LOCALIZADO NA RUA DA PRIMAVERA (ESQUINA DA RUA DA ABORDAGEM), DIANTE DAS INFORMAÇÕES A EQUIPE DESLOCOU ATE A CASA INFORMADA, QUE SE ENCONTRAVA COM A PORTA APENAS ENCOSTADA, FOI FEITA A BUSCA NO INTERIOR DO BARRACO, ONDE FUI LOCALIZADO UMA BALANÇA DE PRECISÃO E UM POTE BRANCO CONTENDO UM PEDAÇO DE SUBSTANCIA ANALOGA A MACONHA. QUESTIONADO O SUSPEITO SOBRE O ILÍCITO O MESMO NOS DISSE QUE PERTENCIA A UM AMIGO DELE, DE ALCUNHA FOGUINHO. DIANTE DOS FATOS FOI FEITO DILIGENCIAS NA RESIDENCIA DO SUSPEITO SENDO LOCALIZADO A QUANTIA DE 900 REAIS, UMA CADERNETA COM ANOTAÇÕES DE DIVERSOS NOMES E VALORES. DIANTE DOS FATOS A EQUIPE DESLOCOU PARA A CENTRAL DE FLAGRANTES PARA AS DEVIDAS PROVIDENCIAS. OBS: FOI ENTREGUE AO ADVOGADO FLAVIO ALBUQUERQUE DA COSTA, O REFERIDO VEICULO, 02 CELULARES E UMA ALIANÇA DE COR DOURADA. OBS.2: DURANTE A ABORDAGEM FOI LOCALIZADO COM O SUSPEITO A QUANTIA DE CENTO E TRÊS REAIS E CINQUENTA CENTAVOS.[...]''. Para se evitar tautologia, adoto como fundamentos de decidir o parecer ministerial, a qual peço vênia para transcrever: “...Na fase pretoriana, as testemunhas ouvidas: PMMT Patrik Lauro Loureiro de Almeida, PMMT Edilson de Campos Almeida e a Policial Civil Fabiana Moreira da Silva, restou caracterizado, a par dos depoimentos prestados pelas duas primeiras testemunhas, que o ingresso na residência do apelante aconteceu em circunstâncias apta a caracterizar a nulidade suscitada. O Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 2801 (Leading Case: RE 603616) e reverteu o entendimento anteriormente adotado, de que a natureza de crime permanente nos ilícitos de tráfico de drogas, convalida a entrada em residências particulares a partir da descoberta de drogas na residência. O entendimento anterior dizia que, uma vez violado o domicílio e configurado o flagrante, os motivos (fundadas razões) devem ser explicado ao juízo, que os analisariam sob a ótica legal, não ocorrendo o engessamento da atividade policial. Vejamos o corpo do julgado: ''[...]A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida.[...]a exigência de um mandado judicial autorizando a interferência no domicílio é importante para evitar abusos e arbítrios. No entanto, em situações exigentes, “a ausência de mandado judicial prévio pode ser contrabalançada pela disponibilidade de um controle ex post factum”. Assim, as buscas sem autorização judicial deverão ser passíveis de rigoroso escrutínio a posteriori por magistrado[...]''. O Ministro Gilmar Mendes, relator para o caso, em suas argumentações, pontua situações como as que deram azo ao ingresso domiciliar no caso fático em testilha, enumerando-os como inócuos para arrimar a violação de domicílio. Vejamos: ''...Por outro lado, provas ilícitas, informações de inteligência policial – denúncias anônimas, afirmações de “informantes policiais” (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não serem identificadas), por exemplo – e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para demonstrar a justa causa...'' (destaque proposital). Analisando atentamente o feito criminal, como foi amplamente verificado, após abordagem ao veículo VW/Gol, branco, placa QBL 3844, foi constatado que o réu fazia uso de Carteira Nacional de Habilitação- CNH falsa, para fins de elidir o cumprimento de mandados de prisões, o que configurou flagrante delito pelo crime de uso de documento falso (art.304 do CP). A partir daí, o Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o mesmo entendimento e passou anular procedimentos de obtenção de provas advindas de invasão de domicílios sem a prévia autorização judicial ou sem as devidas razões para justificar o ingresso em domicílio. Recentes julgados, inclusive, dão conta que: “...a apreensão de algumas porções de drogas com o acusado em via pública não configura fundadas razões sobre a existência de drogas na residência dele...”. Esse entendimento pode ser verificado nos julgamentos do e. Superior Tribunal de Justiça: “RHC n. 192.718/PA, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 14/6/2024.” “AgRg no HC n. 831.911/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024.” Na decisão proferida no AgRg no HC n. 831.911/SP, pelo Ministro Rogério Schietti, o caso é mais grave que este, pois, naquele, o paciente teria visto uma viatura da Polícia, momento em que correu e jogou ao solo uma mochila contendo drogas, situação que fez com que os policiais diligenciassem na residência do flagranciado, asseverando: “...os policiais realizavam patrulhamento de rotina quando o acusado, ao ver a viatura, empreendeu fuga e dispensou uma mochila na vegetação. Os agentes realizaram a abordagem e localizaram certa quantidade de entorpecentes no interior da referida mochila (213g de cocaína, 26g de crack, 145g de maconha e 87g de maconha tipo K2). Na sequência, o réu teria admitido a prática delitiva e afirmado possuir mais substâncias ilícitas estocadas em sua residência. Então, os agentes foram até o endereço indicado, abriram a casa com as chaves encontradas com o investigado durante a revista pessoal, e obtiveram êxito em localizar o restante dos entorpecentes apreendidos (1,6kg de crack, 4,450kg de cocaína e 1,759kg de maconha), tudo com a suposta anuência do réu. Com base nas narrativas acima, compreendo que foi lícita a busca pessoal e a apreensão dos entorpecentes localizados na mochila dispensada pelo acusado ao ver a guarnição policial, mas não havia fundadas razões acerca da prática de crime permanente a autorizar o ingresso no domicílio do paciente.” E acrescenta: “Ressalto que, segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, o fato de haverem sido apreendidas drogas com o acusado em via pública não configura fundadas razões sobre a existência de substâncias ilícitas no interior da residência.” Acontece que o flagrante pelo crime de uso de documento falso, respeitando entendimentos diversos, não produziu fundadas razões, como reclamado pelo tema 280/STF, para busca especulativa em endereço que supostamente pertenceria ao réu. Diante de todo exposto, este órgão do Ministério Público, manifesta-se pelo acolhimento da preliminar suscitada pela Defesa, para o fim de anular as provas obtidas mediante busca e apreensão domiciliar ocorrida sem o necessário mandado e as dela derivadas, determinando o seu desentranhamento dos autos, na forma do art.157 do CPP, culminando na absolvição dos apelantes pelo art.386, inc. II, do CPP, em relação ao crime do artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/06...” (id. 238344684). Na essência, as provas obtidas na busca e apreensão domiciliar - 01 (uma) porção de maconha, com massa de 147,67g (cento e quarenta e sete gramas e sessenta e sete centigramas) e balança de precisão - não podem ser consideradas válidas. Em reforço, aplica-se julgado desta Egrégia Corte de Justiça: “2. No caso, o ingresso forçado na residência não possui fundadas razões, pois está apoiado no fato de que o local já era previamente indicado como ponto de tráfico de drogas, de que um indivíduo, o qual estava conversando com a esposa do Acusado, teria corrido ao perceber a presença dos policiais, bem como na suposta autorização concedida pela esposa do Réu (não comprovada por escrito ou por meio audiovisual), circunstâncias que não justificam, por si sós, a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para ingresso no domicílio” [STJ. AgRg no HC Nº 819218 – SC. Relator Ministro Teodoro Silva Santos. 6ª Turma. Julgado em: 5/12/2023].” (N.U 1009721-98.2022.8.11.0003, Relator: Des. Orlando de Almeida Perri - 22.3.2024). Portanto, o compulsar dos autos revela que neste caso o ingresso domiciliar se deu sem qualquer referência a investigação anterior ou algo que indicasse se tratar da ocorrência de crime naquele local, visto que ele foi conduzido tão somente pelo mandado de prisão expedido. Ainda, não houve fundadas razões para isso, nem mesmo para fazer buscas detalhadas conforme consta na declaração dos policiais exposta no boletim de ocorrência mencionado. No tocante a teoria da árvore envenenada, muito esclarece a jurisprudência: “APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – ABSOLVIÇÃO DOS AGENTES EM RELAÇÃO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA A TRAFICÂNCIA E DE UM DELES POR TODOS OS DELITOS – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONDENAÇÃO DOS RECORRENTES NOS TERMOS DA DENÚNCIA – IMPOSSIBILIDADE – ILICITUDE DAS PROVAS – FLAGRANTE PREPARADO – PRÉVIA COMBINAÇÃO DOS POLICIAIS MILITARES COM TESTEMUNHA – COMPRA DE DROGA POR MEIO DE TELEFONE – AGENTES PÚBLICOS QUE AGURDARAM A CHEGADA DOS AGENTES PARA LEVAR A CABO AS SUAS DETENÇÕES – CRIME IMPOSSÍVEL – NULIDADE DAS PRISÕES EM FLAGRANTE – SÚMULA N. 145 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO E PROVAS OBTIDAS EM DILIGÊNCIAS POSTERIORES – CONTAMINAÇÃO – TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA – INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DAS ILÍCITAS – PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO – ABSOLVIÇÃO DOS AGENTES QUE SE IMPÔE – DEMAIS PLEITOS DA ACUSAÇÃO – PREJUDICADOS – RECURSO DESPROVIDO – ABSOLVIÇÃO DE UM DOS APELADOS DE OFÍCIO. Tratando-se do chamado flagrante preparado, no qual os agentes públicos instigaram os réus à prática do crime de tráfico de drogas, com o objetivo de prendê-los em flagrante delito, ao mesmo tempo em que adotaram providências que impediriam a consumação da infração penal, estamos diante de crime impossível. Conforme o entendimento consolidado na súmula n. 145 do Supremo Tribunal Federal, “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Considerando a ilicitude das prisões em flagrante delito, os elementos de informação e as provas obtidas em diligências posteriores ficam contaminadas, diante da adoção, pelo Código de Processo Penal, da teoria dos frutos da árvore envenenada. Tendo em vista que todas as provas existentes no feito derivaram da suposta prisão em flagrante dos agentes, reconhecida a sua nulidade, é imperioso o reconhecimento da inexistência de provas da autoria e da materialidade delitivas, com a consequente absolvição dos agentes. Diante da absolvição dos apelados, ficam prejudicados os demais pleitos do Ministério Público, por meio dos quais o parquet pretendia a fixação das reprimendas acima dos mínimos legalmente previstos.” (N.U 0000233-56.2010.8.11.0101, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 11/08/2021, Publicado no DJE 18/08/2021). Desta feita, no que se refere à ilicitude das provas, segundo o artigo 157, caput do Código de Processo Penal, serão inadmissíveis aquelas obtidas em violação às normas constitucionais, devendo ser desentranhadas do processo, de modo que, neste caso, reconheço a invalidade de todas as provas colhidas ilicitamente, de acordo com a realidade nos julgamentos proferidos pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que nos crimes permanentes (como o tráfico de drogas), o estado de flagrância avança no tempo, mas esse fato não é suficiente para justificar a busca domiciliar desprovida de mandado judicial, sendo essencial a demonstração de indícios mínimos (fundadas razões) de que, naquele momento, dentro da residência, há uma situação de flagrante delito (HC 721.911). Para que se legitime o ingresso forçado em domicílio, não basta a ocorrência de um delito permanente – in casu, tráfico de drogas –, mas da existência de fundadas razões que justifiquem a relativização do direito fundamental à inviolabilidade residencial [CPP, art. 240, § 1º, do CPP – “proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem”]. Confira-se: “[...] nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, está diante de situação de flagrante delito" (RHC 134.894/GO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 08/02/2021.) ” [STJ. HC 732442 / SP. Relator Ministro Olindo Menezes. DJe: 21/10/2022]. Ausentes outros elementos probatórios aptos a comprovar a materialidade do tráfico de drogas, impõe-se absolver o apelante, nos termos do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, mantendo-se entretanto, a condenação por uso de documentos falso. Destaca-se que o delito do artigo 304 do Código Penal se consuma com a simples utilização de documentos comprovadamente falsos, dada a sua natureza de delito formal, caracterizada está a prática delitiva. Corroborando tal entendimento, destaca-se julgado do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTS. 14, I E II; E 304, AMBOS DO CP. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE DESCLASSIFICOU A CONDUTA PARA A MODALIDADE TENTADA. INVIABILIDADE NO CASO CONCRETO. CRIME FORMAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ANÁLISE JURÍDICA DO CASO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. 1. A questão veiculada no recurso especial não envolve a análise de conteúdo desta natureza, mas, sim, a possibilidade reconhecimento da consumação do delito perpetrado, notadamente por conta de a jurisprudência desta Corte Superior entender que o tipo penal de uso de documento falso é crime formal, consumando-se, portanto, com a simples utilização do documento falso. 2. É pacífico o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça de que, tratando-se de crime formal, o delito tipificado no art. 304 do Código Penal consuma-se com a utilização ou apresentação do documento falso, não se exigindo a demonstração de efetivo prejuízo à fé pública nem a terceiros" (AgInt no AREsp n. 1.229.949/RN, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 6/3/2018, DJe 14/3/2018) - (REsp n. 1.722.241/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 15/6/2018). (...)” (STJ. AgRg nos EDcl no REsp n. 1.833.274/CE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 22/09/2020, DJe 28/09/2020)” (g.n.) Em caso análogo já se pronunciou este Sodalício: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 297 E ART. 304, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL - INCONFORMISMO DA DEFESA - 1. PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DO USO DE DOCUMENTO FALSO, POR FALTA DE DANO AO BEM JURÍDICO TUTELADO - IMPOSSIBILIDADE - CRIME FORMAL QUE SE CONSUMA COM A UTILIZAÇÃO DO DOCUMENTO FALSIFICADO - PRESCINDIBILIDADE DE PREJUÍZO À FÉ PÚBLICA - CONDENAÇÃO MANTIDA (...) 1. Tratando-se de crime formal, o delito tipificado no art. 304 do Código Penal consuma-se com a utilização ou apresentação do documento falso, não se exigindo a demonstração de efetivo prejuízo à fé pública nem a terceiros. 2. A utilização de documento falsificado, a fim de ocultar a condição de foragido da justiça, como exercício da autodefesa, não descaracteriza o crime do art. 304 do Código Penal. Precedentes. 3. No delito de uso de documento falso, para que se configure a atipicidade pelo crime impossível, é necessário que a falsificação seja grosseira, perceptível primo ictu oculi e incapaz de enganar o homo medius, o que não ocorreu no caso em tela, uma vez que os policiais militares, experientes e treinados, precisaram realizar consulta aos sistemas à sua disposição para constatar a efetiva falsidade do documento que lhes fora exibido. (...)” (TJMT. N.Ú. 0012968-77.2017.8.11.0004, Relator: Des. Gilberto Giraldelli, j. 29/11/2023, Terceira Câmara Criminal, DJe 30/11/2023) (g.n.) Com tais considerações, comprovada a existência do crime e sua autoria, consolidada está à versão dos fatos pelos depoimentos prestados, impondo-se a manutenção da condenação do Apelante pelo crime previsto no artigo 304, do Código Penal. Com essas considerações, recurso conhecido e PROVIDO para, acolhida a preliminar de nulidade das provas obtidas pelo ingresso domiciliar ilegal, absolver o apelante do tráfico de drogas, por não estar provada a existência do fato (CPP, art. 386, II), mantendo-se a condenação pelo crime previsto no artigo 304, do Código Penal. Por efeito, COMUNIQUE-SE ao Juízo singular para expedição do apto alvará de soltura, salvo se por outro motivo estiver preso. É como voto. V O T O S V O G A I S Apelação Criminal n. 0031693-29.2019.8.11.0042 Apelante: Bruno Martins da Costa Apelado: Ministério Público do Estado de Mato Grosso Juízo de origem: 13ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT Relator: Des. Rui Ramos Ribeiro V O T O (Revisor) Egrégia Câmara: Conforme já relatado no voto condutor, nos autos da ação penal n. 0031693-29.2019.8.11.0042, que tramitou no Juízo da 13ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, Bruno Martins da Costa foi condenado pela prática dos crimes de tráfico de drogas e uso de documento falso, previstos, respectivamente, no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, e artigo 304 do Código Penal, ao cumprimento da reprimenda global de 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 765 dias-multa. Por intermédio de sua defesa constituída, maneja o presente recurso de apelação criminal, arguindo em suas razões recursais (Id. 225899165), em caráter preliminar, a incompetência do Juízo da 13ª Vara Criminal, que processou e julgou o feito, pois, sob sua ótica, os fatos discutidos no presente seriam idênticos aos que constam na ação penal n. 0022335-40.2019.8.11.0042, que tramitou na 9ª Vara Criminal da Capital, e, por outra vertente, pede que seja declarada a nulidade das provas obtidas no flagrante, a uma porque não havia sequer fundadas razões para a abordagem pessoal e, a duas, os policiais teriam adentrado no imóvel sem qualquer autorização. Sem delongas, acompanho na íntegra o entendimento do eminente relator para rejeitar a primeira preliminar concernente à incompetência do Juízo, porquanto, de uma simples leitura das denúncias, percebe-se que os fatos narrados e apurados na ação penal que tramitou no Juízo da 13ª Vara Criminal da Capital, são absolutamente diversos daqueles referentes à ação penal n. 0022335-40.2019.8.11.0042, que tramitou na 9ª Vara Criminal da Capital, tal qual amplamente explicitado no voto condutor. Desse modo não há qualquer litispendência a ser reconhecida, e tão pouco há falar em incompetência do Juízo em que a presente ação penal foi processada e julgada. Em relação a segunda preliminar defensiva – que trata de nulidade das provas advindas do flagrante, por ausência de fundadas razões para a abordagem pessoal ou invasão policial do imóvel, porque teriam adentrado sem qualquer autorização – peço vênia ao douto relator, para dele divergir, uma vez não vejo qualquer mácula na atuação dos agentes estatais. Embora já tenham sido mencionados no voto condutor os termos da inicial acusatória, convém reprisar que: “(...) no dia 17 de junho de 2019, às 20h, na Rua das Margaridas, no bairro Novo Tempo, nesta cidade, o denunciado Bruno Martins da Costa tinha em depósito, para outros fins que não o consumo pessoal, 01 (uma) porção de maconha, com massa de 147,67g (cento e quarenta e sete gramas e sessenta e sete centigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme laudo definitivo 3.14.2019.55093-01. Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, denunciado fez uso de documento público falso. Na mencionada data, policiais militares faziam rondas pela rua das Margaridas, no bairro Novo Tempo, quando se depararam com um veículo Gol, de cor branca, placa QBL 3844, conduzido pelo denunciado, em atitude suspeita. Por essa razão, foi efetuada a abordagem e revista do veículo e do condutor deste, contudo, nada de ilícito fora encontrado. Entretanto, em entrevista com os militares, o denunciado identificou-se com o nome falso de Thiago da Silva Costa, sendo desmascarado pela guarnição que, ao checar o documento de RG, notou que o documento mencionado apresentava sinais de falsidade. Em contato, via telefone, com o genitor do suspeito, este revelou que nome do denunciado era Bruno Martins da Costa e que este possuía dois mandados de prisão em aberto em desfavor dele, inclusive. No intervalo entre a abordagem e o levantamento de dados do suspeito, um transeunte revelou que o indiciado, naquele momento, havia acabado de sair de uma boca de fumo localizada na Rua Primavera, próximo ao local. Em posse dessa informação, os policiais militares deslocaram-se até o referido endereço, a fim de averiguar a informação. Ao chegarem no local, encontraram a residência com a porta apenas encostada, momento em que adentraram no imóvel, onde foi efetuada busca, que resultou na apreensão de 01 (uma) balança de precisão e 01 (um) pote branco contendo um pedaço grande de maconha. Em entrevista, o denunciado informou que os ilícitos apreendidos eram de propriedade de seu amigo vulgo ‘Foguinho’. Dando continuidade às diligências, os militares se encaminharam até a residência do denunciado, onde localizaram a quantia de R$ 900,00 (novecentos reais) e 01 (urna) caderneta contendo anotações e diversos nomes e valores de seus devedores, e mais a quantia de R$ 103,00 (cento e três reais) em posse do indiciado. Na delegacia, perante a autoridade policial, o denunciado negou a propriedade da droga apreendida na residência abandonada, bem como dos demais objetos apreendidos na sua casa. Com relação ao documento falso, confessou que o usava para burlar a legislação de trânsito. Alegou ainda, que os militares não encontraram nada de ilícito em sua residência, apenas a quantia de R$ 900,00 (novecentos reais) que estava reservado para pagar o aluguel da casa. Indagado acerca do caderno contendo anotações suspeitas, Bruno disse que tal objeto pertencia ao seu falecido irmão. Quanto aos aparelhos celulares, explicou que um pertencia à sua esposa e o outro era de propriedade de um cliente. Em diligências no referido bairro, investigadores da polícia civil foram informados pelos moradores da região de que o denunciado Bruno, além de ser usuário de drogas, também fazia a mercancia de drogas no bairro. Além disso, disseram que ele não tinha ocupação licita, bem como utilizava o barraco abandonado para guardar as drogas e demais objetos ilícitos, havia aproximadamente 05 (cinco) meses. Disseram ainda que, o denunciado Bruno teria invadido o referido imóvel, transformando-o em seu ponto de vendas de drogas (...)” (Id. 218505199). Em síntese, são esses os fatos a serem analisados com acuidade. Como bem ressaltado pelo eminente relator, não houve qualquer ilegalidade na abordagem pessoal, diga-se, do veículo e do próprio apelante, isso porque os policiais militares foram uníssonos em declarar que o veículo estava parado, no período noturno, em local ermo e conhecido, no meio policial, por diversas situações envolvendo o tráfico de drogas, e, como se sabe, é atividade inerente às forças policiais procederem a abordagens e averiguações em locais suspeitos, desde que respeitada a integridade e demais garantias do indivíduo durante a atuação policial. Nesse ponto, segundo o apelante, seja em seu interrogatório policial ou durante audiência de custódia, não houve qualquer violação ou desrespeito à sua integridade física e moral. O ponto nevrálgico repousa na alegada ilegalidade do ingresso dos policiais militares no domicílio do apelante, constatada pelo douto relator. Entretanto, não vejo dessa forma, sobretudo, diante das peculiaridades existentes. Primeiramente, quanto à matéria de ilegalidade de busca policial em interior de residência, sabe-se que realmente existe certa polêmica e entendimentos diversos sobre a matéria. Não quanto à possibilidade da entrada na casa em situação flagrancial, mas sobre a situação de fundada suspeita da prática criminosa ou até mesmo no grau de certeza de que o crime estaria ocorrendo no interior da residência. Aprofundando-me no assunto, acrescento que, não se exige que o policial possa enxergar o crime acontecendo dentro do imóvel – que, no caso de tráfico de drogas, se trata de delito permanente –, mas fundadas razões de que há uma situação em flagrante, com lastro em circunstâncias objetivas. No caso em apreço, essas circunstâncias objetivas são visíveis, pois conforme já amplamente delineado no voto condutor, pelas declarações de testemunhas e interrogatório do acusado, já transcritos pelo eminente relator – que deixo de novamente transcrever na íntegra para evitar tautologia –, tem-se que os policiais fizeram a abordagem do veículo, em que estava o apelante “na direção”, porquanto parado, já no período noturno, em local ermo e conhecido no meio policial por diversas situações envolvendo tráfico de drogas, e, na oportunidade, ele se identificou com nome e documento falso, o que, por si só, caracteriza flagrante de crime e enseja o levantamento de suspeitas sobre outros possíveis ilícitos. Se não bastasse, ainda naquele momento, um transeunte passou por eles, e informou que viu o ora apelante saindo de um “barraco”, conhecido como ponto de venda de entorpecentes. Portanto somente por esse enredo fático-probatório descrito nos autos, frise-se, de modo incontroverso, é evidente que surgiram fundadas suspeitas da prática de demais atividades ilícitas, ou seja, não se trata, simplesmente, de ação policial em que adentram aleatoriamente em imóveis alheios. De toda, sorte, como dito anteriormente, existe certa peculiaridade que não pode passar despercebida. In casu, após os policiais militares serem informados de que o apelante foi visto saindo de uma possível “boca de fumo”, eles se dirigiram ao local, constatando-se tratar de um “barraco”, com características de abandonado e encontraram a porta aberta, razão pela qual entraram no local e conseguiram encontrar considerável quantidade de maconha e, somente após, foram à residência em que o apelante indicou que morava. Em outras palavras, há duas situações distintas, a primeira, decorre de uma fundada suspeita – evidenciada em elementos concretos – em que os policiais adentraram no referido “barraco”, em que foi encontrada aquela quantidade de maconha – cerca de 148g. Em relação a esse “barraco” o apelante informou que seria da pessoa conhecida como “Foguinho”. Em uma segunda ocasião, os agentes estatais se dirigiram com o apelante até a residência por ele indicada como sendo sua morada, e lá, de fato, nada de ilícito foi encontrado. De toda sorte, não há ilegalidade na atuação policial em nenhuma das ocasiões. Assim, restringindo à análise da primeira atuação policial, ou seja, relativa à entrada dos policiais no “barraco” em que foi encontrada e apreendida a droga, como amplamente visto das provas produzidas já na esfera policial, ficou evidenciada a fundada suspeita da prática de atividade ilícita naquela localidade, o que permite concluir que não há falar em violação de domicílio, mormente porque o delito de tráfico de drogas é crime permanente, em que a prisão em flagrante é possível a qualquer momento, enquanto não cessar a permanência, e é certo que a Constituição Federal autoriza o ingresso dos policiais na residência mesmo sem prévia autorização judicial em casos assim, consoante previsto no artigo 5º, inciso XI, além do disposto nos artigos 240 e 303 do Código de Processo Penal. Ademais, após o deslinde processual, produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ficou elucidado que o mencionado “barraco”, se não puder ser considerado residência do apelante, no mínimo, ficou comprovado que ele era o responsável por aquela localidade. Nesse ponto, peço vênia para colacionar trechos das declarações judiciais da investigadora de polícia civil Fabiana Moreira da Silva, que assim esclareceu: “(...) Essa investigação, ela iniciou com uma ordem de serviço expedida pelo delegado. Ele pediu para estar verificando se o suspeito praticava a mercancia de entorpecentes e nós conseguimos localizar essa residência que o suspeito residia. É uma residência muito pequena, lembro até como fosse hoje, muito pequena. Ali cabia assim, era um quarto praticamente. Uma rua também de difícil acesso, num bairro que esse indivíduo, essa pessoa morava, de difícil acesso. A rua também era sem asfalto e no local, a gente conseguiu conversar com algumas pessoas próximas e eles confirmaram que essa pessoa fazia tráfico de entorpecente, a residência era para estar guardando entorpecente e outros ilícitos. E a diligência, a gente continuou na outra residência que ele morava no bairro Santa Isabel, mas ele não estava mais morando lá. Aí nós fomos numa outra residência que era da mulher dele e também a gente não conseguiu localizar ela; (...) Que o BRUNO, ele já morou lá, morava com o pai, madrasta e irmã. Ele morou próximo ali. E confirmou que além dele vender entorpecente, ele também era o usuário. Ele é conhecido no bairro, o BRUNO. Perguntas da Acusação: A senhora sabe dizer se anteriormente a esse espaço aí que ele foi preso, se ele teve relação com outra apreensão de entorpecentes nesse mesmo barraco onde foi encontrado drogas? Então, até teve uma observação na ordem de serviço que outra equipe policial, eles fizeram a ordem de serviço para estar para estar verificando quem que era o proprietário desse barraco. Era uma moradia assim que só era um quarto e, no caso, descobriu depois que era um senhor e que essa pessoa BRUNO tinha invadido e tinha construído esse barraco lá (...)” Repito, portanto, que é nítida a comprovação de que o apelante Bruno era o responsável pelo “barraco” ou “residência” ou “boca de fumo” em que o entorpecente foi localizado. Portanto, com a devida vênia, tendo em vista a nítida situação de fundada suspeita – que, a meu ver, diante das circunstâncias narradas, poder-se-ia dizer que já nem era apenas suspeitas, mas concretas razões –, não me parece aceitável exigir que os policiais procedessem diligências prévias, como campanas, permanecendo por horas ou dias na vigilância do local, esperando confirmação visual de concreta venda de drogas, e tão pouco exigir que os policiais militares, primeiro, comunicassem a autoridade policial sobre os fatos, inclusive sobre a comunicação de um transeunte sobre a “boca de fumo”, para, somente após, representar por mandado de busca e apreensão. É evidente que a autorização judicial, em casos tais, não é obtida rapidamente, de sorte que o indivíduo teria tempo mais que suficiente para desfazer de todo aquele entorpecente encontrado naquela localidade, esvaziando o flagrante e comprometendo todo o combate das forças policiais ao tráfico de drogas. Sobre a matéria, acrescento, como bem pontuado pela Terceira Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça: “(...) não há falar em nulidade decorrente da busca domiciliar realizada à míngua de autorização judicial, na hipótese em que o ingresso dos agentes policiais no domicílio do apelante ocorreu somente após a constatação de fundadas razões que indicavam a provável ocorrência da situação de flagrante delito no interior do imóvel (...).” (TJ/MT, Ap. Crim. 0003329-38.2019.8.11.0045, Relator: Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal; data do julgamento: 29.7.2020; data da publicação: 31.7.2020). “(...) O crime de tráfico de drogas e o de posse ilegal de arma de fogo são considerados delitos permanentes, e sua consumação, bem como o estado de flagrância se prolongam no tempo, o que justifica a entrada dos agentes estatais no domicílio alheio, mormente quando já havia informações prévias do envolvimento do indivíduo flagrado usando documento falso, com a narcotraficância, inclusive em larga escala, de modo que as circunstâncias fáticas do caso, revelada pelo serviço de inteligência do Gefron – Grupo Especial de Fronteira – revelaram não apenas a fundada suspeita da prática delitiva como a efetiva hipótese de existência de drogas no imóvel, o que torna justa a causa para o ingresso dos policiais na propriedade particular, e, consequentemente, o princípio da inviolabilidade do domicílio – que não é absoluto – fica mitigado, como autoriza o próprio artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, além do disposto nos artigos 240 e 303 do Código de Processo Penal.” (TJ/MT – RVC n. 1018283-08.2022.8.11.0000 – Turma de Câmaras Criminais Reunidas – à unanimidade – Relator: Des. Pedro Sakamoto, julgamento 15.12.2022). Diante de todas essas circunstâncias, não vejo que houve violação do domicílio, de modo que, divergindo do douto relator, rejeito a preliminar defensiva, a respeito da ilegalidade do flagrante e consequente apreensão de drogas. Ao mesmo tempo, no mérito, diante do enredo fático-probatório apresentado, já a exaustão, não há falar em absolvição, pois as declarações dos policiais, em ambas as fases processuais, possuem elevado valor probatório, e não foi produzido nenhum indício de que tivessem interesse em prejudicar o apelante, apresentando declarações falsas, ao passo que a negativa de autoria é totalmente inverossímil, razão pela qual, a condenação deve ser mantida. Por fim, o apelante pede a revisão da reprimenda aplicada em relação ao crime de tráfico de droga – pena corpórea e de multa. Melhor sorte não lhe assiste. Em relação à pena-base, foram sopesados em desfavor do sentenciado, os antecedentes criminais (três condenações transitadas em julgado) e levada a efeito a preponderância do disposto no artigo 42 da Lei Antidrogas, e, consequentemente, elevada a pena em 2 anos e mais 200 dias-multa. Não vejo desacerto algum. Embora não explicitado o quantum majorado. Pode-se dizer que o magistrado aplicou a fração de 1/6 em relação à quantidade de drogas apreendidas, o que alcançaria a pena-base de 5 anos e 10 meses. Em continuação, considerando as múltiplas condenações como vetor de agravamento da circunstância judicial relativa aos maus antecedentes, entendo que justifica-se a majoração dessa circunstância em patamar superior a 1/6, de modo que, se aplicada a fração de 1/5, a pena chega ao montante de 7 anos – tal qual fixado pelo magistrado sentenciante – o que entendo adequado ao caso. Na segunda fase judicial, o Magistrado a quo foi inclusive benéfico ao sentenciado, pois embora tinha a discricionariedade de agravar a pena em mais 1/6 pela reincidência, aumentou-a em apenas 6 meses. Não havendo causas de aumento ou diminuição de pena, ela foi fixada definitivamente em 7 anos e 6 meses de reclusão, além do pagamento de 750 dias-multa. Em relação aos dias-multa, a título de esclarecimento ao apelante, o Juiz monocrático agiu de acordo com a previsão legal contida no delito tipificado no artigo 33 Lei n. 11.343/06, que comina pena privativa de liberdade e pena de multa, sendo irrelevante a condição financeira dos sentenciados. Ademais, foi obedecido o critério trifásico de aplicação da pena – artigo 68 do Código Penal. Por fim, o valor dos dias-multa foi estabelecido no mínimo unitário previsto – 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. Dessarte, não há qualquer irregularidade a ser sanada quanto à pena de multa aplicada na sentença condenatória, sendo certo que eventual impossibilidade de pagamento deve ser discutida no Juízo da Execução Criminal. O regime inicial, único que se amolda ao caso, é o fechado, tendo em vista o quantum da pena e a situação de reincidência, além dos maus antecedentes – artigo 33, §§ 2º, “b” e 3º, do Código Penal. Com essas considerações, divergindo do voto do eminente relator, rejeito todas as preliminares arguidas e, no mérito, nego provimento ao apelo manejado pela defesa de Bruno Martins da Costa. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/04/2025
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