Processo nº 1000379-60.2022.8.11.0004
ID: 319211956
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000379-60.2022.8.11.0004
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BLAINY DANILO MATOS BARBOSA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000379-60.2022.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Uso de documento falso] Relator: Des(a). PAULO SERGIO …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000379-60.2022.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Uso de documento falso] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES] Parte(s): [CLEOMAR ARAUJO MOTA - CPF: 240.273.671-20 (APELANTE), BLAINY DANILO MATOS BARBOSA - CPF: 903.117.791-15 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Direito penal e processual penal. Apelação criminal. Uso de documento falso. Pleito de aplicação do princípio da consunção. Impossibilidade. Condutas autônomas. Uso de documento falso que não objetivava a prática exclusiva de estelionato. Readequação da pena de multa como medida de ofício. Multa que não guardou correlação com o quantum da pena privativa de liberdade. Ausência de fundamentação judicial. Desprovimento do recurso. Medida ex officio. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta por Cleomar Araújo Mota contra sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara Criminal da Comarca de Barra do Garças, que o condenou pelo crime de uso de documento falso (art. 304 do CP). 2. O apelante pleiteia a desclassificação do delito para o crime de estelionato (art. 171 do CP), com aplicação da regra da consunção, e a consequente extinção da punibilidade pela decadência do direito de representação. II. Questões em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se é possível a aplicação da consunção entre o crime de uso de documento falso e o estelionato, considerando o contexto fático do caso, para fins de desclassificação da imputação e consequente extinção da punibilidade. III. Razões de decidir 4. A consunção entre o uso de documento falso e o estelionato exige que o uso do documento seja meio necessário ou fase normal de preparação para o estelionato, sem autonomia típica. 5. No caso, o uso reiterado de documentos falsos pelo apelante revela autonomia do crime de uso de documento falso em relação ao crime de estelionato, o que afasta a aplicação da consunção. 6. O apelante foi surpreendido na posse de documentos falsos antes da prática de qualquer ato consumativo do estelionato, demonstrando potencialidade lesiva independente à fé pública. 7. O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso têm firme orientação no sentido de que o crime de uso de documento falso, quando não exaurido no estelionato e com potencialidade lesiva própria, deve ser punido de forma autônoma. 8. Pena de multa que deve ser readequada de ofício, por ausência de fundamentação da decisão que a fixou acima do mínimo legal. IV. Dispositivo 9. Recurso desprovido, com providência de ofício. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 171 e art. 304. Jurisprudência relevante citada: STJ, súmula n. 17, TJ-MT - Apelação Criminal: 10006386120228110002, Relator.: Helio Nishiyama. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta em favor de Cleomar Araújo Mota, contra decisão proferida pelo Juízo da Segunda Vara Criminal da Comarca de Barra do Garças, que o condenou pelo delito descrito no art. 304, caput, do Código Penal, fixando-lhe a pena em 2 anos de reclusão (regime inicial aberto) e 30 dias-multa (sentença Id. n. 271742365). A Defesa almeja a desclassificação do delito descrito no art. 304 para o crime previsto no art. 171 do Código Penal, ao argumento de que o apelante utilizou documentos falsos com o único objetivo de praticar crime de estelionato, devendo ser aplicada a regra da consunção. Sendo acolhido o pleito antecedente, requer a declaração da extinção da punibilidade do agente, vez que o estelionato é crime que se processa mediante representação da vítima, a ser feita no prazo decadencial de 6 meses, que já se esvaiu (Id. n. 271742377). O Ministério Público, nas contrarrazões, pugnou pelo desprovimento do recurso (Id. n. 271742379). A Procuradoria-Geral de Justiça, de igual modo, opinou pelo não acolhimento das teses defensivas, em parecer assim sintetizado: “APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO USO DE DOCUMENTO FALSO – RECURSO DEFENSIVO – PRETENDIDA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA ESTELIONATO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – CASO CONCRETO QUE NÃO PERMITE A ABSORÇÃO - POTENCIALIDADE LESIVA DO DOCUMENTO DO DOCUMENTO NÃO RESTRITA AO ESTELIONATO - PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (Id. n. 275290363). É o relatório. Remetam-se os autos à douta revisão. V O T O R E L A T O R Inicialmente, verifico que estão preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, daí por que conheço da apelação. Contudo, o pleito defensivo de aplicação da regra da consunção não comporta provimento. No caso em exame, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor do apelante pelo crime de uso de documento falso, tipificado no art. 304 do Código Penal, nestes termos: “Consta dos autos do inquérito policial incluso que, no dia 14 de fevereiro de 2018, por volta das 13:00hs, na ‘Cooperativa Sicredi’, situada na Av. Ministro João Alberto, Centro, nesta cidade, o denunciado fez uso de documento público falso. Segundo apurado, naquela ocasião fatídica, o denunciado, que estava na posse de carteiras de identidade falsas (Laudo de Exame Pericial às fls. 37/47-IP) e outros documentos em nome de Aroldo Gomes Siqueira, dirigiu-se à sede da ‘Cooperativa Sicredi’, oportunidade que fez uso daqueles documentos não autênticos, apresentando-os na mencionada agência, a fim de realizar movimentação financeira na condição de procurador da empresa ‘Rank Construtora LTDA’, na qual Aroldo Gomes figura como sócio proprietário. Com efeito, após a ciência do ocorrido, a equipe da Polícia Civil dirigiu-se ao referido local, momento que surpreendeu o denunciado na posse das carteiras de identidade falsificadas (Autos de Apreensão às fls. 28 e 29/30-IP). Por conseguinte, efetuou-se a prisão em flagrante. O denunciado, ao ser interrogado, admitiu não ter sido a primeira vez que fez uso dos documentos supracitados (fls. 10/12-IP).” (Id. n. 271741966). A materialidade delitiva é evidente, tendo em vista que o Laudo Pericial n. 300.2.09.2018.003103-01 atestou a falsidade de três documentos públicos encontrados em posse do acusado: “Assim, considerando o analisado e exposto acima, considerando as significativas divergências constatadas nos elementos de segurança das cédulas de identidade denominadas DOC01, DOC02 e DOC03, sob registro geral no 3175568, 3175568 e 317556812, respectivamente, todas em nome de Aroldo Gomes Siqueira, filiação: Joaquim Alves Siqueira e Hilda De Lima Gomes, data de Nascimento: 12/11/1983, com data de emissão em 08/03/2005, o signatário conclui que as peças questionadas DOC01, DOC02 e DOC03, apresentadas para exames são FALSAS.” (Id. n. 271741967 - Pág. 44). No que toca à alegação de absorção do crime de uso de documento falso pelo delito de estelionato, registro que, nos termos da jurisprudência consolidada, a consunção pressupõe que o uso do documento falso seja meio necessário ou fase normal de preparação do estelionato, de modo que não se possa atribuir ao uso do documento uma finalidade autônoma. Na hipótese dos autos, todavia, tal circunstância não se configura. Isso porque o conjunto probatório revela que o apelante Cleomar Araújo Mota foi preso em flagrante no interior da agência da Cooperativa Sicredi sem que tenha praticado o delito de estelionato, uma vez que o setor de prevenção da instituição financeira já monitorava sua atuação. Nesse sentido, o investigador Edsinomar Maciel Gonçalves, em sede policial, relatou que, em virtude de investigações pretéritas, já se sabia que a pessoa de Aroldo Gomes Siqueira, por quem o réu queria se passar, sequer possuía cadastro nos sistemas oficiais de identificação. Afirmou ainda que na ocasião do flagrante o próprio apelante lhe confidenciou que pretendia movimentar conta bancária da empresa “Rank Construtora Ltda.”, da qual Aroldo seria sócio, e para isso fazia uso da referida documentação: "Que é Investigador de Polícia Lotado na Delegacia de Roubos e furtos desta cidade; Que naquela unidade policial tramita investigação acerca de possível crime de uso de documento falso há cerca de quinze dias, figurando como investigado o suspeito Cleomar Araújo Mota; Que nesta data recebera informação de que o suspeito estava na posse de documentos de autenticidade duvidosa, e que ele estaria renovando um cadastro na Cooperativa Sicredi, para tanto, usando a documentação possivelmente falsa; Que juntamente com o Investigador Luciano, deslocou até o local dos fatos, onde surpreenderam o conduzido saindo da cooperativa, na posse dos seguintes documentos: 01 Cédula de Identidade; CPF; Título de Eleitor; Declaração de Imposto de Renda e duas cópias autenticadas de procuração pública, todos em nome de Aroldo Gomes Siqueira; Que em decorrências das investigações, já se tinha a informação de que tal pessoa é inexistente conforme oficio 059/2018 do Núcleo de Identificação Biométrica de Goiás, e ainda que Aroldo Gomes Siqueira não possui cadastro de identificação naquele órgão; Que ao abordarem o conduzido Cleomar, e questionar sobre tais documentos, ele disse que faz uns quatro ou cinco ano que não vê Aroldo; Cleomar ainda disse que possui negócios no ramo de construção com Aroldo, mas que tem cerca de cinco anos que não o vê; Que estava usando a documentação apresentada aos policiais para inserir o nome de Aroldo numa conta corrente na Cooperativa Sicredi onde faz movimentação bancária em nome da empresa ‘RANK CONSTRUTORA LTDA’, da qual Aroldo Gomes Siqueira é sócio proprietário e Cleomar pretendia movimentar a conta como procurador.” (Id. n. 271741967 - Pág. 6). Em juízo, Edsinomar Maciel Gonçalves reiterou a versão apresentada na fase policial: “(...) Então, com referência ao senhor Cleomar Araújo Mota, nós recebemos uma ligação pra comparecer na agência do Sicredi na ocasião dos fatos, faz tempo, eu não lembro detalhadamente como que foi, sei que ele estaria no interior da agência, para tanto usava os documentos do senhor Aroldo Gomes Siqueira para efetuar os saques de certos valores em nome da construtora Rank Construtora Limitada do qual o senhor Aroldo era sócio; eai o pessoal do banco desconfiaram que na verdade aquilo lá não tinha procedência e acionou a polícia civil. Nós chegamos no local, abordamos o senhor Cleomar, que é um senhor conhecido na cidade e acabou confessando que estava passando por um momento de aperto e para tanto tinha usado daquela artimanha para ver se conseguia sacar o dinheiro que estava na agência na cooperativa Sicredi no nome da empresa (...) Doutora, as demais investigações, porque a gente trabalha em regime de plantão, eu participei só da prisão dele, ai não sei se teve uma investigação mais aprofundada, eu sei que ele tinha conhecimento que essa empresa, não sei se ele trabalhava com essa empresa, não sei detalhar pra senhora, sei que ele tinha conhecimento que essa empresa tinha certo valor a ser sacado lá na cooperativa Sicredi (...) Doutora, tem muito tempo eu não me recordo assim, mas parece que ele portava documento de identidade e documentos da empresa, que ele tentava movimentar a conta no banco, tem muito tempo, eu não lembro detalhadamente como que foi (...) Eu conheço ele da cidade, ele é bastante conhecido na cidade, então quando a gente viu a documentação, a gente já viu que não se tratava dele, não se tratava da pessoa dele, alias (...) Não senhora, não tenho nada pra falar sobre a conduta dele, eu conheço ele da cidade, porque ele é também um construtor, trabalha no ramo de construtor, a verdade doutora é que pra mim no dia foi surpresa conhecendo ele, isso ai pra mim foi surpresa eu nunca vi nada que desabonasse a conduta dele, nunca teve passagem na polícia; na verdade assim, quando eu vi Aroldo Gomes Siqueira, ele se passando, no caso apresentando essa documentação lá, eu achei estranho porque eu conheço ele por Cleomar Araújo Mota, apelido Teté, eu até achei estranho, pois não é uma pessoa conhecida no meio policial, pelo contrário, se tratava de uma pessoa gente boa (...)”. (transcrição extraída do Id. n. 271742351 - Pág. 2) O investigador Luciano Dias Baptista, por sua vez, corroborou integralmente essa versão, reiterando que o apelante já era alvo de investigação anterior, por ter utilizado documentos falsos em outras ocasiões: "Que é Investigador de Polícia Lotado na Delegacia de Roubos e Furtos desta cidade; Que nesta data tivera conhecimento de que o suspeito estava no Banco Sicredi realizando procedimento para movimentação de conta corrente com documentação possivelmente falsa; Que deslocaram ao local juntamente com o Investigador Edsinomar, onde surpreenderam o conduzido saindo do banco Sicredi na posse da documentação apresentada, em nome de Aroldo Gomes Siqueira; Que questionado a respeito da documentação o mesmo alegou que há algum tempo trabalha com Aroldo e que ele lhe deu a procuração para movimentar a conta da empresa de Aroldo; Que já havia em andamento uma investigação acerca do suspeito com informação oficial do Estado de Goiás', de que a pessoa de Aroldo Gomes Siqueira não possui identificação biométrica naquele Estado; Que diante das evidências, o suspeito foi conduzido â presença da Autoridade Policial.” (Id. n. 271741967 - Pág. 9). Em juízo, a testemunha Airton Marcelo, funcionário da cooperativa Sicredi, confirmou que havia uma conta jurídica vinculada à empresa Rank Construtora Ltda., na qual o apelante supostamente figurava como procurador. Relatou, ainda, que o setor de prevenção da instituição identificou inconsistências entre a documentação apresentada e os dados previamente cadastrados, o que ensejou o acionamento da polícia: “Confirmou ter trabalhado na Cooperativa SICREDI e se recordar de um fato envolvendo o acusado. Que na cooperativa existia uma conta de pessoa física, em nome do acusado, bem como, uma conta de pessoa jurídica, em nome da empresa construtora: ‘RANK’, da qual o acusado era procurador. Que a área de prevenção notou divergência de dados na procuração apresentada e os que constavam na conta de pessoa jurídica. Que já havia visto o acusado na agência algumas vezes.” (mídia digital). Dessarte, não se pode afirmar que o uso do documento falso estava exclusivamente direcionado à prática de fraude contra o banco. Ao contrário, a posse daqueles documentos possibilitava ao apelante outras ações ilícitas, como movimentar contas, acessar informações bancárias privilegiadas, obter extratos financeiros da empresa ou ainda praticar diferentes fraudes patrimoniais. Em que pese a negativa do apelante durante o interrogatório judicial, verifica-se que, na fase extrajudicial, ele confessou que aquela não era a primeira ocasião em que utilizava documentos falsificados, embora não soubesse precisar quantas vezes o havia feito: "que não era a primeira vez que apresentava os documentos falsificados, já tendo feito uso em outras ocasiões, não sabendo precisar quantas vezes". (Id. n. 271741967 - Pág. 13). A propósito, a Solicitação de Prontuário Civil, acostada no Id. 271741967 (pág. 24), evidencia que o acusado já era alvo de investigação aproximadamente uma semana antes de ser preso em flagrante pelo delito ora em exame, circunstância que reforça a conclusão de que sua conduta não se restringia ao cometimento isolado de eventual estelionato. Com efeito, conclui-se que na hipótese o uso dos documentos falsos transcendeu ao mero meio de execução do crime de estelionato, assumindo relevância típica autônoma e expondo a perigo o bem jurídico protegido pelo art. 304 do Código Penal — a fé pública. Sob outra vertente, além de o uso dos documentos falsificados não se limitar à obtenção de vantagem ilícita específica, o réu atuava de forma reiterada, circunstância que extrapola o mero contexto de uma fraude pontual e compromete a fé pública de maneira ampla. A Defesa, aliás, não logrou demonstrar que a conduta imputada ao apelante — consistente na posse e apresentação reiterada de documentos inidôneos — estivesse estritamente voltada à consumação de um estelionato ou de outra fraude patrimonial específica. Nos casos em que a potencialidade lesiva sobressai à mera prática de estelionato, não se aplica a súmula n. 17, do STJ, mesmo porque, não fosse assim, o agente jamais responderia pelo delito de uso de documento falso, vez que, obviamente, a sua utilização sempre tem como finalidade a prática de outra infração, seja ela de cunho patrimonial ou não. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: "PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO E USO DE DOCUMENTO FALSOS. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A INCOATIVA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DA SÚMULA 17/STJ. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade. III - Cumpre asseverar a impossibilidade deste Sodalício analisar alegação não submetida previamente ao Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instância. Dessarte, verifica-se da leitura do acórdão recorrido que a suposta nulidade da decisão que recebeu a denúncia não foi objeto de debate pela Corte de origem, o que obsta o conhecimento por este Tribunal. Precedentes. IV - Ademais, ao contrário do aventado pela defesa, não há que se falar em inépcia da denúncia, uma vez que atendeu de forma satisfatória os requisitos do art. 41 do CPP, narrando de forma a possibilitar a ampla defesa e contraditório os fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do paciente, a classificação dos crimes e rol de testemunhas. V - Lado outro, no que se refere à incidência da Súmula 17 deste Tribunal com escopo de trancar a ação penal com relação ao delito de falso previsto no art. 299 do CP, tem-se que melhor sorte não assiste ao paciente, porquanto restou suficientemente demonstrada a ausência de exaurimento deste crime em relação ao estelionato praticado em face de diversas vítimas, comportando deferência a afirmação constante do acórdão recorrido no sentido de que ‘Ou seja, exige-se que o crime de falsidade se esgote completamente, após ter sido empregado para a prática do estelionato, fato que não ocorreu nos presentes autos, como já mencionado alhures. Assim, entendo que o crime do artigo 299 do CP, no caso em epígrafe, foi praticado com desígnio autônomo, não podendo ser aplicado o princípio da consunção visto que o delito de falsidade de documento não se exauriu no crime de estelionato’ (fl. 26). VI - Quanto à suposta ausência de demonstração de não exaurimento do delito de falsidade com relação ao estelionato, a Corte de origem fez expressa referência aos termos da inicial acusatória, que teceu diversas considerações com escopo de demonstrar a impossibilidade de consunção em relação ao delito previsto no art. 299 do CP, não havendo que se falar em nulidade por excesso de linguagem, ou aos princípios da imparcialidade e acusatório, ao contrário do alegado pela defesa, somente porque não obteve a tutela jurisdicional de acordo com os seus interesses, o que foi feito de forma idônea pela Corte de origem, de acordo com os elementos constantes dos autos. VII - Por fim, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo processual. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. (STJ - HC: 748718 SE 2022/0179677-9, Data de Julgamento: 02/08/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/08/2022).” Destaquei. No mesmo sentido, colho julgado deste Egrégio TJMT: “DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E ESTELIONATO TENTADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO DELITO DE TENTATIVA DE ESTELIONATO, DE OFÍCIO. PRESCRIÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONDENAÇÃO POR UM SEGUNDO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. PERTINÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 17 DO STJ. POTENCIALIDADE LESIVA DO FALSO QUE NÃO SE EXAURE COM A FRAUDE. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM CONCRETO FIXADA. PUNIBILIDADE EXTINTA. RECURSO PROVIDO. (...) O princípio da consunção não se aplica quando a falsificação de documento público não se exaure na tentativa de estelionato e apresenta potencialidade lesiva para outras infrações penais. A possibilidade de utilização do documento falsificado em diferentes contextos demonstra sua independência como crime autônomo, afastando a incidência da Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça. Reconhecida a prática do crime de falsificação de documento público, impõe-se a condenação da ré nos termos do art. 297, caput, do Código Penal. Inobstante o provimento do pleito ministerial, considerando a pena aplicada e a menoridade relativa da ré à época dos fatos, é de se reconhecer, de forma diferida, condicionada ao trânsito em julgado deste acórdão, a prescrição retroativa da pretensão punitiva e, por conseguinte, a extinção da punibilidade pelo delito de falsificação de documento público. Recurso provido. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 10006386120228110002, Relator.: HELIO NISHIYAMA, Data de Julgamento: 09/04/2025, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 11/04/2025).” Destaquei. Portanto, correta a sentença ao afastar a regra da consunção e manter a condenação pelo crime de uso de documento falso, em virtude da autonomia típica entre os delitos. Todavia, como medida ex officio, a pena de multa deve ser readequada. Verifica-se nos autos que, conquanto o Magistrado a quo tenha fixado a pena privativa de liberdade no mínimo legal (2 anos de reclusão), exasperou a pena pecuniária, fixando-a em 30 dias-multa: “O delito de uso de documento público, no caso concreto, possui pena de reclusão de 2 a 6 anos e multa. Na primeira fase da pena, atento ao artigo 59 do Código Penal, entendo que as circunstâncias judiciais são totalmente favoráveis ao réu, merecendo maior reprovabilidade do que a prevista pelo legislador. Dessa forma, fixo a pena-base em 2 anos de reclusão. Na segunda fase da pena, ausentes atenuantes e agravantes, mantenho a pena intermediária no patamar anteriormente fixado. Na terceira fase da pena, verifico que inexistem causas de aumento e diminuição. Assim, torno definitiva a pena do réu em 2 anos de reclusão e 30 dias-multa.” (Id. n. 271742365 - Pág. 6). Nos casos em que a privativa de liberdade é fixada no mínimo legal, a multa, salvo fundamentação concreta, também deve ser estabelecida no patamar mínimo (10 dias – art. 49 do CP). In casu, o Magistrado singular não justificou o recrudescimento da pena de multa acima do piso legal. A jurisprudência já consolidou a tese de que a sanção de multa deve ser proporcional à pena privativa de liberdade: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. ABSOLVIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. DEPOIMENTOS POLICIAIS. REDIMENSIONAMENTO DA PENA DE MULTA. NECESSIDADE DE PROPORCIONALIDADE COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame: Apelação criminal interposta contra sentença condenatória por roubo majorado, na qual a defesa pleiteia absolvição por insuficiência probatória ou desclassificação para furto, além do redimensionamento da pena de multa. II. Questão em discussão: A questão em discussão consiste em verificar: (i) se há provas suficientes para manter a condenação por roubo majorado; (ii) se é cabível a desclassificação para furto; e (iii) se a pena de multa aplicada é proporcional à pena privativa de liberdade. III. Razões de decidir 1. O conjunto probatório é suficiente para comprovar a prática do crime de roubo majorado, em razão da grave ameaça e do concurso de agentes, não sendo possível a desclassificação para o crime de furto simples ou furto de uso. 2. A grave ameaça foi devidamente comprovada pelos depoimentos das testemunhas e pela narrativa da vítima, que, apesar de não ouvida em juízo, teve seu depoimento corroborado pelos elementos colhidos durante a persecução penal. 3. A multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, conforme o art. 49, do Código Penal, sendo necessária sua redução para manter a coerência entre as duas sanções. IV. Dispositivo e tese: Recurso parcialmente provido para redimensionar a pena de multa, mantendo-se a condenação pela prática de roubo majorado. Tese de julgamento: ‘1. Em crimes patrimoniais, a palavra da vítima, quando corroborada por outros elementos probatórios, é suficiente para embasar a condenação. 2. Os depoimentos de policiais, quando coerentes e harmônicos com as demais provas dos autos, são válidos e possuem força probante. 3. A pena de multa deve ser proporcional à pena privativa de liberdade aplicada’. (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 00004773420168110049, Relator.: LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Data de Julgamento: 05/11/2024, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: 08/11/2024).” Destaquei. Sendo assim reajusto a sanção patrimonial para 10 dias-multa, mantendo-se os demais termos da sentença. Diante do exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, nego provimento ao recurso. Como providência ex officio, procedo à readequação da pena pecuniária, fixando-a em 10 (dez) dias-multa. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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