Processo nº 1029546-60.2024.8.11.0002
ID: 324392272
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1029546-60.2024.8.11.0002
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDA MENDES PEREIRA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1029546-60.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1029546-60.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI] Parte(s): [MARCOS AURELIO TEIXEIRA JUNIOR - CPF: 052.528.161-40 (APELANTE), FERNANDA MENDES PEREIRA - CPF: 069.615.838-81 (ADVOGADO), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ELBER SOUZA DA SILVA - CPF: 010.884.511-79 (TERCEIRO INTERESSADO), JULIO CESAR GONCALVES NUNES - CPF: 007.134.861-12 (TERCEIRO INTERESSADO), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. Ementa: direito penal e processual penal. Apelação criminal. Tráfico de drogas privilegiado e desobediência. Ilegalidade da busca veicular e domiciliar. Flagrante e fundadas razões. Preliminar rejeitada. Materialidade e autoria comprovadas. Readequação da pena por tráfico. Bis in idem. Elevação da pena-base e modulação da minorante pela quantidade/natureza dos entorpecentes. Recurso parcialmente provido. I. Caso em exame Apelação interposta contra sentença que condenou o apelante por tráfico de drogas privilegiado e desobediência a 4 (quatro) anos de reclusão e 400 (quatrocentos) dias-multa e 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial semiaberto, visando a nulidade das provas decorrentes da busca veicular e domiciliar, a absolvição também por insuficiência de provas, ou a readequação das penas. II. Questão em discussão Há três: 1) a ilegalidade de provas decorrentes da busca veicular e domiciliar; 2) insuficiência probatória para as condenações por tráfico de drogas e desobediência; 3) readequação das penas. III. Razões de decidir 1. “A busca veicular – que se se equipara à busca pessoal – estará legitimada sempre que a polícia se deparar com conduta que, segundo regras de experiência, admitidas e ordinariamente aceitas, permita, objetivamente falando, suspeitar da ocorrência de situação anormal que exija pronta intervenção, exatamente como ocorreu na espécie.” 2. A jurisprudência do c. STJ firmou-se no sentido de que a proteção constitucional da inviolabilidade do domicílio depende de sua utilização como moradia, razão pela qual tem aplicação aos imóveis abandonados e utilizados exclusivamente para o tráfico de drogas. 3. As declarações seguras e coerentes dos policiais militares, prestadas sob o crivo do contraditório, mostram-se suficientes “para sustentar a condenação criminal” (TJMT, Enunciado Criminal 8) por tráfico de drogas, o qual “classifica-se como crime de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas” (TJMT, Enunciado Criminal 7). 4. A mera alegação do apelante, na audiência de instrução, de que os entorpecentes não lhe pertenciam, dissociada de quaisquer provas, não se apresenta “suficiente para enfraquecer os elementos de convicção reunidos pelos policiais” e não se pode superestimar a versão dos infratores, em desprestígio/relativização à narrativa dos agentes de segurança pública, de modo a inverter os valores de fé pública e idoneidade presumidas de servidor público que exerce a nobre função policial. 5. O c. STJ, em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.060), consolidou o entendimento de que “a desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro”. 6. “A majoração da pena-base pela quantidade [...] das drogas apreendidas [aproximadamente 1kg de cocaína e mais de 2 kg de maconha], está em conformidade com o art. 42 da Lei nº. 11.343/2006 e foi devidamente fundamentada”. 7. A utilização concomitante da quantidade/natureza da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria para modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem. 8. “Ainda que natureza e quantidade sejam, ontologicamente, coisas distintas, e que haja, de fato, algumas substâncias mais lesivas do que outras, trata-se de duas características intrinsecamente ligadas ao mesmo objeto: as substâncias entorpecentes apreendidas em cada caso. Por isso, dissociar as circunstâncias e tratá-las como se fossem entidades completamente autônomas e independentes implica uma afronta, ao menos indireta, ao princípio do ne bis in idem”. 9. Se ausentes outros elementos aptos a justificar a modulação da minorante, deve ser adotada a fração máxima de 2/3 (dois terços) pelo tráfico privilegiado. 10. “A mesma circunstância judicial desfavorável - quantidade e natureza das drogas - pode ser legitimamente considerada para justificar regime prisional inicial mais gravoso e para vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme interpretação dos arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 do Código Penal.” 11. A ausência de imposição de multa no delito de desobediência, embora previsto no tipo penal cumulativamente a pena corporal, deve ser mantida por ser mais benéfica ao agente e não incorrer em reformatio in pejus. IV. Dispositivo e teses Recurso provido parcialmente para readequar as penas do tráfico privilegiado a 2 (dois) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, mantidos a pena por desobediência em 15 (quinze) dias de detenção e o regime inicial semiaberto. Teses de julgamento 1. A fuga do agente após ordem de parada legalmente emitida autoriza a busca veicular, sendo a apreensão de drogas consequência legítima da atuação policial. 2. A inviolabilidade domiciliar não se aplica a imóvel abandonado e destinado à atividade ilícita de tráfico de drogas. 3. As declarações coerentes dos agentes públicos, prestadas sob o crivo do contraditório, são idôneas para sustentar condenação por tráfico de drogas. 4. A resistência à abordagem policial, por meio de fuga deliberada, configura crime de desobediência. 5. A quantidade e natureza/diversidade das drogas apreendidas, quando elevadas, legitimam a majoração da pena-base nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006. 6. A quantidade e natureza da droga não devem ser utilizadas para elevar a pena-base e, concomitantemente, modular a minorante do tráfico privilegiado, na terceira fase da dosimetria, sob pena de bis in idem, embora possam autorizar regime inicial mais severo e a negativa de substituição da pena corporal por restritivas de direitos. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 144, § 5º; CP, arts. 33, §§ 2º e 3º, 44, 69 e 330; CPP, arts. 240, § 1º, “a” e “d”, e 617; Lei nº 11.343/2006, arts. 33, caput e § 4º, e 42. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 1513776/RS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 26.09.2024. STF, RHC 1.349.297, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 13.10.202.STF, RE 635.659, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.06.2024 (Tema 506). STF, Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, j. 25.11.2020 (Tema 712). STF, AgRg no RHC 229.514/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 02.10.2023. STJ, AgRg nos EDcl no HC 885.521/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02.06.2025. STJ, AgRg no AREsp 2.597.279/PR, Rel. Min. Messod Azulay Neto, j. 28.05.2025. STJ, REsp 1859933/SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, j. 09.03.2022 (Tema 1.060) STJ, AgRg no REsp 1.860.058/MS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 14.08.2020. STJ, AREsp 2.331.234/GO, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. 04.12.2024. STJ, AgRg no HC 805.769/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.03.2023. STJ, AgRg no HC 883.599/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 29.04.2024. STJ, AgRg no HC 986.222/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.05.2025. STJ, AgRg nos EDcl no HC 786.557/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 16.11.2023. STJ, AgRg no HC 969.546/SP, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti (Des. Convocado TJRS), j. 18.06.2025. STJ, AgRg no HC n. 859.154/SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, 29.2.2024.STJ, AgRg no HC 959.617/SC, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Des. Conv. TJSP), j. 09.05.2025. STJ, AgRg no AREsp 2.284.410/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 30.06.2023. STJ, AgRg nos EDcl no HC 771.741/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior (Rel. p/ Acórdão Min.ª Laurita Vaz), j. 26.06.2023. TJMT, NU 1010536-92.2022.8.11.0004, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, j. 19.12.2023. TJMT, NU 0002935-50.2013.8.11.0042, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, j. 10.10.2019. TJMT, NU 1001275-11.2021.8.11.0046, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, j. 04.08.2023. TJMT, NU 0019358-17.2015.8.11.0042, Primeira Câmara Criminal, j. 17.12.2019. TJMT, Enunciado Criminal nº 7 e nº 8. R E L A T Ó R I O PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº 1029546-60.2024.8.11.0002 - CLASSE CNJ - 417- COMARCA DE VÁRZEA GRANDE APELANTE(S): MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JUNIOR APELADOS(S): MINISTÉRIO PÚBLICO R E L A T Ó R I O Apelação criminal interposta por MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JUNIOR contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande, nos autos de ação penal (NU 1029546-60.2024.8.11.0002), que o condenou por tráfico de drogas privilegiado e desobediência a 4 (quatro) anos de reclusão e 400 (quatrocentos) dias-multa e 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial semiaberto - art. 33, caput, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 e art. 330 do CP - (ID 279779460). O apelante suscita a ilegalidade de provas decorrentes da busca veicular e domiciliar sob a assertiva de que não houve justa causa para a diligência policial. No mérito, sustenta que as provas seriam insuficientes para as condenações por tráfico de drogas e desobediência. Pede o provimento para que seja absolvido, também, por insuficiência probatória. Subsidiariamente, a “aplicação de pena mais branda”, porém sem fundamentação correlata (ID 279779475). A 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE VÁRZEA GRANDE pugna pelo desprovimento do apelo (ID 279779481). A i. 4ª Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento do recurso, em parecer assim sintetizado: “Apelação Criminal – Condenação pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes – Irresignação defensiva – Preliminar: Nulidade das provas – Ilegalidade nas buscas veicular e domiciliar – Inocorrência – Prática de crime permanente – Fundada suspeita devidamente comprovada nos autos – Fuga do réu após ordem de parada da polícia – Apreensão de droga no interior do veículo levou à busca domiciliar – Conduta policial que não se revela ilegal – Mérito: Pretende a absolvição do crime de tráfico por falta de provas – Inadmissibilidade – Autoria e materialidade do crime de tráfico de droga devidamente provadas nos autos – Réu trazia consigo e tinha em depósito mais de 1kg de cocaína e mais de 2,2kg de maconha para comercialização – Condenação que deve ser mantida – Postula a absolvição do crime de resistência – Descabimento – Tipo penal que protege o prestígio e a dignidade da Administração Pública – Atitude do apelante extrapolou a simples busca da preservação do estado de liberdade – Sentença que não merece reparos – Pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.”(José de Medeiros, procurador de Justiça - ID 288745396) É o relatório. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINAR - NULIDADE DAS PROVAS – BUSCA E APREENSÃO VEICULAR/ DOMICILIAR) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O apelante argui a ilegalidade das provas decorrentes da busca veicular e domiciliar sob o argumento de ter sido perseguido por uma caminhonete S-10 descaracterizada [dava apoio à polícia], a demonstrar que “a abordagem foi motivada por fatores estranhos à legalidade, violando o devido processo legal”, sendo os vídeos juntados pela Defesa (ID 279779406) “explicativo de sua atitude defensiva” ao evadir-se da guarnição policial. Vejamos. Infere-se que os policiais militares [Elber Souza da Silva e Júlio César Gonçalves Nunes], nas fases inquisitiva e judicial, narraram estar em patrulhamento tático no bairro Parque Atlântico, em Várzea Grande/MT, quando visualizaram o veículo Sandero, de cor branca, placas Placa OAX-3656, conduzido pelo apelante [MARCOS AURELIO TEIXEIRA JÚNIOR], sair de uma casa, aparentemente, abandonada, o qual, ao avistar a viatura, saiu em alta velocidade. Destacam que foram acionados sinais sonoros e luminosos para que o carro parasse, porém o apelante não obedeceu à ordem e evadiu-se. Após perseguição, foi parado [na Rua Oceano Atlântico, Bairro Santa Isabel, em Várzea Grande/MT] e, na busca veicular, foi localizado 1 (um) tablete de substância análoga à maconha embaixo do banco do motorista. Em continuidade das diligências, retornaram até a casa abandonada [sem endereço nos autos] onde, primeiramente, tinham percebido a presença do apelante e, em busca domiciliar, apreenderam os demais entorpecentes [maconha, cocaína, ácido bórico], petrechos para embalagem e duas balanças de precisão (ID 279779350, ID 279779353 e Relatório de Mídias – ID 279779452). A abordagem policial, que culminou na apreensão de entorpecente [maconha] no interior do veículo, foi motivada pela fuga do apelante [em alta velocidade], em via pública, após visualização dos agentes policiais. O argumento do apelante de que se evadiu por medo ao estar sendo perseguido pela camionete S10, que dava apoio à polícia, não enseja a ilegalidade da busca pessoal/ veicular. Como bem pontuado pela i. PGJ, identifica-se pelas imagens juntadas aos autos que “a S-10 branca vem ‘acompanhando’ o veículo Sandero e, quando o condutor deste dá a ré no carro e acelera bruscamente para seguir em frente, a caminhonete também acelera (no intuito de alcançá-lo) e o passageiro abre a porta (ainda com o carro em movimento). Dessa situação, entende-se que ocupante da S-10 se identifica como policial e determina que o acusado estacione o Sandero (conduta padrão da polícia em situações como essa). Conforme tais vídeos, verifica-se que o apelante não atende a determinação policial, empreendendo fuga e, a partir daí é que se inicia a perseguição, já com uma viatura caracterizada dando apoio, sendo esta que, inclusive, consegue efetivamente pará-lo. Logo, cai por terra referida tese defensiva, até mesmo porque, ainda que o réu estivesse ‘com medo’ por não saber que a caminhonete S-10 branca era composta por agentes da lei, certo é que, durante a perseguição, uma viatura (devidamente caracterizada e com o giroflex ligado) passou a integrar a ação policial e, mesmo assim, ele continuou em alta velocidade, não atendendo à ordem de parada, passando a infringir leis de trânsito!” (José de Medeiros, procurador de Justiça - ID 288745396). Nesse quadro, a revista policial visou a identificação de objetos que constituem corpo do delito, em conformidade com a lei processual penal (CPP, art. 240, § 1º, “a”, “d”), frente a fundada suspeita decorrente da fuga, a justificar a busca veicular. Atente-se que a fundada suspeita possui valoração subjetiva, obtida em elementos probatórios mínimos que indiquem a ocorrência de situação flagrante, cabendo ao Poder Judiciário aferir a presença de justa causa dessa diligência. Especialmente porque, “os agentes de segurança, que atuam no patrulhamento local e no combate à criminalidade, possivelmente possuem um olhar mais aguçado para determinadas situações, o que pode ir além da visão do cidadão comum” (STF, RE 1513776/RS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 26.9.2024). Em outras palavras, “não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito, como na hipótese” (STF, RHC 1.349.297, Rel. Min. Alexandre de Moraes, 13.10.2021). Diante da fuga do apelante, em via pública, ao avistar os policiais, “não há ilegalidade ou abuso no procedimento da busca pessoal/veicular, sendo a apreensão dos entorpecentes consequência legítima da atuação policial” (STJ, AgRg nos EDcl no HC nº 885.521/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, 2.6.2025). No mesmo sentido, este e. tribunal decidiu: “A busca veicular – que se se equipara à busca pessoal – estará legitimada sempre que a polícia se deparar com conduta que, segundo regras de experiência, admitidas e ordinariamente aceitas, permita, objetivamente falando, suspeitar da ocorrência de situação anormal que exija pronta intervenção, exatamente como ocorreu na espécie.” (TJMT, NU 1010536-92.2022.8.11.0004, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, 19.12.2023) Frise-se que o policiamento preventivo e ostensivo, “a fim de salvaguardar a segurança pública, é dever constitucional” (STF, AgRg no RHC 229.514/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2.10.2023) e inerente à função conferida às Polícias Militares, no Estado brasileiro (CF/88, art. 144, § 5º), motivo pelo qual obstar a busca, ou reconhecer sua ilegalidade de forma indiscriminada, traduz-se em sinônimo de impunidade. Sob essa ótica, não se reconhece a alegada ilicitude de provas decorrentes da busca e apreensão veicular que culminou na apreensão de um tablete, pesando mais de meio quilo de maconha. Quanto à busca domiciliar, verifica-se que o imóvel não era utilizado como moradia, a porta estava fechada, mas as janelas abertas, não possuía móveis, tão somente uma geladeira onde fora encontrado mais tabletes de maconha, bem como em um saco de lixo, contendo outras drogas [1 kg de cocaína] e petrechos utilizados no preparo à mercancia [4 rolos de plástico filme, várias embalagens de ziploc e 2 balanças de precisão], de modo que o ingresso dos policiais militares ocorreu em local abandonado e utilizado para tráfico de drogas (ID 279779350, ID 279779353 e Relatório de Mídias – ID 279779452). A propósito, o entendimento do c. STJ: “A inviolabilidade domiciliar não se aplica a imóveis abandonados ou utilizados exclusivamente para o tráfico de drogas. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a proteção constitucional da inviolabilidade do domicílio depende de sua utilização como moradia.” (AgRg no AREsp n. 2.597.279/PR, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, 28.5.2025) Logo, não se identifica ilicitude na apreensão de entorpecentes e petrechos derivado da revista em local abandonado e usado para o tráfico de drogas. Com essas considerações, REJEITA-SE a preliminar. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Consta da denúncia que: “[...] no dia 08 de agosto de 2024, por volta das 17h46min, na Rua Oceano Atlântico, Bairro Santa Isabel, em Várzea Grande/MT, o denunciado MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JÚNIOR, transportava e mantinha em depósito drogas, para posterior venda a consumo, e matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta ainda, que o denunciado desobedeceu à ordem legal de funcionário público. [...] Diante do exposto, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso denuncia MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JÚNIOR como incurso nas penas do artigo 33, caput e § 1°, inciso I, da Lei 11.343/06 c/c 330 do CP em concurso material (art. 69 do CP) [...].” (Marcelo Malvezzi, promotor de Justiça – ID 279779384) O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal e dosou as penas nos seguintes termos: “[...]Da mesma forma, a autoria é incontestável e está devidamente comprovada pelas provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Isso por que, perante a autoridade policial, o réu narrou que “(…) QUE nega a propriedade da droga, negando que tivesse drogas em seu veículo; QUE teria virado bruscamente numa rua e deu ré, ocasião em que os policiais militares tentaram lhe abordar, como tem ciência de sofrer perseguição, resolveu empreender fuga até chegar em um local onde houvessem câmeras de segurança e resolveu parar para ser abordado; QUE foi colocado dentro da viatura e levado até uma casa, onde não entrou; QUE os policiais estouraram o cadeado desta casa "se a casa era minha, porque não tem chave?"; QUE o interrogando ficou dentro da viatura, porem observou que um indivíduo saiu de dentro de um veículo ônix branco carregando uma sacola de lixo preta para dentro daquela casa e também havia um veículo S10 branco dando apoio; QUE o interrogando nega a propriedade de tudo apresentado pelos policiais, com exceção de sua carteira com cartões, bem como seu veículo (...)” (ID 166579906). Em seu interrogatório judicial, o acusado negou os fatos, alegando que, no dia em questão, estava indo à casa de seu primo para entregar um cartão de crédito. Durante o trajeto, ele afirmou que fez uma manobra brusca com seu veículo e, ao olhar em direção aos policiais, visualizou armas sendo apontadas e disparos sendo efetuados contra ele. Diante dessa situação, o réu declarou que temeu por sua vida, receando ser morto pelos policiais, e decidiu fugir com o intuito de ser abordado em um local onde houvesse câmeras de monitoramento. Nesse intervalo, dirigiu-se à avenida principal do bairro Santa Izabel e se entregou em um local movimentado. Além disso, o réu afirmou que as drogas encontradas em seu veículo não eram de sua propriedade, alegando que foram plantadas pelos policiais. Ressaltou, ainda, que não conhecia a casa onde foi encontrada a grande quantidade de entorpecentes. Extrajudicialmente, os policiais militares Elber Souza da Silva (PM) e Júlio César Gonçalves Nunes (PM) relataram que “[…]em patrulhamento tático pelo bairro Parque Atlântico avistou um veículo Sandero cor branca saindo de uma casa aparentemente abandonada, o motorista do veículo, posteriormente identificado como MARCOS AURELIO TEIXEIRA JÚNIOR, ao avistar a viatura saiu em alta velocidade, diante da fundada suspeita foi acionado sinais sonoros e luminosos para que o veículo parasse, porém não obedeceu a ordem de parada vindo a se evadir em alta velocidade infringindo as leis de trânsito colocando em risco sua vida e de terceiros, após algumas ruas foi possível parar o veículo, sendo que foi necessário o uso de técnicas de controle e submissão para realizar a busca pessoal, e nada de ilícito foi encontrado, e durante a busca veicular foi localizado um tablete de substância análoga a maconha embaixo do banco do motorista que a droga estava congelada, que a equipe policial retornou na casa que aparentava estar abandonada, casa essa que não possui móveis, porém na cozinha tem uma geladeira que continham o restante da maconha e ao lado da geladeira um saco de lixo contendo demais drogas, petrechos e balanças de precisão; QUE diante do exposto, o suspeito foi encaminhado para a central de flagrantes com o uso de algemas devido sua resistência;” (ID 166579900 e 166579903). Em juízo, os policiais militares Elber Souza da Silva e Júlio César Gonçalves Nunes ratificaram as declarações prestadas na delegacia. A testemunha policial Elber Souza da Silva relatou que, durante patrulhamento, avistaram o réu saindo de uma casa abandonada e, ao perceber a presença da viatura, ele empreendeu fuga em alta velocidade. Diante disso, os policiais acionaram os sinais sonoros e solicitaram o apoio de outras viaturas para montar um cerco, tendo em vista que o réu não obedecia às ordens de parada emitidas pela equipe. Nesse contexto, os policiais conseguiram abordar o réu, mas, ao efetuarem a busca pessoal, não encontraram nada de ilícito em sua posse. Contudo, ao realizarem uma busca no veículo, localizaram um tablete de maconha debaixo do banco do motorista. Em seguida, com o objetivo de proceder a maiores averiguações, os policiais se dirigiram à casa abandonada para realizar uma varredura no local. Ao chegarem, constataram que o imóvel pertencia a uma mulher que, demonstrando temor, preferiu não se identificar, mas permitiu a entrada dos policiais para que realizassem a busca. Por fim, os policiais localizaram o restante das drogas dentro de uma geladeira, além de apetrechos utilizados para o preparo de entorpecentes, como uma balança de precisão, encontrada dentro de um saco de lixo preto. O policial Júlio César Gonçalves Nunes também narrou que estavam em patrulhamento quando, ao avistar a viatura, um veículo deu marcha à ré e fugiu em alta velocidade. Diante da fundada suspeita, iniciou-se uma perseguição com o objetivo de abordar o réu, que não obedeceu às ordens de parada. O policial relatou, no entanto, que não se recorda dos detalhes da busca veicular, mas se lembra da busca e apreensão realizadas na residência onde o réu havia sido avistado. Relatou ainda que a porta do imóvel estava trancada, mas as janelas se encontravam abertas. In casu, resta clara a incorrência do acusado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Por oportuno, em recente julgado, a Terceira Seção do STJ ressalvou que fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial configura motivo idôneo para autorizar uma busca pessoal em via pública (HC n. 877.943/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 18/4/2024, DJe de 15/5/2024). Assim, não há que se falar em ilicitude das provas obtidas por meio da busca pessoal realizada. [...]. No presente caso, o órgão acusatório apresentou um conjunto probatório consistente, restando cabalmente comprovado que ele era o proprietário das substâncias entorpecentes apreendidas e que sua destinação era para o seu comércio ilegal. Diante do exposto, estando comprovada a existência do crime e sua autoria, consolidada a versão dos fatos delituosos pelos depoimentos prestados, deve ser acolhida a pretensão acusatória. [...]. Em relação ao crime de desobediência, restou comprovado nos autos que o acusado, [...], empreendeu fuga para a sua residência e desobedeceu a ordem de parada emanada pela equipe policial. Registre-se que, para tipificar o crime previsto no artigo 330 do Código Penal (“Desobedecer a ordem legal de funcionário público”), desnecessária a prática de conduta que configure perigo de dano concreto. Da análise dos autos, verifica-se que existem provas contundentes para o decreto condenatório, uma vez que ficou demonstrado que o acusado não obedeceu à ordem de parada dos policiais e empreendeu fuga, conforme depoimentos das testemunhas ouvidas na delegacia e em Juízo. Em que pese o argumento defensivo, entende-se que a conduta do cidadão que não obedece à ordem de parada emanada por policial configura o delito previsto no artigo 330 do Código Penal. [...]. Pelo exposto, JULGO TOTALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR o acusado MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JÚNIOR como incurso nas penas do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, c/c art. 330 do Código Penal. [...] Do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 As circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal são favoráveis ao réu, já que não há nos autos nada que revele o contrário. Todavia, pesa em seu desfavor a quantidade de droga apreendida (COCAÍNA, MACONHA e ÁCIDO BÓRICO, pesando respectivamente, 1.029,01 kg (um quilo e vinte e nova gramas e um centigrama), 2.253,95 kg (dois quilos duzentos e cinquenta e três gramas e noventa e cinco centigramas) e 3,41 g (três gramas e quarenta e uma centigramas)). Assim, elevo a reprimenda basilar em 01 (um) ano para alcançar a penas de 06 anos de reclusão [...]. Não há atenuantes ou agravantes. Ao acusado deve ser aplicada a minorante prevista no art. 33, § 4° da Lei nº 11.343/06, uma vez que inexistem informações nos autos de que ele se dedique a atividades criminosas, além de ser primário. Assim, reduzo a reprimenda imposta em 1/3, em razão variedade e da natureza da droga apreendida, para torná-la definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão e 400 (quatrocentos) dias multa. Estabeleço o regime inicial SEMIABERTO para o cumprimento da pena, [...]. Fixo o valor do dia multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo, tendo em conta a situação econômica do réu, nos termos do § 1º do art. 49 e art. 60 do Código Penal, c/c art. 43 da Lei 11.343/2006. Do art. 330 do CP As circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal são favoráveis ao réu, já que não há nos autos nada que revele o contrário. Assim, fixo a reprimenda basilar em 15 dias de prisão simples, tornando-a definitiva, à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes de causas de diminuição ou de aumento. Reconheço o concurso material de crime, fixando a reprimenda total de 04 (quatro) anos de reclusão e 400 (quatrocentos) dias multa e 15 dias de prisão simples. [...].” (Wladymir Perri, juiz de Direito - ID 279779460) Pois bem. A materialidade do tráfico de drogas está demonstrada pelo Termo de Apreensão nº 2024.16.373531 (ID 279779352) e Laudo Pericial nº 311.3.10.9067.2024.194472-A01 (ID 279779363), os quais não sofreram qualquer impugnação. Nas fases policial e judicial foram ouvidos os policiais militares Elber Souza da Silva (ID 279779350) e Júlio César Gonçalves Nunes (ID 279779353), bem como interrogado o apelante MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JÚNIOR (ID 279779356 e Relatório de Mídias – ID 279779452). Dito isso, vejamos. Constata-se que os policiais militares responsáveis pelo flagrante [Elber Souza da Silva e Júlio César Gonçalves Nunes] descreveram, coerentemente, em ambas as fases da persecução penal, as apreensões de 1(uma) porção, em formato de tablete, e 2 (duas) porções menores em pó, com peso total de 1.029,01 kg (um quilo e vinte e nova gramas e um centigrama ) de pasta-base de cocaína [coloração amarelada]; 4 (quatro) tabletes e 5 (cinco) porções, pesando 2.253,95 kg (dois quilos duzentos e cinquenta e três gramas e noventa e cinco centigramas) de maconha e 3,41 g (três gramas e quarenta e uma centigramas) de ácido bórico, além de 2 (duas) balanças de precisão, 1 (um) rolo de película plástica transparente tipo “filme” e 1 (uma) porção de sacos plásticos transparentes com fechamento tipo “zip” (ID 279779350, ID 279779353 e Relatório de Mídias – ID 279779452). Essas narrativas [dos policiais militares] são convergentes no sentido de que: 1) estavam em patrulhamento tático no bairro Parque Atlântico e avistaram o veículo Sandero, de cor branca, conduzido pelo apelante [MARCOS AURÉLIO TEIXEIRA JÚNIOR] saindo de uma casa abandonada; 2) ao notar a presença da viatura, o apelante, deu ré e acelerou em alta velocidade, evadindo-se; 3) foram acionados sinais sonoros e luminosos para que o veículo parasse, mas o condutor desobedeceu à ordem, seguindo em alta velocidade e, após percorrer algumas ruas, a equipe conseguiu parar o veículo; 4) os agentes públicos utilizaram técnicas de controle e submissão para realizar a busca pessoal no apelante e nada de ilícito foi encontrado; 5) na busca veicular foi localizado 1 (um) tablete de maconha embaixo do banco do motorista; 6) em continuidade das diligências, a equipe retornou à casa suspeita, que aparentava estar abandonada, onde havia somente uma geladeira na cozinha, contendo o restante da maconha e ao lado desta [geladeira] um saco de lixo com o restante do entorpecente [cocaína] e petrechos comumente utilizados para o preparo e embalo da droga [balanças de precisão, plástico filme e ácido bórico]. Anote-se que a diversidade [cocaína e maconha] e a forma de acondicionamento das substâncias entorpecentes [em tabletes e porções menores], somadas a petrechos utilizados no preparo [plástico filme e balança de precisão] permitem aferir a destinação mercantil das drogas apreendidas, por indicarem “intuito de mercancia”, conforme decidido pelo c. STF no julgamento do RE nº 635.659, com repercussão geral (Tema 506, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26.6.2024). Nesse contexto, as declarações seguras e coerentes dos policiais militares, prestadas sob o crivo do contraditório, mostram-se suficientes “para sustentar a condenação criminal” (TJMT, Enunciado Criminal 8) por tráfico de drogas, o qual “classifica-se como crime de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas” (TJMT, Enunciado Criminal 7). Noutro giro, a mera alegação do apelante, na fase investigativa e na audiência de instrução, de que os entorpecentes não lhe pertenciam, dissociada de quaisquer provas, não se apresenta “suficiente para enfraquecer os elementos de convicção reunidos pelos policiais” (TJMT, NU 0002935-50.2013.8.11.0042, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, 10.10.2019). E mais: (TJMT, NU 1001275-11.2021.8.11.0046, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, 4.8.2023). Na essência, o apelante não desincumbiu de provar, por qualquer meio, sua afirmação, mesmo porque, no conflito exercício de autodefesa, não se pode superestimar a versão dos infratores, em desprestígio/relativização à narrativa dos agentes de segurança pública, de modo a inverter os valores de fé pública e idoneidade presumidas de quem exerce a nobre função policial (TJMT, NU 0019358-17.2015.8.11.0042, Primeira Câmara Criminal, 17.12.2019). No que tange ao crime de desobediência (CP, art.330), destaca-se que os agentes públicos responsáveis pelo flagrante descreveram, nas duas fases da persecução penal, que o apelante não obedeceu às ordens de parada mediante sinais sonoros e de iluminação e prosseguiu com a fuga (ID 279779350, ID 279779353 e Relatório de Mídias – ID 279779452. Diga-se, conduta essa admitida pelo apelante. O c. STJ, em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.060), consolidou o entendimento de que “a desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro” (REsp 1859933 SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, 9.3.2022). Ademais, a tese de autodefesa “não é suficiente para descaracterizar a conduta imputada, pois o direito de proteção à liberdade não inclui a desobediência de ordem legal” (STJ, AgRg no REsp n. 1.860.058/MS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, 14.8.2020). Sendo assim, a responsabilização penal da apelante por tráfico de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput) e desobediência (CP, art. 330) deve ser conservada. Passa-se à revisão da dosimetria. Do Tráfico de droga: Na primeira fase, o Juízo singular elevou a pena-base em 1 (um) ano, alcançando-a em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, ao valorar negativamente “a quantidade de droga apreendida (COCAÍNA, MACONHA e ÁCIDO BÓRICO, pesando respectivamente, 1.029,01 kg (um quilo e vinte e nova gramas e um centigrama), 2.253,95 kg (dois quilos duzentos e cinquenta e três gramas e noventa e cinco centigramas) e 3,41 g (três gramas e quarenta e uma centigramas)”. Esse fator [quantidade de entorpecente] deve ser considerado para fins de apenamento em tráfico, visto que “quanto maior for a quantidade de drogas ilícitas em circulação, maior será o perigo em relação à saúde pública” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. vol. I, GEN/Forense: Rio de Janeiro, 8ª Ed., 2014, p. 379). Nessa vertente, o aumento procedido pelo juiz da causa [um ano] revela-se proporcional à quantidade dos entorpecentes apreendidos [aproximadamente 1 kg de cocaína e mais de 2kg de maconha, além de ácido bórico]. Consigne-se que o c. STJ tem em perspectiva a elevação da pena-base em patamar superior [10 meses ou 1/6] para apreensão de 2kg de maconha (AgRg no HC n. 805.769/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 24.3.2023). Com efeito, “a majoração da pena-base pela quantidade [...] das drogas apreendidas [aproximadamente 1kg de cocaína e mais de 2 kg de maconha], está em conformidade com o art. 42 da Lei nº. 11.343/2006 e foi devidamente fundamentada” (STJ, AREsp n. 2.331.234/GO, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, 4.12.2024.) Desse modo, preserva-se a pena-base em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa. Na segunda fase, não foram reconhecidas agravantes ou atenuantes, razão pela qual a pena basilar foi transformada em intermediária. Na terceira fase, inexistem causas de aumento. O Juízo singular reconheceu a minorante do tráfico privilegiado e a aplicou no patamar de 1/3 (um terço), “em razão variedade e da natureza da droga apreendida” (Wladymir Perri, juiz de Direito - ID 279779460). Todavia, a utilização concomitante da quantidade/natureza da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, neta para modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem (STF, Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, Tese de Repercussão Geral nº 712). Consigne-se que, “ainda que natureza e quantidade sejam, ontologicamente, coisas distintas, e que haja, de fato, algumas substâncias mais lesivas do que outras, trata-se de duas características intrinsecamente ligadas ao mesmo objeto: as substâncias entorpecentes apreendidas em cada caso. Por isso, dissociar as circunstâncias e tratá-las como se fossem entidades completamente autônomas e independentes implica uma afronta, ao menos indireta, ao princípio do ne bis in idem (AgRg no HC n. 883.599/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 29.4.2024, DJe de 2.5.2024)” (STJ, AgRg no HC n. 986.222/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, 19.5.2025) No caso, ausentes outros elementos aptos a justificar a modulação da minorante, adota-se a fração máxima de 2/3 (dois terços) pelo tráfico privilegiado (STJ, AgRg no AREsp nº 2.284.410/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 30.6.2023; AgRg nos EDcl no HC n. 771.741/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior [Rel. para acórdão Min.ª Laurita Vaz], 26.6.2023), a despeito da quantidade e diversidade das drogas utilizadas na primeira fase da dosimetria, a elidir a possibilidade de nova aferição [“non bis in idem”]. Logo, readéquam-se as penas definitivas do tráfico a 2 (dois) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa. Sobre o regime prisional, a fixação da pena-base acima do mínimo legal em razão da quantidade e diversidade da droga apreendida [1.029,01 kg cocaína e 2.253,95 kg de maconha] autorizam o inicial semiaberto e obstam a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, nos termos dos arts. 33 e 44 do CP c/c o art. 42 da Lei de Drogas (STJ, AgRg nos EDcl no HC nº 786.557/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, 16.11.2023), notadamente ao sopesar o maior potencial lesivo da cocaína à saúde pública e seu potencial econômico. Registre-se que, a pasta-base de cocaína apreendida [1.029,01 kg] possui valor no comércio ilícito de drogas, de aproximadamente R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), utilizando-se como referência o valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) o quilo, conforme estudo do CdE [Centro de Excelência para a Redução da Oferta de Drogas Ilícitas], SIMCI [Sistema Integrado de Monitoreo de Cultivos Ilícitos], SENAD [Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública], UNODC [Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime] e PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] sobre as Dinâmicas do Mercado de Drogas Ilícitas no Brasil (disponível em: https://www.cdebrasil.org.br/estudos) e valor médio de R$15,00 (quinze reais) o grama de pasta-base [“Tabela do emoji de queijo” - “buxa chip 1g”], conforme “Tabela de Preços” de substâncias entorpecentes nas regiões de “Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade/MT” (https://comissaosobredrogas-c.tjmt.jus.br/comissaosobredrogas- rod/cms/Oficio_011_2024_GAB_4a_Crim_Caceres_informacoes_a_Comissao_sobre_Drogas_Ilicitas_48767ed4c8.pdf). A propósito, o entendimento do c. STJ, em apreensões equivalentes: “A fixação da pena-base acima do mínimo legal, em razão da quantidade significativa de droga apreendida (2.500 porções de cocaína pesando 1.300g), encontra amparo no art. 42 da Lei n. 11.343/2006 e nos arts. 59 e 68 do Código Penal. A mesma circunstância judicial desfavorável - quantidade e natureza das drogas - pode ser legitimamente considerada para justificar regime prisional inicial mais gravoso e para vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, conforme interpretação dos arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 do Código Penal.” (AgRg no HC n. 969.546/SP, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti [Des. Convocado TJRS], Quinta Turma, 18.6.2025, grifado) “[...] Quanto ao regime inicial, segundo os autos, foram apreendidos mais de 2kg (dois quilogramas) de maconha. A elevada quantidade de entorpecentes apreendida justifica a fixação do regime mais gravoso do que aquele previsto para o quantum de pena aplicado. [...] 3. Nos moldes da jurisprudência desta Corte Superior, a "circunstância concreta relacionada à quantidade, natureza e diversidade das drogas apreendidas, é motivação suficiente para impedir a substituição da pena privativa pelas restritivas de direitos (AgRg no AREsp n. 1.060.222/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, 20.9.2017)” (AgRg no HC n. 859.154/SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, 29.2.2024, grifado) Da desobediência: O juiz da causa estabeleceu a pena definitiva por desobediência no mínimo legal de 15 (dias) de detenção, sem imposição de multa, embora prevista no tipo penal cumulativamente a pena corporal (CP, art. 330), o que se preserva por ser mais benéfico ao apelante e para não incorrer em “reformatio in pejus” (CPP, art. 617; STJ, AgRg no HC nº 959.617/SC, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo [Desembargador Convocado do TJSP], Sexta Turma, 9.5.2025). Diante do concurso material (CP, art. 69) entre o tráfico de drogas privilegiado e a desobediência, totaliza-se a pena definitiva da apelante em 2 (dois) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa e 15 (quinze) dias de detenção. Com essas considerações recurso conhecido e PROVIDO PARCIALMENTE para readequar as penas do tráfico privilegiado a 2 (dois) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, mantidos a pena por desobediência em 15 (quinze) dias de detenção e o regime inicial semiaberto. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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