Processo nº 1007392-88.2025.8.11.0042
ID: 312403186
Tribunal: TJMT
Órgão: 4ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1007392-88.2025.8.11.0042
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMULO BEZERRA PEGORARO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1007392-88.2025.8.11.0042. AUTORIDADE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO CUSTOS LEGIS: MINISTÉRIO …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1007392-88.2025.8.11.0042. AUTORIDADE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO CUSTOS LEGIS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: YURI COSME AMORIM SILVA TERMO DE AUDIÊNCIA Número do Processo: 1007392-88.2025.8.11.0042 Espécie: Ação Penal - Procedimento Ordinário. Parte Autora: Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Réu: Yuri Cosme Amorim Silva Data e horário: 24 de junho de 2025. PRESENTES Juiz: Marcos Faleiros da Silva Promotor de Justiça: Arnaldo Justino da Silva Advogado: Romulo Bezerra Pegoraro – OAB/MT 238710-O Réu: Yuri Cosme Amorim Silva Testemunha: Nelson Olímpio Testemunha: Rodrigo Isoton da Silva OCORRÊNCIAS Aberta a audiência, constatou-se a presença das partes, conforme relação acima. A audiência foi realizada de forma híbrida, presencial e por videoconferência, através do sistema Microsoft Teams, sem objeções das partes. Na presente audiência, foram praticados os seguintes atos de produção de provas: a) oitiva da vítima: Nelson Olímpio b) inquirição das testemunhas: Rodrigo Isoton da Silva (policial militar). c) interrogatório do réu: Yuri Cosme Amorim Silva. O Ministério Público desistiu das demais testemunhas, e o Juiz de Direito homologou a desistência, sem objeções das partes. Em seguida, o Ministério Público suscitou questão de ordem para informar que requereu o aditamento da denúncia, a fim de incluir o valor referente à indenização por dano moral. O Juiz de Direito recebeu o aditamento da denúncia, constante no ID 198437131, não havendo oposição por parte da defesa. As partes manifestaram que não têm mais provas a serem produzidas em audiência, sem objeções pelos presentes. O Juiz de Direito indagou às partes sobre eventuais requerimentos na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal. As partes nada requereram. Em seguida, foram oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, e, em seguida, o juiz proferiu a seguinte sentença: DELIBERAÇÕES Vistos etc. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO denunciou YURE COSME AMORIM SILVA como incurso nas sanções do artigo 157, caput (1º fato), e artigo 158, § 3º (2º fato), c/c artigo 61, alínea “h” (vítima idosa), todos do Código Penal Brasileiro, na forma do artigo 69 (concurso material), observando o artigo 91, inciso I, todos do Código Penal, porque: 1º fato: “Consta dos presentes autos que, no dia 18.04.2025, por volta das 09:00 horas, próximo à ponte de concreto do Bairro Bandeira Dois, nesta cidade e comarca de Cuiabá/MT, o denunciado YURE COSME AMORIM SILVA, agindo mediante grave ameaça exercida com emprego de violência física, subtraiu, para si, pertences pessoais da vítima Nelson Olímpio (idoso com 75 anos de idade), consistente em um veículo Hyundai HB20S, cor chumbo, placas RAP7H63. 2º fato: Consta do caderno policial, ainda, que, nas mesmas circunstâncias do fato anterior, nesta cidade e comarca, o denunciado YURE COSME AMORIM SILVA, com o fim de obter vantagem econômica, constrangeu, mediante violência física e ameaça de morte, a vítima Nelson Olímpio (idoso com 75 anos de idade) a realizar operações bancárias, o que aconteceu mediante restrição da liberdade do ofendido, não logrando, contudo, a obtenção da vantagem econômica pretendida. No dia 18.04.2025, por volta das 08:00 horas, nesta cidade de Cuiabá/MT, nas imediações do bairro Jardim Umuarama, o denunciado YURI COSME AMORIM SILVA, que é motorista de aplicativo, foi contatado para realizar uma corrida e, chegando no local de embarque, o acusado e mais um passageiro (homem) entraram no automóvel do ofendido, com destino ao Jardim Florianópolis, nesta comarca. Ocorre que, durante o trajeto, o outro passageiro (não o acusado) solicitou desembarcar do veículo no Jardim Vitória, no que foi atendido, sendo certo que o increpado pediu ao motorista (vítima) que o conduzisse até uma chácara nas proximidades, motivo pelo que a vítima continuou a viagem, rumo ao local indicado pelo indigitado (a tal chácara). Ainda, é certo que, no trajeto, YURI COSME AMORIM SILVA pediu que a vítima parasse o carro para que ele (acusado) pudesse urinar, oportunidade em que rendeu o ofendido, mediante o uso de força física, agredindo-o bastante (conforme fotos juntadas no Inquérito Policial) e anunciou o assalto, apoderando-se da condução do veículo em questão (Hyundai HB20S, cor chumbo, placas RAP-7H63). Inclusive, ameaçou a vítima de morte, dizendo que pertencia a uma facção criminosa. Após, o denunciado, com manifesta intenção de assegurar a impunidade do crime e a detenção do patrimônio subtraído, obrigou a vítima a entrar no porta-malas do veículo e a manteve com sua liberdade restringida, conduzindo o carro roubado por região de mata fechada na localidade do bairro Bandeira Dois ou Jardim Umuarama, nas cercanias de uma ponte de concreto, nesta cidade de Cuiabá/MT. Impende consignar, também, que, enquanto a vítima ainda não havia sido colocada no porta-malas, o implicado exigiu dinheiro, além de senhas referentes aos aplicativos e contas bancárias do ofendido e, ante a negativa/impossibilidade da vítima em fazê-lo, o denunciado proferiu ameaças, dizendo que “se ele (vítima) não tivesse cartão, este (denunciado) o mataria”, além das agressões físicas perpetradas. A conduta delitiva teve seu desfecho porquanto no momento em que o indigitado ordenou à vítima que fosse se alojar no porta-malas, a ação foi percebida por transeuntes, que comunicaram a Polícia Militar e indicaram a região em que a situação ocorria. Para agravar a desventura do acusado, é certo que, dando sequência à conduta criminosa, atolou o automóvel durante o percurso, oportunidade em que os milicianos, então, obtiveram êxito em localizar o carro em meio à mata, com o denunciado efetuando manobras na tentativa de desatolá-lo. Neste momento, a equipe ouviu gritos de socorro vindos do porta-malas do automóvel, razão pela qual procederam a abordagem e prisão em flagrante, no momento em que YURE COSME AMORIM SILVA mantinha a vítima privada de sua liberdade. As diversas lesões suportadas pela vítima estão apontadas nos registros fotográficos acostados no ID. 191754000 e seguintes; foi necessário o encaminhamento do ofendido a uma unidade de saúde, para atendimento. As imagens (vídeos) do local de mata onde o carro e a vítima foram encontrados podem ser vistas nos IDs. 191753997 e seguintes. A denúncia foi recebida em 16/05/2025, conforme decisão de ID. 194247648. Citado, o réu apresentou resposta à acusação conforme ID. 195237530. Durante a instrução processual foram inquiridas as testemunhas Nelson Olímpio (vítima) e Rodrigo Isoton da Silva (policial militar). Ao final, o réu foi interrogado. Na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, as partes nada requereram. Nos debates, o Ministério Público requereu a condenação do réu pelo crime de roubo qualificado pela restrição da liberdade da vítima, nos termos do artigo 157, § 2º, inciso V, do Código Penal, com reconhecimento das agravantes da dissimulação e de a vítima ser idosa, bem como pela prática do crime de extorsão qualificada, previsto no artigo 158, § 3º, do Código Penal, também com incidência das referidas agravantes. Por fim, requereu que, na dosimetria da pena, sejam valoradas negativamente as circunstâncias judiciais do artigo 59, em razão da intensidade da violência empregada, das lesões causadas e dos efeitos traumáticos sofridos pela vítima, conforme mídia audiovisual. A defesa, por sua vez, arguiu a inépcia da denúncia no tocante à extorsão qualificada, por ausência de amparo nos depoimentos da vítima, e pugnou pelo afastamento da qualificadora da restrição da liberdade no crime de roubo, bem como da agravante da dissimulação. Pleiteou a desclassificação para o tipo simples e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. É o relatório. Fundamento e decido. Para o crime imputado ao réu, narrado na denúncia, o Código Penal estabelece: Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: § 3o Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente. Inicialmente, a materialidade do crime está amplamente demonstrada, de forma convergente, pelos documentos constantes nos autos, notadamente pelo Boletim de Ocorrência n. 2025.121147 (ID. 191753237), que narra com clareza a dinâmica dos fatos. Conforme o boletim, a equipe policial foi acionada via CIOSP para atender ocorrência de roubo mediante sequestro na região do Jardim Umuarama. Durante as buscas, localizaram o veículo descrito na denúncia próximo a uma ponte de concreto no Bairro Bandeira II, atolado em área de mata fechada. No local, encontraram o réu tentando desatolar o automóvel. Após verbalização para que colocasse as mãos na cabeça, os policiais ouviram gritos vindos do porta-malas do veículo, de onde libertaram a vítima, senhor Nelson Olímpio, visivelmente machucado, com hematomas e sangramentos. A vítima relatou aos policiais ter sido agredida diversas vezes, ameaçada de morte e colocada à força no porta-malas, tudo isso enquanto o acusado mantinha controle do carro e dirigia por locais ermos. Essa narrativa encontra robusto apoio no Termo de Exibição e Apreensão nº 2025.16.179185 (ID. 191753991), que registra a apreensão de R$ 274,90, uma chave veicular, um aparelho celular Samsung com tela danificada e uma chave de motocicleta, objetos esses em posse do acusado no momento da abordagem policial. Embora o réu tenha alegado que o dinheiro era de sua propriedade e que nunca teve contato com o celular da vítima, a apreensão é um indicativo da subtração. Além disso, as imagens fotográficas juntadas aos autos nos IDs 191753997 e seguintes evidenciam a materialidade das lesões suportadas pela vítima. Os registros fotográficos mostram hematomas no rosto, na cabeça e no braço, compatíveis com o relato de agressões físicas intensas. O próprio réu, YURE COSME AMORIM SILVA, em interrogatório prestado em juízo, confirmou a prática do roubo. Disse que, após uma festa com ingestão de álcool, permaneceu sozinho no veículo com o motorista, vítima Nelson, e que, segundo sua versão, reagiu após tentativa de assédio por parte da vítima. Alegou que o motorista teria tentado beijá-lo e oferecido dinheiro, momento em que decidiu roubar o carro. Informou que tomou posse do veículo e de uma bolsa pequena, negando ter subtraído o celular ou exigido senhas bancárias. Justificou que colocou a vítima no porta-malas após esta tentar golpeá-lo com uma chave de roda, negando, porém, agressões contínuas. Disse ainda que seu objetivo era apenas utilizar o carro até uma chácara onde estariam seus familiares, sem intenção de lesionar a vítima ou obter vantagem econômica além do uso do veículo. Também negou qualquer menção à filiação em facção criminosa. Contudo, tal versão destoa substancialmente das demais provas colhidas, notadamente do depoimento do policial militar Rodrigo Isoton da Silva, prestado em juízo. Segundo relatado, o policial foi acionado por denúncia de roubo com restrição de liberdade contra um motorista de aplicativo. Durante as buscas, localizaram o veículo atolado em uma estrada sem saída, em meio a mata fechada, com o réu tentando desatolá-lo. O policial confirmou que a vítima estava trancada no porta-malas e que gritava por socorro. A vítima apresentava lesões visíveis na cabeça e no ombro, camisa rasgada e sangue na roupa. Relatou que, no momento da abordagem, o réu não resistiu, limitando-se a afirmar que teria discutido com o motorista durante o trajeto e que teria agido com violência para obrigá-lo a continuar a corrida. A equipe policial também confirmou o desaparecimento de um celular e de quantia em dinheiro da vítima, embora não tenha presenciado tentativa de transferência via Pix ou outra movimentação bancária. Ainda assim, indicou que os dados sobre a exigência de senhas e cartões constavam do relato da vítima feito anteriormente à autoridade policial. Com base nesses elementos iniciais, restam indicativos suficientes de que houve, de fato, grave ameaça e emprego de violência, não apenas para subtrair o veículo, mas também para manter a vítima sob o poder do réu em local ermo e sob risco real à sua integridade física, conforme se infere dos gritos de socorro ouvidos e das lesões apresentadas. Na continuidade da análise da autoria, observa-se que o depoimento da vítima, prestado em juízo, é contundente, coeso e harmônico com as demais provas constantes nos autos. Nelson Olímpio, com 75 anos de idade, confirmou que trabalhava como motorista de aplicativo (Uber) e que deixou de exercer a profissão após o ocorrido, por se sentir profundamente traumatizado com os fatos. Relatou que, por volta das 7h30 da manhã do dia 18 de abril de 2025, atendeu a uma corrida com dois passageiros. Um deles desembarcou no bairro Jardim Vitória, enquanto o outro, posteriormente identificado como o réu, solicitou que fosse levado até uma chácara na região da estrada de terra que liga Cuiabá à Chapada dos Guimarães, mencionando que encontraria familiares no local. A narrativa da vítima demonstra que, em todo momento, o réu se apresentou com comportamento aparentemente cortês, chegando inclusive a oferecer um valor maior pelo serviço de transporte, o que revela uma tentativa de criar um ambiente de confiança que, mais adiante, seria rompido com o início da execução do crime. Segundo o relato da vítima, em determinado ponto do trajeto, o acusado anunciou o assalto. De forma violenta, puxou a vítima para fora do veículo, derrubando-a ao solo, e iniciou agressões físicas intensas, cujas consequências ficaram visíveis nas lesões registradas nas fotografias acostadas aos autos (IDs 191753997 e seguintes). O idoso foi agredido de forma brutal, ao ponto de ter hematomas nos olhos, escoriações diversas e roupas rasgadas, além de relatar debilidade física no momento do resgate, com necessidade de encaminhamento à unidade de saúde. Esses elementos, por si só, confirmam o uso de violência na execução da subtração do bem. Ainda conforme o depoimento, uma motociclista que passava pelo local presenciou parte da cena e teria advertido o acusado, momento em que este teria afirmado ser integrante de facção criminosa, buscando intimidar qualquer reação de terceiros. Essa informação foi reafirmada pelo policial militar Rodrigo Isoton da Silva, em juízo, e confere credibilidade adicional à narrativa da vítima. Após esse primeiro momento de agressão, a vítima foi colocada no banco traseiro do veículo, sob a custódia direta do acusado, que segurava-a pelo colarinho enquanto conduzia o carro. Com a perfuração de um pneu durante o percurso, o acusado decidiu trancar a vítima no porta-malas, aumentando a gravidade da situação. A vítima permaneceu confinada nesse compartimento escuro e sem ventilação por período significativo, o que configura restrição da liberdade com riscos concretos à sua integridade física e psíquica, conforme restou comprovado pelo depoimento dos policiais que a libertaram e pelos gritos de socorro ouvidos no momento da abordagem. A vítima também relatou que foram subtraídos o veículo, a quantia de aproximadamente R$ 100,00 e uma pequena bolsa com cartões bancários, os quais, por razões não esclarecidas, não estavam com ela no momento da abordagem. Quanto ao celular, disse que este desapareceu, mas que não saberia afirmar com certeza se o acusado o havia levado. Mencionou que o aparelho ficava fixado em suporte próprio no painel do veículo. No ponto específico da extorsão, a vítima relatou que o acusado exigiu os cartões e respectivas senhas, afirmando que o manteria em cativeiro até que fornecesse tais dados. Não houve, segundo sua versão, ameaça explícita de morte, tampouco exigência de senhas de aplicativos de celular, mas a intenção de obter vantagem econômica, mediante a manutenção da vítima sob seu domínio, restou evidente. Tal conduta se amolda à figura típica da extorsão qualificada pela restrição da liberdade, independentemente do sucesso na obtenção da vantagem indevidamente pretendida, nos termos do art. 158, § 3º, do Código Penal. Por fim, a vítima afirmou que tentou resistir no início, mas, devido à idade avançada e ao porte físico inferior ao do réu, foi incapaz de oferecer oposição eficaz. Declarou ainda que, em decorrência dos danos emocionais e do trauma ocasionado pelo episódio, abandonou a profissão de motorista por aplicativo e passou a procurar outro meio de subsistência. O réu, ao ser interrogado em juízo, confirmou expressamente ter praticado o roubo do veículo. Todavia, buscou minimizar a gravidade de sua conduta ao apresentar uma versão dos fatos que não encontra respaldo nos demais elementos probatórios. Segundo sua narrativa, o ato criminoso teria sido motivado por uma reação impulsiva após uma suposta tentativa de assédio por parte da vítima, versão esta categoricamente desmentida por Nelson Olímpio. Ainda que se reconheça o direito do réu ao contraditório e à ampla defesa, sua versão isolada e não corroborada por qualquer outro elemento nos autos revela-se frágil, com claro intuito de desqualificar a vítima e reduzir sua própria culpabilidade. Não é razoável admitir que um indivíduo, após suposta provocação, decida espontaneamente subtrair um veículo, agredir fisicamente um idoso, trancá-lo no porta-malas, conduzir o automóvel por locais de difícil acesso e ainda ameaçá-lo com referências a facção criminosa, tudo sob a alegação de que sua ação teria sido movida por uma reação instintiva. Essa tese não resiste à análise do conjunto probatório, sendo inclusive contraditada pela própria dinâmica dos fatos. O réu afirmou, ainda, que teria tomado tal atitude apenas para se deslocar até uma chácara, onde estariam seus familiares, e que pretendia libertar a vítima em segurança. No entanto, o local onde o veículo foi encontrado, área de mata fechada, sem estrada transitável, em ribanceira junto a um riacho, indica que o destino não era acessível, tampouco apropriado para o transporte de passageiros ou mesmo permanência segura da vítima. O depoimento do policial Rodrigo Isoton da Silva, nesse ponto, é bastante claro ao mencionar que se tratava de “fim de estrada”, reforçando a ideia de que a intenção real do acusado era abandonar o ofendido em um local ermo, em condições de vulnerabilidade extrema. Ademais, o réu negou a subtração de qualquer quantia em dinheiro ou de aparelho celular, alegando que os R$ 274,90 apreendidos seriam de sua propriedade, e que nunca sequer viu o celular da vítima. Contudo, a vítima afirmou que havia uma pequena bolsa com cartões e aproximadamente R$ 100,00, além do celular fixado no painel do veículo, que não foi recuperado. Tal divergência, ainda que não se consiga comprovar a titularidade dos valores com precisão, não afasta o contexto de subtração e de dominação da vítima sob violência, cujas consequências foram visivelmente atestadas. Sobre a tentativa de extorsão, o réu negou ter exigido senhas ou cartões, contudo, o depoimento da vítima apresenta versão oposta. Nelson declarou que o acusado pediu por cartões e senhas, e afirmou que o manteria em cativeiro até que os entregasse, embora não tenha feito ameaças diretas de morte nem solicitado acesso a aplicativos de celular. Essa afirmação, por si só, revela o elemento subjetivo da extorsão qualificada, pois denota o intuito do réu de obter vantagem econômica mediante violência e ameaça, com a vítima sob seu domínio e liberdade restrita. Dessa forma, ainda que o acusado tenha confessado parcialmente os fatos, sua versão é incoerente com a realidade provada e com as circunstâncias do crime. A versão apresentada pelo réu, além de dissociada das demais provas, representa tentativa deliberada de desqualificação moral da vítima, ao imputar-lhe conduta inverossímil e ofensiva à sua dignidade. Do exame detido dos autos, inicialmente, quanto ao roubo, a materialidade e a autoria estão incontestavelmente comprovadas. O réu confessou a prática do crime em juízo, ainda que com versão mitigadora dos fatos. A narrativa da vítima, corroborada pelo depoimento da testemunha policial e pelas demais provas documentais e periciais, indica que o crime foi cometido mediante violência física grave, com agressões reiteradas, inclusive com a vítima sendo arrastada e trancada no porta-malas do veículo, além da ameaça de ser morta. A tese defensiva de que teria agido por impulso após suposta tentativa de assédio é isolada e não encontra respaldo em nenhum outro elemento dos autos. No tocante à qualificadora da restrição da liberdade da vítima, entende-se que está plenamente caracterizada. A vítima foi trancada no compartimento porta-malas do veículo, mantida fora de contato com o mundo exterior, em situação de risco físico e emocional, apenas sendo resgatada após intervenção policial. Tal circunstância agrava sobremaneira o potencial lesivo da ação e ultrapassa os limites do tipo simples descrito no caput do art. 157 do Código Penal. A jurisprudência é firme no sentido de que o confinamento da vítima em local inóspito e sem possibilidade de socorro constitui causa de aumento prevista no § 2º, inciso V, do referido dispositivo legal. Quanto à agravante da dissimulação (art. 61, II, “c”, do CP), a conduta do acusado também se amolda a essa circunstância. O réu, ao contratar o serviço de corrida por aplicativo, criou uma falsa aparência de legalidade e segurança, levando a vítima a acreditar que se tratava de uma simples corrida até uma chácara. Utilizou-se, portanto, de artifício enganoso para se aproximar da vítima e iniciar a execução do crime em ambiente controlado e isolado. Ainda que a defesa sustente que não houve premeditação e que a decisão foi tomada de forma repentina, o modus operandi adotado revela planejamento mínimo e inequívoca intenção de ludibriar a vítima. Não se trata de mero arrebatamento ocasional, mas de conduta dotada de estratégia voltada à facilitação do crime. Quanto ao crime de extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, previsto no artigo 158, § 3º, do Código Penal, não há que se falar em inépcia da denúncia. A peça acusatória descreve, com clareza, os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal: o réu exigiu cartões e senhas, com uso de violência e ameaça, enquanto mantinha a vítima sob seu controle, com a liberdade restrita. A negativa da vítima quanto a ameaças explícitas de morte ou exigências por meio de aplicativos bancários não descaracteriza o tipo penal, pois, conforme reiteradamente decidido pelos tribunais, trata-se de crime formal, cuja consumação independe da obtenção da vantagem pretendida. O relevante é a existência de constrangimento mediante violência ou grave ameaça, com o fim de obtenção de vantagem econômica. A alegação defensiva de ausência de exigência de valores via Pix ou aplicativos, portanto, não tem o condão de afastar a tipicidade da conduta, ainda mais diante do relato da vítima de que o réu o manteria em cativeiro até a entrega dos cartões e senhas. Dessa forma, estão presentes os elementos configuradores do crime de roubo qualificado pela restrição da liberdade da vítima, bem como do crime de extorsão qualificada pela mesma circunstância. Incidem, ainda, as agravantes da dissimulação e de a vítima ser idosa, conforme o artigo 61, II, alínea “c”, e “h”, do Código Penal, além do concurso material entre os delitos, nos termos do artigo 69 do mesmo diploma legal. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão constante na denúncia, com o fim de CONDENAR o réu YURE COSME AMORIM SILVA pela prática do crime previsto no artigo 157, § 2º, inciso V, do Código Penal, bem como pelo crime previsto no artigo 158, § 3º, do mesmo diploma legal, ambos na forma do artigo 69, com a incidência das agravantes do artigo 61, inciso II, alíneas “c” e “h”, todos do Código Penal. Dosimetria da Pena – YURE COSME AMORIM SILVA Passo a fixar a pena, atento ao contido no art. 68 do Código Penal. Para o Crime de Roubo Qualificado pela Restrição da Liberdade (art. 157, § 2º, V, do Código Penal). Na primeira fase da dosimetria da pena, analiso as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. A culpabilidade do réu Yure Cosme Amorim Silva revela-se especialmente elevada, pois ele agiu com extrema violência contra a vítima, um idoso de 75 anos, causando-lhe lesões físicas documentadas e duradouras. As circunstâncias do crime são gravíssimas, uma vez que o réu, após simular uma corrida por aplicativo, confinou a vítima no porta-malas do veículo, transportando-a até área de mata fechada e proferindo reiteradas ameaças, o que demonstra planejamento e crueldade na execução. As consequências do crime extrapolam o resultado típico, pois além das lesões físicas, a vítima passou a sofrer distúrbios emocionais que a levaram ao abandono de sua profissão. O comportamento da vítima não contribuiu para a ação criminosa, sendo, portanto, irrelevante para a fixação da pena. Diante das circunstancias judiciais analisadas, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão. Na segunda fase, reconheço a presença de duas agravantes genéricas: crime cometido contra pessoa idosa (art. 61, II, 'h', do CP) e mediante dissimulação (art. 61, II, 'c', do CP), já que o réu utilizou-se da aparência de uma corrida legítima por aplicativo para facilitar a prática do roubo. Por outro lado, deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, ainda que parcial, nos termos do art. 65, III, 'd', do CP. Tendo em vista a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, as agravantes e a atenuante devem ser compensadas, mantendo-se a pena intermediária em 06 anos de reclusão. Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, inciso V, do Código Penal, pois o réu restringiu a liberdade da vítima, mantendo-a presa no porta-malas do veículo durante o delito, fato confirmado tanto pelo depoimento da vítima quanto pelo próprio réu. Aplico o aumento na fração mínima de 1/3, resultando na pena definitiva de 08 (oito) anos de reclusão. Para o crime de extorsão art. 158 § 3º do Código Penal. Na primeira fase da dosimetria da pena, analiso as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. A culpabilidade do réu Yure Cosme Amorim Silva do réu é elevada, pois agiu com violência extrema contra uma vítima idosa (75 anos), causando-lhe lesões documentadas e sequelas emocionais duradouras. As circunstâncias do crime são especialmente gravosas: o réu simulou corrida de aplicativo, confinou a vítima no porta-malas do veículo, conduziu-a até área de mata e reiterou ameaças, demonstrando elevada periculosidade e planejamento. As consequências extrapolam o resultado típico, afetando profundamente a saúde emocional e profissional da vítima, que abandonou a atividade de motorista. O comportamento da vítima não contribuiu para a ação criminosa, sendo, portanto, irrelevante para a fixação da pena. Diante das circunstancias judiciais analisadas, fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 04 meses de reclusão. Na segunda fase, incidem duas agravantes legais: crime praticado contra pessoa idosa (art. 61, II, “h”, do CP) e mediante dissimulação (art. 61, II, “c”, do CP), já que o réu utilizou-se de ardil para facilitar a ação criminosa. Considerando o contexto, aplico um aumento de 1/6, elevando a pena para 07 (sete) anos, 04 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Ausentes atenuantes. Na terceira fase, não há causas de aumento ou diminuição da pena. Fixo a pena definitiva em 07 anos, 04 meses e 20 dias de reclusão, em regime fechado. Concurso material Na forma do artigo 69 do CP, promovo a somatória das penas encontrando a pena de 15 (quinze) anos, 04 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime fechado. Pena de multa Atendendo ao disposto no art. 49 e considerando as circunstâncias judiciais descritas no art. 59, caput, ambos do Código Penal, fixo a pena em 10 (dez) dias-multa. Em seguida, atento ao art. 60, caput, do Código Penal, ponderando a situação socioeconômica do réu, fixo valor do dia-multa em um trigésimo do salário mínimo. Fixação da Indenização Fixo o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de reparação por danos morais à vítima, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Regime de Pena Lastreado nas circunstâncias judiciais mencionadas e, ainda, na reiteração criminosa do acusado, o regime de pena imposto ao condenado será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, § 2.º a, do Código Penal. Detração Deixo de aplicar a detração prevista no art. 387 do Código de Processo Penal, porque não alterará o regime inicial de cumprimento de pena, diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis. Substituição da pena Incabível a substituição de pena em virtude do crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa idosa. Manutenção ou imposição de prisão preventiva O réu deve permanecer preso preventivamente, uma vez que ficou demonstrado que agiu com extrema violência e grave ameaça, o que evidencia a necessidade da custódia cautelar para a garantia da ordem pública e a prevenção da reiteração criminosa. A gravidade concreta da conduta manifesta-se no fato de ter agredido uma vítima de 75 anos de idade, ocasionando-lhe diversas lesões, além de trauma físico e psicológico. Ressalta-se que, em razão das violências sofridas, a vítima desenvolveu abalo emocional que a impede de continuar exercendo sua atividade profissional como motorista de aplicativo. Diante desse contexto, sua liberdade representaria elevado risco à ordem pública e ao convívio social, impondo-se, assim, a manutenção da segregação cautelar. Dispositivo Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido da AÇÃO PENAL PÚBLICA para CONDENAR o réu YURE COSME AMORIM SILVA, qualificado nos autos, pela prática dos crimes previstos nos 157, § 2º, inciso V, no artigo 158, § 3º, ambos na forma do artigo 69, com a incidência das agravantes do artigo 61, inciso II, alíneas “c” e “h”, todos do Código Penal, à pena definitiva de 15 (quinze) anos, 04 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do pagamento. A pena será cumprida em regime inicialmente fechado. O réu deverá ser intimado pessoalmente, pois está preso, com a pergunta expressa se deseja ou não recorrer da decisão, a fim de garantir seu direito à ampla defesa e ao contraditório. Disposições finais Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, ficando suspensa a exigibilidade até que se comprove que possui condições financeiras, por ser pobre na forma da lei. Das destinações dos bens. Após o trânsito em julgado e verificada a ausência de interessados nos bens apreendidos, decreto o perdimento, com posterior destinação a entidades sociais registradas na Diretoria do Fórum, ou então a realização de leilão, conforme determinação da administração. Na hipótese de existência de fiança depositada nos autos ou dinheiro apreendido, autorizo a restituição, conforme estabelecido pelos artigos 336 e 337 do Código de Processo Penal (CPP). Não havendo procura após o transito em julgado, determino que permaneça depositado em conta única do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Caso não exista manifestação de interesse na restituição de armas apreendidas, estas deverão ser encaminhadas ao Comando do Exército da respectiva região para que sejam doadas a órgãos de segurança pública ou, dependendo do caso, destruídas. Arquive-se e comunique-se à Diretoria do Fórum que os bens estão à disposição. Cumpra-se. CUIABÁ, 30 de junho de 2025. Juiz(a) de Direito
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