Resultados para o tribunal: TJMT

Resultados para "1000132-03.2023.8.26.0368" – Página 5 de 5

Processo nº 1000132-27.2018.8.11.0002

ID: 311503971

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL Nº Processo: 1000132-27.2018.8.11.0002

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

RHAYZA CANDIDO RODRIGUES BRUNK

Acórdão

Advogados:

LUIZ AUGUSTO ARRUDA CUSTODIO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000132-27.2018.8.11.0002 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000132-27.2018.8.11.0002 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [RHAYZA CANDIDO RODRIGUES BRUNK - CPF: 045.393.801-92 (APELADO), LUIZ AUGUSTO ARRUDA CUSTODIO - CPF: 005.559.871-40 (ADVOGADO), EDNEIA SILVANA GONCALVES - CPF: 621.046.321-53 (ADVOGADO), SOCIEDADE HOSPITALAR CUIABANA SA - CNPJ: 03.470.416/0001-61 (EMBARGANTE), HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA - CNPJ: 05.877.609/0001-67 (EMBARGANTE), ALEX SANDRO SARMENTO FERREIRA - CPF: 109.211.228-61 (ADVOGADO), FERNANDA LUCIA PEREIRA MACIEL SERRA - CPF: 819.096.161-68 (ADVOGADO), THAYELLE CRISTINNE AMORIM VENDRAMINI - CPF: 040.428.721-23 (ADVOGADO), BRUNO EDUARDO ALVARENGA CARDOSO - CPF: 054.837.761-86 (ADVOGADO), CAIO MARCELO MESQUITA - CPF: 052.446.061-23 (ADVOGADO), CAMILA COSTA SILVA - CPF: 019.741.012-07 (ADVOGADO), CINDY SCHOSSLER TOYAMA - CPF: 004.716.791-27 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, EMBARGOS REJEITADOS. E M E N T A EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – JUSTIÇA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – REJEITADA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – APLICAÇÃO DO TEMA 940 DO STF – PROFISSIONAL DE SAÚDE NO SERVIÇO PRESTADO EM HOSPITAL VIA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – ATUAÇÃO COMO AGENTE PÚBLICO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6º, DA CF/88 – REJEITADA – MÉRITO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO HOSPITAL – ERRO MÉDICO – COMPRESSA CIRÚRGICA (GAZE) ESQUECIDA DURANTE PARTO – DESCOBERTA DA PACIENTE CERCA DE 13 (TREZE) DIAS APÓS O PARTO EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PARA SUA RETIRADA NO PÓS OPERATÓRIO – NEGLIGÊNCIA EVIDENCIADA – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – VÍCIOS DO ARTIGO 1.022 DO CPC INEXISTENTES – REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – MEIO INADEQUADO – EMBARGOS REJEITADOS. Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, podem ser opostos embargos de declaração quando houver erro material, obscuridade, contradição ou omissão no acórdão. Todavia, não é viável tal modalidade de recurso com a finalidade de rediscutir os fundamentos do ato judicial embargado. Para efeito de prequestionamento, cumpre ao julgador apenas a fundamentação adequada à decisão, não sendo, pois, indispensável a apreciação de todos os argumentos ou dispositivos legais invocados pela parte. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº 1000132-27.2018.8.11.0002 EMBARGANTE: HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA EMBARGADA: RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de embargos de declaração, opostos pelo HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA, contra v. acórdão desta Câmara (Id. 289474858) que, por unanimidade, desproveu o recurso, mantendo hígida a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando o hospital apelante, ao pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, com atualização monetária pelo INPC desde a data da sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Também fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação. Inconformada, a embargante aduz que “o acórdão se omite em analisar e valorar especificamente o depoimento técnico da testemunha, do Dr. Adilson Massoni que não é mera conjectura, mas sim o parecer de um especialista ouvido em juízo, e as informações contidas no prontuário médico da paciente que corroboram a tese defensiva. A decisão recorrida focou na ausência de "contraprova técnica idônea" no sentido de uma perícia (que foi indeferida), mas não se debruçou sobre a prova técnica e documental efetivamente produzida pelo hospital embargante que contradiz frontalmente a versão da embargada. A ausência de enfrentamento direto e específico desses elementos probatórios cruciais para a defesa do embargante configura omissão, nos termos do art. 1.022, II, c/c art. 489, §1º, IV, ambos do CPC. Requer-se, pois, que esta Colenda Câmara supra a omissão, analisando e valorando expressamente as referidas provas” (sic). Pondera que “o regime de responsabilidade civil do Estado (e de seus delegatários de serviço público, como no caso de atendimento via SUS) previsto no art. 37, §6º, da CF, e o regime de responsabilidade pelo fato do serviço previsto no art. 14 do CDC, embora ambos possam levar a uma responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, possuem fundamentos e contornos distintos. A contradição reside em aplicar e fundamentar a responsabilidade do hospital ora como prestador de serviço público (no contexto SUS, atraindo a lógica do art. 37, §6º, CF e Tema 940/STF), ora como fornecedor em uma relação de consumo pura e simples (art. 14 do CDC), sem delimitar claramente qual regime prevalece ou como se harmonizam no caso concreto. Se o atendimento ocorreu no âmbito do SUS, a responsabilidade da entidade privada prestadora de serviço público decorre do art. 37, §6º, da CF, que assegura o direito de regresso contra o agente causador do dano em caso de dolo ou culpa” (sic). Diz que “A aplicação direta e isolada do art. 14 do CDC, desconsiderando as nuances da prestação de serviço público, pode levar a conclusões jurídicas diversas, especialmente quanto à extensão da responsabilidade e à cadeia de fornecedores. Essa dualidade de fundamentos, aplicada de forma concorrente e não hierarquizada ou harmonizada, gera incerteza sobre a real ratio decidendi e configura contradição interna no julgado, que merece ser sanada, nos termos do art. 1.022, I, do CPC” (sic). Assevera que “O embargante, em seu Recurso de Apelação, arguiu a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da produção de prova pericial, essencial para demonstrar a impossibilidade da narrativa autoral e a ausência de erro médico. O acórdão embargado rejeitou a preliminar, sob o fundamento de que a perícia seria desnecessária e inócua, uma vez que "as provas carreadas (fotos e vídeo) sequer foram contestadas e desconstituídas em momento oportuno" e em razão do lapso temporal. Com a devida vênia, a manutenção do indeferimento da prova pericial, crucial para o deslinde da controvérsia – que não se limitava à autenticidade de documentos, mas à viabilidade técnica e médica dos fatos narrados e à correta interpretação das provas existentes (como a coloração da gaze e os registros do prontuário) – implica violação ao direito à ampla defesa e ao contraditório, assegurado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal” (sic). A par desses argumentos, requer “a) Suprir a OMISSÃO apontada, para que esta Colenda Câmara analise e valore expressamente as provas produzidas pelo hospital embargante, notadamente o prontuário médico da embargada e o depoimento da testemunha Dr. Adilson Massoni, que contradizem a narrativa autoral sobre as características da gaze e a cronologia dos fatos; b) Sanar a CONTRADIÇÃO indicada, esclarecendo qual o regime jurídico preponderante aplicado à responsabilidade civil do hospital embargante (se o do art. 37, §6º, da CF, em razão do atendimento via SUS, ou o do art. 14 do CDC, como pura relação de consumo)” (sic). Contrarrazões aos embargos de declaração ofertadas no Id. 293379399, pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Egrégia Câmara: Consoante relatado, trata-se de embargos de declaração opostos visando sanar a suposta omissão e contradição apontada no acórdão, que restou assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – JUSTIÇA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – REJEITADA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – APLICAÇÃO DO TEMA 940 DO STF – PROFISSIONAL DE SAÚDE NO SERVIÇO PRESTADO EM HOSPITAL VIA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – ATUAÇÃO COMO AGENTE PÚBLICO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6º, DA CF/88 – REJEITADA – MÉRITO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO HOSPITAL – ERRO MÉDICO – COMPRESSA CIRÚRGICA (GAZE) ESQUECIDA DURANTE PARTO – DESCOBERTA DA PACIENTE CERCA DE 13 (TREZE) DIAS APÓS O PARTO EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PARA SUA RETIRADA NO PÓS OPERATÓRIO – NEGLIGÊNCIA EVIDENCIADA – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – VALOR DA CONDENAÇÃO QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A concessão da gratuidade judiciária a pessoa jurídica, ainda que beneficente, exige demonstração robusta da hipossuficiência econômica, nos termos da Súmula 481 do STJ, o que não restou evidenciado pelo recorrente. Preliminar rejeitada. A alegação de cerceamento de defesa, por indeferimento da prova pericial não subsiste, porquanto desnecessário o conhecimento técnico específico para a avaliação da prova documental cuja autenticidade não foi contestada à época e não desconstituída pela requerida, resultando em prova inócua. Inviável o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva do hospital recorrente, ante a constatação de que o atendimento à parturiente foi prestado por profissionais vinculados à instituição no contexto de prestação de serviços públicos de saúde (SUS), sendo a responsabilidade do hospital objetiva nos termos do art. 14 do CDC e do Tema 940 do STF. A omissão na remoção de gaze do canal vaginal da paciente, identificada apenas treze dias após o parto, configura falha na prestação do serviço médico-hospitalar, ensejando responsabilidade civil e dever de indenizar por dano moral, independentemente de demonstração de culpa, nos termos da legislação consumerista aplicável. O quantum indenizatório arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), mostra-se adequado às peculiaridades do caso concreto, atendendo aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como ao caráter compensatório e pedagógico da indenização.” A parte embargante aponta omissão no julgado, no que tange análise de valoração das provas produzidas pelo hospital e contradição na fundamentação de responsabilidade do hospital. Em que pese os argumentos expostos nas razões recursais, o decisum embargado bem analisou essas questões, não havendo nenhuma omissão ou contradição a serem sanadas, como bem se extrai do trecho na parte que interessa: “[...] Ainda preliminarmente, o apelante aduz que teve o seu direito de defesa cerceado, haja vista que não houve nos autos perícia técnica para apuração do erro médico, assim requer o reconhecimento do cerceamento de defesa e a consequente realização de perícia técnica para que proceda-se a análise, do material com o intuito de verificar se esta causou infecções na apelada, e se a gaze, realmente permaneceu 13 (treze) dias no organismo da apelada. Sem razão o apelante, explico. Compulsando os autos, observa-se que em sede de despacho saneador (Id. 215313180), a Magistrada de piso indeferiu produção de prova pericial, “por entender que nada acrescentaria ao ponto controvertido, além do que os fatos narrados tem por fundamento uma gaze deixada no corpo da autora” (sic). Na hipótese, considerando as peculiaridades do caso concreto, a realização de prova pericial, neste momento, revela-se inócua, em razão do extenso lapso temporal – 8 anos - transcorrido desde os fatos narrados na inicial. A perícia técnica, que se propõe a examinar elementos clínicos e circunstâncias médicas do atendimento realizado, exige a preservação das condições fáticas e materiais à época do suposto evento danoso, o que se mostra inviável após tantos anos. Ademais, as provas carreadas (fotos e vídeo) sequer foram contestadas e desconstituídas em momento oportuno, de modo que, rejeito a preliminar em comento. [...] Por fim, contudo ainda preliminarmente, a parte apelante sustenta a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, haja vista que os médicos que atenderam a apelada no anteparto, parto e pós-parto não possuíam vínculo empregatício com o hospital. Compulsando os documentos juntados com a inicial, vislumbro que em Id. 215311697 foi juntada a certidão de nascimento de Rhyan Pietro Rodrigues Brunk, onde consta como local de nascimento o Hospital Santa Helena. No Id. 215311698 constam as fichas de informação referentes ao parto, todas devidamente identificadas com o logotipo do hospital apelante. De igual modo, no Id. 215313169 encontra-se o prontuário médico da parte apelada onde consta a guia de internação (Pág. 05), constando como “convênio” o Sistema Único de Saúde – SUS. Diante disso, amolda-se ao caso dos autos o tema 940, fixado pelo STF, que analisou a responsabilidade civil subjetiva do agente público por danos causados no exercício de atividade pública, verbis: “A teor do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Nestas condições – de prestador de serviços públicos no âmbito do SUS –, os médicos que atenderam a apelada no anteparto, parto e pós-parto, são equiparados a agente públicos e, assim, são partes ilegítimas para figurar no polo passivo da ação, nos termos do repetitivo acima citado. [...] Assim, cabe à pessoa jurídica de direito privado responder por eventual dano que seu agente tenha causado no exercício da atividade pública e, evidenciada a responsabilidade subjetiva do servidor, será cabível ação de regresso da instituição em desfavor do seu agente. Em razão disso, rejeito a preliminar arguida pelo apelante. Passo a análise do mérito. A questão posta à apreciação deste Egrégio Tribunal diz respeito à responsabilidade civil decorrente de suposto erro médico, consubstanciado na permanência de gaze no interior do corpo da autora, ora recorrida, após o procedimento de parto realizado nas dependências do hospital ora apelante. Sob a ótica consumerista, impõe-se reconhecer a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme já corretamente apontado pelo juízo singular. A relação estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, enquadrando-se o hospital no conceito de fornecedor (art. 3º do CDC) e a paciente como consumidora (art. 2º do CDC). A responsabilidade civil dos hospitais por erro médico cometido por profissionais que integram sua equipe é, via de regra, objetiva, por força do artigo 14, caput, do CDC, especialmente nos casos de atuação de profissionais vinculados ao estabelecimento, como ocorreu no caso em exame. Tratando-se de instituições hospitalares, sua responsabilidade resume-se aos serviços anexos ao atendimento médico, respondendo, de forma objetiva, pela inadequada prestação. [...] Com efeito, a prova testemunhal e os elementos documentais confirmam que a recorrida experimentou intenso sofrimento físico e psicológico após o parto em decorrência da permanência de gaze no interior de sua cavidade vaginal por mais de 10 dias, tendo sido removida somente após grande desconforto e dores contínuas. Tal fato, por si só, configura falha grave na prestação dos serviços, violando o dever de segurança e zelo que se espera de qualquer prestador de serviços de saúde. Ainda, destaca-se que o próprio conteúdo do prontuário médico não afasta a responsabilidade do hospital, tendo em vista que a documentação ali constante é insuficiente para infirmar a narrativa da autora, notadamente ante a inexistência de qualquer anotação sobre a verificação da retirada de todos os instrumentos ou materiais utilizados durante o parto. Tampouco o vídeo e as fotos apresentados pela autora — e não impugnados de forma eficaz — foram infirmados por contraprova técnica idônea. Não se trata, pois, de uma narrativa isolada ou destituída de fundamento. A robustez das provas apresentadas — somadas à ausência de elementos técnicos por parte do hospital que refutassem eficazmente a versão dos fatos. A alegação de que a gaze expelida pela apelada seria “branca e limpa” e, por isso, incompatível com o tempo de permanência, carece de respaldo técnico e fático. Trata-se de conjectura que não resiste à prova produzida. Inclusive, analisando o prontuário médico da apelada, colacionado em Id. 215313169, nota-se que após a cirurgia não há qualquer prescrição, em seu pós operatório, acerca da necessidade de retirar o tampão da vagina da paciente antes de sua alta hospitalar, o que evidencia a negligência médica. Não havendo dúvidas acerca da negligência cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente, não há como negar o abalo moral sofrido.” Logo, sem razão a parte embargante, pois o que se verifica é mero inconformismo da parte recorrente, que pretende a reapreciação da matéria já enfrentada, o que é inadmitido pela via elegida, conforme jurisprudência dominante deste Sodalício. Nesse sentido: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE USUCAPIÃO – SEQUESTRO DE IMÓVEL – TUTELA CAUTELAR – AUSÊNCIA DE REQUISITOS – REDISCUSSÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – FALTA DE INTIMAÇÃO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL – INOCORRÊNCIA – CONFLITO COM CASOS SEMELHANTES – CONTRADIÇÃO INTERNA INEXISTENTE – EMBARGOS REJEITADOS. De acordo com o artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na decisão judicial, omissão, obscuridade, contradição ou erro material, e, na ausência de qualquer dos vícios, revela-se nítida a intenção da parte embargante em rever o resultado que lhe foi desfavorável. Para efeito de prequestionamento, cumpre ao julgador apenas a fundamentação adequada à decisão, não sendo, pois, indispensável à apreciação de todos os argumentos ou dispositivos legais invocados pela parte.” (N.U 1023740-50.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 15/02/2025) (Destaquei) Nessa senda, os embargos não comportam revisão da matéria, de modo que devem obedecer aos requisitos do artigo 1.022 do CPC. No tocante ao prequestionamento requerido, não cabe ao órgão julgador manifestar sobre a aplicabilidade ou incidência de todos os artigos de lei e nem rebater todos os argumentos exarados, sendo necessário, apenas, que a decisão seja clara ao manifestar os motivos pelos quais restou adotada determinada solução (STJ REsp nº. 1541802/SC), de modo que os declaratórios, opostos apenas com tal objetivo, deve ser rejeitado. Nesse sentido: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – RESOLUÇÃO CONTRATUAL POR CULPA EXCLUSIVA DO ADVOGADO CONTRATADO – DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES PACTUADAS – ENTREGA DE VEÍCULO COMO PAGAMENTO – RESPONSABILIDADE PELA QUITAÇÃO DO FINANCIAMENTO – NÃO CUMPRIMENTO DO AJUSTE – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO E NEGATIVAÇÃO INDEVIDA DO NOME DO CONTRATANTE – CONSTRAGIMENTOS JUDICIAIS – DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – VÍCIOS DO ART. 1.022 DO CPC INEXISTENTES – REDISCUSSÃO E PREQUESTIONAMENTO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. De acordo com o artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na decisão judicial, omissão, obscuridade, contradição ou erro material, e, na ausência de qualquer dos vícios, revela-se nítida a intenção da parte embargante em rever o resultado que lhe foi desfavorável. Para efeito de prequestionamento, cumpre ao julgador apenas a fundamentação adequada à decisão, não sendo, pois, indispensável a apreciação de todos os argumentos ou dispositivos legais invocados pela parte. Embargos de declaração rejeitados.” (N.U 1001107-38.2021.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/03/2025, Publicado no DJE 22/03/2025) (Destaquei) Diante do exposto, REJEITO os embargos de declaração. Por fim, advirto o embargante que a reiteração da tese aqui afastada ensejará a aplicação da sanção descrita no artigo 1.026, § 2º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1012087-17.2025.8.11.0000

ID: 326930383

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1012087-17.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 16/07/2025

Polo Ativo:

AGREX DO BRASIL S.A.

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

MURILO CASTRO DE MELO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

KAMILLA ESPINDOLA FERREIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1012087-17.2025.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [INADIMPLEMENTO, CÉDULA DE PRODUTO RURAL, … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1012087-17.2025.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [INADIMPLEMENTO, CÉDULA DE PRODUTO RURAL, LIMINAR] RELATOR: EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO Turma Julgadora: [EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [MURILO CASTRO DE MELO - CPF: 893.322.021-68 (ADVOGADO), AGREX DO BRASIL S.A. - CNPJ: 10.515.785/0001-99 (AGRAVANTE), KAMILLA ESPINDOLA FERREIRA - CPF: 031.713.241-56 (ADVOGADO), MAICON FERNANDO SALA - CPF: 053.508.801-95 (AGRAVADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Exmo. Sr. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “NÃO PROVIDO, POR MAIORIA”. EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDA CAUTELAR DE ARRESTO. EXTENSÃO DA MEDIDA A OUTROS IMÓVEIS RURAIS. NECESSIDADE DE PROVA MÍNIMA DE EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA PELO EXECUTADO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de execução de título extrajudicial, que indeferiu pedido de extensão da medida cautelar de arresto anteriormente deferida, para alcançar bens móveis e grãos situados em imóveis rurais alegadamente explorados pelo executado. A agravante alegou ausência de localização dos grãos vinculados à CPR e estado de insolvência do devedor, requerendo a conversão do arresto cautelar em executivo com base no art. 830 do CPC, bem como a inclusão de diversas fazendas na medida constritiva. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível a extensão da medida de arresto a imóveis de terceiros, com base em indícios de exploração agrícola pelo executado; e (ii) estabelecer se há elementos suficientes para conversão da medida cautelar de arresto em arresto executivo, nos termos do art. 830 do CPC, diante da não localização do devedor. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 830 do CPC autoriza o arresto de bens quando o executado não é localizado, mas exige-se a comprovação de que os bens arrestáveis pertencem ao devedor, para evitar violação a direitos de terceiros. 4. Os documentos apresentados pela agravante — como inscrições estaduais perante a SEFAZ/MT — não são suficientes, por si sós, para demonstrar a efetiva exploração agrícola nas fazendas Itanhangá 01, Harmonia e Cruzeiro. 5. Em relação à Fazenda Bela Manhã, embora haja carta de anuência, certidão de penhor e laudo de vistoria, verifica-se que o penhor agrícola de primeiro grau recai sobre quantidade de soja superior à expectativa de produção estimada, inexistindo excedente passível de arresto sem comprometer garantia real constituída em favor de terceiro. 6. A ausência de comprovação segura da titularidade ou da atividade agrícola do executado nas demais áreas impede a ampliação da medida, em respeito ao princípio da preservação de direitos de terceiros. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: 1. A extensão da medida cautelar de arresto a bens localizados em imóveis de terceiros exige prova mínima da exploração agrícola pelo devedor ou da titularidade dos bens. 2. A não localização do executado não dispensa a comprovação da vinculação dos bens ao devedor para fins de arresto, mesmo sob a égide do art. 830 do CPC. 3. A existência de penhor agrícola de primeiro grau sobre a totalidade ou a maior parte da produção impede a decretação de arresto sobre esses bens, em respeito à garantia constituída em favor de terceiros. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR): Egrégia Câmara: Agravo de Instrumento nº 1012087-17.2025.8.11.0000, referente à decisão proferida nos autos da Execução de Título Extrajudicial nº 1000132-56.2025.8.11.0107, da Vara Única da Comarca de Nova Ubiratã, que indeferiu o pedido de extensão da medida cautelar de arresto deferida em Id. 184604490. A agravante argumenta que, ao contrário do entendimento do juízo, demonstrou a existência de outras fazendas cultivadas pelo agravado, pois juntou: i) carta de anuência firmada pelo Executado e o proprietário de um dos imóveis, registrada em cartório, Id n. 185978264; ii) comprovantes de inscrição estadual perante a SEFAZ/MT, Id ns. 185978266, 185978268, 185978273; iii) certidão de penhor, comprovando que o Executado vem oferecendo grãos de soja e milho cultivados naqueles locais, em garantia para terceiros, Id n. 185978279; iv) certidões de matrícula dos imóveis, demonstrando gravames relacionados ao Executado, Ids ns. 185978281, 185978283 e 185978285; e, laudo de vistoria de uma das Fazendas indicadas para o cumprimento do arresto, conforme Id n. 185981746 (sic id 280918887 - Págs. 5 e 6). Aduz que, desde a decisão que deferiu o arresto, não conseguiu satisfazer a obrigação, tampouco localizar os grãos dados em garantia à CPR sub judice. Postula, assim, que seja autorizada a conversão do arresto cautelar em arresto executivo, conforme o art. 830 do CPC, pois, frustrada a citação do agravado, o qual se encontra em estado de insolvência, em razão do número de ações movidas em seu desfavor. Postula, ainda, pela concessão de tutela antecipada recursal, para que sejam arrestados tantos bens quantos sejam necessários para a satisfação da obrigação nos seguintes imóveis rurais em que o agravado explora atividade agrícola: FAZENDA ITANHANGÁ 01, IE n. 13.760.878-0, localizada na zona rural do Município de Itanhangá/MT, conforme espelho de inscrição estadual anexo; FAZENDA HARMONIA, IE n. 14.075.151-3, localizada na zona rural do Município de Vila Rica/MT, conforme espelho de inscrição estadual anexo; FAZENDA CRUZEIRO, IE n. 14.086.498-9, localizada no Município de Colíder/MT, conforme espelho de inscrição estadual anexo; FAZENDA BELA MANHÃ, escopo das matrículas 1.820, 3.368 e 3.369, todas localizadas no Município de Bom Jesus do Araguaia/MT, e registradas perante o Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Cascalheira/MT, conforme a carta de anuência registrada sob o n. 2591, Fls. 125, perante o Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Cascalheira/MT. Deferido em parte o pedido de antecipação da tutela recursal apenas para autorizar o arresto de bens móveis que sejam de propriedade do agravado e estejam localizados na Fazenda Bela Manhã, matrícula 1.820, CRI de Ribeirão Cascalheira, bem como o arresto de grãos que sobejem à garantia de penhor sobre a área, cabendo ao juízo da execução a fiscalização estrita dessa vinculação e a prudente delimitação da medida (id 281591395). O agravado não foi localizado. É o relatório. SUTENTAÇÃO ORAL USOU A PALAVRA A ADVOGADA KAMILLA ESPINDOLA FERREIRA, OAB/MT 17746-O V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR): Egrégia Câmara: O agravado emitiu, em favor da agravante, a Cédula de Produto Rural AGB/122/2024, pela qual se comprometeu a entregar, até 25/03/2025, 22.822 sacas de soja. Indicou, como área de formação da lavoura, as Fazendas Primavera (matrículas nº 2.317, 4.163 e 5.438 do 1º CRI de Nova Ubiratã), garantida por penhor agrícola de primeiro grau (ID 184340680). Segundo a agravante, os relatórios de monitoramento indicaram possível desvio da produção agrícola da área vinculada à CPR, o que ensejou o ajuizamento de Execução de Título Extrajudicial, com pedido de arresto cautelar da garantia, o que foi inicialmente deferido. Contudo, como a medida restou infrutífera, a agravante pleiteou a extensão do arresto a bens móveis localizados em outras fazendas supostamente exploradas pelo agravado (Fazenda Itanhangá, Harmonia, Cruzeiro e Bela Manhã). O pedido foi indeferido com fundamento nos seguintes termos: Conforme se verifica pelos documentos juntados aos autos, os imóveis apresentados são de propriedade de terceiros, bem como existe penhor agrícola de primeiro grau da quantia de 5.333.340,00 KG de soja, da safra 2024/2025 plantada na Fazenda Bela Manhã. Quanto às demais Fazendas, embora constem na Inscrição Estadual do executado, não há nos autos comprovação da existência de lavouras e se há penhores sobre estas. Assim, vez que temerária a ordem de arresto de grãos e penhoras de bens imóveis existentes em áreas de terceiros ou destas oriundas, entendo pelo INDEFERIMENTO, por ora, o pedido de extensão da medida cautelar. Nos termos do caput do art. 830 do CPC, se o executado não for encontrado, o oficial de justiça poderá arrestar bens suficientes para garantir a execução. No caso em análise, o executado permanece não localizado (ID 185112483), o que, em regra, autorizaria o arresto de bens. Contudo, a pretensão do agravante exige prova mínima de que os bens arrestáveis pertençam de fato ao devedor ou de que este exerça atividade agrícola nos respectivos imóveis, sob pena de lesão a direitos de terceiros. Para comprovar a exploração agrícola nas fazendas Itanhangá 01, Harmonia e Cruzeiro, a agravante apresentou apenas comprovantes de inscrição estadual perante a SEFAZ/MT (IDs 185978266, 185978268 e 185978273), os quais, isoladamente, não demonstram a efetiva atividade agrícola atual nas referidas áreas. Quanto à Fazenda Bela Manhã, foi anexada carta de anuência da Agropecuária Águas do Xingu LTDA, proprietária do imóvel, autorizando o agravado a oferecer, em garantia de financiamentos, a lavoura ali cultivada (matrícula nº 1.820 do RGI de Ribeirão Cascalheira), além de certidão positiva de penhor agrícola em nome do agravado e laudo de vistoria da propriedade. A análise conjunta desses documentos indica que o executado exerce atividade agrícola naquela localidade, razão pela qual, em sede de liminar, deferi parcialmente o arresto da soja excedente à garantia do penhor, a qual, registra-se, não foi cumprida até o momento. Todavia, em análise meritória mais detida, constata-se que o penhor agrícola de primeiro grau recai sobre 5.333.340,00 kg de soja da safra 2024/2025, com vencimento em 01/02/2025, ofertado em garantia à CPR nº 09/2025, endossada pela Lavoro Agrocomercial S/A em favor da FMC Química do Brasil LTDA, em 20/01/2025 (ID 185978280 - pág. 1). Conforme relatório apresentado pela agravante, a expectativa de produção na Fazenda Bela Manhã é de 83.850 sacas de soja de 60 kg, o que corresponde a aproximadamente 5.031.000,00 kg — quantidade inferior à garantida no penhor registrado, inexistindo excedente passível de arresto sem comprometer garantia real constituída em favor de terceiro. Diante disso, mostra-se mais prudente a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de extensão do arresto. Pelo exposto, nego provimento ao recurso. Com isso, revogo a liminar de id 281591395. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (1ª VOGAL): Eminentes pares, Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (2º VOGAL CONVOCADO): Eminentes pares, Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 09 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (1ª VOGAL): Eminentes Pares, Pedi vista dos autos com o objetivo de melhor refletir sobre a controvérsia aqui posta, especialmente diante da densidade dos argumentos recursais apresentados pela Agravante AGREX DO BRASIL S.A. e da complexidade fática e jurídica que envolve a execução de Cédula de Produto Rural, lastreada em garantia agrícola cuja frustração na prática impõe uma reavaliação da limitação inicialmente imposta pela decisão agravada. Após detida análise dos autos e de todos os documentos acostados, entendendo, em sede de cognição vertical ampliada, que merece provimento o presente Agravo de Instrumento. O recurso busca a reforma da decisão que indeferiu o pedido de extensão de medida cautelar de arresto anteriormente deferida, nos autos da Execução de Título Extrajudicial nº 1000132-56.2025.8.11.0107. A Agravante ajuizou execução de CPR com pedido de arresto cautelar, lastreado na inadimplência do executado quanto à entrega de 22.822 sacas de soja, garantidas por penhor agrícola sobre lavoura situada nas Fazendas Primavera (matrículas nº 2.317, 4.163 e 5.438 – Nova Ubiratã/MT), cujo produto deveria ser entregue entre 15/01/2025 e 25/03/2025. Em razão disso, aplicadas as penalidades, o executado passou a dever o volume de 34.464,11 sacas de 60kg cada de soja. Ocorre que concedida liminarmente a medida de arresto, verificou-se a total frustração da providência, porque não se localizou a produção vinculada à CPR; o Executado não foi citado, sendo certo, ainda, que a colheita da safra 2024/2025 de soja no estado do Mato Grosso foi concluída, impossibilitando o arresto futuro sobre grãos daquela safra. Diante disso, a Agravante requereu a extensão da medida cautelar para outras áreas em que o Executado possui cadastro de produtor rural perante a SEFAZ/MT, bem como a conversão da medida cautelar de arresto em arresto executivo, com base no art. 830 do CPC. Acerca da matéria, destacam-se o art. 830 do CPC, que permite o arresto de bens, pelo oficial de justiça, quando frustrada a citação pessoal do devedor; os arts. 300 e 301 do CPC que autorizam a concessão de tutela de urgência, quando demonstrada a probabilidade do direito e o perigo de dano; o artigo 799, VIII, do CPC, que dispõe acerca da incumbência do exequente de requerer medidas urgentes no curso do processo e a Lei 8.929/1994 que no seu artigo 15, trata da executividade da CPR, inclusive para a entrega de coisa incerta. No caso, a decisão agravada indeferiu a extensão da medida sob o argumento de ausência de prova cabal da vinculação do Executado às novas fazendas (Itanhangá 01, Harmonia, Cruzeiro e Bela Manhã), além de risco de constrição sobre bens de terceiros. O e. Relator, e. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho manteve a decisão agravada. Com todas as vênias ao referido entendimento, penso que é o caso de reforma da decisão agravada. Ocorre que o contexto demonstra o esgotamento da eficácia da medida original, com perda do objeto garantido (grãos) e não localização do devedor. Trata-se de típica hipótese de dilapidação patrimonial em curso, em que a Justiça não pode permanecer inerte. Soma-se a esse cenário que a agravante trouxe aos autos, com rigor técnico, os seguintes documentos: i) inscrição estadual ativa do Executado nas Fazendas Itanhangá, Harmonia e Cruzeiro (ID 280918893 pág. 20-22); ii) carta de anuência registrada em cartório, autorizando o Executado a oferecer a lavoura em garantia (ID 280918893 -pág. 19); iii) Certidão de penhor agrícola da produção oriunda da Fazenda Bela Manhã (ID 280918893 -pág.24), demonstrando que o Executado se apresenta como produtor da safra; iv) laudo de vistoria atestando a presença da lavoura na Fazenda Bela Manhã (ID 185981746 – na origem da execução). Tais documentos, analisados em conjunto, superam o requisito do “mínimo de plausibilidade” exigido para a concessão de medidas cautelares e não se limitam à presunção abstrata, porque há elementos documentais, oficiais e registrados que corroboram a atuação do Executado como produtor agrícola nas referidas áreas. Além disso, a AGREX prestou caução real registrada em cartório, como se visualiza do inteiro teor da Matrícula 1.508 (AV.23-1508, protocolo 100817- ID 280921355), a qual deve ser considerada como elemento mitigador de qualquer risco potencial a terceiros. Importante ponderar que no caso em exame, não apenas restou frustrada a citação do Executado, como também se mostrou infrutífero o arresto dos bens por ele indicados como garantia na própria Cédula de Produto Rural que fundamenta a presente execução, conforme demonstram as certidões negativas constantes dos autos sob os IDs 185112483, 185795955, 186649161 e 190464862. Atenta-se, ademais, que frustrada a citação pessoal do Executado, o artigo 830, de forma suplementar autoriza que “se oficial de justiça não encontrar o executado, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução”. Nesse contexto, o cumprimento da medida de arresto pelo oficial de justiça deve restringir-se a bens cuja titularidade e origem estejam devidamente vinculadas ao Executado, evitando-se excessos e assegurando-se a proteção de direitos de terceiros. Diante disso, impõe-se, como providência necessária, urgente e de caráter excepcional, a conversão do arresto cautelar já deferido em arresto executivo. Neste sentido essa e. Câmara tem se manifestado: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ARRESTO EXECUTIVO. FRUSTRAÇÃO DAS TENTATIVAS DE CITAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA MEDIDA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME. 1.Agravo de instrumento interposto contra decisão, que, nos autos de execução de título extrajudicial, indeferiu pedido de arresto executivo, sob fundamento de ausência dos requisitos da tutela cautelar e de não comprovação do esgotamento de diligências para localização do devedor. 2.A agravante sustenta que o arresto executivo, por sua natureza, independe da demonstração de urgência ou de probabilidade do direito, bastando a frustração das tentativas de localização do executado, nos termos do art. 830 do CPC. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3.A questão em discussão consiste em saber se, nos termos do art. 830 do CPC, a frustração da citação do devedor autoriza o arresto executivo, independentemente da demonstração de urgência ou de esgotamento de diligências. III. RAZÕES DE DECIDIR 4.O art. 830 do CPC prevê expressamente que, não sendo encontrado o executado, o oficial de justiça arrestará bens suficientes para garantir a execução, medida típica do processo executivo, que independe da demonstração dos requisitos da tutela de urgência. 5.O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a frustração da tentativa de localização do devedor autoriza o arresto de seus bens, inclusive por meio eletrônico, sendo prescindível a demonstração de urgência ou de esgotamento das tentativas de citação (REsp 1.822.034/SC). 6.A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso também admite o arresto executivo mesmo antes da citação, bastando a frustração das tentativas de localização do devedor (TJMT, AI 1022839-24.2020.8.11.0000). IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso provido para reformar a decisão agravada e autorizar o arresto executivo de bens do executado. Tese de julgamento: “1. A frustração das tentativas de citação do executado autoriza o arresto executivo, nos termos do art. 830 do CPC. 2. A medida prescinde da demonstração de urgência ou da exaustão de diligências.” Dispositivo relevante citado: CPC, art. 830. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.822.034/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 15.06.2021, DJe 21.06.2021; TJMT, AI 1022839-24.2020.8.11.0000, Rel. Des. Dirceu dos Santos, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 14.04.2021, DJe 16.04.2021.” (N.U 1018247-58.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/06/2025, Publicado no DJE 28/06/2025) (grifei) Neste sentido, destaco que o arresto executivo funciona como instrumento protetivo da utilidade do processo, sendo dever do Estado-juiz assegurar a tutela jurisdicional efetiva em cenário de claro esvaziamento patrimonial. Diante de todo o exposto, com as devidas vênias, divirjo do e. Relator, para DAR PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, a fim de formar a decisão agravada, autorizando a extensão da medida de arresto aos bens móveis (grãos) localizados nas Fazendas Itanhangá 01, Harmonia, Cruzeiro e Bela Manhã, desde que identificados como sendo cultivados ou pertencentes ao Executado MAICON FERNANDO SALA, mediante prévia constatação pelo oficial de justiça, convertendo, assim, o arresto cautelar em arresto executivo, com fundamento no art. 830 do CPC, ante a frustração da citação e da medida original, mediante caução prestada pela Agravante como condição suficiente para garantir a reversibilidade da medida, sem necessidade de nova garantia. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (2º VOGAL CONVOCADO): Senhor Presidente, Recebi antecipadamente os votos de Vossa Excelência e da Desa. Serly Marcondes Alves, 1ª vogal. Peço vênia à divergência e acompanho o voto do relator. É como voto. Cuiabá, MT 09-07-2025.

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.

Fazer Login para Ver Mais

Processo nº 1012087-17.2025.8.11.0000

ID: 326930389

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1012087-17.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 16/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MAICON FERNANDO SALA

Acórdão

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1012087-17.2025.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [INADIMPLEMENTO, CÉDULA DE PRODUTO RURAL, … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1012087-17.2025.8.11.0000 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) ASSUNTO: [INADIMPLEMENTO, CÉDULA DE PRODUTO RURAL, LIMINAR] RELATOR: EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO Turma Julgadora: [EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [MURILO CASTRO DE MELO - CPF: 893.322.021-68 (ADVOGADO), AGREX DO BRASIL S.A. - CNPJ: 10.515.785/0001-99 (AGRAVANTE), KAMILLA ESPINDOLA FERREIRA - CPF: 031.713.241-56 (ADVOGADO), MAICON FERNANDO SALA - CPF: 053.508.801-95 (AGRAVADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Exmo. Sr. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “NÃO PROVIDO, POR MAIORIA”. EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDA CAUTELAR DE ARRESTO. EXTENSÃO DA MEDIDA A OUTROS IMÓVEIS RURAIS. NECESSIDADE DE PROVA MÍNIMA DE EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA PELO EXECUTADO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de execução de título extrajudicial, que indeferiu pedido de extensão da medida cautelar de arresto anteriormente deferida, para alcançar bens móveis e grãos situados em imóveis rurais alegadamente explorados pelo executado. A agravante alegou ausência de localização dos grãos vinculados à CPR e estado de insolvência do devedor, requerendo a conversão do arresto cautelar em executivo com base no art. 830 do CPC, bem como a inclusão de diversas fazendas na medida constritiva. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível a extensão da medida de arresto a imóveis de terceiros, com base em indícios de exploração agrícola pelo executado; e (ii) estabelecer se há elementos suficientes para conversão da medida cautelar de arresto em arresto executivo, nos termos do art. 830 do CPC, diante da não localização do devedor. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 830 do CPC autoriza o arresto de bens quando o executado não é localizado, mas exige-se a comprovação de que os bens arrestáveis pertencem ao devedor, para evitar violação a direitos de terceiros. 4. Os documentos apresentados pela agravante — como inscrições estaduais perante a SEFAZ/MT — não são suficientes, por si sós, para demonstrar a efetiva exploração agrícola nas fazendas Itanhangá 01, Harmonia e Cruzeiro. 5. Em relação à Fazenda Bela Manhã, embora haja carta de anuência, certidão de penhor e laudo de vistoria, verifica-se que o penhor agrícola de primeiro grau recai sobre quantidade de soja superior à expectativa de produção estimada, inexistindo excedente passível de arresto sem comprometer garantia real constituída em favor de terceiro. 6. A ausência de comprovação segura da titularidade ou da atividade agrícola do executado nas demais áreas impede a ampliação da medida, em respeito ao princípio da preservação de direitos de terceiros. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: 1. A extensão da medida cautelar de arresto a bens localizados em imóveis de terceiros exige prova mínima da exploração agrícola pelo devedor ou da titularidade dos bens. 2. A não localização do executado não dispensa a comprovação da vinculação dos bens ao devedor para fins de arresto, mesmo sob a égide do art. 830 do CPC. 3. A existência de penhor agrícola de primeiro grau sobre a totalidade ou a maior parte da produção impede a decretação de arresto sobre esses bens, em respeito à garantia constituída em favor de terceiros. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR): Egrégia Câmara: Agravo de Instrumento nº 1012087-17.2025.8.11.0000, referente à decisão proferida nos autos da Execução de Título Extrajudicial nº 1000132-56.2025.8.11.0107, da Vara Única da Comarca de Nova Ubiratã, que indeferiu o pedido de extensão da medida cautelar de arresto deferida em Id. 184604490. A agravante argumenta que, ao contrário do entendimento do juízo, demonstrou a existência de outras fazendas cultivadas pelo agravado, pois juntou: i) carta de anuência firmada pelo Executado e o proprietário de um dos imóveis, registrada em cartório, Id n. 185978264; ii) comprovantes de inscrição estadual perante a SEFAZ/MT, Id ns. 185978266, 185978268, 185978273; iii) certidão de penhor, comprovando que o Executado vem oferecendo grãos de soja e milho cultivados naqueles locais, em garantia para terceiros, Id n. 185978279; iv) certidões de matrícula dos imóveis, demonstrando gravames relacionados ao Executado, Ids ns. 185978281, 185978283 e 185978285; e, laudo de vistoria de uma das Fazendas indicadas para o cumprimento do arresto, conforme Id n. 185981746 (sic id 280918887 - Págs. 5 e 6). Aduz que, desde a decisão que deferiu o arresto, não conseguiu satisfazer a obrigação, tampouco localizar os grãos dados em garantia à CPR sub judice. Postula, assim, que seja autorizada a conversão do arresto cautelar em arresto executivo, conforme o art. 830 do CPC, pois, frustrada a citação do agravado, o qual se encontra em estado de insolvência, em razão do número de ações movidas em seu desfavor. Postula, ainda, pela concessão de tutela antecipada recursal, para que sejam arrestados tantos bens quantos sejam necessários para a satisfação da obrigação nos seguintes imóveis rurais em que o agravado explora atividade agrícola: FAZENDA ITANHANGÁ 01, IE n. 13.760.878-0, localizada na zona rural do Município de Itanhangá/MT, conforme espelho de inscrição estadual anexo; FAZENDA HARMONIA, IE n. 14.075.151-3, localizada na zona rural do Município de Vila Rica/MT, conforme espelho de inscrição estadual anexo; FAZENDA CRUZEIRO, IE n. 14.086.498-9, localizada no Município de Colíder/MT, conforme espelho de inscrição estadual anexo; FAZENDA BELA MANHÃ, escopo das matrículas 1.820, 3.368 e 3.369, todas localizadas no Município de Bom Jesus do Araguaia/MT, e registradas perante o Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Cascalheira/MT, conforme a carta de anuência registrada sob o n. 2591, Fls. 125, perante o Cartório de Registro de Imóveis de Ribeirão Cascalheira/MT. Deferido em parte o pedido de antecipação da tutela recursal apenas para autorizar o arresto de bens móveis que sejam de propriedade do agravado e estejam localizados na Fazenda Bela Manhã, matrícula 1.820, CRI de Ribeirão Cascalheira, bem como o arresto de grãos que sobejem à garantia de penhor sobre a área, cabendo ao juízo da execução a fiscalização estrita dessa vinculação e a prudente delimitação da medida (id 281591395). O agravado não foi localizado. É o relatório. SUTENTAÇÃO ORAL USOU A PALAVRA A ADVOGADA KAMILLA ESPINDOLA FERREIRA, OAB/MT 17746-O V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR): Egrégia Câmara: O agravado emitiu, em favor da agravante, a Cédula de Produto Rural AGB/122/2024, pela qual se comprometeu a entregar, até 25/03/2025, 22.822 sacas de soja. Indicou, como área de formação da lavoura, as Fazendas Primavera (matrículas nº 2.317, 4.163 e 5.438 do 1º CRI de Nova Ubiratã), garantida por penhor agrícola de primeiro grau (ID 184340680). Segundo a agravante, os relatórios de monitoramento indicaram possível desvio da produção agrícola da área vinculada à CPR, o que ensejou o ajuizamento de Execução de Título Extrajudicial, com pedido de arresto cautelar da garantia, o que foi inicialmente deferido. Contudo, como a medida restou infrutífera, a agravante pleiteou a extensão do arresto a bens móveis localizados em outras fazendas supostamente exploradas pelo agravado (Fazenda Itanhangá, Harmonia, Cruzeiro e Bela Manhã). O pedido foi indeferido com fundamento nos seguintes termos: Conforme se verifica pelos documentos juntados aos autos, os imóveis apresentados são de propriedade de terceiros, bem como existe penhor agrícola de primeiro grau da quantia de 5.333.340,00 KG de soja, da safra 2024/2025 plantada na Fazenda Bela Manhã. Quanto às demais Fazendas, embora constem na Inscrição Estadual do executado, não há nos autos comprovação da existência de lavouras e se há penhores sobre estas. Assim, vez que temerária a ordem de arresto de grãos e penhoras de bens imóveis existentes em áreas de terceiros ou destas oriundas, entendo pelo INDEFERIMENTO, por ora, o pedido de extensão da medida cautelar. Nos termos do caput do art. 830 do CPC, se o executado não for encontrado, o oficial de justiça poderá arrestar bens suficientes para garantir a execução. No caso em análise, o executado permanece não localizado (ID 185112483), o que, em regra, autorizaria o arresto de bens. Contudo, a pretensão do agravante exige prova mínima de que os bens arrestáveis pertençam de fato ao devedor ou de que este exerça atividade agrícola nos respectivos imóveis, sob pena de lesão a direitos de terceiros. Para comprovar a exploração agrícola nas fazendas Itanhangá 01, Harmonia e Cruzeiro, a agravante apresentou apenas comprovantes de inscrição estadual perante a SEFAZ/MT (IDs 185978266, 185978268 e 185978273), os quais, isoladamente, não demonstram a efetiva atividade agrícola atual nas referidas áreas. Quanto à Fazenda Bela Manhã, foi anexada carta de anuência da Agropecuária Águas do Xingu LTDA, proprietária do imóvel, autorizando o agravado a oferecer, em garantia de financiamentos, a lavoura ali cultivada (matrícula nº 1.820 do RGI de Ribeirão Cascalheira), além de certidão positiva de penhor agrícola em nome do agravado e laudo de vistoria da propriedade. A análise conjunta desses documentos indica que o executado exerce atividade agrícola naquela localidade, razão pela qual, em sede de liminar, deferi parcialmente o arresto da soja excedente à garantia do penhor, a qual, registra-se, não foi cumprida até o momento. Todavia, em análise meritória mais detida, constata-se que o penhor agrícola de primeiro grau recai sobre 5.333.340,00 kg de soja da safra 2024/2025, com vencimento em 01/02/2025, ofertado em garantia à CPR nº 09/2025, endossada pela Lavoro Agrocomercial S/A em favor da FMC Química do Brasil LTDA, em 20/01/2025 (ID 185978280 - pág. 1). Conforme relatório apresentado pela agravante, a expectativa de produção na Fazenda Bela Manhã é de 83.850 sacas de soja de 60 kg, o que corresponde a aproximadamente 5.031.000,00 kg — quantidade inferior à garantida no penhor registrado, inexistindo excedente passível de arresto sem comprometer garantia real constituída em favor de terceiro. Diante disso, mostra-se mais prudente a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de extensão do arresto. Pelo exposto, nego provimento ao recurso. Com isso, revogo a liminar de id 281591395. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (1ª VOGAL): Eminentes pares, Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (2º VOGAL CONVOCADO): Eminentes pares, Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 09 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (1ª VOGAL): Eminentes Pares, Pedi vista dos autos com o objetivo de melhor refletir sobre a controvérsia aqui posta, especialmente diante da densidade dos argumentos recursais apresentados pela Agravante AGREX DO BRASIL S.A. e da complexidade fática e jurídica que envolve a execução de Cédula de Produto Rural, lastreada em garantia agrícola cuja frustração na prática impõe uma reavaliação da limitação inicialmente imposta pela decisão agravada. Após detida análise dos autos e de todos os documentos acostados, entendendo, em sede de cognição vertical ampliada, que merece provimento o presente Agravo de Instrumento. O recurso busca a reforma da decisão que indeferiu o pedido de extensão de medida cautelar de arresto anteriormente deferida, nos autos da Execução de Título Extrajudicial nº 1000132-56.2025.8.11.0107. A Agravante ajuizou execução de CPR com pedido de arresto cautelar, lastreado na inadimplência do executado quanto à entrega de 22.822 sacas de soja, garantidas por penhor agrícola sobre lavoura situada nas Fazendas Primavera (matrículas nº 2.317, 4.163 e 5.438 – Nova Ubiratã/MT), cujo produto deveria ser entregue entre 15/01/2025 e 25/03/2025. Em razão disso, aplicadas as penalidades, o executado passou a dever o volume de 34.464,11 sacas de 60kg cada de soja. Ocorre que concedida liminarmente a medida de arresto, verificou-se a total frustração da providência, porque não se localizou a produção vinculada à CPR; o Executado não foi citado, sendo certo, ainda, que a colheita da safra 2024/2025 de soja no estado do Mato Grosso foi concluída, impossibilitando o arresto futuro sobre grãos daquela safra. Diante disso, a Agravante requereu a extensão da medida cautelar para outras áreas em que o Executado possui cadastro de produtor rural perante a SEFAZ/MT, bem como a conversão da medida cautelar de arresto em arresto executivo, com base no art. 830 do CPC. Acerca da matéria, destacam-se o art. 830 do CPC, que permite o arresto de bens, pelo oficial de justiça, quando frustrada a citação pessoal do devedor; os arts. 300 e 301 do CPC que autorizam a concessão de tutela de urgência, quando demonstrada a probabilidade do direito e o perigo de dano; o artigo 799, VIII, do CPC, que dispõe acerca da incumbência do exequente de requerer medidas urgentes no curso do processo e a Lei 8.929/1994 que no seu artigo 15, trata da executividade da CPR, inclusive para a entrega de coisa incerta. No caso, a decisão agravada indeferiu a extensão da medida sob o argumento de ausência de prova cabal da vinculação do Executado às novas fazendas (Itanhangá 01, Harmonia, Cruzeiro e Bela Manhã), além de risco de constrição sobre bens de terceiros. O e. Relator, e. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho manteve a decisão agravada. Com todas as vênias ao referido entendimento, penso que é o caso de reforma da decisão agravada. Ocorre que o contexto demonstra o esgotamento da eficácia da medida original, com perda do objeto garantido (grãos) e não localização do devedor. Trata-se de típica hipótese de dilapidação patrimonial em curso, em que a Justiça não pode permanecer inerte. Soma-se a esse cenário que a agravante trouxe aos autos, com rigor técnico, os seguintes documentos: i) inscrição estadual ativa do Executado nas Fazendas Itanhangá, Harmonia e Cruzeiro (ID 280918893 pág. 20-22); ii) carta de anuência registrada em cartório, autorizando o Executado a oferecer a lavoura em garantia (ID 280918893 -pág. 19); iii) Certidão de penhor agrícola da produção oriunda da Fazenda Bela Manhã (ID 280918893 -pág.24), demonstrando que o Executado se apresenta como produtor da safra; iv) laudo de vistoria atestando a presença da lavoura na Fazenda Bela Manhã (ID 185981746 – na origem da execução). Tais documentos, analisados em conjunto, superam o requisito do “mínimo de plausibilidade” exigido para a concessão de medidas cautelares e não se limitam à presunção abstrata, porque há elementos documentais, oficiais e registrados que corroboram a atuação do Executado como produtor agrícola nas referidas áreas. Além disso, a AGREX prestou caução real registrada em cartório, como se visualiza do inteiro teor da Matrícula 1.508 (AV.23-1508, protocolo 100817- ID 280921355), a qual deve ser considerada como elemento mitigador de qualquer risco potencial a terceiros. Importante ponderar que no caso em exame, não apenas restou frustrada a citação do Executado, como também se mostrou infrutífero o arresto dos bens por ele indicados como garantia na própria Cédula de Produto Rural que fundamenta a presente execução, conforme demonstram as certidões negativas constantes dos autos sob os IDs 185112483, 185795955, 186649161 e 190464862. Atenta-se, ademais, que frustrada a citação pessoal do Executado, o artigo 830, de forma suplementar autoriza que “se oficial de justiça não encontrar o executado, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução”. Nesse contexto, o cumprimento da medida de arresto pelo oficial de justiça deve restringir-se a bens cuja titularidade e origem estejam devidamente vinculadas ao Executado, evitando-se excessos e assegurando-se a proteção de direitos de terceiros. Diante disso, impõe-se, como providência necessária, urgente e de caráter excepcional, a conversão do arresto cautelar já deferido em arresto executivo. Neste sentido essa e. Câmara tem se manifestado: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ARRESTO EXECUTIVO. FRUSTRAÇÃO DAS TENTATIVAS DE CITAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA MEDIDA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME. 1.Agravo de instrumento interposto contra decisão, que, nos autos de execução de título extrajudicial, indeferiu pedido de arresto executivo, sob fundamento de ausência dos requisitos da tutela cautelar e de não comprovação do esgotamento de diligências para localização do devedor. 2.A agravante sustenta que o arresto executivo, por sua natureza, independe da demonstração de urgência ou de probabilidade do direito, bastando a frustração das tentativas de localização do executado, nos termos do art. 830 do CPC. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3.A questão em discussão consiste em saber se, nos termos do art. 830 do CPC, a frustração da citação do devedor autoriza o arresto executivo, independentemente da demonstração de urgência ou de esgotamento de diligências. III. RAZÕES DE DECIDIR 4.O art. 830 do CPC prevê expressamente que, não sendo encontrado o executado, o oficial de justiça arrestará bens suficientes para garantir a execução, medida típica do processo executivo, que independe da demonstração dos requisitos da tutela de urgência. 5.O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a frustração da tentativa de localização do devedor autoriza o arresto de seus bens, inclusive por meio eletrônico, sendo prescindível a demonstração de urgência ou de esgotamento das tentativas de citação (REsp 1.822.034/SC). 6.A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso também admite o arresto executivo mesmo antes da citação, bastando a frustração das tentativas de localização do devedor (TJMT, AI 1022839-24.2020.8.11.0000). IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso provido para reformar a decisão agravada e autorizar o arresto executivo de bens do executado. Tese de julgamento: “1. A frustração das tentativas de citação do executado autoriza o arresto executivo, nos termos do art. 830 do CPC. 2. A medida prescinde da demonstração de urgência ou da exaustão de diligências.” Dispositivo relevante citado: CPC, art. 830. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.822.034/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 15.06.2021, DJe 21.06.2021; TJMT, AI 1022839-24.2020.8.11.0000, Rel. Des. Dirceu dos Santos, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 14.04.2021, DJe 16.04.2021.” (N.U 1018247-58.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/06/2025, Publicado no DJE 28/06/2025) (grifei) Neste sentido, destaco que o arresto executivo funciona como instrumento protetivo da utilidade do processo, sendo dever do Estado-juiz assegurar a tutela jurisdicional efetiva em cenário de claro esvaziamento patrimonial. Diante de todo o exposto, com as devidas vênias, divirjo do e. Relator, para DAR PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, a fim de formar a decisão agravada, autorizando a extensão da medida de arresto aos bens móveis (grãos) localizados nas Fazendas Itanhangá 01, Harmonia, Cruzeiro e Bela Manhã, desde que identificados como sendo cultivados ou pertencentes ao Executado MAICON FERNANDO SALA, mediante prévia constatação pelo oficial de justiça, convertendo, assim, o arresto cautelar em arresto executivo, com fundamento no art. 830 do CPC, ante a frustração da citação e da medida original, mediante caução prestada pela Agravante como condição suficiente para garantir a reversibilidade da medida, sem necessidade de nova garantia. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (2º VOGAL CONVOCADO): Senhor Presidente, Recebi antecipadamente os votos de Vossa Excelência e da Desa. Serly Marcondes Alves, 1ª vogal. Peço vênia à divergência e acompanho o voto do relator. É como voto. Cuiabá, MT 09-07-2025.

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Energisa S/A e outros x Energisa S/A e outros

ID: 336154798

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1025825-56.2019.8.11.0041

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

ENERGISA S/A MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Polo Passivo:

ENERGISA S/A MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Acórdão

Advogados:

HELDER MASSAAKI KANAMARU

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025825-56.2019.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Pagamento com Sub-rogação, Indenização por Dan… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025825-56.2019.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Pagamento com Sub-rogação, Indenização por Dano Material, Fornecimento de Energia Elétrica, Efeitos] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. - CNPJ: 61.074.175/0001-38 (APELANTE), HELDER MASSAAKI KANAMARU - CPF: 105.425.788-40 (ADVOGADO), ENERGISA S/A - CNPJ: 00.864.214/0001-06 (APELADO), EDUARDO QUEIROGA ESTRELA MAIA PAIVA - CPF: 078.165.854-38 (ADVOGADO), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO), VINICIUS MEDEIROS MARQUES - CPF: 070.523.144-52 (ADVOGADO), JALDEMIRO RODRIGUES DE ATAIDE JUNIOR - CPF: 008.037.384-47 (ADVOGADO), MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. - CNPJ: 61.074.175/0001-38 (APELADO), HELDER MASSAAKI KANAMARU - CPF: 105.425.788-40 (ADVOGADO), ENERGISA S/A - CNPJ: 00.864.214/0001-06 (APELANTE), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AOS RECURSOS. E M E N T A Direito Civil e do Consumidor. Apelação Cível. Ação Regressiva de Ressarcimento. Danos Elétricos Decorrentes de Oscilação de Energia. Responsabilidade Objetiva da Concessionária. Fortuito Interno e Excludente de Responsabilidade. Recursos Desprovidos. I. Caso em Exame 1. Recursos de Apelação interpostos por Concessionária de energia elétrica e Seguradora em face de sentença que julgou parcialmente procedente pedido de ressarcimento formulado em Ação Regressiva. A sentença condenou a Concessionária ao pagamento de R$ 26.813,57 (vinte e seis mil, oitocentos e treze reais e cinquenta e sete centavos) pelos danos decorrentes de falhas na prestação do serviço de energia elétrica, reconhecendo, contudo, a exclusão de responsabilidade quanto a um dos sinistros, por força maior (descarga atmosférica). Ambas as partes apelaram: a Concessionária buscou a total improcedência dos pedidos, enquanto a Seguradora pleiteou o reconhecimento integral do ressarcimento pleiteado na inicial. II. Questão em Discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Concessionária de energia elétrica pode ser responsabilizada objetivamente pelos danos causados a equipamentos elétricos em razão de oscilações ou interrupções no fornecimento; (ii) estabelecer se a ocorrência de descarga atmosférica configura excludente de responsabilidade, afastando o dever de indenizar. III. Razões de Decidir 3. A jurisprudência do STJ reconhece que a seguradora sub-rogada nos direitos do segurado pode invocar normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive o regime de responsabilidade objetiva previsto no art. 14 do CDC. 4. A concessionária de energia elétrica responde objetivamente pelos danos causados por falha na prestação do serviço, salvo se demonstrada a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, de terceiro, ou caso fortuito ou força maior, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC. 5. Laudos técnicos apresentados pela Seguradora demonstram de forma suficiente que os danos em parte dos sinistros decorreram de oscilações na rede elétrica, sendo legítima a conclusão de que houve defeito na prestação do serviço. 6. A alegação de unilateralidade das provas técnicas não prospera quando a documentação apresentada é suficiente ao deslinde da controvérsia, nos termos do art. 370 do CPC e da jurisprudência consolidada do STJ. 7. Quanto ao sinistro afastado na sentença, os autos comprovam que os danos decorreram exclusivamente de descarga elétrica atmosférica intensa e imprevisível, caracterizando hipótese de força maior, apta a romper o nexo causal. 8. A jurisprudência desta Corte reconhece que a descarga atmosférica, quando demonstrada como causa exclusiva do dano, configura excludente de responsabilidade da concessionária. IV. Dispositivo e Tese 9. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: “1. A Seguradora sub-rogada possui legitimidade para invocar o Código de Defesa do Consumidor em ação regressiva contra concessionária de energia. 2. A ocorrência de descarga atmosférica intensa, inevitável e exclusiva caracteriza caso fortuito externo, rompendo o nexo causal e afastando o dever de indenizar.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, §6º; CC, art. 786; CDC, arts. 14, caput e § 3º, e 22; CPC, art. 370. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1.626.330/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 06.03.2023, DJe 14.03.2023; TJMT, RAC 1047188-65.2020.8.11.0041, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, j. 02.07.2025; TJMT, RAC 1002243-54.2024.8.11.0040, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 30.06.2025; TJMT, RAC 1000132-93.2023.8.11.0085, Rel. Des. Maria Helena Gargaglione Póvoas, j. 07.05.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1025825-56.2019.8.11.0041 Trata-se de Recursos de Apelação interpostos por Mapfre Seguros Gerais S.A. e Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S.A., em virtude da sentença proferida pela Juíza da 11ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, nos autos da Ação Regressiva de Ressarcimento. A Juíza julgou parcialmente procedente o pedido inicial e condenou a Concessionária de energia ao pagamento do valor de R$ 26.813,57 (vinte e seis mil oitocentos e treze reais e cinquenta e sete centavos), além das custas e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. Em suas razões recursais, a Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S.A. sustenta, preliminarmente, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de que a Seguradora não se qualifica como consumidora final de energia elétrica, e que a responsabilidade da Concessionária deve ser analisada sob a ótica subjetiva, haja vista tratar-se de conduta omissiva. Aduz que inexiste comprovação de ato ilícito, nexo causal ou falha na prestação do serviço, pois os laudos apresentados são unilaterais e genéricos. Alega ainda que se trata de caso fortuito ou força maior, o que afasta a responsabilidade civil. Sob tais argumentos, pugna pela reforma total da sentença e improcedência dos pedidos. Por sua vez, a Apelante Mapfre Seguros Gerais S.A. sustenta que a sentença incorreu em error in judicando ao afastar a responsabilidade da Energisa quanto ao sinistro envolvendo a segurada Renova Recuperadora de Veículos Eireli. Alega que a ocorrência de descarga atmosférica não exclui, por si só, o dever de indenizar da concessionária, por se tratar de fortuito interno e evento previsível, inerente à atividade desenvolvida. Defende a responsabilidade objetiva da fornecedora de energia elétrica e afirma que a prova documental acostada aos autos é suficiente para comprovar o nexo causal entre o evento e os danos. Sob tais fundamentos, requer a reforma parcial da sentença para condenar a Requerida também ao pagamento da indenização negada no primeiro grau. Sem Contrarrazões, vez que ambas as partes deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentação. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SR.ª DES.ª CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA) Egrégia Câmara: Ressai dos autos que a Apelada Mapfre Seguros Gerais S.A. ajuizou Ação de Cobrança em face de Energisa Mato Grosso Distribuidora de Energia S.A., sob alegação de que firmou contratos de seguro com diversos segurados situados na área de concessão da requerida, garantindo cobertura para danos decorrentes de oscilações de tensão, quedas e interrupções prolongadas no fornecimento de energia elétrica, conforme os termos das respectivas apólices. Aduziu que, em decorrência de falhas no fornecimento de energia elétrica, os seguintes segurados comunicaram a ocorrência de sinistros: · M. D. C. Empreendimentos e Participações Ltda, com sinistro ocorrido em 25 de junho de 2016, no endereço Rua Ouro Fino, 347, Bairro Bosque da Saúde, Cuiabá/MT, tendo sido indenizado no valor de R$ 17.370,00 (dezessete mil, trezentos e setenta reais), pago em 08 de agosto de 2016; · Willian Barbosa Schuck ME, com sinistro ocorrido em 20 de maio de 2017, na Avenida Sete de Setembro, 289, Centro, Rio Branco/MT, sendo paga a quantia de R$ 10.388,57 (dez mil, trezentos e oitenta e oito reais e cinquenta e sete centavos), em 03 de julho de 2017; · R E Beneficiamento de Cereais, com sinistro em 19 de outubro de 2018, na Rua Um, Chácara 6, Lote Verdes Campos, Sorriso/MT, com indenização no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais), paga em 21 de dezembro de 2018; · Reinaldo Neves Rodrigues, que sofreu danos em 07 de fevereiro de 2016, em sua residência na Rua Brasília, 627, Centro, Sorriso/MT, tendo recebido o valor de R$ 7.425,00 (sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), em 10 de junho de 2016; · Renova Recuperadora de Veículos Eireli, com sinistro registrado em 15 de agosto de 2016, no endereço Parque Industrial Fabrício Vetorasso Mendes, nº 1240, Distrito Industrial, Rondonópolis/MT, tendo sido paga a quantia de R$ 5.864,11 (cinco mil, oitocentos e sessenta e quatro reais e onze centavos), em 06 de setembro de 2016. Afirmou a Seguradora que, após receber os respectivos avisos de sinistro, instaurou os procedimentos internos de regulação, realizando investigações técnicas e perícias por empresa especializada. As análises concluíram que os danos decorreram diretamente de falhas na prestação do serviço de energia elétrica, caracterizando nexo de causalidade com os prejuízos noticiados. Requereu, por conseguinte, a condenação da concessionária ao pagamento do valor total de R$ 50.047,68 (cinquenta mil, quarenta e sete reais e sessenta e oito centavos), correspondente às quantias efetivamente pagas aos Segurados, com fundamento no direito de regresso e na sub-rogação legal prevista no art. 786 do Código Civil, bem como no Verbete Sumular n. 188 do STF. Em defesa, a Energisa Mato Grosso Distribuidora de Energia S.A. sustentou que inexiste responsabilidade civil por parte da concessionária, por ausência dos requisitos legais exigidos, especialmente quanto à demonstração do ato ilícito e do nexo de causalidade entre os supostos danos elétricos e a atuação da ré. Ressaltou que os documentos juntados pela autora, em especial os laudos e relatórios técnicos, são unilaterais, destituídos de fé pública e incapazes de comprovar de forma inequívoca a origem do dano na rede elétrica da concessionária. Aduziu que o fornecimento de energia elétrica se deu de forma regular, sendo que as oscilações alegadas podem decorrer de causas externas, inclusive internas à própria unidade consumidora, não se tratando de falha na prestação do serviço. Alegou ainda que parte dos eventos se deu em virtude de força maior, como a ocorrência de descargas atmosféricas, o que exclui o dever de indenizar nos termos da legislação aplicável. Por fim, pugnou pela total improcedência dos pedidos formulados na inicial, com a condenação da Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Após a análise do conjunto fático-probatório, a Juíza singular julgou parcialmente procedente o pedido inicial e condenou a Concessionária de energia ao pagamento do valor de R$ 26.813,57 (vinte e seis mil oitocentos e treze reais e cinquenta e sete centavos), além das custas e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. Irresignadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação, cada qual buscando a reforma da decisão em seu desfavor. A Energisa pretende a total improcedência dos pedidos formulados na inicial, e a MAPFRE postula o ressarcimento integral da quantia reclamada, sustentando a inaplicabilidade da excludente de responsabilidade civil acolhida parcialmente na sentença. Passo à análise detida de ambos os Apelos, que serão examinados separadamente, ainda que interdependentes no plano fático e jurídico. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA ENERGISA: Inicialmente, a Energisa Mato Grosso – Distribuidora De Energia S.A. alega que a Seguradora Requerente não se qualifica como consumidora final, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual não se aplica ao caso o regime de responsabilidade objetiva previsto no artigo 14 do referido diploma legal. Com efeito, o entendimento jurisprudencial consolidado, inclusive no STJ, tem reconhecido que a Seguradora, quando paga a indenização securitária, sub-roga-se nos direitos do segurado, podendo exercer, inclusive, os direitos consumeristas que este detinha frente à prestadora de serviço público (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.626.330/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 14/3/2023). Logo, é plenamente cabível o uso do CDC no caso concreto. Quanto à responsabilidade da concessionária, é sabido que esta é objetiva, de forma que cabia à Recorrente demonstrar que não ocorreu falha na prestação do serviço ou que, em havendo falha, ela decorreu de culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor, nos termos do artigo 14, § 3º, do CDC, ônus do qual não se desincumbiu. No caso concreto, ficou satisfatoriamente demonstrado, por meio dos documentos e laudos técnicos anexados à petição inicial, que parte dos equipamentos eletrônicos dos Segurados da MAPFRE foi danificada por oscilações de energia ou falhas no fornecimento. A Juíza de primeiro grau, de forma assertiva, reconheceu que os danos em tais casos se vinculam diretamente à prestação inadequada do serviço público essencial, impondo à concessionária o dever de indenizar. Quanto à alegação de que os laudos são unilaterais e genéricos, é preciso destacar que a Julgadora singular avaliou a suficiência da prova documental, fundamentando a decisão no art. 370 do CPC e na jurisprudência pacífica de que a produção de prova pericial pode ser indeferida quando a prova já constante nos autos é suficiente ao deslinde da controvérsia (REsp 1.121.087/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão). No mais, a Energisa não logrou êxito em afastar o nexo causal nos casos julgados procedentes. Pelo contrário, limitou-se a fazer alegações genéricas, sem qualquer demonstração concreta de que a falha no serviço não se deu por sua culpa, omissão ou deficiência estrutural. Portanto, a pretensão recursal da Energisa não merece prosperar, devendo ser mantida a parcial procedência quanto aos sinistros em que ficou comprovado o defeito na prestação do serviço. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA SEGURADORA MAPFRE A MAPFRE, por sua vez, pugna pela reforma parcial da sentença, a fim de que a Energisa seja condenada também pelos danos causados no sinistro registrado no ID 20921053, cujo valor foi excluído da condenação sob a justificativa de que decorreu de descarga atmosférica, caracterizando força maior e rompendo o nexo de causalidade. Sustenta que o fenômeno “raio” é evento previsível, inerente à atividade da concessionária, e que, portanto, deveria ser considerado fortuito interno, não se prestando a afastar a responsabilidade civil. Além disso, argumenta que não houve prova por parte da ré de adoção de medidas preventivas adequadas, tampouco de que o serviço estava sendo prestado regularmente no momento do evento danoso. Contudo, não merece prosperar a pretensão recursal da Seguradora, vez que comungo integralmente com o entendimento lançado na sentença proferida no sentido de que a responsabilidade objetiva da concessionária de energia elétrica, embora ampla, comporta exceções, previstas no §3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Entre elas, está a demonstração da ausência de defeito na prestação do serviço e a existência de caso fortuito ou força maior, capazes de romper o nexo de causalidade. No caso, é inequívoca a demonstração técnica de que os danos atribuídos ao sinistro do ID 290109410 decorreram de descarga elétrica de origem atmosférica, fenômeno natural intenso, inevitável e externo à cadeia de fornecimento da concessionária, conforme evidenciado pelos laudos acostados aos autos. A natureza súbita, violenta e imprevisível da descarga registrada, que atingiu diretamente as instalações do segurado, evidencia a ocorrência de força maior no sentido estrito adotado pela doutrina e pela jurisprudência dominantes. Tal circunstância rompe o nexo causal necessário à responsabilização da concessionária, na medida em que não há qualquer elemento probatório nos autos indicando falha na manutenção da rede, deficiência na estrutura de proteção, omissão no serviço ou ausência de monitoramento técnico por parte da ré. Trata-se, pois, de evento isolado, de origem exclusivamente natural, com efeitos não imputáveis à concessionária, ausente qualquer contribuição comissiva ou omissiva da empresa fornecedora. A jurisprudência deste Egrégio Tribunal é pacífica no sentido de reconhecer que descargas atmosféricas se qualificam como causa excludente de responsabilidade, quando comprovadas tecnicamente como fato gerador exclusivo do dano, sem concorrência de falha na prestação do serviço: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REGRESSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANOS ELÉTRICOS. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. (...) 8. A alegação de caso fortuito (descarga atmosférica) também afasta o dever de indenizar quando não demonstrada a falha na prestação do serviço. (...) (TJMT. N.U 1047188-65.2020.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/07/2025, publicado no DJE 02/07/2025). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS – PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE REJEITADA – MÉRITO – PEDIDO DE RESSARCIMENTO DA SEGURADORA CONTRA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA – EQUIPAMENTOS DANIFICADOS – DANOS ELÉTRICOS EM RAZÃO DE DESCARGA ATMOSFÉRICA – CASO FORTUITO – CAUSA EXCLUDENTE DO DEVER DE INDENIZAR – HONORÁRIOS MANTIDOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Como a parte apelante apresentou devidamente os fundamentos de fato e de direito a fim de impugnar efetivamente os fundamentos da sentença, deve ser afastada a preliminar relativa à violação ao princípio da dialeticidade. Constatado dos autos que os danos sofridos pelo segurado se deram em virtude de descargas atmosféricas (força maior), que é causa excludente da responsabilidade quanto ao dever de indenizar, os pedidos da inicial devem ser julgados improcedentes. (TJMT. RAC. N.U 1002243-54.2024.8.11.0040, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/06/2025, publicado no DJE 30/06/2025). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS – QUEIMA DE APARELHOS POR DESCARGA ELÉTRICA NA RESIDÊNCIA – FORÇA MAIOR – EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. Se a prova documental indica que os danos à Segurada foram causados por descarga elétrica atmosférica (raio) na residência, há motivo de força maior, o que exclui o nexo causal entre a prestação do serviço e o prejuízo sofrido. Embora a responsabilidade da concessionária de energia elétrica seja objetiva, nos termos do art. 37, §6º, da CF/1988, e dos artigos 14 e 22 do CDC, a jurisprudência reconhece causa excludente em casos análogos, reforçando o caráter imprevisível e inevitável do evento. Apelo desprovido. (TJMT. RAC. N.U 1000132-93.2023.8.11.0085, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 07/05/2025, publicado no DJE 07/05/2025). Os citados precedentes demonstram a firme orientação deste Tribunal quanto à interpretação do art. 14, §3º, do CDC, de forma técnica e sistêmica, com base no princípio da causalidade e da boa-fé objetiva, exigindo do consumidor ou Seguradora sub-rogada a comprovação de falha do serviço e da ligação direta entre a conduta da fornecedora e o dano. Na hipótese, como bem destacou a sentença, a parte Autora não logrou êxito em infirmar a origem exclusivamente natural do evento, nem tampouco em demonstrar qualquer omissão da Requerida. Ao revés, os documentos revelam a ausência de falha na prestação do serviço, circunstância que impõe a aplicação da causa excludente de responsabilidade. Por fim, destaco que, não se trata de afastamento indevido do regime de responsabilidade objetiva, mas de observância do próprio limite legal dessa responsabilidade, que, embora prescinda da prova de culpa, não se configura quando inexistente o nexo de causalidade direto e imediato. Assim, a sentença deve ser mantida integralmente, pois reconheceu com equilíbrio e rigor técnico os eventos que efetivamente ensejaram o dever de ressarcimento, e, com igual acerto, afastou a responsabilidade da concessionária quanto ao evento incontroversamente causado por força maior. Feitas essas considerações, nego provimento a ambos os Apelos. Nos termos do art. 85, § 11 do CPC, majoro os honorários advocatícios para 20% (vinte por cento) do valor da condenação, com a ressalva de que a diferença deve ser arcada apenas pela Energisa, pois a Autora/Recorrente não foi compelida ao pagamento dessa verba na instância de origem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Energisa S/A e outros x Energisa S/A e outros

ID: 336154808

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1025825-56.2019.8.11.0041

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

ENERGISA S/A MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Polo Passivo:

ENERGISA S/A MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Acórdão

Advogados:

HELDER MASSAAKI KANAMARU

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025825-56.2019.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Pagamento com Sub-rogação, Indenização por Dan… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025825-56.2019.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Pagamento com Sub-rogação, Indenização por Dano Material, Fornecimento de Energia Elétrica, Efeitos] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. - CNPJ: 61.074.175/0001-38 (APELANTE), HELDER MASSAAKI KANAMARU - CPF: 105.425.788-40 (ADVOGADO), ENERGISA S/A - CNPJ: 00.864.214/0001-06 (APELADO), EDUARDO QUEIROGA ESTRELA MAIA PAIVA - CPF: 078.165.854-38 (ADVOGADO), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO), VINICIUS MEDEIROS MARQUES - CPF: 070.523.144-52 (ADVOGADO), JALDEMIRO RODRIGUES DE ATAIDE JUNIOR - CPF: 008.037.384-47 (ADVOGADO), MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A. - CNPJ: 61.074.175/0001-38 (APELADO), HELDER MASSAAKI KANAMARU - CPF: 105.425.788-40 (ADVOGADO), ENERGISA S/A - CNPJ: 00.864.214/0001-06 (APELANTE), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AOS RECURSOS. E M E N T A Direito Civil e do Consumidor. Apelação Cível. Ação Regressiva de Ressarcimento. Danos Elétricos Decorrentes de Oscilação de Energia. Responsabilidade Objetiva da Concessionária. Fortuito Interno e Excludente de Responsabilidade. Recursos Desprovidos. I. Caso em Exame 1. Recursos de Apelação interpostos por Concessionária de energia elétrica e Seguradora em face de sentença que julgou parcialmente procedente pedido de ressarcimento formulado em Ação Regressiva. A sentença condenou a Concessionária ao pagamento de R$ 26.813,57 (vinte e seis mil, oitocentos e treze reais e cinquenta e sete centavos) pelos danos decorrentes de falhas na prestação do serviço de energia elétrica, reconhecendo, contudo, a exclusão de responsabilidade quanto a um dos sinistros, por força maior (descarga atmosférica). Ambas as partes apelaram: a Concessionária buscou a total improcedência dos pedidos, enquanto a Seguradora pleiteou o reconhecimento integral do ressarcimento pleiteado na inicial. II. Questão em Discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Concessionária de energia elétrica pode ser responsabilizada objetivamente pelos danos causados a equipamentos elétricos em razão de oscilações ou interrupções no fornecimento; (ii) estabelecer se a ocorrência de descarga atmosférica configura excludente de responsabilidade, afastando o dever de indenizar. III. Razões de Decidir 3. A jurisprudência do STJ reconhece que a seguradora sub-rogada nos direitos do segurado pode invocar normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive o regime de responsabilidade objetiva previsto no art. 14 do CDC. 4. A concessionária de energia elétrica responde objetivamente pelos danos causados por falha na prestação do serviço, salvo se demonstrada a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, de terceiro, ou caso fortuito ou força maior, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC. 5. Laudos técnicos apresentados pela Seguradora demonstram de forma suficiente que os danos em parte dos sinistros decorreram de oscilações na rede elétrica, sendo legítima a conclusão de que houve defeito na prestação do serviço. 6. A alegação de unilateralidade das provas técnicas não prospera quando a documentação apresentada é suficiente ao deslinde da controvérsia, nos termos do art. 370 do CPC e da jurisprudência consolidada do STJ. 7. Quanto ao sinistro afastado na sentença, os autos comprovam que os danos decorreram exclusivamente de descarga elétrica atmosférica intensa e imprevisível, caracterizando hipótese de força maior, apta a romper o nexo causal. 8. A jurisprudência desta Corte reconhece que a descarga atmosférica, quando demonstrada como causa exclusiva do dano, configura excludente de responsabilidade da concessionária. IV. Dispositivo e Tese 9. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: “1. A Seguradora sub-rogada possui legitimidade para invocar o Código de Defesa do Consumidor em ação regressiva contra concessionária de energia. 2. A ocorrência de descarga atmosférica intensa, inevitável e exclusiva caracteriza caso fortuito externo, rompendo o nexo causal e afastando o dever de indenizar.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, §6º; CC, art. 786; CDC, arts. 14, caput e § 3º, e 22; CPC, art. 370. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1.626.330/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 06.03.2023, DJe 14.03.2023; TJMT, RAC 1047188-65.2020.8.11.0041, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, j. 02.07.2025; TJMT, RAC 1002243-54.2024.8.11.0040, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 30.06.2025; TJMT, RAC 1000132-93.2023.8.11.0085, Rel. Des. Maria Helena Gargaglione Póvoas, j. 07.05.2025. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1025825-56.2019.8.11.0041 Trata-se de Recursos de Apelação interpostos por Mapfre Seguros Gerais S.A. e Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S.A., em virtude da sentença proferida pela Juíza da 11ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, nos autos da Ação Regressiva de Ressarcimento. A Juíza julgou parcialmente procedente o pedido inicial e condenou a Concessionária de energia ao pagamento do valor de R$ 26.813,57 (vinte e seis mil oitocentos e treze reais e cinquenta e sete centavos), além das custas e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. Em suas razões recursais, a Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S.A. sustenta, preliminarmente, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de que a Seguradora não se qualifica como consumidora final de energia elétrica, e que a responsabilidade da Concessionária deve ser analisada sob a ótica subjetiva, haja vista tratar-se de conduta omissiva. Aduz que inexiste comprovação de ato ilícito, nexo causal ou falha na prestação do serviço, pois os laudos apresentados são unilaterais e genéricos. Alega ainda que se trata de caso fortuito ou força maior, o que afasta a responsabilidade civil. Sob tais argumentos, pugna pela reforma total da sentença e improcedência dos pedidos. Por sua vez, a Apelante Mapfre Seguros Gerais S.A. sustenta que a sentença incorreu em error in judicando ao afastar a responsabilidade da Energisa quanto ao sinistro envolvendo a segurada Renova Recuperadora de Veículos Eireli. Alega que a ocorrência de descarga atmosférica não exclui, por si só, o dever de indenizar da concessionária, por se tratar de fortuito interno e evento previsível, inerente à atividade desenvolvida. Defende a responsabilidade objetiva da fornecedora de energia elétrica e afirma que a prova documental acostada aos autos é suficiente para comprovar o nexo causal entre o evento e os danos. Sob tais fundamentos, requer a reforma parcial da sentença para condenar a Requerida também ao pagamento da indenização negada no primeiro grau. Sem Contrarrazões, vez que ambas as partes deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentação. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SR.ª DES.ª CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA) Egrégia Câmara: Ressai dos autos que a Apelada Mapfre Seguros Gerais S.A. ajuizou Ação de Cobrança em face de Energisa Mato Grosso Distribuidora de Energia S.A., sob alegação de que firmou contratos de seguro com diversos segurados situados na área de concessão da requerida, garantindo cobertura para danos decorrentes de oscilações de tensão, quedas e interrupções prolongadas no fornecimento de energia elétrica, conforme os termos das respectivas apólices. Aduziu que, em decorrência de falhas no fornecimento de energia elétrica, os seguintes segurados comunicaram a ocorrência de sinistros: · M. D. C. Empreendimentos e Participações Ltda, com sinistro ocorrido em 25 de junho de 2016, no endereço Rua Ouro Fino, 347, Bairro Bosque da Saúde, Cuiabá/MT, tendo sido indenizado no valor de R$ 17.370,00 (dezessete mil, trezentos e setenta reais), pago em 08 de agosto de 2016; · Willian Barbosa Schuck ME, com sinistro ocorrido em 20 de maio de 2017, na Avenida Sete de Setembro, 289, Centro, Rio Branco/MT, sendo paga a quantia de R$ 10.388,57 (dez mil, trezentos e oitenta e oito reais e cinquenta e sete centavos), em 03 de julho de 2017; · R E Beneficiamento de Cereais, com sinistro em 19 de outubro de 2018, na Rua Um, Chácara 6, Lote Verdes Campos, Sorriso/MT, com indenização no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais), paga em 21 de dezembro de 2018; · Reinaldo Neves Rodrigues, que sofreu danos em 07 de fevereiro de 2016, em sua residência na Rua Brasília, 627, Centro, Sorriso/MT, tendo recebido o valor de R$ 7.425,00 (sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), em 10 de junho de 2016; · Renova Recuperadora de Veículos Eireli, com sinistro registrado em 15 de agosto de 2016, no endereço Parque Industrial Fabrício Vetorasso Mendes, nº 1240, Distrito Industrial, Rondonópolis/MT, tendo sido paga a quantia de R$ 5.864,11 (cinco mil, oitocentos e sessenta e quatro reais e onze centavos), em 06 de setembro de 2016. Afirmou a Seguradora que, após receber os respectivos avisos de sinistro, instaurou os procedimentos internos de regulação, realizando investigações técnicas e perícias por empresa especializada. As análises concluíram que os danos decorreram diretamente de falhas na prestação do serviço de energia elétrica, caracterizando nexo de causalidade com os prejuízos noticiados. Requereu, por conseguinte, a condenação da concessionária ao pagamento do valor total de R$ 50.047,68 (cinquenta mil, quarenta e sete reais e sessenta e oito centavos), correspondente às quantias efetivamente pagas aos Segurados, com fundamento no direito de regresso e na sub-rogação legal prevista no art. 786 do Código Civil, bem como no Verbete Sumular n. 188 do STF. Em defesa, a Energisa Mato Grosso Distribuidora de Energia S.A. sustentou que inexiste responsabilidade civil por parte da concessionária, por ausência dos requisitos legais exigidos, especialmente quanto à demonstração do ato ilícito e do nexo de causalidade entre os supostos danos elétricos e a atuação da ré. Ressaltou que os documentos juntados pela autora, em especial os laudos e relatórios técnicos, são unilaterais, destituídos de fé pública e incapazes de comprovar de forma inequívoca a origem do dano na rede elétrica da concessionária. Aduziu que o fornecimento de energia elétrica se deu de forma regular, sendo que as oscilações alegadas podem decorrer de causas externas, inclusive internas à própria unidade consumidora, não se tratando de falha na prestação do serviço. Alegou ainda que parte dos eventos se deu em virtude de força maior, como a ocorrência de descargas atmosféricas, o que exclui o dever de indenizar nos termos da legislação aplicável. Por fim, pugnou pela total improcedência dos pedidos formulados na inicial, com a condenação da Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Após a análise do conjunto fático-probatório, a Juíza singular julgou parcialmente procedente o pedido inicial e condenou a Concessionária de energia ao pagamento do valor de R$ 26.813,57 (vinte e seis mil oitocentos e treze reais e cinquenta e sete centavos), além das custas e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. Irresignadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação, cada qual buscando a reforma da decisão em seu desfavor. A Energisa pretende a total improcedência dos pedidos formulados na inicial, e a MAPFRE postula o ressarcimento integral da quantia reclamada, sustentando a inaplicabilidade da excludente de responsabilidade civil acolhida parcialmente na sentença. Passo à análise detida de ambos os Apelos, que serão examinados separadamente, ainda que interdependentes no plano fático e jurídico. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA ENERGISA: Inicialmente, a Energisa Mato Grosso – Distribuidora De Energia S.A. alega que a Seguradora Requerente não se qualifica como consumidora final, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual não se aplica ao caso o regime de responsabilidade objetiva previsto no artigo 14 do referido diploma legal. Com efeito, o entendimento jurisprudencial consolidado, inclusive no STJ, tem reconhecido que a Seguradora, quando paga a indenização securitária, sub-roga-se nos direitos do segurado, podendo exercer, inclusive, os direitos consumeristas que este detinha frente à prestadora de serviço público (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.626.330/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 14/3/2023). Logo, é plenamente cabível o uso do CDC no caso concreto. Quanto à responsabilidade da concessionária, é sabido que esta é objetiva, de forma que cabia à Recorrente demonstrar que não ocorreu falha na prestação do serviço ou que, em havendo falha, ela decorreu de culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor, nos termos do artigo 14, § 3º, do CDC, ônus do qual não se desincumbiu. No caso concreto, ficou satisfatoriamente demonstrado, por meio dos documentos e laudos técnicos anexados à petição inicial, que parte dos equipamentos eletrônicos dos Segurados da MAPFRE foi danificada por oscilações de energia ou falhas no fornecimento. A Juíza de primeiro grau, de forma assertiva, reconheceu que os danos em tais casos se vinculam diretamente à prestação inadequada do serviço público essencial, impondo à concessionária o dever de indenizar. Quanto à alegação de que os laudos são unilaterais e genéricos, é preciso destacar que a Julgadora singular avaliou a suficiência da prova documental, fundamentando a decisão no art. 370 do CPC e na jurisprudência pacífica de que a produção de prova pericial pode ser indeferida quando a prova já constante nos autos é suficiente ao deslinde da controvérsia (REsp 1.121.087/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão). No mais, a Energisa não logrou êxito em afastar o nexo causal nos casos julgados procedentes. Pelo contrário, limitou-se a fazer alegações genéricas, sem qualquer demonstração concreta de que a falha no serviço não se deu por sua culpa, omissão ou deficiência estrutural. Portanto, a pretensão recursal da Energisa não merece prosperar, devendo ser mantida a parcial procedência quanto aos sinistros em que ficou comprovado o defeito na prestação do serviço. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA SEGURADORA MAPFRE A MAPFRE, por sua vez, pugna pela reforma parcial da sentença, a fim de que a Energisa seja condenada também pelos danos causados no sinistro registrado no ID 20921053, cujo valor foi excluído da condenação sob a justificativa de que decorreu de descarga atmosférica, caracterizando força maior e rompendo o nexo de causalidade. Sustenta que o fenômeno “raio” é evento previsível, inerente à atividade da concessionária, e que, portanto, deveria ser considerado fortuito interno, não se prestando a afastar a responsabilidade civil. Além disso, argumenta que não houve prova por parte da ré de adoção de medidas preventivas adequadas, tampouco de que o serviço estava sendo prestado regularmente no momento do evento danoso. Contudo, não merece prosperar a pretensão recursal da Seguradora, vez que comungo integralmente com o entendimento lançado na sentença proferida no sentido de que a responsabilidade objetiva da concessionária de energia elétrica, embora ampla, comporta exceções, previstas no §3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Entre elas, está a demonstração da ausência de defeito na prestação do serviço e a existência de caso fortuito ou força maior, capazes de romper o nexo de causalidade. No caso, é inequívoca a demonstração técnica de que os danos atribuídos ao sinistro do ID 290109410 decorreram de descarga elétrica de origem atmosférica, fenômeno natural intenso, inevitável e externo à cadeia de fornecimento da concessionária, conforme evidenciado pelos laudos acostados aos autos. A natureza súbita, violenta e imprevisível da descarga registrada, que atingiu diretamente as instalações do segurado, evidencia a ocorrência de força maior no sentido estrito adotado pela doutrina e pela jurisprudência dominantes. Tal circunstância rompe o nexo causal necessário à responsabilização da concessionária, na medida em que não há qualquer elemento probatório nos autos indicando falha na manutenção da rede, deficiência na estrutura de proteção, omissão no serviço ou ausência de monitoramento técnico por parte da ré. Trata-se, pois, de evento isolado, de origem exclusivamente natural, com efeitos não imputáveis à concessionária, ausente qualquer contribuição comissiva ou omissiva da empresa fornecedora. A jurisprudência deste Egrégio Tribunal é pacífica no sentido de reconhecer que descargas atmosféricas se qualificam como causa excludente de responsabilidade, quando comprovadas tecnicamente como fato gerador exclusivo do dano, sem concorrência de falha na prestação do serviço: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REGRESSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANOS ELÉTRICOS. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. (...) 8. A alegação de caso fortuito (descarga atmosférica) também afasta o dever de indenizar quando não demonstrada a falha na prestação do serviço. (...) (TJMT. N.U 1047188-65.2020.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/07/2025, publicado no DJE 02/07/2025). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS – PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE REJEITADA – MÉRITO – PEDIDO DE RESSARCIMENTO DA SEGURADORA CONTRA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA – EQUIPAMENTOS DANIFICADOS – DANOS ELÉTRICOS EM RAZÃO DE DESCARGA ATMOSFÉRICA – CASO FORTUITO – CAUSA EXCLUDENTE DO DEVER DE INDENIZAR – HONORÁRIOS MANTIDOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Como a parte apelante apresentou devidamente os fundamentos de fato e de direito a fim de impugnar efetivamente os fundamentos da sentença, deve ser afastada a preliminar relativa à violação ao princípio da dialeticidade. Constatado dos autos que os danos sofridos pelo segurado se deram em virtude de descargas atmosféricas (força maior), que é causa excludente da responsabilidade quanto ao dever de indenizar, os pedidos da inicial devem ser julgados improcedentes. (TJMT. RAC. N.U 1002243-54.2024.8.11.0040, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/06/2025, publicado no DJE 30/06/2025). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS – QUEIMA DE APARELHOS POR DESCARGA ELÉTRICA NA RESIDÊNCIA – FORÇA MAIOR – EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. Se a prova documental indica que os danos à Segurada foram causados por descarga elétrica atmosférica (raio) na residência, há motivo de força maior, o que exclui o nexo causal entre a prestação do serviço e o prejuízo sofrido. Embora a responsabilidade da concessionária de energia elétrica seja objetiva, nos termos do art. 37, §6º, da CF/1988, e dos artigos 14 e 22 do CDC, a jurisprudência reconhece causa excludente em casos análogos, reforçando o caráter imprevisível e inevitável do evento. Apelo desprovido. (TJMT. RAC. N.U 1000132-93.2023.8.11.0085, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 07/05/2025, publicado no DJE 07/05/2025). Os citados precedentes demonstram a firme orientação deste Tribunal quanto à interpretação do art. 14, §3º, do CDC, de forma técnica e sistêmica, com base no princípio da causalidade e da boa-fé objetiva, exigindo do consumidor ou Seguradora sub-rogada a comprovação de falha do serviço e da ligação direta entre a conduta da fornecedora e o dano. Na hipótese, como bem destacou a sentença, a parte Autora não logrou êxito em infirmar a origem exclusivamente natural do evento, nem tampouco em demonstrar qualquer omissão da Requerida. Ao revés, os documentos revelam a ausência de falha na prestação do serviço, circunstância que impõe a aplicação da causa excludente de responsabilidade. Por fim, destaco que, não se trata de afastamento indevido do regime de responsabilidade objetiva, mas de observância do próprio limite legal dessa responsabilidade, que, embora prescinda da prova de culpa, não se configura quando inexistente o nexo de causalidade direto e imediato. Assim, a sentença deve ser mantida integralmente, pois reconheceu com equilíbrio e rigor técnico os eventos que efetivamente ensejaram o dever de ressarcimento, e, com igual acerto, afastou a responsabilidade da concessionária quanto ao evento incontroversamente causado por força maior. Feitas essas considerações, nego provimento a ambos os Apelos. Nos termos do art. 85, § 11 do CPC, majoro os honorários advocatícios para 20% (vinte por cento) do valor da condenação, com a ressalva de que a diferença deve ser arcada apenas pela Energisa, pois a Autora/Recorrente não foi compelida ao pagamento dessa verba na instância de origem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Antonio Adao Aparecido De Araujo e outros x Lauro Silva Ribas

ID: 322039099

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ÚNICA DE NOVA CANAÃ DO NORTE Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE Nº Processo: 1000132-44.2024.8.11.0090

Data de Disponibilização: 10/07/2025

Polo Ativo:

ANTONIO ADAO APARECIDO DE ARAUJO EDNA PADILHA DE ARAUJO

Polo Passivo:

LAURO SILVA RIBAS

Sentença

Advogados:

PAULO ROGÉRIO DE OLIVEIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

MARCOS ANTONIO SANCHES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE NOVA CANAÃ DO NORTE SENTENÇA Processo: 1000132-44.2024.8.11.0090. AUTOR(A): ANTONIO ADAO APARECIDO DE ARAUJO, EDNA PADILHA DE ARAUJO REU: LAURO SI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE NOVA CANAÃ DO NORTE SENTENÇA Processo: 1000132-44.2024.8.11.0090. AUTOR(A): ANTONIO ADAO APARECIDO DE ARAUJO, EDNA PADILHA DE ARAUJO REU: LAURO SILVA RIBAS VISTOS. I - RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE LIMINAR ajuizada por ANTONIO ADAO APARECIDO DE ARAUJO e EDNA PADILHA DE ARAUJO em desfavor de LAURO SILVA RIBAS, todos qualificados nos autos. Os requerentes aduzem, em síntese, que são legítimos proprietários e possuidores diretos do imóvel com ÁREA PARA-RURAL (CHÁCARA), medindo 5,7869 ha, com perímetro de 1.213,67 metros, denominado "CHÁCARA SANTO EXPEDITO", também conhecido como "CHÁCARA DO TONINHO DA LANCHONETE SINUELO", localizado na Gleba Canaã, no Município de Nova Canaã do Norte-MT, próximo ao Trevo Rodoviário da Rodovia MT-320. Alegam que adquiriram o imóvel há mais de 30 (trinta) anos, mediante ocupação originária feita com anuência do órgão fundiário competente à época, mantendo desde então a posse e a propriedade do imóvel de forma mansa, pacífica e incontestada. Sustentam que, no dia 12/01/2024, quando se encontravam na cidade de Novo Progresso-PA, tomaram conhecimento de que o imóvel havia sido invadido pelo requerido, pessoa até então desconhecida, que adentrou ao local, trocou os cadeados das porteiras de acesso e colocou animais bovinos para se alimentarem das pastagens. Relatam que, após constatarem a invasão, registraram Boletim de Ocorrência nº 2024.16467 junto à Delegacia de Polícia Judiciária Civil e notificaram extrajudicialmente o requerido para desocupação voluntária do imóvel. No entanto, o requerido enviou contranotificação informando que não desocuparia o local. Postularam, assim, a concessão de liminar para reintegração de posse, bem como, ao final, a procedência da ação para confirmar a medida e condenar o requerido à indenização por perdas e danos, destruição ou desfazimento das benfeitorias realizadas na área e ao pagamento de custas e honorários advocatícios. À inicial foram anexados diversos documentos (ID. 144336413 e seguintes). As custas iniciais foram recolhidas (ID. 147604031). O pedido liminar foi postergado e designou-se audiência de justificação prévia (ID. 152009882). Em audiência (ID. 156321686), foram ouvidas as testemunhas arroladas pelos autores. Na sequência, foi proferida decisão indeferindo a tutela provisória de urgência (ID. 156637234). O requerido apresentou contestação (ID. 159641609), arguindo preliminarmente a falta de interesse processual, sob a alegação de que os autores discutem propriedade e não posse, devendo a demanda ser proposta por meio de ação reivindicatória. No mérito, sustentou que o imóvel pertenceu a Antonio de Souza Mello (falecido em 03/03/1992) e sua esposa Maria Ferreira Cardim Mello (falecida em 21/08/2000), sendo objeto de inventário (Proc. nº 1000027-04.2023.8.11.0090), tendo o requerido arrendado o imóvel do inventariante Antônio Carlos Melo Botega, mediante contrato firmado em 10/01/2024. Alegou que os autores residem no Estado do Pará e não exercem a posse do imóvel, que estaria em estado de abandono. Refutou os pedidos de indenização e requereu a condenação dos autores em litigância de má-fé. Os autores apresentaram réplica (ID. 162495964), alegando a intempestividade da contestação e reiterando os termos da inicial. Refutaram a preliminar e os argumentos de defesa, sustentando que a posse longeva sobre o imóvel ficou devidamente comprovada. Saneado o feito (ID. 166052209), foi afastada a preliminar de falta de interesse processual e fixados como pontos controvertidos: I - o exercício da posse direta sobre o imóvel pelos autores; II - se a posse do requerido é irregular; III - se há frutos ou benfeitorias passíveis de indenização. Designada audiência de instrução, posteriormente esta foi cancelada, por decisão que considerou desnecessária a produção de novas provas (ID. 192721072), determinando-se a apresentação de alegações finais pelas partes. Os autores apresentaram memoriais finais (ID. 195778827), sustentando a comprovação dos requisitos legais para a proteção possessória, apontando a vasta documentação anexada à inicial e os testemunhos colhidos, que confirmariam sua posse longeva e atual sobre o imóvel. Reiteraram o pedido de procedência da ação. O requerido, por sua vez, apresentou alegações finais (ID. 198800062), reiterando a preliminar de falta de interesse processual e, no mérito, sustentando a ausência de comprovação da posse pelos autores e a licitude de sua posse, decorrente de contrato de arrendamento firmado com o inventariante. Alegou que os autores residem em outro Estado e não exercem posse sobre o imóvel. Insistiu na improcedência da ação e na condenação dos autores por litigância de má-fé. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, cumpre afastar a alegação dos autores quanto à intempestividade da contestação. Conforme certidão do sistema PJE acostada nos autos, o prazo para contestação findou-se em 19/06/2024, data em que foi protocolada a peça defensiva. Logo, tempestiva a contestação. Quanto à preliminar de falta de interesse processual, esta já foi devidamente analisada e afastada na decisão de saneamento (ID. 166052209), não havendo razões para modificação do entendimento anteriormente exposto. Passo, portanto, à análise do mérito da demanda. 1. Do mérito A controvérsia dos autos cinge-se em verificar se os autores possuíam a posse do imóvel em questão e se sofreram esbulho praticado pelo requerido, para fins de análise do pedido de reintegração de posse. Para a procedência da ação de reintegração de posse, conforme o art. 561 do CPC, cabe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração. Analisando-se as provas produzidas nos autos, constata-se que os autores lograram êxito em comprovar os requisitos necessários para o acolhimento de seu pedido. 1.1. Da posse dos autores A prova da posse dos autores sobre o imóvel está sobejamente demonstrada pelos documentos juntados com a inicial. Os autores instruíram o feito com vasta documentação que comprova o exercício da posse sobre o imóvel por mais de 30 anos, incluindo: a) Documentos do INCRA e memorial descritivo da área (ID. 144336413); b) Guias de Trânsito Animal - GTA emitidas em nome do autor Antônio Adão Aparecido de Araújo (ID. 144342382 e ID 144342343); c) Recibo de instalação de rede de energia elétrica no imóvel em 20/08/1993 (ID. 144340934); d) Contrato de instalação de poço semiartesiano em 23/08/2000 (ID. 144340937); e) Recibos de pagamentos pela compra de materiais para cerca divisória em 2002 (ID. 144340939); f) Relatório de Assistência Zoofitossanitária emitido pelo INDEA em 03/09/2013, mencionando a existência de poço semiartesiano, currais, triturador e refrigerador no imóvel (ID. 144342358); g) Contratos de arrendamento do imóvel firmados pelos autores com terceiros entre 2020 e 2022 (IDs. 144343453 E 144343455); h) Notas fiscais e comprovantes diversos entre 2016 e 2022, demonstrando atividades rurais desenvolvidas no imóvel. Além da prova documental, a posse dos autores foi confirmada pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de justificação. O argumento do requerido de que os autores residem no Estado do Pará e não exercem a posse do imóvel não se sustenta. Conforme a petição inicial, os autores possuem domicílio plural, residindo tanto em Nova Canaã do Norte-MT quanto em Novo Progresso-PA. Além disso, o simples fato de eventualmente se ausentarem do imóvel não caracteriza abandono ou perda da posse, principalmente quando mantêm a administração e cuidados com o bem, como comprovado nos autos. Ademais, o serviço de aceiro realizado no imóvel em julho de 2023, a pedido do autor, comprova que a posse era exercida de forma atual e efetiva até poucos meses antes do alegado esbulho. 1.2. Do esbulho praticado pelo requerido e data de sua ocorrência Quanto ao esbulho e sua data, também restam comprovados nos autos. O Boletim de Ocorrência nº 2024.16467 (ID. 144343474) registra que os autores tomaram conhecimento da invasão em 12/01/2024, confirmando a data do esbulho. A notificação extrajudicial enviada ao requerido (ID. 144343483) também corrobora a ocorrência do esbulho. O próprio requerido não nega que passou a ocupar o imóvel, embora alegue que o fez legitimamente por meio de contrato de arrendamento firmado com o inventariante Antônio Carlos Melo Botega em 10/01/2024 (ID. 159642705). Cabe destacar que referido contrato foi celebrado apenas dois dias antes do esbulho, em contexto no mínimo duvidoso, uma vez que o imóvel estava na posse dos autores há décadas, conforme comprovado pelas provas documentais e testemunhais. Ademais, o fato de o imóvel ter sido arrolado em inventário não confere ao inventariante poderes para arrendá-lo a terceiros em detrimento da posse já exercida pelos autores. Ainda que eventualmente se discuta o domínio do bem em sede sucessória, a proteção possessória independe da discussão sobre propriedade, conforme dispõe o art. 1.210, §2º, do Código Civil: "Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa". Assim, comprovados o esbulho e sua data, resta caracterizado mais esse requisito para a procedência da ação possessória. 1.3. Da perda da posse pelos autores Por fim, o último requisito exigido pelo art. 561 do CPC também está configurado, pois os autores perderam a posse do imóvel em razão do esbulho praticado pelo requerido, conforme demonstrado nos autos. Nesse contexto, preenchidos todos os requisitos legais, impõe-se a procedência do pedido de reintegração de posse. 2. Das benfeitorias e acessões Quanto às benfeitorias e acessões eventualmente realizadas pelo requerido no imóvel, aplica-se o disposto no art. 1.220 do Código Civil, que dispõe: "Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias". Considerando que o requerido ocupou o imóvel ciente da posse anterior dos autores, conforme evidenciado pelos depoimentos das testemunhas que atestaram ser a posse dos requerentes conhecida por toda a comunidade local, caracteriza-se a má-fé na ocupação. Assim, deve ser autorizado o desfazimento ou remoção das benfeitorias voluptuárias ou úteis realizadas pelo requerido, caso existentes, concedendo-se prazo razoável para tanto, a fim de evitar maiores prejuízos. 3. Da indenização por perdas e danos No que tange ao pedido de indenização por perdas e danos, o art. 555, I, do CPC prevê a possibilidade de cumulação deste pedido com a pretensão possessória. No caso, ficou demonstrado que os autores sofreram prejuízos em decorrência da privação da posse do imóvel, especialmente pelo uso indevido das pastagens pelos animais do requerido, conforme relatado na inicial. Dessa forma, é cabível a condenação do requerido ao pagamento de indenização pelos danos materiais causados, a serem apurados em liquidação de sentença, considerando o período de privação da posse e os valores de mercado para arrendamento de pastagens na região. 4. Da litigância de má-fé Por fim, quanto ao pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pelo requerido, não se vislumbra a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 80 do CPC, uma vez que os autores exerceram regularmente seu direito de ação, amparados em elementos probatórios suficientes para a propositura da demanda. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para: a) DETERMINAR a reintegração definitiva dos autores ANTONIO ADAO APARECIDO DE ARAUJO e EDNA PADILHA DE ARAUJO na posse do imóvel descrito na inicial; b) AUTORIZAR o desfazimento ou remoção das benfeitorias voluptuárias ou úteis realizadas pelo requerido, concedendo-lhe o prazo de 30 (trinta) dias para fazê-lo, após a efetivação da reintegração de posse; c) CONDENAR o requerido LAURO SILVA RIBAS ao pagamento de indenização por danos materiais aos autores, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, considerando o período de privação da posse e os valores de mercado para arrendamento de pastagens na região. Em razão da sucumbência, condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Expeça-se mandado de reintegração de posse em favor dos autores. Esclareça-se que eventual discussão sobre o domínio do imóvel deverá ser travada na via processual adequada, não sendo a ação possessória o meio próprio para tal fim. Transitada em julgado e cumpridas as formalidades legais, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo. Intimem-se. Cumpra-se. Nova Canaã do Norte/MT, data da assinatura digital. (Assinatura Eletrônica) PAULA TATHIANA PINHEIRO Juíza de Direito em Substituição Legal

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000132-02.2025.8.11.0028

ID: 294751781

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ÚNICA DE POCONÉ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1000132-02.2025.8.11.0028

Data de Disponibilização: 10/06/2025

Polo Ativo:

ELISMAR ROSA DE JESUS

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

JOÃO PAULO CARVALHO FEITOSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE POCONÉ SENTENÇA Processo: 1000132-02.2025.8.11.0028. REQUERENTE: ELISMAR ROSA DE JESUS REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS VISTO… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE POCONÉ SENTENÇA Processo: 1000132-02.2025.8.11.0028. REQUERENTE: ELISMAR ROSA DE JESUS REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS VISTOS, Trata-se de AÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE - RURAL proposta por ELISMAR ROSA DE JESUS em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. A decisão de ID 189002003 determinou a emenda da inicial elencando os documentos considerados IDÔNEOS, não havendo documentos suficientes a evidenciar que a mesma laborou em zona rural. Ocorre que, o requerente não acostou documentos suficientes a comprovar uma vida inteira de atividade rural. É o relatório. Decido. Primeiramente, cabe REITERAR a parte autora que conforme mencionado na decisão retro, houve ALTERAÇÃO no entendimento desta Magistrada, ante as reformas reiteradas de decisões deste juízo pelo TRF1, de forma que as alegações de ID 191538838 não são suficientes ao recebimento da inicial, por se tratarem de alegações já apreciadas. Nota-se no presente feito carece de documentação em nome da autora, não havendo qualquer outro documento capaz de apresentar indício de prova da atividade rural durante toda a sua vida. Consoante já mencionado na decisão inicial os documentos fundados em mera declaração da autora, bem como NOTAS FISCAIS não constituem PROVA IDÔNEA. A CTPS acostada pela própria autora evidencia a existência de atividade urbana. Ademais, não há indícios de que a autora e o Sr. José Fernandes tenham convivido em união estável, além de mera declaração. Por fim, em busca da verdade dos fatos, foi localizado endereço da autora na ZONA URBANA DE CÁCERES/MT, coadunando com a total ausência de documentos em seu nome quanto a suposta atividade rural. Saliento que a fim de comprovar o domicílio nesta urbe a autora acostou documento em nome de terceiro e DECLARAÇÃO DE RESIDÊNCIA. O rol de documentos necessários para a comprovação da atividade rural mencionados na Lei 8.213/91 são meramente exemplificativos, permitindo a aceitação de outros documentos que comprovem a atividade rural. Todavia se exige documento IDÔNEO, qual seja documentos produzidos com certa publicidade e formalidade. Não se admite ainda documentos confeccionados em data próxima ao requerimento administrativo e ajuizamento da ação. É importante ressaltar que a prova exclusivamente testemunhal não é suficiente. Nesse sentido o STJ: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. TRABALHADOR RURAL. PENSÃO POR MORTE. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.1. Na hipótese dos autos, não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada, manifestando-se de forma clara sobre os requisitos para a concessão do benefício pleiteado. 2. O Tribunal a quo decidiu a questão nos seguintes termos (fls. 126-127/e-STJ): A documentação carreada aos autos indica o labor rural do-instituidor(a) da pensão, servindo, assim, como início de prova material do aludido labor.Considerando o fato de que a prova material produzida pela parte 'pode projetar seus efeitos de forma proativa o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que não é necessário que o inicio de prova documental para comprovação de exercício de atividade rural abranja todo o período de carência, sobretudo quando a prova testemunhal é suficientemente forte para corroborar o deferimento da aposentadoria. (Precedente: AR 3.771/CE, Rei. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/10/2010, DJe 18/11/2010. (Grifei) É pacífica a jurisprudência do STJ e desta Corte no sentido de que o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE) sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, além dos ali previsto sendo certo que a qualificação profissional de lavrador ou agricultor constante desses documentos não só aproveita em favor de seu titular, mas é extensível a cônjuge/companheiro(a) e aos filhos. Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural. Eventual enquadramento do segurado ou do cônjuge/companheiro como empregador rural tampouco descaracteriza a condição de segurado especial do beneficiário, seja por conta das provas produzidas, seja em virtude das disposições do Decreto-lei 1.166/71, segundo o qual a qualificação de empregador II-B é uma denominação a quem, proprietário ou não, mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência. Pontuo, ainda, que não desconfigura a qualidade de rurícola a existência de empregados temporários (art.11, VII, § 1º, da Lei 8.213/91) e a comercialização do excedente da produção feita diretamente pelo agricultor (art. 25 da Lei 8.212/91). A jurisprudência do STJ já firmou entendimento no sentido de que o tamanho da propriedade rural, por si só, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar quando, preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos (...) 3.Nota-se que a Corte de origem analisou com esmero as provas apresentadas, decidindo a questão com fundamento no suporte fático.Dessarte, o acolhimento das alegações do recorrente demandaria reapreciação do contexto fático-probatório, o que é inviável no Superior Tribunal de Justiça ante o óbice da Súmula 7/STJ.4. Recurso Especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido. (STJ - REsp 1649636 / MT, Relator(a): Ministro HERMAN BENJAMIN (1132), T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Julgamento: 27/03/2017, Data de Publicação: 18/04/2017) São idôneos, portanto, dentre outros, a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC); a certidão de casamento, a carteira de sindicato rural com comprovantes de recolhimento de contribuições, o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, AR 1067/SP, AR 1223/MS); declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE). Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos à propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência (REsp 310.264/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 18.02.2002, p. 530; AC 2004.38.03.000757-8/MG, Rel. Desembargadora Federal Neuza Maria Alves da Silva, Segunda Turma, e-DJF1 p.33 de 17/07/2008, AC 0004262-35.2004.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, 3ª Turma Suplementar, e-DJF1 p.191 de 02/03/2011). Por outro lado, são inservíveis como início de prova material do labor rural durante o período da carência os documentos não revestidos das formalidades legais para comprovar a autenticidade, os desprovidos de segurança jurídica e aqueles que tiverem sido confeccionados em momento próximo ao ajuizamento da ação ou data de Entrada do Requerimento administrativo – DER. Da mesma forma, são inservíveis documentos de terras em nome de terceiros. De igual forma já decidiu o TRF1: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL . INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. CORROBORAÇÃO POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS CUMPRIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO . DIB. ENDEREÇO URBANO. APELAÇÃO DO INSS NÃO PROVIDA. 1 . O benefício de salário-maternidade é devido à segurada especial que atender aos requisitos estabelecidos na Lei 8.213/91 (art. 25, III) e no § 2º do art. 93 do Decreto 3 .048/99. A demonstração do trabalho rural no prazo mínimo de 10 (dez) meses, ainda que descontínuos, deve ser realizada mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena, inadmissível a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª Região, Súmula 27). 2. São considerados documentos idôneos, entre outros: (a) a ficha de alistamento militar, o certificado de dispensa de incorporação (CDI), o título eleitoral e a certidão de casamento e de nascimento de filho, em que conste a qualificação da autora, ou do seu cônjuge, como lavrador (STJ, AgRG no REsp nº 939191/SC, AR 1067/SP, AR 1223/MS); (b) a carteira de filiação a sindicato rural, acompanhada dos comprovantes de recolhimento de contribuições; (c) o boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF); (d) declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo Ministério Público (STJ, AR 3202/CE) . Igualmente aceitáveis documentos tais como certidões do INCRA, guias de recolhimento de ITR, documentos fiscais de venda de produtos rurais, recibos de pagamento a sindicato rural, certidão de registro de imóveis relativos a propriedade rural, contratos de parceria agrícola e todos outros que indiciem a ligação da parte autora com o trabalho e a vida no meio rural, bem como a CTPS com anotações de trabalho rural da parte autora, que é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência. 3. No caso dos autos, a autora comprovou o efetivo exercício de atividade rural, pelo prazo de carência necessário, mediante início razoável de prova material, em conformidade com a orientação jurisprudencial já sedimentada nesta Corte, corroborada com prova testemunhal, o que impõe a reforma da sentença que indeferiu o pedido de concessão do benefício de salário-maternidade ( AC 0007920-78.2018 .4.01.9199, Des. Federal João Luiz de Sousa, 2ª Turma, e-DJF1 de 28/08/2018 .). 4. A prova testemunhal corrobora os documentos acostados aos autos e atesta a atividade campesina da autora pelo período de carência exigido. 5 . O CNIS, carreado aos autos pelo INSS, indica que o companheiro da autora exerceu, durante o período de sua carência, atividades campesinas (empregado rural), a corroborar a legitimidade da pretensão autoral. 6. Apelação do INSS não provida. Honorários recursais, nos termos do art . 85, § 11, do CPC, que ora são fixados em 2% (dois por cento) sobre o valor originalmente arbitrado. (TRF-1 - AC: 10272044120224019999, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL PEDRO BRAGA FILHO, Data de Julgamento: 16/03/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: PJe 16/03/2023 PAG PJe 16/03/2023 PAG) A jurisprudência exige ainda a juntada de documentos recentes, ante a necessidade de que a atividade rural ainda é exercida pela parte autora: APELAÇÃO CÍVEL – AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ACIDENTÁRIA – QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO COMPROVADA – AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA AOS FATOS – IMPOSSIBILIDADE DE PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL – TEMA N.º 149, DO STJ – EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – RECURSO PROVIDO. 1. De acordo com o artigo 11, inciso VII, alínea a, da Lei n .º 8.213/91, são segurados obrigatórios da previdência social, na qualidade especial, dentre outros, as pessoas físicas residentes em imóvel rural que, individualmente ou em regime de economia familiar, explore atividade agropecuária em área de até 04 (quatro) módulos fiscais. 2. Para efeitos da comprovação da atividade rural, exige-se a apresentação de início razoável de prova material contemporânea ao período a ser demonstrado, considerando-se como tal os documentos emitidos em lapso temporal próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea . 3. No caso concreto, não foi apresentado início de prova material suficiente, de modo que não se admite exclusivamente a prova testemunhal, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/1991 e a Súmula 149, do STJ. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10009089720188110011, Relator.: MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, Data de Julgamento: 09/07/2024, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 18/07/2024) Assim, conclui-se pela necessidade de que o comprovante de residência da parte autora evidencia a moradia em zona rural, devendo ainda estar atualizado. Vale ressaltar ainda a sumula 149 do STJ que: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Desse modo, disciplina o parágrafo único do art. 319, inciso VI c/c 321, parágrafo único do CPC: Art. 319. A petição inicial indicará: [...] VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial. Dessa forma, considerando que a requerente deixou de tomar as medidas que lhe cabiam, tendo se limitado a reiterar os documentos já juntados, a fim de possibilitar o prosseguimento do feito, não havendo documentos suficientes a comprovar a atividade rural, outro caminho não há se não o indeferimento da exordial. Ante o exposto, nos termos do art. 485, I do CPC JULGO EXTINTA A AÇÃO, sem resolução de mérito. CANCELO a audiência aprazada. Isento de custa processual. P. I. C. Transitada em julgado a presente sentença, após procedidas as baixas e anotações de estilo, arquivem-se os autos. Katia Rodrigues Oliveira Juíza de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000132-27.2018.8.11.0002

ID: 283359425

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000132-27.2018.8.11.0002

Data de Disponibilização: 29/05/2025

Polo Ativo:

HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

CAIO MARCELO MESQUITA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

CINDY SCHOSSLER TOYAMA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

CAMILA COSTA SILVA

OAB/PA XXXXXX Desbloquear

FERNANDA LUCIA PEREIRA MACIEL SERRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

BRUNO EDUARDO ALVARENGA CARDOSO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

THAYELLE CRISTINNE AMORIM VENDRAMINI

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ALEX SANDRO SARMENTO FERREIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000132-27.2018.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des(a). ANTONIA SI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000132-27.2018.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [RHAYZA CANDIDO RODRIGUES BRUNK - CPF: 045.393.801-92 (APELADO), LUIZ AUGUSTO ARRUDA CUSTODIO - CPF: 005.559.871-40 (ADVOGADO), EDNEIA SILVANA GONCALVES - CPF: 621.046.321-53 (ADVOGADO), SOCIEDADE HOSPITALAR CUIABANA SA - CNPJ: 03.470.416/0001-61 (APELANTE), HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA - CNPJ: 05.877.609/0001-67 (APELANTE), ALEX SANDRO SARMENTO FERREIRA - CPF: 109.211.228-61 (ADVOGADO), FERNANDA LUCIA PEREIRA MACIEL SERRA - CPF: 819.096.161-68 (ADVOGADO), THAYELLE CRISTINNE AMORIM VENDRAMINI - CPF: 040.428.721-23 (ADVOGADO), BRUNO EDUARDO ALVARENGA CARDOSO - CPF: 054.837.761-86 (ADVOGADO), CAIO MARCELO MESQUITA - CPF: 052.446.061-23 (ADVOGADO), CAMILA COSTA SILVA - CPF: 019.741.012-07 (ADVOGADO), CINDY SCHOSSLER TOYAMA - CPF: 004.716.791-27 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – JUSTIÇA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – REJEITADA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – APLICAÇÃO DO TEMA 940 DO STF – PROFISSIONAL DE SAÚDE NO SERVIÇO PRESTADO EM HOSPITAL VIA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – ATUAÇÃO COMO AGENTE PÚBLICO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6º, DA CF/88 – REJEITADA – MÉRITO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO HOSPITAL – ERRO MÉDICO – COMPRESSA CIRÚRGICA (GAZE) ESQUECIDA DURANTE PARTO – DESCOBERTA DA PACIENTE CERCA DE 13 (TREZE) DIAS APÓS O PARTO EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PARA SUA RETIRADA NO PÓS OPERATÓRIO – NEGLIGÊNCIA EVIDENCIADA – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – VALOR DA CONDENAÇÃO QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A concessão da gratuidade judiciária a pessoa jurídica, ainda que beneficente, exige demonstração robusta da hipossuficiência econômica, nos termos da Súmula 481 do STJ, o que não restou evidenciado pelo recorrente. Preliminar rejeitada. A alegação de cerceamento de defesa, por indeferimento da prova pericial não subsiste, porquanto desnecessário o conhecimento técnico específico para a avaliação da prova documental cuja autenticidade não foi contestada à época e não desconstituída pela requerida, resultando em prova inócua. Inviável o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva do hospital recorrente, ante a constatação de que o atendimento à parturiente foi prestado por profissionais vinculados à instituição no contexto de prestação de serviços públicos de saúde (SUS), sendo a responsabilidade do hospital objetiva nos termos do art. 14 do CDC e do Tema 940 do STF. A omissão na remoção de gaze do canal vaginal da paciente, identificada apenas treze dias após o parto, configura falha na prestação do serviço médico-hospitalar, ensejando responsabilidade civil e dever de indenizar por dano moral, independentemente de demonstração de culpa, nos termos da legislação consumerista aplicável. O quantum indenizatório arbitrado em R$10.000,00 (dez mil reais), mostra-se adequado às peculiaridades do caso concreto, atendendo aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como ao caráter compensatório e pedagógico da indenização. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000132-27.2018.8.11.0002 APELANTE: HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA APELADA: RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA contra sentença proferida pela MMª. Juíza, em cooperação (Portaria 28/2024), da 1ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT, Dra. Myrian Pavan Schenkel, lançada nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais n.º 1000132-27.2018.8.11.0002, ajuizada por RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando o hospital apelante, ao pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, com atualização monetária pelo INPC desde a data da sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Também fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação. Opostos embargos de declaração em Id. 215313251 estes foram rejeitados em Id. 262868775. A apelante, em suas razões recursais, preliminarmente, aduz que “De tudo que se infere, não restam dúvidas de que o apelante não tem condições econômico-financeiras de arcar com as despesas processuais (custas e honorários sucumbenciais) tendo em vista que os poucos recursos disponíveis são todos voltados para o atendimento da comunidade que depende exclusivamente do sistema único de saúde - SUS. Assim, ante os documentos anexados às razões recursais, em especial o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) e as informações acima registradas, especialmente da situação econômica financeira atual do hospital apelante, não restam dúvidas de que sua condição é de hipossuficiência, demonstrando impossibilidade de arcar com a condenação imposta na sentença de origem, tendo em vista que os poucos recursos disponíveis são todos voltados para o atendimento da comunidade” (sic). Afirma que “Diante do exposto, o hospital apelante REQUER seja PROVIDO o presente apelo a fim de conceder-lhe o benefício da gratuidade da justiça, primeiramente por ter comprovado fazer jus ao benefício, sobremais, presta serviço beneficente à população, exercendo atividade sem objetivos lucrativos relacionadas à saúde pública, atividade em que é notória a falta de recursos, a situação de necessidade que até mesmo pode ser presumida. Uma vez estando presentes os pressupostos para concessão do referido benefício, requer seja reformada a sentença de origem para então suspender a exigibilidade do pagamento dos honorários advocatícios fixados em favor da autora, ora apelada. Subsidiariamente, a apelante pugna desde já para que, uma vez provido o presente recurso, que os valores pagos a título de custas processuais sejam devolvidos integralmente” (sic). Ainda em sede de preliminar, salienta que “Em primeiro lugar, destaca-se que a comprovação dos fatos narrados exige, necessariamente, a produção de prova pericial. Somente por meio dessa análise técnica seria possível ao perito verificar a questão envolvendo a "gaze", a fim de comprovar se ela permaneceu, de fato, por treze dias no organismo da apelada, bem como determinar se as infecções posteriores ao parto possuem qualquer relação com o suposto erro médico. Ressalta-se que essa prova foi requerida pelo hospital apelante tanto na contestação quanto na petição de ID 14655579” (sic). Ressalta que “Conforme se depreende das fotos de ID 11315698 e vídeo de ID 11315707, a gaze que estava no canal vaginal da apelada era branca, sem qualquer sinal de sangue ou outros fluídos corporais, o que é IMPOSSÍVEL, visto que a mulher que acaba de dar à luz a um filho continua a eliminar lóquios por até um mês após o parto, conforme esclarecimentos técnicos e indicações da literatura médica para o caso, devidamente expostos nos autos. Portanto, tendo em vista que a gaze supostamente teria sido descoberta no 13º dia após o parto, esta deveria estar completamente tomada pela cor vermelha/marrom, decorrente dos lóquios eliminados pela apelada, e não na cor branca, como visto pelas fotos e vídeo citados, em que parece claramente se tratar de uma gaze nova e recém inserida no corpo da recorrida” (sic). Sustenta que “A vista do exposto, certo é que na hipótese dos autos, a prova pericial é necessária para elucidar os fatos e a suposta existência de fraude perpetrada pela apelada, uma vez que não se discute apenas a eventual responsabilidade do hospital e médico, mas a existência do próprio fato supostamente lesivo. O fato é que a situação narrada exige conhecimento técnico especializado para sua devida averiguação, pois apenas um perito médico pode atestar se as gases brancas, com aparência nova e sem manchas provenientes da eliminação de resíduos do corpo da apelada, realmente foram deixadas no local ou se a situação configura uma fraude ardilosa, por ela orquestrada, com o intuito de obter vantagem financeira às custas do hospital apelante” (sic). Assinala que “Dessa forma, é claro que houve cerceamento de defesa do hospital apelante, devendo com isso ser acolhida a preliminar arguida, a fim de declarar a nulidade da sentença atacada e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem para reabertura da instrução processual, com a realização da perícia técnica requerida. Esta perícia tem como objetivo possibilitar uma compreensão mais aprofundada da controvérsia, permitindo ao perito realizar a análise da “gaze” para verificar se ela realmente permaneceu treze dias no organismo da apelada, além de analisar se as infecções após o parto têm qualquer relação com o alegado erro médico” (sic). Ainda, preliminarmente, assevera que “Isso porque, o hospital apelante é um estabelecimento de saúde de corpo clínico aberto, nele prestando assistência médica diversos profissionais, ou seja, as alas cirúrgicas e consultórios do hospital estão abertos a qualquer profissional da área médica, que de suas instalações queira se utilizar, bem como os médicos que prestam serviços na qualidade de autônomos” (sic). Destaca que “A partir disso, fica evidente que os médicos que assistiram a apelada no parto, apesar de integrar o corpo clínico do hospital apelante, não possuía vínculo empregatício com este, a uma, porque sempre atuaram como autônomos, a duas, porque exercia suas tarefas em dias e horários pré estabelecidos, sem qualquer interferência do hospital. Desta feita, o fato do médico integrar o corpo clínico do hospital, não poderá gerar presunção de vínculo empregatício ou mesmo de preposição com o nosocômio. Por outro lado, se o dano decorre de falha técnica restrita ao profissional médico, que não possui qualquer vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição – não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar a vítima” (sic). Pondera que “No caso de ser provado que o médico agiu com culpa e ficando estabelecida a sua responsabilidade subjetiva, ao hospital será aplicada a teoria da responsabilidade objetiva somente se ele também agiu com culpa na disponibilização dos serviços de sua competência, hipótese em que o estabelecimento será condenado a indenizar o paciente e/ou seus familiares solidariamente com o médico. Excluída a culpa dos médicos (prepostos), consequente e necessariamente deverá haver a exclusão da culpa do hospital (preponente), pois a responsabilidade deste somente se configura quando comprovada a culpa daquele. Na hipótese dos autos, restou comprovada a inexistência de culpa do hospital com os danos experimentados pela apelada. Porquanto, inequívoco que a assistência prestada à apelada, por ocasião do parto, se deu de forma adequada, e não decorreu de nenhum serviço de atribuição da entidade hospitalar, razão por que não se lhe pode atribuir a condição de fornecedor a fim de imputar-lhe a responsabilidade pelo dano. E mais, os médicos que assistiram a apelada no anteparto, parto e pós-parto, no período em que esteve internada no hospital apelante, não possuíam qualquer vínculo empregatício e nem atuaram como prepostos do hospital apelante em nenhum momento, nem mesmo restou comprovada a culpa dos mesmos no evento lesivo supostamente sofrido pela apelada” (sic). Afiança que “Quanto à responsabilidade do hospital apelante, é de se observar, que somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Outrossim, mesmo que sendo alegada a ocorrência de imperícia e negligência no tratamento médico dispensado à apelada pelos profissionais médicos, está comprovado pelo prontuário médico, juntado a contestação e os depoimentos dados em audiência que o Hospital apelante prestou toda a assistência necessária, realizando tudo quanto lhe cabia fazer, não sendo responsável por dano que NÃO deu causa. Assim sendo, em face das argumentações fáticas e jurídicas ora tecidas, desde já se pretende a reforma da sentença, para então excluir o hospital apelante do polo passivo da demanda, nos termos do art. 485, IV do CPC, diante da inexistência e comprovação de qualquer responsabilidade que lhe fosse atribuída no caso em apreço” (sic). No mérito, diz que “Da simples análise da sentença e especialmente dos trechos acima citados, vê-se que toda a fundamentação da sentença baseou-se na conduta praticada por médico, que hipoteticamente integrava o polo passivo da ação, tendo ainda registrado que a cirurgia realizada era de histerectomia total no Hospital Santa Helena, sendo esse denominado de segundo requerido . Ocorre que tais informações são TOTALMENTE DESCABIDAS, visto que em momento algum qualquer outro réu integrou a lide, que não fosse o hospital apelante e o procedimento cirúrgico indicado na inicial, que supostamente teria dado ensejo ao esquecimento da gaze no interior do corpo da apelada seria o seu parto e não histerectomia” (sic). Acredita que “Portanto, prova-se que a paciente Rhayza recebeu alta do Hospital Santa Helena eliminando lóquios (fluxo vaginal de origem uterina, sanguinolento, seroso, que se produz após o parto, durante aproximadamente um mês) normais de pós-parto e, portanto, não poderia estar com a tal gaze alegada. Este foi o relato do correto atendimento prestado à apelada Rhayza Candido Rodrigues, quando da hospitalização no Hospital Santa Helena” (sic). Defende que “(...) os lóquios ou perdas de sangue são provocados por três fenômenos: A expulsão da placenta, o órgão que fornece oxigênio e nutrientes ao feto durante a gravidez. No ponto do útero onde estava presa a placenta forma-se uma ferida que começa a sangrar. Por isso, vão para esta zona uma grande quantidade de glóbulos brancos de modo a formarem uma barreira de defesa face aos possíveis germes que poderiam provocar uma infeção na ferida. À medida que se forma este escudo protetor, as perdas de sangue produzidas pela ferida vão-se reduzindo. Este processo costuma terminar em cerca de quatro semanas após o parto. Não obstante, não se trata de um processo normal de cicatrização, mas sim de uma reconstrução dos tecidos. Se sobre o ponto em que estava presa a placenta se formasse uma cicatriz, no futuro não seria possível a implantação de um novo óvulo fecundado. A eliminação da capa que reveste o útero durante a gravidez constitui o segundo elemento responsável pela existência de lóquios. Esta capa é composta por um tecido abundante que, com a sua presença, torna o útero um lugar acolhedor para o feto e que é expulso na maior parte no momento do parto. A capa mais profunda deste tecido elimina-se lentamente, produzindo os lóquios” (sic). Informa que “Isso porque, a testemunha, o médico Dr. Adilson Massoni, inscrito no CRM/MT nº 3986, foi claro no seu depoimento de que não é possível que uma gaze extraída do organismo de uma mulher no 13º dia do estado puerperal esteja branca, pois, teria absorvido grande quantidade dos lóquios que foram expelidos pelo seu organismo. Ademais, tanto a apelada quanto seu esposo e sua sogra informaram na audiência de instrução que a gaze ficou de fato em um tom marrom avermelhado, com odor insuportável, contudo, não juntaram em nenhum momento processual fotos ou vídeo da gaze nesse estado, não apresentando sequer filmagem da retirada do material do corpo da apelada, o que seria capaz de demonstrar a coloração da outra parte da gaze não mostrada no vídeo em anexo a inicial” (sic). Expõe que “Isso porque, o médico informou que uma gaze, nos raros casos em que é utilizada para partos normais, serve somente para afastar o colo do útero e facilitar a visão do médico, de modo que uma parte, como uma espécie de fio, fica na parte externa do corpo da mulher, assim, quando o procedimento é finalizado, o médico simplesmente puxa o fio retirando a gaze. Dessa forma, não é crível que a médica que realizou o parto não teria visto o referido fio, ou mesmo a apelada, por treze dias, não havendo qualquer menção desse fato na petição inicial e, tão pouco, aparecendo qualquer fio ligado a gaze no vídeo anexo a inicial. Além disso, conforme se depreende da leitura do prontuário médico da apelada acostado aos autos no ID 13631501, especificamente das anotações das duas técnicas de enfermagem e da enfermeira, Camila, Hlediar e Chirley, na data de 22/02/2017, AS TRÊS PROFISSIONAIS VIRAM, PESSOALMENTE, A ELIMINAÇÃO DE LÓQUIOS, PELA VAGINA DA APELADA, tanto que fizeram as anotações descrevendo a cor e quantidade dos mesmos” (sic). Explana que “Sendo assim, diante do contexto apresentado, tem-se que a Magistrada de origem não agiu com o costumeiro acerto ao concluir pela responsabilização do hospital, ora apelante, precipuamente ante o fato de que o conjunto probatório produzido nos autos não demonstrou a falha na prestação do serviço, não havendo que falar na sua condenação ao pagamento de indenização, face a ausência dos requisitos ensejadores. Assim, merece reforma a sentença recorrida, ficando evidenciada, na verdade, a improcedência do pedido inicial da apelada com relação ao hospital apelante” (sic). Enfatiza que “Observa-se que NÃO há nos autos provas que possam atestar a violação de conduta profissional ou ética perpetrada pelo apelante ou mesmo pelos profissionais de saúde que prestaram assistência à paciente Rhaysa Cândido, ou seja, constata-se COM BASE NOS ELEMENTOS, FATOS e DOCUMENTOS existentes nos autos que não há nexo de causalidade entre a assistência ao parto e a gaze identificada na vagina da apelada e, consequentemente, supostas infecções e inflamações decorrente de tal fato. Os depoimentos das testemunhas do hospital apelante revelaram de forma clara e inequívoca que todo o atendimento necessário à apelada e seu concepto foram prestados a tempo e modo devidos” (sic). A par destes argumentos, pede o provimento do apelo, requerendo, preliminarmente, “[...] a) DEFERIR os benefícios da justiça gratuita ao apelante, em razão de ser uma entidade sem fins lucrativos, conforme exposto nas razões recursais, e consequentemente, suspender a exigibilidade das despesas processuais fixadas na sentença atacada. b) Subsidiariamente, uma vez concedido os benefícios da justiça gratuita ao hospital apelante que os valores pagos a título de custas processuais sejam devolvidos integralmente. c) ACOLHER a preliminar de cerceamento de defesa, no sentido de declarar NULA a sentença atacada e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem, determinando a reabertura da instrução processual para realização da perícia técnica requerida, sendo preciso, para isso, a nomeação de um profissional técnico com especialidade em ginecologia e obstetrícia; d) Não sendo esse o entendimento, requer seja ACOLHIDA a preliminar de ILEGITIMIDADE DE PARTE, tendo em vista a inexistência de relação empregatícia entre o apelante e os profissionais médicos que atenderam a apelada por ocasião do parto, já que não há qualquer queixa dos serviços ofertados pelo nosocômio, referente a estrutura e serviços de enfermagem” (sic). No mérito, pleiteia: “e) (...) seja PROVIDO o presente recurso, no sentido de reformar a sentença atacada e JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos da inicial, considerando a inexistência de ato ilícito e, consequentemente, a ausência do dever de indenizar por parte do hospital no que tange aos danos morais; f) Não sendo este o entendimento, requer o provimento do presente recurso para REDUZIR o quantum indenizatório fixado, posto que a quantia fixada é desproporcional ao dano e as condições do apelante, que é uma instituição filantrópica sem fins lucrativos” (sic). Parte apelante beneficiária da justiça gratuita, sendo isenta do recolhimento do preparo recursal (Id. 283083880). Nas contrarrazões, RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK pugna pelo desprovimento do recurso, alegando que a sentença encontra-se devidamente fundamentada e que foram observados todos os princípios do contraditório e da ampla defesa. Sustenta que a prova pericial foi corretamente indeferida, porquanto os elementos constantes dos autos, inclusive a prova testemunhal e documental, foram suficientes para o convencimento do juízo acerca da veracidade dos fatos narrados na inicial. Aduz que não se trata de mera narrativa sem corroboração, mas de evento traumático documentado por imagens e testemunhos que confirmam o esquecimento de gaze no interior do corpo da autora, o qual somente foi descoberto após dias de dor, sofrimento e desconforto. Argumenta, ainda, que a responsabilidade do hospital é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, sendo desnecessária a demonstração de culpa do preposto, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade com a prestação defeituosa do serviço. Alega que, por se tratar de serviço médico-hospitalar, a responsabilidade não pode ser afastada pela simples negativa do hospital, mormente quando restaram ausentes quaisquer elementos concretos que infirmem os relatos da autora. Insiste na adequação do valor fixado a título de danos morais, afirmando que a quantia de R$10.000,00 mostra-se proporcional ao dano sofrido, servindo de compensação e de desestímulo a futuras condutas semelhantes. Requer, portanto, a rejeição da preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, a manutenção integral da sentença recorrida, com a condenação do apelante nas verbas sucumbenciais. Preparo recursal recolhido, conforme certificado no Id. 277664878. Na peça Id. 286779369, a parte apelante se opôs ao julgamento virtual, vindicando, na mesma oportunidade, pela realização da sustentação oral. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Recolhido o preparo, e estando adequado e tempestivo, CONHEÇO o apelo interposto, o que faço com fulcro no artigo 1.009 do Código de Processo Civil. Cinge-se dos autos que RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em desfavor do HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA, relatando, em síntese, que, foi vítima de erro médico por parte da equipe profissional do hospital apelante, o qual culminou na negligente retenção de corpo estranho (gaze) em sua cavidade vaginal após procedimento obstétrico realizado em 21/02/2017, quando deu à luz ao seu filho. Alega que, apesar de a cirurgia transcorrer com aparente normalidade e ter recebido alta hospitalar no dia seguinte ao parto, passou a experimentar dores intensas que, inicialmente atribuídas ao processo natural de recuperação, agravaram-se exponencialmente ao longo de 13 dias. Afirma que a origem das dores foi descoberta de maneira casual e dramática por familiares, que identificaram e retiraram manualmente o objeto esquecido. Sustenta que a omissão médica gerou não apenas dor física e sofrimento psicológico, mas também risco potencial de infecção grave e outras complicações ginecológicas e sistêmicas. Ao final da instrução processual, a Magistrada que conduziu o processo julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando o hospital apelante, ao pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, com atualização monetária pelo INPC desde a data da sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Também fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação. Colaciono trecho da sentença proferida no juízo a quo, no que tange o mérito da questão: “Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS COM PEDIDO LIMINAR ajuizada por RHAYZA CANDIDO RODRIGUES em face de SOCIEDADE HOSPITALAR CUIABANA SA, todos devidamente qualificados nos autos. Afirma, em síntese, que, em 21/02/2017, realizou o parto de seu filho RHYAN PIETRO RODRIGUES BRUNK nas dependências do hospital requerido e que o procedimento cirúrgico foi tranquilo. Aduz que, no dia seguinte, teve alta médica e começou a sentir fortes dores, sendo que, após cerca de 13 (treze) dias de intensas dores, o seu esposo e sua sogra, auxiliando a requerente na recuperação pós parto, descobriram que a equipe médica que realizou o parto esqueceu dentro de si uma bola de gases e, com a sua retirada, o alívio foi imediato. Assim, requereu a procedência da ação para condenar o requerido ao pagamento R$ 30.000,00 de danos morais. Com a inicial, vieram documentos. No id nº 13631429, o requerido apresentou contestação, apontando, preliminarmente, a retificação do polo passivo, vez que o CNPJ está incorreto, sua ilegitimidade passiva. No mérito, argumentou que a requerente recebeu alta eliminando lóquios (fluxo vaginal de origem uterina, sanguinolento, seroso, que se produz após o parto, durante aproximadamente um mês) normais de pós-parto e, portanto, não poderia estar com a tal gaze alegada, que foi prestado o correto atendimento à requerente, que é totalmente falsa a acusação, que era de esperar que a cor da gaze que aparece no vídeo e nas fotos fosse, no mínimo, vermelha escura pela eliminação dos lóquios, mas aparece uma gaze quase na parte externa da vagina e de cor clara, que jamais poderia ter sido esquecida dentro da vagina por 13 dias, pugnando pela litigância de má-fé e improcedência dos pedidos. No id nº 14062141, réplica à contestação. No id nº 41383470, decisão saneadora. No id nº 56454528, audiência de instrução. Nos ids nº 58037326 e 59462156, as partes apresentaram memoriais finais. É o relatório. Fundamento e decido. De início, registro que foram assistidas todas as mídias que contém as declarações proferidas na audiência de instrução, sendo desnecessária a transcrição dos mesmos como fundamento da sentença, pelo simples fato de constarem dos autos, bastando, a quem interessar, assistí-los. De início, cumpre registrar que legitimidade nada mais é do que a pertinência subjetiva para a ação. Assim, analisando a relação jurídica processual existente nos autos, com o direito material controvertido, percebe-se, em tese, sua adequação. [...] Ademais, como condição da ação, a ilegitimidade de parte é verificada in statu assertionis, ou seja, mediante análise abstrata dos fatos narrados na petição inicial. Outrossim, considerando que a análise da responsabilidade do hospital relaciona-se ao serviço prestado pelo médico, profissional liberal, que nele trabalha, é legítimo para figurar no polo passivo. [...] Dessa forma, a preliminar em questão não merece guarida. [...] Sob a ótica civil e consumerista, aplica-se ao fornecedor a teoria do risco do empreendimento, em que todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de serviços, tem o dever de responder pelos fatos resultantes do empreendimento, independentemente de culpa, ou seja, responde objetivamente. Todavia, no caso dos autos, sendo o requerido profissional liberal, a sua responsabilidade deverá ser auferida mediante a comprovação de culpa, nos termos do artigo 14, §4ª, do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a executar determinados serviços e o fato ou vício do produto ou serviço ofertado é um dos pressupostos da responsabilização pelos danos daí decorrentes, nas relações de consumo, inclusive o dano moral. Cinge-se a questão controvertida quanto ao suposto erro médico ocorrido no procedimento cirúrgico realizado pela primeira requerida, no estabelecimento do segundo requerido, no tocante à cirurgia de histerectomia total. [...] A responsabilidade médica é, em regra, de meio, ou seja, obriga-se o profissional médico a desempenhar sua missão com diligência, prudência e técnicas necessárias, utilizando os recursos de que dispõe, em conformidade com o desenvolvimento de sua ciência. [...] Nota-se do feito que houve a ocorrência de erro médico no procedimento cirúrgico desenvolvido pelo requerido, com o esquecimento de corpo estranho (gaze) no corpo da requerente durante o procedimento do parto. Verifica-se, portanto, a existência de ato culposo caracterizado pela imperícia do requerido ao deixarem corpo estranho (gaze) na paciente, de modo que, presentes os demais elementos ensejadores da responsabilidade civil, o pagamento de indenização à requerente é medida que se impõe. [...] O dano extrapatrimonial, comumente denominado de dano moral, consiste nas lesões que recaem sobre o patrimônio ideal do sujeito, este entendido como insuscetível de valoração econômica. Entretanto, considerada a presença de um prejuízo e a correlata necessidade de reparação, deve ser ele pecuniariamente estimado. [...] Os efeitos do comportamento lesivo poderão parecer menos graves aos olhos daqueles que não foram atingidos, uma vez que afetam o patrimônio ideal e por isso somente são sentidos em toda a sua extensão pelo efetivamente lesado. Quanto ao valor a ser arbitrado na indenização por danos morais deve-se atender a uma dupla finalidade: reparação e repressão. E, portanto, deve ser observada a capacidade econômica do atingido, mas também do ofensor, de modo a que não haja enriquecimento injustificado, mas que também não lastreie indenização que não atinja o caráter pedagógico a que se propõe. [...] É de se salientar que o prejuízo moral experimentado pela parte requerente deve ser ressarcido numa soma que não apenas compense a ela a dor e/ou sofrimento e prejuízo causado, mas especialmente deve atender às circunstâncias do caso em tela, tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, exigindo-se a um só tempo prudência e severidade. [...] Desse modo, entendo como razoável e proporcional que a parte requerida deva pagar a requerente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelos danos morais experimentados. [...] Assim, considerando as lições colimadas, a procedência parcial é medida que se impõe. Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR a parte requerida ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais acrescidos de correção monetária pelo INPC a contar da prolação desta sentença e juros simples de 1% ao mês a contar da citação. Condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.” (Id. 215313249) Pois bem. Preliminarmente o apelante aduz que deve ser concedido a ele, as benesses da justiça gratuita, inclusive com a devolução do valor pago a título de preparo recursal. Melhor sorte não assiste ao recorrente. Isso porque, no caso em apreço, não há comprovação inequívoca de que o pagamento das custas judiciais comprometeria o funcionamento do hospital. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exige que a pessoa jurídica demonstre sua hipossuficiência de forma clara e objetiva, o que não foi devidamente comprovado nos autos. Ademais, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso já analisou a questão da justiça gratuita envolvendo o próprio Hospital Beneficente Santa Helena, reafirmando que a mera condição de entidade beneficente não implica, por si só, o reconhecimento da hipossuficiência financeira. Vejamos: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. REFORMA DA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1.Agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento ao agravo de instrumento e concedeu os benefícios da justiça gratuita 2.A decisão monocrática foi proferida com fundamento na condição filantrópica da entidade, sem a exigência de comprovação robusta da hipossuficiência financeira. II. Questão em discussão 3. A questão central consiste em definir se a condição de entidade beneficente de assistência social, por si só, é suficiente para a concessão da justiça gratuita ou se há necessidade de demonstração inequívoca da impossibilidade de arcar com os encargos processuais. III. Razões de decidir 4. Nos termos da Súmula 481 do Superior Tribunal de Justiça, a concessão da justiça gratuita à pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, exige a comprovação da insuficiência de recursos. 5. A documentação apresentada pelo hospital, notadamente o Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE), evidencia um prejuízo operacional, mas não demonstra de forma cabal a impossibilidade de pagamento das custas processuais. 6. O hospital possui receita anual expressiva, composta majoritariamente por repasses públicos e subvenções, o que não indica, de maneira inequívoca, a incapacidade financeira para suportar os encargos processuais. 7. A ausência de balanço patrimonial detalhado e fluxo de caixa atualizado impede uma análise conclusiva sobre a real situação econômico-financeira da instituição. 8. Diante da insuficiência de comprovação da hipossuficiência, impõe-se a reforma da decisão monocrática para restabelecer o indeferimento da justiça gratuita, conforme decidido em primeiro grau. IV. Dispositivo e tese 9. Agravo interno provido para restabelecer a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido de gratuidade da justiça ao Hospital Beneficente Santa Helena. Tese de julgamento: “A concessão da justiça gratuita à pessoa jurídica, ainda que beneficente, exige comprovação inequívoca da impossibilidade financeira de arcar com os encargos processuais, não sendo suficiente a mera alegação de filantropia.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXIV; CPC/2015, arts. 99, §§ 2º e 3º, e 932, IV e V. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 481; STJ, AgRg no REsp 1.465.921/SP; TJ-MT, N.U 1024172-69.2024.8.11.0000, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 16/10/2024; TJ-MT, N.U 1017152-27.2024.8.11.0000, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 21/08/2024.” (N.U 1027756-47.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 07/04/2025) (Destaquei) “EMENTA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto por Hospital Beneficente Santa Helena contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento, mantendo a decisão que indeferiu o pedido de justiça gratuita. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em saber se a pessoa jurídica, no caso, o Hospital Beneficente Santa Helena, faz jus ao benefício da justiça gratuita, diante da alegação de hipossuficiência financeira. III. RAZÕES DE DECIDIR A concessão da justiça gratuita para pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, exige a comprovação da incapacidade financeira, conforme a Súmula 481 do STJ. A simples alegação de ser uma entidade filantrópica não é suficiente para a concessão da gratuidade, sendo necessária a apresentação de documentos que comprovem a real impossibilidade de arcar com as custas processuais. No caso, os documentos apresentados pelo agravante não foram considerados suficientes para comprovar a hipossuficiência financeira. A decisão monocrática está em consonância com o entendimento do STJ e do TJMT, que exige prova da incapacidade financeira para a concessão da justiça gratuita. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “A concessão da justiça gratuita para pessoas jurídicas, inclusive sem fins lucrativos, depende da comprovação efetiva de sua incapacidade financeira por meio de documentos que demonstrem a insuficiência de recursos.” Dispositivo relevante citado: Código de Processo Civil, art. 99, §§ 2º e 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 481; STJ, AgInt no AREsp 1069805/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 05.03.2020; STJ, AgInt no AREsp 1187010/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 26.06.2018.” (N.U 1003943-54.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 01/04/2025, Publicado no DJE 04/04/2025) (Destaquei) Assim, para a concessão do benefício, é imprescindível a comprovação concreta da impossibilidade de arcar com as custas processuais. Dessa forma, rejeito a preliminar aventada. Ainda preliminarmente, o apelante aduz que teve o seu direito de defesa cerceado, haja vista que não houve nos autos perícia técnica para apuração do erro médico, assim requer o reconhecimento do cerceamento de defesa e a consequente realização de perícia técnica para que proceda-se a análise, do material com o intuito de verificar se esta causou infecções na apelada, e se a gaze, realmente permaneceu 13 (treze) dias no organismo da apelada. Sem razão o apelante, explico. Compulsando os autos, observa-se que em sede de despacho saneador (Id. 215313180), a Magistrada de piso indeferiu produção de prova pericial, “por entender que nada acrescentaria ao ponto controvertido, além do que os fatos narrados tem por fundamento uma gaze deixada no corpo da autora” (sic). Na hipótese, considerando as peculiaridades do caso concreto, a realização de prova pericial, neste momento, revela-se inócua, em razão do extenso lapso temporal – 8 anos - transcorrido desde os fatos narrados na inicial. A perícia técnica, que se propõe a examinar elementos clínicos e circunstâncias médicas do atendimento realizado, exige a preservação das condições fáticas e materiais à época do suposto evento danoso, o que se mostra inviável após tantos anos. Ademais, as provas carreadas (fotos e vídeo) sequer foram contestadas e desconstituídas em momento oportuno, de modo que, rejeito a preliminar em comento. Por fim, contudo ainda preliminarmente, a parte apelante sustenta a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, haja vista que os médicos que atenderam a apelada no anteparto, parto e pós-parto não possuíam vínculo empregatício com o hospital. Compulsando os documentos juntados com a inicial, vislumbro que em Id. 215311697 foi juntada a certidão de nascimento de Rhyan Pietro Rodrigues Brunk, onde consta como local de nascimento o Hospital Santa Helena. No Id. 215311698 constam as fichas de informação referentes ao parto, todas devidamente identificadas com o logotipo do hospital apelante. De igual modo, no Id. 215313169 encontra-se o prontuário médico da parte apelada onde consta a guia de internação (Pág. 05), constando como “convênio” o Sistema Único de Saúde – SUS. Diante disso, amolda-se ao caso dos autos o tema 940, fixado pelo STF, que analisou a responsabilidade civil subjetiva do agente público por danos causados no exercício de atividade pública, verbis: “A teor do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Nestas condições – de prestador de serviços públicos no âmbito do SUS –, os médicos que atenderam a apelada no anteparto, parto e pós-parto, são equiparados a agente públicos e, assim, são partes ilegítimas para figurar no polo passivo da ação, nos termos do repetitivo acima citado. Nesse sentido, trago à colação julgado deste Sodalício em caso absolutamente análogo: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PROFISSIONAL DE SAÚDE NO SERVIÇO PRESTADO EM HOSPITAL VIA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – ATUAÇÃO COMO AGENTE PÚBLICO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6º DA CF/88 – APLICAÇÃO DO TEMA 940 DO STF – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Em se tratando de serviço médico prestado através do SUS, aplica-se a causa de responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 37, §6º, da Constituição Federal. Ou seja, o médico que presta atendimento pelo SUS reveste-se na condição de agente público, não podendo ser demandado diretamente pela parte lesada, inclusive a tese está sedimentada em sede de repercussão geral no Tema 940 do Superior Tribunal Federal.” (N.U 1008087-16.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/03/2025, Publicado no DJE 08/03/2025) (Destaquei). Assim, cabe à pessoa jurídica de direito privado responder por eventual dano que seu agente tenha causado no exercício da atividade pública e, evidenciada a responsabilidade subjetiva do servidor, será cabível ação de regresso da instituição em desfavor do seu agente. Em razão disso, rejeito a preliminar arguida pelo apelante. Passo a análise do mérito. A questão posta à apreciação deste Egrégio Tribunal diz respeito à responsabilidade civil decorrente de suposto erro médico, consubstanciado na permanência de gaze no interior do corpo da autora, ora recorrida, após o procedimento de parto realizado nas dependências do hospital ora apelante. Sob a ótica consumerista, impõe-se reconhecer a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme já corretamente apontado pelo juízo singular. A relação estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, enquadrando-se o hospital no conceito de fornecedor (art. 3º do CDC) e a paciente como consumidora (art. 2º do CDC). A responsabilidade civil dos hospitais por erro médico cometido por profissionais que integram sua equipe é, via de regra, objetiva, por força do artigo 14, caput, do CDC, especialmente nos casos de atuação de profissionais vinculados ao estabelecimento, como ocorreu no caso em exame. Tratando-se de instituições hospitalares, sua responsabilidade resume-se aos serviços anexos ao atendimento médico, respondendo, de forma objetiva, pela inadequada prestação. Sobre o tema, ensina José de Aguiar Dias: "[...] quanto à responsabilidade dos donos das casas de saúde ou hospitais, não há dúvida que inclui um dever de incolumidade, que, naturalmente, não vai ao ponto de garantir o impossível de restituir a vida ou assegurar a cura, mas que se fixa, curialmente, na obrigação de resguardar o paciente de quaisquer conseqüências que um bom serviço poderia evitar" (Da Responsabilidade Civil, vol I, Rio de Janeiro: Forense, 6. ed., n. 116, p.) Com efeito, a prova testemunhal e os elementos documentais confirmam que a recorrida experimentou intenso sofrimento físico e psicológico após o parto em decorrência da permanência de gaze no interior de sua cavidade vaginal por mais de 10 dias, tendo sido removida somente após grande desconforto e dores contínuas. Tal fato, por si só, configura falha grave na prestação dos serviços, violando o dever de segurança e zelo que se espera de qualquer prestador de serviços de saúde. Ainda, destaca-se que o próprio conteúdo do prontuário médico não afasta a responsabilidade do hospital, tendo em vista que a documentação ali constante é insuficiente para infirmar a narrativa da autora, notadamente ante a inexistência de qualquer anotação sobre a verificação da retirada de todos os instrumentos ou materiais utilizados durante o parto. Tampouco o vídeo e as fotos apresentados pela autora — e não impugnados de forma eficaz — foram infirmados por contraprova técnica idônea. Não se trata, pois, de uma narrativa isolada ou destituída de fundamento. A robustez das provas apresentadas — somadas à ausência de elementos técnicos por parte do hospital que refutassem eficazmente a versão dos fatos. A alegação de que a gaze expelida pela apelada seria “branca e limpa” e, por isso, incompatível com o tempo de permanência, carece de respaldo técnico e fático. Trata-se de conjectura que não resiste à prova produzida. Inclusive, analisando o prontuário médico da apelada, colacionado em Id. 215313169, nota-se que após a cirurgia não há qualquer prescrição, em seu pós operatório, acerca da necessidade de retirar o tampão da vagina da paciente antes de sua alta hospitalar, o que evidencia a negligência médica. Não havendo dúvidas acerca da negligência cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente, não há como negar o abalo moral sofrido. Vejamos precedentes deste Sodalício em casos análogos: “APELAÇÕES CÍVEIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – 2º APELO – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ACOLHIDA – RECURSO INTEMPESTIVO – 1º APELO – ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – MÉRITO – ERRO MÉDICO – COMPRESSA CIRÚRGICA (GAZE) ESQUECIDA DURANTE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO – DESCOBERTA DA PACIENTE CERCA DE 04 (QUATRO) MESES DA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO – MATERIAL EXCRETADO COM AS FEZES – LAUDO MÉDICO QUE ATESTA O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO E A NEGLIGÊNCIA MÉDICA – ERRO MÉDICO – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO DEVER DE INDENIZAR – DANO MORAL CONFIGURADO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO EM R$50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS) – TERMO DE JUROS DE MORA – MODIFICAÇÃO PARA A DATA DA CITAÇÃO – PEDIDO DE CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO HOSPITAL – FALTA DE INTERESSE RECURSAL NO PONTO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS – 1º APELO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO - 2º APELO - NÃO CONHECIDO. Não se conhece de recurso de apelação protocolado fora do prazo legal, por ausência de condição de admissibilidade recursal. “Este Superior Tribunal tem o entendimento de que o julgamento antecipado da lide, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa, já que cabe ao magistrado apreciar livremente as provas dos autos, indeferindo aquelas que considere inúteis ou meramente protelatórias,” (STJ - AgInt no AREsp: 1645635 SP 2019/0382659-0) A conduta do médico e do hospital consistente no esquecimento de compressa cirúrgica no interior do corpo da paciente configura conduta culposa, que enseja a reparação, de forma solidária, pelos danos por ela suportados, nos termos do que dispõe dos artigos 7º, parágrafo único, e 14 do CDC. Não havendo dúvidas acerca da negligência do cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente que, por cerca de 04 meses com dores e idas ao hospital em decorrência de um processo infeccioso de forma crônica que somente cessou após a excreção da gaze de seu corpo, não há como negar o abalo moral sofrido. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes. Não procede o pedido de redução dos honorários advocatícios, se arbitrados em consonância com os parâmetros dispostos no artigo 85, § 2º, do CPC.” (N.U 0006645-57.2008.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/04/2024, Publicado no DJE 11/04/2024) (Destaquei) “APELAÇÕES CÍVEIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – ERRO MÉDICO – HISTERECTOMIA – TAMPÃO DE GAZE DEIXADO NO CANAL VAGINAL – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PARA SUA RETIRADA NO PÓS OPERATÓRIO – DESCOBERTA DA PACIENTE APÓS 1 (UM) MÊS DA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO –NEGLIGÊNCIA EVIDENCIADA – DANO MORAL E MATERIAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – VALOR DA CONDENAÇÃO QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – AMBOS OS RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. No caso, a toda evidência, trata-se de negligência médica, pois o 2º apelante, médico responsável pela realização do procedimento cirúrgico ao qual se submeteu a autora, ora 1º apelante, após a cirurgia deixou de prescrever em seu pós operatório a necessidade de retirar o tampão da vagina da paciente antes de sua alta hospitalar. Não havendo dúvidas acerca da negligência cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente, não há como negar o abalo moral sofrido. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes.” (N.U 0001484-80.2010.8.11.0046, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 11/03/2020) “APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – ERRO MÉDICO – ESQUECIMENTO DE CORPO ESTRANHO NO ABDÔMEN DA PACIENTE – HOSPITAL ESTADUAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 37, § 6º, CF. NEXO CAUSAL CONFIGURADO – DANO MORAL IN RE IPSA – POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DANO MORAL E DANO MATERIAL – SUM 387 DO STJ. DANOS MORAL E MATERIAL ARBITRADO PELO JUÍZO A QUO EM VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. - A teor do disposto no § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de público respondem objetivamente pelos danos causados a seus consumidores e a terceiros. - As provas testemunhais e documentais presentes nos autos são suficientes a comprovar a conduta ilícita do Réu, que, quando da realização de parto cesáreo, deixou uma "corpo estranho (gaze cirúrgica) em decomposição " no abdômen da Autora, a qual passou a experimentar crises de dores abdominais. - O dano moral, no presente caso, é in re ipsa, decorrendo do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa, já resta demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, que decorre das regras de experiência comum. - Incontestável que a situação vivenciada pela Autora supera um mero dissabor ou aborrecimento cotidiano, atingindo o seu patrimônio moral e material.” (N.U 0026408-88.2013.8.11.0002, MARCIO APARECIDO GUEDES, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 07/02/2020, Publicado no DJE 17/02/2020) (Destaquei) “APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS – PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEIÇÃO –PROCEDIMENTO CIRÚRGICO - GAZE ESQUECIDA NO CORPO DA PACIENTE – ERRO MÉDICO – IMPERÍCIA – ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADOS – PACIENTE SUBMETIDA À NOVA CIRURGIA PARA RETIRADA DO CORPO ESTRANHO – CICATRIZ OPERATÓRIA – DANOS ESTÉTICOS E MORAIS CONFIGURADOS – INDENIZAÇÃO DEVIDA – QUANTUM MANTIDO – JUROS DE MORA – TERMO INICIAL – A PARTIR DA CITAÇÃO – RECURSO DE HOLANDO DE SOUZA PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DO HOSPITAL E DA PARTE AUTORA DESPROVIDOS. Não há que se falar em cerceamento de defesa, ante o indeferimento da prova oral, haja vista que o magistrado não é obrigado a deferir todas as provas postuladas pelos litigantes, quando entender que os elementos existentes nos autos são suficientes para o julgamento da demanda. A não apresentação de memoriais, por si só, não acarreta a nulidade da sentença, sendo imprescindível, portanto, a demonstração de efetivo prejuízo à parte que alega o vício. A relação firmada entre o paciente, médico e hospital enquadra se como relação de consumo, sendo regida pelo Código de Defesa do Consumidor. A conduta do médico e do hospital consistente no esquecimento de gaze cirúrgica no interior do corpo da paciente configura conduta culposa, que enseja a reparação, de forma solidária, pelos danos por ela suportados, nos termos do que dispõe dos artigos 7º, parágrafo único e 14 do CDC. Não há que se falar em redução ou majoração dos danos estéticos e morais, se arbitrados conforme as condições financeiras das partes, a gravidade do fato e o grau de culpa no comprometimento do ato ilícito." (N.U 0026852-38.2012.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, Vice-Presidência, Julgado em 05/02/2020, Publicado no DJE 17/02/2020) (Destaquei) Demonstrado o nexo causal e o consequente dever de indenizar, passo à analiso do quantum arbitrado. Em sua obra sobre Responsabilidade Civil, Venosa analisa o dano moral de forma aprofundada, afirmando que este estará presente quando uma conduta ilícita causar a determinado indivíduo extremo sofrimento psicológico e físico que ultrapasse o razoável ou o mero dissabor, sentimentos estes, que muitas vezes podem até mesmo levar à vítima a desenvolver patologias, como depressão, síndromes, inibições ou bloqueios. “[...] Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual, se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente; [...]" (Direito Civil, Responsabilidade Civil, 15ª ed., Atlas, p.52) É sabido que o juiz deve guiar-se pela prudência, equilíbrio e bom senso, analisando cada situação específica para que a quantificação da indenização seja capaz de satisfazer a argumentação apresentada, sem se tornar uma fonte de enriquecimento injusto. Nesse sentido, é importante considerar as duas finalidades da condenação: desencorajar a reincidência de violações dos direitos do consumidor, incentivando o ofensor a adotar medidas que evitem a repetição de atos semelhantes, e compensar a vítima pelos danos e transtornos indevidamente sofridos. Ora, o simples fato de o corpo estranho ter sido encontrado após 13 dias no organismo da parturiente, sem que nenhuma medida de verificação fosse adotada antes da alta médica, constitui, por si, violação ao dever de segurança e de zelo imposto ao fornecedor de serviços médicos, nos termos do artigo 14, caput, do CDC. Ademais, como salientado durante a instrução processual, a recorrida não teve apenas abalo físico, mas vivenciou sofrimento psicológico, angústia e indignidade, incompatíveis com a dignidade que se deve ao ser humano, especialmente à mulher em estado puerperal, cujos cuidados e atenção devem ser redobrados. O valor arbitrado a título de danos morais — R$10.000,00 (dez mil reais) — mostra-se moderado, proporcional à ofensa experimentada e compatível com os parâmetros jurisprudenciais adotados por esta Corte em hipóteses semelhantes. Atende, ainda, ao caráter pedagógico e compensatório da indenização, sem incorrer em enriquecimento indevido. Dessa forma, ausentes elementos fáticos ou jurídicos novos capazes de infirmar a conclusão firmada na sentença de origem, impõe-se a sua manutenção por seus próprios fundamentos, que ora se incorporam ao presente voto. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo hígida a sentença proferida pela Magistrada de primeiro grau. Em razão do trabalho adicional na fase recursal, majoro a verba honorária de 10 para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, com fulcro no art. 85, §11, do CPC, ficando suspensa exigibilidade em favor do recorrido por força das benesses da assistência judiciária. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 28/05/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000132-27.2018.8.11.0002

ID: 283359434

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000132-27.2018.8.11.0002

Data de Disponibilização: 29/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

RHAYZA CANDIDO RODRIGUES BRUNK

Acórdão

Advogados:

LUIZ AUGUSTO ARRUDA CUSTODIO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000132-27.2018.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des(a). ANTONIA SI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000132-27.2018.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Serviços de Saúde] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [RHAYZA CANDIDO RODRIGUES BRUNK - CPF: 045.393.801-92 (APELADO), LUIZ AUGUSTO ARRUDA CUSTODIO - CPF: 005.559.871-40 (ADVOGADO), EDNEIA SILVANA GONCALVES - CPF: 621.046.321-53 (ADVOGADO), SOCIEDADE HOSPITALAR CUIABANA SA - CNPJ: 03.470.416/0001-61 (APELANTE), HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA - CNPJ: 05.877.609/0001-67 (APELANTE), ALEX SANDRO SARMENTO FERREIRA - CPF: 109.211.228-61 (ADVOGADO), FERNANDA LUCIA PEREIRA MACIEL SERRA - CPF: 819.096.161-68 (ADVOGADO), THAYELLE CRISTINNE AMORIM VENDRAMINI - CPF: 040.428.721-23 (ADVOGADO), BRUNO EDUARDO ALVARENGA CARDOSO - CPF: 054.837.761-86 (ADVOGADO), CAIO MARCELO MESQUITA - CPF: 052.446.061-23 (ADVOGADO), CAMILA COSTA SILVA - CPF: 019.741.012-07 (ADVOGADO), CINDY SCHOSSLER TOYAMA - CPF: 004.716.791-27 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – JUSTIÇA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – REJEITADA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – APLICAÇÃO DO TEMA 940 DO STF – PROFISSIONAL DE SAÚDE NO SERVIÇO PRESTADO EM HOSPITAL VIA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – ATUAÇÃO COMO AGENTE PÚBLICO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6º, DA CF/88 – REJEITADA – MÉRITO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO HOSPITAL – ERRO MÉDICO – COMPRESSA CIRÚRGICA (GAZE) ESQUECIDA DURANTE PARTO – DESCOBERTA DA PACIENTE CERCA DE 13 (TREZE) DIAS APÓS O PARTO EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PARA SUA RETIRADA NO PÓS OPERATÓRIO – NEGLIGÊNCIA EVIDENCIADA – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – VALOR DA CONDENAÇÃO QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A concessão da gratuidade judiciária a pessoa jurídica, ainda que beneficente, exige demonstração robusta da hipossuficiência econômica, nos termos da Súmula 481 do STJ, o que não restou evidenciado pelo recorrente. Preliminar rejeitada. A alegação de cerceamento de defesa, por indeferimento da prova pericial não subsiste, porquanto desnecessário o conhecimento técnico específico para a avaliação da prova documental cuja autenticidade não foi contestada à época e não desconstituída pela requerida, resultando em prova inócua. Inviável o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva do hospital recorrente, ante a constatação de que o atendimento à parturiente foi prestado por profissionais vinculados à instituição no contexto de prestação de serviços públicos de saúde (SUS), sendo a responsabilidade do hospital objetiva nos termos do art. 14 do CDC e do Tema 940 do STF. A omissão na remoção de gaze do canal vaginal da paciente, identificada apenas treze dias após o parto, configura falha na prestação do serviço médico-hospitalar, ensejando responsabilidade civil e dever de indenizar por dano moral, independentemente de demonstração de culpa, nos termos da legislação consumerista aplicável. O quantum indenizatório arbitrado em R$10.000,00 (dez mil reais), mostra-se adequado às peculiaridades do caso concreto, atendendo aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como ao caráter compensatório e pedagógico da indenização. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000132-27.2018.8.11.0002 APELANTE: HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA APELADA: RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA contra sentença proferida pela MMª. Juíza, em cooperação (Portaria 28/2024), da 1ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT, Dra. Myrian Pavan Schenkel, lançada nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais n.º 1000132-27.2018.8.11.0002, ajuizada por RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando o hospital apelante, ao pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, com atualização monetária pelo INPC desde a data da sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Também fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação. Opostos embargos de declaração em Id. 215313251 estes foram rejeitados em Id. 262868775. A apelante, em suas razões recursais, preliminarmente, aduz que “De tudo que se infere, não restam dúvidas de que o apelante não tem condições econômico-financeiras de arcar com as despesas processuais (custas e honorários sucumbenciais) tendo em vista que os poucos recursos disponíveis são todos voltados para o atendimento da comunidade que depende exclusivamente do sistema único de saúde - SUS. Assim, ante os documentos anexados às razões recursais, em especial o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) e as informações acima registradas, especialmente da situação econômica financeira atual do hospital apelante, não restam dúvidas de que sua condição é de hipossuficiência, demonstrando impossibilidade de arcar com a condenação imposta na sentença de origem, tendo em vista que os poucos recursos disponíveis são todos voltados para o atendimento da comunidade” (sic). Afirma que “Diante do exposto, o hospital apelante REQUER seja PROVIDO o presente apelo a fim de conceder-lhe o benefício da gratuidade da justiça, primeiramente por ter comprovado fazer jus ao benefício, sobremais, presta serviço beneficente à população, exercendo atividade sem objetivos lucrativos relacionadas à saúde pública, atividade em que é notória a falta de recursos, a situação de necessidade que até mesmo pode ser presumida. Uma vez estando presentes os pressupostos para concessão do referido benefício, requer seja reformada a sentença de origem para então suspender a exigibilidade do pagamento dos honorários advocatícios fixados em favor da autora, ora apelada. Subsidiariamente, a apelante pugna desde já para que, uma vez provido o presente recurso, que os valores pagos a título de custas processuais sejam devolvidos integralmente” (sic). Ainda em sede de preliminar, salienta que “Em primeiro lugar, destaca-se que a comprovação dos fatos narrados exige, necessariamente, a produção de prova pericial. Somente por meio dessa análise técnica seria possível ao perito verificar a questão envolvendo a "gaze", a fim de comprovar se ela permaneceu, de fato, por treze dias no organismo da apelada, bem como determinar se as infecções posteriores ao parto possuem qualquer relação com o suposto erro médico. Ressalta-se que essa prova foi requerida pelo hospital apelante tanto na contestação quanto na petição de ID 14655579” (sic). Ressalta que “Conforme se depreende das fotos de ID 11315698 e vídeo de ID 11315707, a gaze que estava no canal vaginal da apelada era branca, sem qualquer sinal de sangue ou outros fluídos corporais, o que é IMPOSSÍVEL, visto que a mulher que acaba de dar à luz a um filho continua a eliminar lóquios por até um mês após o parto, conforme esclarecimentos técnicos e indicações da literatura médica para o caso, devidamente expostos nos autos. Portanto, tendo em vista que a gaze supostamente teria sido descoberta no 13º dia após o parto, esta deveria estar completamente tomada pela cor vermelha/marrom, decorrente dos lóquios eliminados pela apelada, e não na cor branca, como visto pelas fotos e vídeo citados, em que parece claramente se tratar de uma gaze nova e recém inserida no corpo da recorrida” (sic). Sustenta que “A vista do exposto, certo é que na hipótese dos autos, a prova pericial é necessária para elucidar os fatos e a suposta existência de fraude perpetrada pela apelada, uma vez que não se discute apenas a eventual responsabilidade do hospital e médico, mas a existência do próprio fato supostamente lesivo. O fato é que a situação narrada exige conhecimento técnico especializado para sua devida averiguação, pois apenas um perito médico pode atestar se as gases brancas, com aparência nova e sem manchas provenientes da eliminação de resíduos do corpo da apelada, realmente foram deixadas no local ou se a situação configura uma fraude ardilosa, por ela orquestrada, com o intuito de obter vantagem financeira às custas do hospital apelante” (sic). Assinala que “Dessa forma, é claro que houve cerceamento de defesa do hospital apelante, devendo com isso ser acolhida a preliminar arguida, a fim de declarar a nulidade da sentença atacada e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem para reabertura da instrução processual, com a realização da perícia técnica requerida. Esta perícia tem como objetivo possibilitar uma compreensão mais aprofundada da controvérsia, permitindo ao perito realizar a análise da “gaze” para verificar se ela realmente permaneceu treze dias no organismo da apelada, além de analisar se as infecções após o parto têm qualquer relação com o alegado erro médico” (sic). Ainda, preliminarmente, assevera que “Isso porque, o hospital apelante é um estabelecimento de saúde de corpo clínico aberto, nele prestando assistência médica diversos profissionais, ou seja, as alas cirúrgicas e consultórios do hospital estão abertos a qualquer profissional da área médica, que de suas instalações queira se utilizar, bem como os médicos que prestam serviços na qualidade de autônomos” (sic). Destaca que “A partir disso, fica evidente que os médicos que assistiram a apelada no parto, apesar de integrar o corpo clínico do hospital apelante, não possuía vínculo empregatício com este, a uma, porque sempre atuaram como autônomos, a duas, porque exercia suas tarefas em dias e horários pré estabelecidos, sem qualquer interferência do hospital. Desta feita, o fato do médico integrar o corpo clínico do hospital, não poderá gerar presunção de vínculo empregatício ou mesmo de preposição com o nosocômio. Por outro lado, se o dano decorre de falha técnica restrita ao profissional médico, que não possui qualquer vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição – não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar a vítima” (sic). Pondera que “No caso de ser provado que o médico agiu com culpa e ficando estabelecida a sua responsabilidade subjetiva, ao hospital será aplicada a teoria da responsabilidade objetiva somente se ele também agiu com culpa na disponibilização dos serviços de sua competência, hipótese em que o estabelecimento será condenado a indenizar o paciente e/ou seus familiares solidariamente com o médico. Excluída a culpa dos médicos (prepostos), consequente e necessariamente deverá haver a exclusão da culpa do hospital (preponente), pois a responsabilidade deste somente se configura quando comprovada a culpa daquele. Na hipótese dos autos, restou comprovada a inexistência de culpa do hospital com os danos experimentados pela apelada. Porquanto, inequívoco que a assistência prestada à apelada, por ocasião do parto, se deu de forma adequada, e não decorreu de nenhum serviço de atribuição da entidade hospitalar, razão por que não se lhe pode atribuir a condição de fornecedor a fim de imputar-lhe a responsabilidade pelo dano. E mais, os médicos que assistiram a apelada no anteparto, parto e pós-parto, no período em que esteve internada no hospital apelante, não possuíam qualquer vínculo empregatício e nem atuaram como prepostos do hospital apelante em nenhum momento, nem mesmo restou comprovada a culpa dos mesmos no evento lesivo supostamente sofrido pela apelada” (sic). Afiança que “Quanto à responsabilidade do hospital apelante, é de se observar, que somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Outrossim, mesmo que sendo alegada a ocorrência de imperícia e negligência no tratamento médico dispensado à apelada pelos profissionais médicos, está comprovado pelo prontuário médico, juntado a contestação e os depoimentos dados em audiência que o Hospital apelante prestou toda a assistência necessária, realizando tudo quanto lhe cabia fazer, não sendo responsável por dano que NÃO deu causa. Assim sendo, em face das argumentações fáticas e jurídicas ora tecidas, desde já se pretende a reforma da sentença, para então excluir o hospital apelante do polo passivo da demanda, nos termos do art. 485, IV do CPC, diante da inexistência e comprovação de qualquer responsabilidade que lhe fosse atribuída no caso em apreço” (sic). No mérito, diz que “Da simples análise da sentença e especialmente dos trechos acima citados, vê-se que toda a fundamentação da sentença baseou-se na conduta praticada por médico, que hipoteticamente integrava o polo passivo da ação, tendo ainda registrado que a cirurgia realizada era de histerectomia total no Hospital Santa Helena, sendo esse denominado de segundo requerido . Ocorre que tais informações são TOTALMENTE DESCABIDAS, visto que em momento algum qualquer outro réu integrou a lide, que não fosse o hospital apelante e o procedimento cirúrgico indicado na inicial, que supostamente teria dado ensejo ao esquecimento da gaze no interior do corpo da apelada seria o seu parto e não histerectomia” (sic). Acredita que “Portanto, prova-se que a paciente Rhayza recebeu alta do Hospital Santa Helena eliminando lóquios (fluxo vaginal de origem uterina, sanguinolento, seroso, que se produz após o parto, durante aproximadamente um mês) normais de pós-parto e, portanto, não poderia estar com a tal gaze alegada. Este foi o relato do correto atendimento prestado à apelada Rhayza Candido Rodrigues, quando da hospitalização no Hospital Santa Helena” (sic). Defende que “(...) os lóquios ou perdas de sangue são provocados por três fenômenos: A expulsão da placenta, o órgão que fornece oxigênio e nutrientes ao feto durante a gravidez. No ponto do útero onde estava presa a placenta forma-se uma ferida que começa a sangrar. Por isso, vão para esta zona uma grande quantidade de glóbulos brancos de modo a formarem uma barreira de defesa face aos possíveis germes que poderiam provocar uma infeção na ferida. À medida que se forma este escudo protetor, as perdas de sangue produzidas pela ferida vão-se reduzindo. Este processo costuma terminar em cerca de quatro semanas após o parto. Não obstante, não se trata de um processo normal de cicatrização, mas sim de uma reconstrução dos tecidos. Se sobre o ponto em que estava presa a placenta se formasse uma cicatriz, no futuro não seria possível a implantação de um novo óvulo fecundado. A eliminação da capa que reveste o útero durante a gravidez constitui o segundo elemento responsável pela existência de lóquios. Esta capa é composta por um tecido abundante que, com a sua presença, torna o útero um lugar acolhedor para o feto e que é expulso na maior parte no momento do parto. A capa mais profunda deste tecido elimina-se lentamente, produzindo os lóquios” (sic). Informa que “Isso porque, a testemunha, o médico Dr. Adilson Massoni, inscrito no CRM/MT nº 3986, foi claro no seu depoimento de que não é possível que uma gaze extraída do organismo de uma mulher no 13º dia do estado puerperal esteja branca, pois, teria absorvido grande quantidade dos lóquios que foram expelidos pelo seu organismo. Ademais, tanto a apelada quanto seu esposo e sua sogra informaram na audiência de instrução que a gaze ficou de fato em um tom marrom avermelhado, com odor insuportável, contudo, não juntaram em nenhum momento processual fotos ou vídeo da gaze nesse estado, não apresentando sequer filmagem da retirada do material do corpo da apelada, o que seria capaz de demonstrar a coloração da outra parte da gaze não mostrada no vídeo em anexo a inicial” (sic). Expõe que “Isso porque, o médico informou que uma gaze, nos raros casos em que é utilizada para partos normais, serve somente para afastar o colo do útero e facilitar a visão do médico, de modo que uma parte, como uma espécie de fio, fica na parte externa do corpo da mulher, assim, quando o procedimento é finalizado, o médico simplesmente puxa o fio retirando a gaze. Dessa forma, não é crível que a médica que realizou o parto não teria visto o referido fio, ou mesmo a apelada, por treze dias, não havendo qualquer menção desse fato na petição inicial e, tão pouco, aparecendo qualquer fio ligado a gaze no vídeo anexo a inicial. Além disso, conforme se depreende da leitura do prontuário médico da apelada acostado aos autos no ID 13631501, especificamente das anotações das duas técnicas de enfermagem e da enfermeira, Camila, Hlediar e Chirley, na data de 22/02/2017, AS TRÊS PROFISSIONAIS VIRAM, PESSOALMENTE, A ELIMINAÇÃO DE LÓQUIOS, PELA VAGINA DA APELADA, tanto que fizeram as anotações descrevendo a cor e quantidade dos mesmos” (sic). Explana que “Sendo assim, diante do contexto apresentado, tem-se que a Magistrada de origem não agiu com o costumeiro acerto ao concluir pela responsabilização do hospital, ora apelante, precipuamente ante o fato de que o conjunto probatório produzido nos autos não demonstrou a falha na prestação do serviço, não havendo que falar na sua condenação ao pagamento de indenização, face a ausência dos requisitos ensejadores. Assim, merece reforma a sentença recorrida, ficando evidenciada, na verdade, a improcedência do pedido inicial da apelada com relação ao hospital apelante” (sic). Enfatiza que “Observa-se que NÃO há nos autos provas que possam atestar a violação de conduta profissional ou ética perpetrada pelo apelante ou mesmo pelos profissionais de saúde que prestaram assistência à paciente Rhaysa Cândido, ou seja, constata-se COM BASE NOS ELEMENTOS, FATOS e DOCUMENTOS existentes nos autos que não há nexo de causalidade entre a assistência ao parto e a gaze identificada na vagina da apelada e, consequentemente, supostas infecções e inflamações decorrente de tal fato. Os depoimentos das testemunhas do hospital apelante revelaram de forma clara e inequívoca que todo o atendimento necessário à apelada e seu concepto foram prestados a tempo e modo devidos” (sic). A par destes argumentos, pede o provimento do apelo, requerendo, preliminarmente, “[...] a) DEFERIR os benefícios da justiça gratuita ao apelante, em razão de ser uma entidade sem fins lucrativos, conforme exposto nas razões recursais, e consequentemente, suspender a exigibilidade das despesas processuais fixadas na sentença atacada. b) Subsidiariamente, uma vez concedido os benefícios da justiça gratuita ao hospital apelante que os valores pagos a título de custas processuais sejam devolvidos integralmente. c) ACOLHER a preliminar de cerceamento de defesa, no sentido de declarar NULA a sentença atacada e determinar a remessa dos autos ao juízo de origem, determinando a reabertura da instrução processual para realização da perícia técnica requerida, sendo preciso, para isso, a nomeação de um profissional técnico com especialidade em ginecologia e obstetrícia; d) Não sendo esse o entendimento, requer seja ACOLHIDA a preliminar de ILEGITIMIDADE DE PARTE, tendo em vista a inexistência de relação empregatícia entre o apelante e os profissionais médicos que atenderam a apelada por ocasião do parto, já que não há qualquer queixa dos serviços ofertados pelo nosocômio, referente a estrutura e serviços de enfermagem” (sic). No mérito, pleiteia: “e) (...) seja PROVIDO o presente recurso, no sentido de reformar a sentença atacada e JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos da inicial, considerando a inexistência de ato ilícito e, consequentemente, a ausência do dever de indenizar por parte do hospital no que tange aos danos morais; f) Não sendo este o entendimento, requer o provimento do presente recurso para REDUZIR o quantum indenizatório fixado, posto que a quantia fixada é desproporcional ao dano e as condições do apelante, que é uma instituição filantrópica sem fins lucrativos” (sic). Parte apelante beneficiária da justiça gratuita, sendo isenta do recolhimento do preparo recursal (Id. 283083880). Nas contrarrazões, RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK pugna pelo desprovimento do recurso, alegando que a sentença encontra-se devidamente fundamentada e que foram observados todos os princípios do contraditório e da ampla defesa. Sustenta que a prova pericial foi corretamente indeferida, porquanto os elementos constantes dos autos, inclusive a prova testemunhal e documental, foram suficientes para o convencimento do juízo acerca da veracidade dos fatos narrados na inicial. Aduz que não se trata de mera narrativa sem corroboração, mas de evento traumático documentado por imagens e testemunhos que confirmam o esquecimento de gaze no interior do corpo da autora, o qual somente foi descoberto após dias de dor, sofrimento e desconforto. Argumenta, ainda, que a responsabilidade do hospital é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, sendo desnecessária a demonstração de culpa do preposto, bastando a existência do dano e do nexo de causalidade com a prestação defeituosa do serviço. Alega que, por se tratar de serviço médico-hospitalar, a responsabilidade não pode ser afastada pela simples negativa do hospital, mormente quando restaram ausentes quaisquer elementos concretos que infirmem os relatos da autora. Insiste na adequação do valor fixado a título de danos morais, afirmando que a quantia de R$10.000,00 mostra-se proporcional ao dano sofrido, servindo de compensação e de desestímulo a futuras condutas semelhantes. Requer, portanto, a rejeição da preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, a manutenção integral da sentença recorrida, com a condenação do apelante nas verbas sucumbenciais. Preparo recursal recolhido, conforme certificado no Id. 277664878. Na peça Id. 286779369, a parte apelante se opôs ao julgamento virtual, vindicando, na mesma oportunidade, pela realização da sustentação oral. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Recolhido o preparo, e estando adequado e tempestivo, CONHEÇO o apelo interposto, o que faço com fulcro no artigo 1.009 do Código de Processo Civil. Cinge-se dos autos que RHAYZA CÂNDIDO RODRIGUES BRUNK ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em desfavor do HOSPITAL BENEFICENTE SANTA HELENA, relatando, em síntese, que, foi vítima de erro médico por parte da equipe profissional do hospital apelante, o qual culminou na negligente retenção de corpo estranho (gaze) em sua cavidade vaginal após procedimento obstétrico realizado em 21/02/2017, quando deu à luz ao seu filho. Alega que, apesar de a cirurgia transcorrer com aparente normalidade e ter recebido alta hospitalar no dia seguinte ao parto, passou a experimentar dores intensas que, inicialmente atribuídas ao processo natural de recuperação, agravaram-se exponencialmente ao longo de 13 dias. Afirma que a origem das dores foi descoberta de maneira casual e dramática por familiares, que identificaram e retiraram manualmente o objeto esquecido. Sustenta que a omissão médica gerou não apenas dor física e sofrimento psicológico, mas também risco potencial de infecção grave e outras complicações ginecológicas e sistêmicas. Ao final da instrução processual, a Magistrada que conduziu o processo julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando o hospital apelante, ao pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, com atualização monetária pelo INPC desde a data da sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Também fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação. Colaciono trecho da sentença proferida no juízo a quo, no que tange o mérito da questão: “Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS COM PEDIDO LIMINAR ajuizada por RHAYZA CANDIDO RODRIGUES em face de SOCIEDADE HOSPITALAR CUIABANA SA, todos devidamente qualificados nos autos. Afirma, em síntese, que, em 21/02/2017, realizou o parto de seu filho RHYAN PIETRO RODRIGUES BRUNK nas dependências do hospital requerido e que o procedimento cirúrgico foi tranquilo. Aduz que, no dia seguinte, teve alta médica e começou a sentir fortes dores, sendo que, após cerca de 13 (treze) dias de intensas dores, o seu esposo e sua sogra, auxiliando a requerente na recuperação pós parto, descobriram que a equipe médica que realizou o parto esqueceu dentro de si uma bola de gases e, com a sua retirada, o alívio foi imediato. Assim, requereu a procedência da ação para condenar o requerido ao pagamento R$ 30.000,00 de danos morais. Com a inicial, vieram documentos. No id nº 13631429, o requerido apresentou contestação, apontando, preliminarmente, a retificação do polo passivo, vez que o CNPJ está incorreto, sua ilegitimidade passiva. No mérito, argumentou que a requerente recebeu alta eliminando lóquios (fluxo vaginal de origem uterina, sanguinolento, seroso, que se produz após o parto, durante aproximadamente um mês) normais de pós-parto e, portanto, não poderia estar com a tal gaze alegada, que foi prestado o correto atendimento à requerente, que é totalmente falsa a acusação, que era de esperar que a cor da gaze que aparece no vídeo e nas fotos fosse, no mínimo, vermelha escura pela eliminação dos lóquios, mas aparece uma gaze quase na parte externa da vagina e de cor clara, que jamais poderia ter sido esquecida dentro da vagina por 13 dias, pugnando pela litigância de má-fé e improcedência dos pedidos. No id nº 14062141, réplica à contestação. No id nº 41383470, decisão saneadora. No id nº 56454528, audiência de instrução. Nos ids nº 58037326 e 59462156, as partes apresentaram memoriais finais. É o relatório. Fundamento e decido. De início, registro que foram assistidas todas as mídias que contém as declarações proferidas na audiência de instrução, sendo desnecessária a transcrição dos mesmos como fundamento da sentença, pelo simples fato de constarem dos autos, bastando, a quem interessar, assistí-los. De início, cumpre registrar que legitimidade nada mais é do que a pertinência subjetiva para a ação. Assim, analisando a relação jurídica processual existente nos autos, com o direito material controvertido, percebe-se, em tese, sua adequação. [...] Ademais, como condição da ação, a ilegitimidade de parte é verificada in statu assertionis, ou seja, mediante análise abstrata dos fatos narrados na petição inicial. Outrossim, considerando que a análise da responsabilidade do hospital relaciona-se ao serviço prestado pelo médico, profissional liberal, que nele trabalha, é legítimo para figurar no polo passivo. [...] Dessa forma, a preliminar em questão não merece guarida. [...] Sob a ótica civil e consumerista, aplica-se ao fornecedor a teoria do risco do empreendimento, em que todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de serviços, tem o dever de responder pelos fatos resultantes do empreendimento, independentemente de culpa, ou seja, responde objetivamente. Todavia, no caso dos autos, sendo o requerido profissional liberal, a sua responsabilidade deverá ser auferida mediante a comprovação de culpa, nos termos do artigo 14, §4ª, do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a executar determinados serviços e o fato ou vício do produto ou serviço ofertado é um dos pressupostos da responsabilização pelos danos daí decorrentes, nas relações de consumo, inclusive o dano moral. Cinge-se a questão controvertida quanto ao suposto erro médico ocorrido no procedimento cirúrgico realizado pela primeira requerida, no estabelecimento do segundo requerido, no tocante à cirurgia de histerectomia total. [...] A responsabilidade médica é, em regra, de meio, ou seja, obriga-se o profissional médico a desempenhar sua missão com diligência, prudência e técnicas necessárias, utilizando os recursos de que dispõe, em conformidade com o desenvolvimento de sua ciência. [...] Nota-se do feito que houve a ocorrência de erro médico no procedimento cirúrgico desenvolvido pelo requerido, com o esquecimento de corpo estranho (gaze) no corpo da requerente durante o procedimento do parto. Verifica-se, portanto, a existência de ato culposo caracterizado pela imperícia do requerido ao deixarem corpo estranho (gaze) na paciente, de modo que, presentes os demais elementos ensejadores da responsabilidade civil, o pagamento de indenização à requerente é medida que se impõe. [...] O dano extrapatrimonial, comumente denominado de dano moral, consiste nas lesões que recaem sobre o patrimônio ideal do sujeito, este entendido como insuscetível de valoração econômica. Entretanto, considerada a presença de um prejuízo e a correlata necessidade de reparação, deve ser ele pecuniariamente estimado. [...] Os efeitos do comportamento lesivo poderão parecer menos graves aos olhos daqueles que não foram atingidos, uma vez que afetam o patrimônio ideal e por isso somente são sentidos em toda a sua extensão pelo efetivamente lesado. Quanto ao valor a ser arbitrado na indenização por danos morais deve-se atender a uma dupla finalidade: reparação e repressão. E, portanto, deve ser observada a capacidade econômica do atingido, mas também do ofensor, de modo a que não haja enriquecimento injustificado, mas que também não lastreie indenização que não atinja o caráter pedagógico a que se propõe. [...] É de se salientar que o prejuízo moral experimentado pela parte requerente deve ser ressarcido numa soma que não apenas compense a ela a dor e/ou sofrimento e prejuízo causado, mas especialmente deve atender às circunstâncias do caso em tela, tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, exigindo-se a um só tempo prudência e severidade. [...] Desse modo, entendo como razoável e proporcional que a parte requerida deva pagar a requerente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelos danos morais experimentados. [...] Assim, considerando as lições colimadas, a procedência parcial é medida que se impõe. Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR a parte requerida ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais acrescidos de correção monetária pelo INPC a contar da prolação desta sentença e juros simples de 1% ao mês a contar da citação. Condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.” (Id. 215313249) Pois bem. Preliminarmente o apelante aduz que deve ser concedido a ele, as benesses da justiça gratuita, inclusive com a devolução do valor pago a título de preparo recursal. Melhor sorte não assiste ao recorrente. Isso porque, no caso em apreço, não há comprovação inequívoca de que o pagamento das custas judiciais comprometeria o funcionamento do hospital. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exige que a pessoa jurídica demonstre sua hipossuficiência de forma clara e objetiva, o que não foi devidamente comprovado nos autos. Ademais, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso já analisou a questão da justiça gratuita envolvendo o próprio Hospital Beneficente Santa Helena, reafirmando que a mera condição de entidade beneficente não implica, por si só, o reconhecimento da hipossuficiência financeira. Vejamos: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. REFORMA DA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1.Agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento ao agravo de instrumento e concedeu os benefícios da justiça gratuita 2.A decisão monocrática foi proferida com fundamento na condição filantrópica da entidade, sem a exigência de comprovação robusta da hipossuficiência financeira. II. Questão em discussão 3. A questão central consiste em definir se a condição de entidade beneficente de assistência social, por si só, é suficiente para a concessão da justiça gratuita ou se há necessidade de demonstração inequívoca da impossibilidade de arcar com os encargos processuais. III. Razões de decidir 4. Nos termos da Súmula 481 do Superior Tribunal de Justiça, a concessão da justiça gratuita à pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, exige a comprovação da insuficiência de recursos. 5. A documentação apresentada pelo hospital, notadamente o Demonstrativo de Resultado do Exercício (DRE), evidencia um prejuízo operacional, mas não demonstra de forma cabal a impossibilidade de pagamento das custas processuais. 6. O hospital possui receita anual expressiva, composta majoritariamente por repasses públicos e subvenções, o que não indica, de maneira inequívoca, a incapacidade financeira para suportar os encargos processuais. 7. A ausência de balanço patrimonial detalhado e fluxo de caixa atualizado impede uma análise conclusiva sobre a real situação econômico-financeira da instituição. 8. Diante da insuficiência de comprovação da hipossuficiência, impõe-se a reforma da decisão monocrática para restabelecer o indeferimento da justiça gratuita, conforme decidido em primeiro grau. IV. Dispositivo e tese 9. Agravo interno provido para restabelecer a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido de gratuidade da justiça ao Hospital Beneficente Santa Helena. Tese de julgamento: “A concessão da justiça gratuita à pessoa jurídica, ainda que beneficente, exige comprovação inequívoca da impossibilidade financeira de arcar com os encargos processuais, não sendo suficiente a mera alegação de filantropia.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXIV; CPC/2015, arts. 99, §§ 2º e 3º, e 932, IV e V. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 481; STJ, AgRg no REsp 1.465.921/SP; TJ-MT, N.U 1024172-69.2024.8.11.0000, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 16/10/2024; TJ-MT, N.U 1017152-27.2024.8.11.0000, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 21/08/2024.” (N.U 1027756-47.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 07/04/2025) (Destaquei) “EMENTA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto por Hospital Beneficente Santa Helena contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento, mantendo a decisão que indeferiu o pedido de justiça gratuita. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em saber se a pessoa jurídica, no caso, o Hospital Beneficente Santa Helena, faz jus ao benefício da justiça gratuita, diante da alegação de hipossuficiência financeira. III. RAZÕES DE DECIDIR A concessão da justiça gratuita para pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, exige a comprovação da incapacidade financeira, conforme a Súmula 481 do STJ. A simples alegação de ser uma entidade filantrópica não é suficiente para a concessão da gratuidade, sendo necessária a apresentação de documentos que comprovem a real impossibilidade de arcar com as custas processuais. No caso, os documentos apresentados pelo agravante não foram considerados suficientes para comprovar a hipossuficiência financeira. A decisão monocrática está em consonância com o entendimento do STJ e do TJMT, que exige prova da incapacidade financeira para a concessão da justiça gratuita. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “A concessão da justiça gratuita para pessoas jurídicas, inclusive sem fins lucrativos, depende da comprovação efetiva de sua incapacidade financeira por meio de documentos que demonstrem a insuficiência de recursos.” Dispositivo relevante citado: Código de Processo Civil, art. 99, §§ 2º e 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 481; STJ, AgInt no AREsp 1069805/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 05.03.2020; STJ, AgInt no AREsp 1187010/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 26.06.2018.” (N.U 1003943-54.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 01/04/2025, Publicado no DJE 04/04/2025) (Destaquei) Assim, para a concessão do benefício, é imprescindível a comprovação concreta da impossibilidade de arcar com as custas processuais. Dessa forma, rejeito a preliminar aventada. Ainda preliminarmente, o apelante aduz que teve o seu direito de defesa cerceado, haja vista que não houve nos autos perícia técnica para apuração do erro médico, assim requer o reconhecimento do cerceamento de defesa e a consequente realização de perícia técnica para que proceda-se a análise, do material com o intuito de verificar se esta causou infecções na apelada, e se a gaze, realmente permaneceu 13 (treze) dias no organismo da apelada. Sem razão o apelante, explico. Compulsando os autos, observa-se que em sede de despacho saneador (Id. 215313180), a Magistrada de piso indeferiu produção de prova pericial, “por entender que nada acrescentaria ao ponto controvertido, além do que os fatos narrados tem por fundamento uma gaze deixada no corpo da autora” (sic). Na hipótese, considerando as peculiaridades do caso concreto, a realização de prova pericial, neste momento, revela-se inócua, em razão do extenso lapso temporal – 8 anos - transcorrido desde os fatos narrados na inicial. A perícia técnica, que se propõe a examinar elementos clínicos e circunstâncias médicas do atendimento realizado, exige a preservação das condições fáticas e materiais à época do suposto evento danoso, o que se mostra inviável após tantos anos. Ademais, as provas carreadas (fotos e vídeo) sequer foram contestadas e desconstituídas em momento oportuno, de modo que, rejeito a preliminar em comento. Por fim, contudo ainda preliminarmente, a parte apelante sustenta a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, haja vista que os médicos que atenderam a apelada no anteparto, parto e pós-parto não possuíam vínculo empregatício com o hospital. Compulsando os documentos juntados com a inicial, vislumbro que em Id. 215311697 foi juntada a certidão de nascimento de Rhyan Pietro Rodrigues Brunk, onde consta como local de nascimento o Hospital Santa Helena. No Id. 215311698 constam as fichas de informação referentes ao parto, todas devidamente identificadas com o logotipo do hospital apelante. De igual modo, no Id. 215313169 encontra-se o prontuário médico da parte apelada onde consta a guia de internação (Pág. 05), constando como “convênio” o Sistema Único de Saúde – SUS. Diante disso, amolda-se ao caso dos autos o tema 940, fixado pelo STF, que analisou a responsabilidade civil subjetiva do agente público por danos causados no exercício de atividade pública, verbis: “A teor do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Nestas condições – de prestador de serviços públicos no âmbito do SUS –, os médicos que atenderam a apelada no anteparto, parto e pós-parto, são equiparados a agente públicos e, assim, são partes ilegítimas para figurar no polo passivo da ação, nos termos do repetitivo acima citado. Nesse sentido, trago à colação julgado deste Sodalício em caso absolutamente análogo: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PROFISSIONAL DE SAÚDE NO SERVIÇO PRESTADO EM HOSPITAL VIA SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – ATUAÇÃO COMO AGENTE PÚBLICO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, §6º DA CF/88 – APLICAÇÃO DO TEMA 940 DO STF – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Em se tratando de serviço médico prestado através do SUS, aplica-se a causa de responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 37, §6º, da Constituição Federal. Ou seja, o médico que presta atendimento pelo SUS reveste-se na condição de agente público, não podendo ser demandado diretamente pela parte lesada, inclusive a tese está sedimentada em sede de repercussão geral no Tema 940 do Superior Tribunal Federal.” (N.U 1008087-16.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/03/2025, Publicado no DJE 08/03/2025) (Destaquei). Assim, cabe à pessoa jurídica de direito privado responder por eventual dano que seu agente tenha causado no exercício da atividade pública e, evidenciada a responsabilidade subjetiva do servidor, será cabível ação de regresso da instituição em desfavor do seu agente. Em razão disso, rejeito a preliminar arguida pelo apelante. Passo a análise do mérito. A questão posta à apreciação deste Egrégio Tribunal diz respeito à responsabilidade civil decorrente de suposto erro médico, consubstanciado na permanência de gaze no interior do corpo da autora, ora recorrida, após o procedimento de parto realizado nas dependências do hospital ora apelante. Sob a ótica consumerista, impõe-se reconhecer a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme já corretamente apontado pelo juízo singular. A relação estabelecida entre as partes é inequivocamente de consumo, enquadrando-se o hospital no conceito de fornecedor (art. 3º do CDC) e a paciente como consumidora (art. 2º do CDC). A responsabilidade civil dos hospitais por erro médico cometido por profissionais que integram sua equipe é, via de regra, objetiva, por força do artigo 14, caput, do CDC, especialmente nos casos de atuação de profissionais vinculados ao estabelecimento, como ocorreu no caso em exame. Tratando-se de instituições hospitalares, sua responsabilidade resume-se aos serviços anexos ao atendimento médico, respondendo, de forma objetiva, pela inadequada prestação. Sobre o tema, ensina José de Aguiar Dias: "[...] quanto à responsabilidade dos donos das casas de saúde ou hospitais, não há dúvida que inclui um dever de incolumidade, que, naturalmente, não vai ao ponto de garantir o impossível de restituir a vida ou assegurar a cura, mas que se fixa, curialmente, na obrigação de resguardar o paciente de quaisquer conseqüências que um bom serviço poderia evitar" (Da Responsabilidade Civil, vol I, Rio de Janeiro: Forense, 6. ed., n. 116, p.) Com efeito, a prova testemunhal e os elementos documentais confirmam que a recorrida experimentou intenso sofrimento físico e psicológico após o parto em decorrência da permanência de gaze no interior de sua cavidade vaginal por mais de 10 dias, tendo sido removida somente após grande desconforto e dores contínuas. Tal fato, por si só, configura falha grave na prestação dos serviços, violando o dever de segurança e zelo que se espera de qualquer prestador de serviços de saúde. Ainda, destaca-se que o próprio conteúdo do prontuário médico não afasta a responsabilidade do hospital, tendo em vista que a documentação ali constante é insuficiente para infirmar a narrativa da autora, notadamente ante a inexistência de qualquer anotação sobre a verificação da retirada de todos os instrumentos ou materiais utilizados durante o parto. Tampouco o vídeo e as fotos apresentados pela autora — e não impugnados de forma eficaz — foram infirmados por contraprova técnica idônea. Não se trata, pois, de uma narrativa isolada ou destituída de fundamento. A robustez das provas apresentadas — somadas à ausência de elementos técnicos por parte do hospital que refutassem eficazmente a versão dos fatos. A alegação de que a gaze expelida pela apelada seria “branca e limpa” e, por isso, incompatível com o tempo de permanência, carece de respaldo técnico e fático. Trata-se de conjectura que não resiste à prova produzida. Inclusive, analisando o prontuário médico da apelada, colacionado em Id. 215313169, nota-se que após a cirurgia não há qualquer prescrição, em seu pós operatório, acerca da necessidade de retirar o tampão da vagina da paciente antes de sua alta hospitalar, o que evidencia a negligência médica. Não havendo dúvidas acerca da negligência cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente, não há como negar o abalo moral sofrido. Vejamos precedentes deste Sodalício em casos análogos: “APELAÇÕES CÍVEIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – 2º APELO – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ACOLHIDA – RECURSO INTEMPESTIVO – 1º APELO – ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – MÉRITO – ERRO MÉDICO – COMPRESSA CIRÚRGICA (GAZE) ESQUECIDA DURANTE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO – DESCOBERTA DA PACIENTE CERCA DE 04 (QUATRO) MESES DA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO – MATERIAL EXCRETADO COM AS FEZES – LAUDO MÉDICO QUE ATESTA O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO E A NEGLIGÊNCIA MÉDICA – ERRO MÉDICO – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO DEVER DE INDENIZAR – DANO MORAL CONFIGURADO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO EM R$50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS) – TERMO DE JUROS DE MORA – MODIFICAÇÃO PARA A DATA DA CITAÇÃO – PEDIDO DE CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO HOSPITAL – FALTA DE INTERESSE RECURSAL NO PONTO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS – 1º APELO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO - 2º APELO - NÃO CONHECIDO. Não se conhece de recurso de apelação protocolado fora do prazo legal, por ausência de condição de admissibilidade recursal. “Este Superior Tribunal tem o entendimento de que o julgamento antecipado da lide, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa, já que cabe ao magistrado apreciar livremente as provas dos autos, indeferindo aquelas que considere inúteis ou meramente protelatórias,” (STJ - AgInt no AREsp: 1645635 SP 2019/0382659-0) A conduta do médico e do hospital consistente no esquecimento de compressa cirúrgica no interior do corpo da paciente configura conduta culposa, que enseja a reparação, de forma solidária, pelos danos por ela suportados, nos termos do que dispõe dos artigos 7º, parágrafo único, e 14 do CDC. Não havendo dúvidas acerca da negligência do cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente que, por cerca de 04 meses com dores e idas ao hospital em decorrência de um processo infeccioso de forma crônica que somente cessou após a excreção da gaze de seu corpo, não há como negar o abalo moral sofrido. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes. Não procede o pedido de redução dos honorários advocatícios, se arbitrados em consonância com os parâmetros dispostos no artigo 85, § 2º, do CPC.” (N.U 0006645-57.2008.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/04/2024, Publicado no DJE 11/04/2024) (Destaquei) “APELAÇÕES CÍVEIS – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – ERRO MÉDICO – HISTERECTOMIA – TAMPÃO DE GAZE DEIXADO NO CANAL VAGINAL – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PARA SUA RETIRADA NO PÓS OPERATÓRIO – DESCOBERTA DA PACIENTE APÓS 1 (UM) MÊS DA REALIZAÇÃO DA CIRURGIA EM RAZÃO DE DOR E DESCONFORTO –NEGLIGÊNCIA EVIDENCIADA – DANO MORAL E MATERIAL – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – VALOR DA CONDENAÇÃO QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – AMBOS OS RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. No caso, a toda evidência, trata-se de negligência médica, pois o 2º apelante, médico responsável pela realização do procedimento cirúrgico ao qual se submeteu a autora, ora 1º apelante, após a cirurgia deixou de prescrever em seu pós operatório a necessidade de retirar o tampão da vagina da paciente antes de sua alta hospitalar. Não havendo dúvidas acerca da negligência cirurgião e considerando a dor e angústia enfrentada pela paciente, não há como negar o abalo moral sofrido. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes.” (N.U 0001484-80.2010.8.11.0046, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 11/03/2020) “APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – ERRO MÉDICO – ESQUECIMENTO DE CORPO ESTRANHO NO ABDÔMEN DA PACIENTE – HOSPITAL ESTADUAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 37, § 6º, CF. NEXO CAUSAL CONFIGURADO – DANO MORAL IN RE IPSA – POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DANO MORAL E DANO MATERIAL – SUM 387 DO STJ. DANOS MORAL E MATERIAL ARBITRADO PELO JUÍZO A QUO EM VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. - A teor do disposto no § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de público respondem objetivamente pelos danos causados a seus consumidores e a terceiros. - As provas testemunhais e documentais presentes nos autos são suficientes a comprovar a conduta ilícita do Réu, que, quando da realização de parto cesáreo, deixou uma "corpo estranho (gaze cirúrgica) em decomposição " no abdômen da Autora, a qual passou a experimentar crises de dores abdominais. - O dano moral, no presente caso, é in re ipsa, decorrendo do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa, já resta demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, que decorre das regras de experiência comum. - Incontestável que a situação vivenciada pela Autora supera um mero dissabor ou aborrecimento cotidiano, atingindo o seu patrimônio moral e material.” (N.U 0026408-88.2013.8.11.0002, MARCIO APARECIDO GUEDES, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 07/02/2020, Publicado no DJE 17/02/2020) (Destaquei) “APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS – PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEIÇÃO –PROCEDIMENTO CIRÚRGICO - GAZE ESQUECIDA NO CORPO DA PACIENTE – ERRO MÉDICO – IMPERÍCIA – ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADOS – PACIENTE SUBMETIDA À NOVA CIRURGIA PARA RETIRADA DO CORPO ESTRANHO – CICATRIZ OPERATÓRIA – DANOS ESTÉTICOS E MORAIS CONFIGURADOS – INDENIZAÇÃO DEVIDA – QUANTUM MANTIDO – JUROS DE MORA – TERMO INICIAL – A PARTIR DA CITAÇÃO – RECURSO DE HOLANDO DE SOUZA PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DO HOSPITAL E DA PARTE AUTORA DESPROVIDOS. Não há que se falar em cerceamento de defesa, ante o indeferimento da prova oral, haja vista que o magistrado não é obrigado a deferir todas as provas postuladas pelos litigantes, quando entender que os elementos existentes nos autos são suficientes para o julgamento da demanda. A não apresentação de memoriais, por si só, não acarreta a nulidade da sentença, sendo imprescindível, portanto, a demonstração de efetivo prejuízo à parte que alega o vício. A relação firmada entre o paciente, médico e hospital enquadra se como relação de consumo, sendo regida pelo Código de Defesa do Consumidor. A conduta do médico e do hospital consistente no esquecimento de gaze cirúrgica no interior do corpo da paciente configura conduta culposa, que enseja a reparação, de forma solidária, pelos danos por ela suportados, nos termos do que dispõe dos artigos 7º, parágrafo único e 14 do CDC. Não há que se falar em redução ou majoração dos danos estéticos e morais, se arbitrados conforme as condições financeiras das partes, a gravidade do fato e o grau de culpa no comprometimento do ato ilícito." (N.U 0026852-38.2012.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, Vice-Presidência, Julgado em 05/02/2020, Publicado no DJE 17/02/2020) (Destaquei) Demonstrado o nexo causal e o consequente dever de indenizar, passo à analiso do quantum arbitrado. Em sua obra sobre Responsabilidade Civil, Venosa analisa o dano moral de forma aprofundada, afirmando que este estará presente quando uma conduta ilícita causar a determinado indivíduo extremo sofrimento psicológico e físico que ultrapasse o razoável ou o mero dissabor, sentimentos estes, que muitas vezes podem até mesmo levar à vítima a desenvolver patologias, como depressão, síndromes, inibições ou bloqueios. “[...] Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual, se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente; [...]" (Direito Civil, Responsabilidade Civil, 15ª ed., Atlas, p.52) É sabido que o juiz deve guiar-se pela prudência, equilíbrio e bom senso, analisando cada situação específica para que a quantificação da indenização seja capaz de satisfazer a argumentação apresentada, sem se tornar uma fonte de enriquecimento injusto. Nesse sentido, é importante considerar as duas finalidades da condenação: desencorajar a reincidência de violações dos direitos do consumidor, incentivando o ofensor a adotar medidas que evitem a repetição de atos semelhantes, e compensar a vítima pelos danos e transtornos indevidamente sofridos. Ora, o simples fato de o corpo estranho ter sido encontrado após 13 dias no organismo da parturiente, sem que nenhuma medida de verificação fosse adotada antes da alta médica, constitui, por si, violação ao dever de segurança e de zelo imposto ao fornecedor de serviços médicos, nos termos do artigo 14, caput, do CDC. Ademais, como salientado durante a instrução processual, a recorrida não teve apenas abalo físico, mas vivenciou sofrimento psicológico, angústia e indignidade, incompatíveis com a dignidade que se deve ao ser humano, especialmente à mulher em estado puerperal, cujos cuidados e atenção devem ser redobrados. O valor arbitrado a título de danos morais — R$10.000,00 (dez mil reais) — mostra-se moderado, proporcional à ofensa experimentada e compatível com os parâmetros jurisprudenciais adotados por esta Corte em hipóteses semelhantes. Atende, ainda, ao caráter pedagógico e compensatório da indenização, sem incorrer em enriquecimento indevido. Dessa forma, ausentes elementos fáticos ou jurídicos novos capazes de infirmar a conclusão firmada na sentença de origem, impõe-se a sua manutenção por seus próprios fundamentos, que ora se incorporam ao presente voto. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo hígida a sentença proferida pela Magistrada de primeiro grau. Em razão do trabalho adicional na fase recursal, majoro a verba honorária de 10 para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, com fulcro no art. 85, §11, do CPC, ficando suspensa exigibilidade em favor do recorrido por força das benesses da assistência judiciária. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 28/05/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000132-51.2023.8.11.0099

ID: 297629573

Tribunal: TJMT Órgão: NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 1000132-51.2023.8.11.0099

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

SILVANA LAZERIS DE SOUZA

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

GABRIEL MARCELO ALBERTON

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA SENTENÇA PROCESSO N.: 1000132-51.2023.8.11.0099 AUTOR: SILVANA LAZERIS DE SOUZA REU: ESTADO DE MATO GROSSO, MUNICIPIO… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA SENTENÇA PROCESSO N.: 1000132-51.2023.8.11.0099 AUTOR: SILVANA LAZERIS DE SOUZA REU: ESTADO DE MATO GROSSO, MUNICIPIO DE JURUENA Vistos, etc. Trata-se de ação de obrigação de fazer ajuizada por SILVANA LAZERIS DE SOUZA contra o ESTADO DE MATO GROSSO e o MUNICIPIO DE JURUENA objetivando a concessão da tutela provisória de urgência para compelir os requeridos ao fornecimento do procedimento de procedimento cirúrgico (ureterolitotomia), bem como de consulta, exames, e de procedimento adequado ao tratamento. A parte autora relata, em síntese, que foi diagnosticada calculose do rim com cálculo do ureter, CID: N202 e diante de seu quadro clinico, necessita do procedimento pleiteado. No mérito, pugna pela confirmação da pretensão de urgência, por conseguinte, pela condenação dos requeridos na obrigação de fazer. Com a inicial vieram documentos. Parecer do Núcleo de Apoio Técnico – NAT ao id. 109535473. A tutela de urgência foi deferida em parte no id. 109538640. O Estado de Mato Grosso apresentou contestação (Id. 111130254), alegando preliminarmente ausência de interesse processual. No mérito sustenta que a concessão do pedido autoral violaria os princípios orçamentários da legalidade e da vedação ao estorno, previstos no artigo 167 da CF/88. Assevera que o pleito do autor resultaria em despesa não prevista na lei orçamentária e exigiria a realocação de recursos sem autorização legislativa, o que configuraria ilegalidade. Além disso, o defende a aplicação do princípio da reserva do possível, argumentando que, diante da limitação dos recursos públicos, devem ser feitas "escolhas trágicas" para atender às necessidades essenciais da saúde pública, o que não inclui o atendimento individual postulado. Argumenta que a judicialização excessiva da saúde compromete a isonomia e o acesso universal à saúde, prejudicando o equilíbrio do sistema público e invertendo a lógica das políticas públicas, que devem ser definidas pelo Legislativo e Administrador, não pelo Judiciário. No que tange à multa diária, o Estado assevera que a medida é desnecessária, uma vez que existem meios mais eficazes para o cumprimento da decisão, como o bloqueio de valores, conforme a jurisprudência do STJ e do TJMT, que preveem a utilização de medidas mais proporcionais e menos onerosas ao erário. Ao final rogou pela improcedência da demanda. Por sua vez, o Município de Juruena apresentou contestação (id. 114653710), alegando preliminarmente ilegitimidade passiva. No mérito sustenta que, embora a saúde seja um direito garantido pela Constituição, sua prestação depende dos recursos orçamentários de cada ente federado. Defende que os Estados são responsáveis pelos procedimentos de alta e média complexidade, enquanto os Municípios devem cuidar das ações básicas de saúde. Argumenta que o tratamento pleiteado na ação é de responsabilidade do Estado de Mato Grosso, pois envolve alta complexidade e alto custo. Ao final rogou pela improcedência da demanda. A Secretaria de Estado de Saúde por meio da Certidão De Acompanhamento Técnico n. 0656/2023 informou que o procedimento foi realizado no Hospital Regional Jorge de Abreu e teve sua alta hospitalar dia 18/02/2023 e já está em seu domicilio, id. 116146184. É o relatório. Decido. No caso, estão preenchidos os pressupostos de constituição e inexiste pendência de questão processual, de modo que o feito se revela apto para julgamento, motivo pelo qual passo ao julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, I do CPC. Inicialmente, faz-se necessária a análise da preliminar arguida em sede de contestação. O Município de Juruena alegou a preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de se tratar de procedimento média e alta complexidade. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: RECURSO INOMINADO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA – TRATAMENTO OFTALMOLÓGICO - INJEÇÃO INTRA-VITREO – PROCEDIMENTO DE MÉDIA COMPLEXIDADE – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS – TEMA Nº 793 DO STF - DIRECIONAMENTO DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER PRIMARIAMENTE AO ENTE ESTATAL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer com pedido de tutela de urgência alegando a parte Autora que possui diagnóstico e Diabetes Mellitus de longa data, evoluindo com Retinopatia Diabética Proliferativa, oclusão de veia central da retina e Glaucoma Neovascular em olho esquerdo, necessitando de 03 (três) aplicações de injeção intra-vítreo em olho esquerdo; medicação EYLIA 40MG/ML; 03 (três) sessões de panfotocoagulação; procedimento de implante de válvula de ahmed em olho esquerdo. 2. Embora qualquer um dos entes públicos seja parte legítima, em conjunto ou separadamente, para ser acionado nas ações prestacionais na área da saúde, como no caso dos autos, trata-se de procedimento de alta complexidade, o cumprimento da obrigação deve ser, primariamente, direcionado ao Estado de Mato Grosso, de acordo com as regras de repartição de competência ora mencionada. (Tema 793 do STF). 3. Recurso conhecido e provido. (TJ-MT - RECURSO INOMINADO: 1003561-11.2023.8.11.0007, Relator: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 01/04/2024, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: 05/04/2024). Com efeito, apesar da classificação do procedimento pleiteado na inicial ser classificado como de “média complexidade” não há que se falar em ilegitimidade do Município. Isso porque, os entes federativos possuem responsabilidade solidária pelo funcionamento do Sistema Único de Saúde. Desse modo, em que pese à previsão de direcionamento da execução primariamente ao ente estatal nos termos do enunciado 60 da Jornada de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, em caso de descumprimento a obrigação se dará subsidiariamente pelo ente municipal. Aliás: CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASSISTÊNCIA À SAÚDE – TRATAMENTO OFTALMOLÓGICO – INJEÇÃO INTRA VÍTREO DE ANTIANGIOGÊNICO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – APLICAÇÃO DO ARTIGO 196, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – DIRECIONAMENTO PRIMÁRIO, EM FACE DO ESTADO DE MATO GROSSO, PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO – PROVIDO EM PARTE. O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. Considerando a complexidade do procedimento médico, o direcionamento do cumprimento da obrigação deve-se dar, primariamente, ao Estado de Mato Grosso e, em caso de descumprimento, caberá ao Município, a satisfação da tutela jurisdicional. (TJ-MT 10004853420228110000 MT, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 16/05/2022, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 26/05/2022). Posto isto, rejeito a preliminar de ilegitimidade do Município de Juruena. O Estado de Mato Grosso alegou a ausência de interesse processual, sob a argumentação de que a pretensão individual da parte autora não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a saúde pública é tratada como um direito social e não individual, conforme indicado na petição inicial. Todavia, é sabido que de acordo com o princípio da inafastabilidade da jurisdição inserido no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Dessa forma, independentemente de a saúde ser um direito social, a parte autora tem o direito legítimo de buscar a tutela judicial para garantir o acesso ao tratamento necessário, especialmente em situações de urgência ou falha do Estado na prestação do serviço, como no presente caso. Desse rejeito a preliminar. Passo a análise do mérito. Com relação ao mérito, o direito fundamental à saúde está inserido no conceito de dignidade humana, conforme delineado no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, pois a dignidade não pode ser plenamente assegurada na ausência de condições mínimas para a preservação da saúde do indivíduo. De igual modo, a proteção do direito à saúde encontra-se expresso no caput do artigo 5º da Constituição, o qual resguarda o direito à vida, como o mais primordial dos direitos fundamentais. Além disso, o artigo 196 da Carta Magna de 1988 afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Nesse sentido, incumbe ao Poder Público zelar pela integridade deste direito público subjetivo garantido pela Constituição, providenciando os meios necessários para assegurar a plena realização dos propósitos delineados no artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Nessa toada, conforme orientação jurisprudencial dominante sobre a disciplina do direito fundamental de saúde, insculpido pela Constituição Federal ao estabelecer no artigo 196 que esse é um dever do Estado, entendo que, se esse Estado foi constituído sobre a forma federativa (art. 60, § 4º, I, da CR/88), todos os entes (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) detêm a obrigação de promovê-lo à população de forma solidária. Esse é inclusive o exposto no artigo 23, II da Constituição Federal in verbis: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”. Seguindo esta linha de raciocínio, a competência para a promoção da saúde deve ser repartida pelos Entes, conforme o estabelecido nos artigos 16 a 19 da Lei nº 8.080/90, que estabelece normas gerais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Destaco, ademais, que este assunto foi tratado no Recurso Extraordinário n. 855.178 RG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 16-3-2015, Tema 793, com reafirmação de jurisprudência em 06/03/2015, sendo fixada a seguinte tese: “Tema 793/STF. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. Não obstante a isso, é certo que na II Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram aprovados novos enunciados, dentre eles o Enunciado 60 que dispõe: ENUNCIADO N° 60 A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento. Feitas tais considerações, é possível concluir que os entes da federação em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais de saúde, sendo possível ainda, o direcionamento do cumprimento da medida liminar ou definitiva a determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências. Ademais, os enunciados n. 08 e 67 da III Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): ENUNCIADO Nº 08 Nas apreciações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas as regras administrativas de repartição de competência entre os entes federados. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019). ENUNCIADO Nº 87 Nas decisões que determinem o fornecimento de medicamento ou de serviço por mais de um ente da federação, deve-se buscar, em sendo possível, individualizar os atos que serão de responsabilidade de cada ente. Destaco ainda que considerando a pretensão inicial, o Enunciado n. 92 da III Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe: ENUNCIADO N. 92 Na avaliação de pedido de tutela de urgência, é recomendável levar em consideração não apenas a indicação do caráter urgente ou eletivo do procedimento, mas também o conjunto da condição clínica do demandante, bem como as repercussões negativas do longo tempo de espera para a saúde e bem-estar do paciente. Os autos foram encaminhados para Núcleo de Apoio Técnico que emitiu o seguinte parecer: Tecnologia: 0409010561 – URETEROLITOTOMIA Conclusão Justificada: Favorável Conclusão: 1. Quanto à doença alegada: Constam relatório médico e exame complementar do agravo alegado. NECESSITA DE URETEROLITOTOMIA . 2. Quanto a área do pleito: Urologia 3. Quanto à necessidade de remoção do calculo: há necessidade de remoção do cálculo. Solicitação considerada pertinente. 4. Quanto ao pedido: consta solicitação no SISREG III., estando como pendente em 30/01/23. 5. Quanto a urgência: Há urgência devido o risco de perda da função renal do lado comprimetido. Há evidências científicas? Sim Justifica-se a alegação de urgência, conforme definição de Urgência e Emergência do CFM? Sim Justificativa: Com risco de lesão de órgão ou comprometimento de função [id. 109535473]. Grifo nosso No caso dos autos, a pretensão posta na inicial consiste no procedimento cirúrgico de ureterolitotomia, classificado no SISREG III como: “Prioridade 1 – urgência, atendimento o mais rápido possível” com data de solicitação em 30/01/2023 (Id. 109211974). Com efeito, apesar de o pedido do procedimento “ureterolitotomia” ter sido devidamente protocolado no dia 30.01.2023 via SISREG III pelo médico responsável, não havia previsão de disponibilização do tratamento ao paciente. Destarte, descarta-se o parecer favorável do NAT onde assinala “Com risco de lesão de órgão ou comprometimento de função” (id. 109535473). Ademais, a parte autora noticiou nos autos a impossibilidade de arcar com o procedimento indicado em clínica particular. Assim, diante da urgência do caso e da resistência do Poder Público em atender à solicitação - código n. 456797411, contida no Sistema Nacional de Regulação (SISREG), foi proferido determinação judicial para o cumprimento da obrigação de forma antecipada. Igualmente, ainda que o requerente tenha recebido o tratamento (Id. 116146184), a medida provisoriamente determinada deve ser convertida em definitiva. Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento “firmado no sentido de que o simples ato de cumprimento da ordem em antecipação de tutela não implica a perda do objeto da demanda ou a falta de interesse processual, sendo necessário o julgamento do mérito da causa, para definir se a parte beneficiada, de fato, fazia jus a tal pretensão” (STJ - REsp: 1725065 MG 2018/0017640-4, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 19/04/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2018). Nesse mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso já se posicionou: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO -AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA – PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL – REJEITADA – O SIMPLES CUMPRIMENTO DA LIMINAR NÃO OBSTA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO – DIREITO À SAÚDE – PACIENTE DIAGNOSTICADA COM ENCEFALITE VIRAL – FIXAÇÃO DE MULTA PELO JUÍZO SINGULAR – SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR BLOQUEIO ONLINE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O simples cumprimento da liminar não obsta o prosseguimento do feito com a regular instrução processual, uma vez que a decisão inaugural precisa ser convalidada por sentença. A sentença merece retificação no que tange à multa cominatória, a qual deverá ser substituída pela possibilidade de bloqueio nas contas públicas em caso de descumprimento da obrigação de fazer, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Isso porque, conforme verificado pelos documentos que instruem este processo, a Requerente teve extrema dificuldade em conseguir sua internação em leito de UTI INFANTIL na rede pública, assim, diante do seu quadro clínico comprovado nos autos, mesmo tendo o médico descartado a realização de procedimento cirúrgico, não é possível se inferir de plano qual procedimento/tratamento poderá ainda ser necessário a mesma, pois sabe-se que em demandas de saúde o estado clínico de um paciente pode sofrer diversas alterações a todo momento, assim, manter-se a possibilidade de bloqueio é medida que se impõe visando o resguardo da saúde da menor. O bloqueio somente será determinado em caso de descumprimento da obrigação e desde que comprovada tal desobediência, competindo à parte Autora instruir o pedido de bloqueio de valores com prescrição médica e orçamentos atualizados, bem como será compelida a juntar aos autos a correspondente prestação de contas da verba bloqueada, com eventual responsabilização daquele que não o fizer (TJ-MT - AC: 10121445320188110041 MT, Relator: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de Julgamento: 11/05/2020, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 19/05/2020). No mais, a solicitação contida no Sistema Nacional de Regulação (SISREG) - código n. 0409010561 - está caracterizada como procedimento de média complexidade, conforme informações extraídas do site: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp. Em se tratando de procedimentos de MÉDIA COMPLEXIDADE, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso tem se posicionado no sentido de que a obrigação deve ser primariamente, direcionada ao Estado de Mato Grosso e em caso de descumprimento, direcionada ao Município. A propósito: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – REEXAME NECESSÁRIO DA SENTENÇA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASSISTÊNCIA À SAÚDE – CRIANÇA - HIPOTIREOIDISMO – CONSULTA MÉDICA - ENDOCRINOLOGISTA PEDIATRA - NECESSIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA – DEMONSTRADAS – DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – ARTIGO 196, DA CRF – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS – PROCEDIMENTO DE MÉDIA OU ALTA COMPLEXIDADE – DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO, PRIMARIAMENTE, PARA O ENTE COMPETENTE – SENTENÇA RETIFICADA, EM PARTE. Sendo o Sistema Único de Saúde composto pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é de se reconhecer, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer um deles para responder pelo cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. É dever do Estado, à luz do artigo 196, da CRF, prover os meios necessários ao pleno exercício do direito à saúde, constituindo a disponibilização de consultas, uma de suas principais vertentes de atender, com eficiência, à finalidade constitucional prevista para tanto. Em se tratando de tratamento, classificado como de média ou alta complexidade, o cumprimento da obrigação, deve ser, primariamente, direcionado ao Estado de Mato Grosso. (TJ-MT - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 10008524320228110102, Relator: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 21/08/2023, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 31/08/2023). RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – SAÚDE PÚBLICA – FORNECIMENTO DE VAGA EM UTI – MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE – DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO, PRIMEIRAMENTE, AO ENTE COMPETENTE CONFORME AS REGRAS DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS DO SUS – TEMA 793 DO STF – RECURSO PROVIDO EM PARTE. A teor do art. 196 da Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm o dever de, solidariamente, garantir aos cidadãos o fornecimento de todos os meios indispensáveis para manutenção e restabelecimento da saúde. Contudo, havendo necessidade de prestação de serviço de saúde de média e alta complexidade, é devido o direcionamento prioritário da obrigação, à luz do Tema 793/STF e do sistema de repartição de competências internas do SUS, ao Estado de Mato Grosso. Porém, caso não seja possível assegurar o fornecimento do tratamento vindicado, caberá ao Município garanti-lo. Recurso provido em parte. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1003110-98.2022.8.11.0078, Relator: JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, Data de Julgamento: 29/04/2024, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 06/05/2024). Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, I, do CPC, confirmo a medida liminar (Id. 109538640) e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. Deixo de condenar os requeridos, uma vez que a obrigação de fazer foi devidamente cumprida conforme informações anexas ao Id. 116146184. Diante do valor da causa cujo montante não excede ao valor de 60 (sessenta) salários-mínimos e considerando que a matéria está sujeita ao rito dos Juizados Especiais, deixo de condenar os requeridos ao pagamento de honorários advocatícios, bem como isento de custas processuais nos termos dos artigos 27 da Lei 12.153/2009 e 55, da Lei 9.099/1995. Desde já, e havendo valores depositados em conta judicial vinculado ao presente feito, caso não seja utilizado para o cumprimento desta decisum, autorizo a expedição do necessário alvará de levantamento em favor do ente público, para tanto deve informar nos autos os dados bancários de sua titularidade (Banco, Agência, Conta Corrente e Titularidade). Preclusa a via recursal e nada sendo requerido, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo. Intime-se. Cumpra-se. Cuiabá/MT, data registrada no sistema. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR Juiz de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou 50 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.

Fazer Login para Ver Detalhes