Processo nº 1000148-61.2022.8.11.0027
ID: 299932973
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE ITIQUIRA
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1000148-61.2022.8.11.0027
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDNO DAMASCENA DE FARIAS
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE ITIQUIRA DECISÃO Processo: 1000148-61.2022.8.11.0027. AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: DANIEL FERREIRA SOJO O MINISTÉRIO PÚ…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE ITIQUIRA DECISÃO Processo: 1000148-61.2022.8.11.0027. AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: DANIEL FERREIRA SOJO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ofereceu denúncia em desfavor de DANIEL FERREIRA SOJO pela prática, em tese, do crime previsto no art. 121, §2°, incisos II (motivo fútil), e IV (meio que dificultou a defesa da vítima) do Código Penal. Descreve a denúncia que, no dia 22/07/2018, por volta das 17h30min, em via pública, a saber a Rua das Gralhas (próximo à “conveniência do Rangel”), em Ouro Branco do Sul, Município de Itiquira/MT, o denunciado DANIEL FERREIRA SOJO, consciente e dolosamente, por motivo fútil e recurso que dificultou a defesa do ofendido, matou, mediante disparos de arma de fogo (não apreendida), a vítima Marcos João de Araújo, vulgo “Lagoa”. A denúncia foi recebida em 24/05/2022 (ID 85148991). Citado (ID 119291457), o acusado apresentou resposta à acusação ao ID 119716304. Durante a instrução (IDs 132060899 e 136771352), foram colhidos os depoimentos das testemunhas comuns SEBASTIÃO FLORÊNCIO DE ARAÚJO, MARCOS AURÉLIO DESSBESELL, ALEX DE MELO GARCIA, JOSIEDER ALVES DOS SANTOS, MATHEUS HENRIQUE BARBOSA AGUIRRA e ECLESIO GONCALVES, bem como realizado o interrogatório do acusado. Em memoriais (ID 149581704), o Ministério Público pugna pela pronúncia do acusado pela prática do crime previsto no art. 121, §2°, incisos II e IV do Código Penal. Também em memoriais (ID 158358212), a Defesa requereu a absolvição sumária do acusado. Subsidiariamente, pugnou pelo afastamento das qualificadoras previstas nos incisos II e IV do artigo 121, § 2º do Código Penal. Ao ID 160377127, foi proferida decisão de pronúncia, submetendo o réu DANIEL FERREIRA SOJO a julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri Popular, com a manutenção das qualificadoras imputadas na exordial acusatória. A defesa do acusado interpôs Recurso em Sentido Estrito (ID 160700800), arguindo, preliminarmente, a nulidade da decisão de pronúncia por ausência de fundamentação concreta e pela indevida aplicação do princípio do in dubio pro societate. O Ministério Público, em contrarrazões (ID 178170861), manifestou-se pelo desprovimento do recurso, pugnando pela manutenção integral da decisão de pronúncia. A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, por unanimidade, proveu o Recurso em Sentido Estrito interposto pela defesa, declarando nula a decisão de pronúncia e determinou que seja proferida nova decisão de pronúncia, devidamente fundamentada, analisando os indícios de autoria, a tese de legítima defesa e as qualificadoras (ID 195726489). É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Na fase processual do sumário da culpa - judicium accusationis -, para que o réu seja pronunciado, basta que o magistrado se convença acerca da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor (art. 413 do Código de Processo Penal), apresentando os motivos do seu convencimento. Nesse ponto, a materialidade delitiva está satisfatoriamente demonstrada por meio do boletim de ocorrência nº 2018.229809 (ID 76045123 - Pág. 2), termos de declarações e depoimentos (ID 76045123 - Págs. 8, 11, 14, 19, 23, 25 e 27), vídeos da câmera da conveniência (ID 76045123 - Pág. 64), Laudo de Necropsia n° 198/18 - D.O. N°26786679-8 (ID 76045123 - Pág. 70), certidão de óbito (ID 76045123 - Pág. 105) e Laudo Pericial Criminal n° 200.2.06.2018.011332-01 (ID 76045123 - Pág. 175). Os indícios de autoria também estão presentes e podem ser extraídos dos depoimentos das testemunhas na fase policial e em Juízo. Foram ouvidas durante a instrução processual as testemunhas Sebastião Florêncio de Araújo, Marcos Aurélio Dessbesell, Alex de Melo Garcia, Josieder Alves dos Santos, Matheus Henrique Barbosa Aguirra e Eclésio Goncalves. As testemunhas foram uníssonas quanto à dinâmica dos fatos. A testemunha SEBASTIÃO FLORÊNCIO DE ARAÚJO, policial militar, em juízo, relatou: “O que eu lembro doutor foi o seguinte, nós estávamos fazendo ronda, eu fui solicitado que tinha acontecido homicídio no local lá próxima à distribuidora de bebidas Rangel, nos deslocamos para o local, quando chegamos lá o indiciado já tinha evadido do local, pegamos informações com as testemunhas que nos informaram, nos relataram que eles estavam na conveniência e houve uma divergência lá entre o acusado e um cidadão lá e começaram uma discussão, começaram uma briga lá, o acusado saiu foi em direção ao caminhão dele que estava parado ao lado próximo à conveniência, do outro lado da rua, quando chegou lá a vítima foi atrás dele e bateu na porta do caminhão e ele saiu, pegou uma arma e disparou contra a vítima, informaram para nós que ele pegou sentido ali a MT 299, nós saímos procurando onde eles estavam, nós pegamos a BR quando chegamos lá não localizamos e nós ficamos fazendo busca, acompanhamento a noite toda, nós não conseguimos localizar. No outro dia cedo, nós continuamos procurando porque falaram que ele estava em uma fazenda próximo da Recanto, tinha carrega e ia entregar lá na ADM, nós fomos até lá e nós localizamos o caminhão, o caminhão estava escondido em uma plantação de milho, nos conduzimos o caminhão e aí apareceu o gerente da fazenda lá mostrou a nota que ia ser descarregado lá na ADM, nós acompanhamos o gerente, o menino lá que levou o caminhão lá e descarregou, no que nós estávamos lá para descarregar o caminhão chegou o advogado do indiciado, ele nos informou que tinha ligado para o delegado lá de Itiquira que ia apresentar o cliente dele, ligamos para a delegacia foi confirmado, nós seguimos para a delegacia com o caminhão, quando nós chegamos lá ele chegou junto com nós na delegacia. (...) Pelo que eu fiquei sabendo, doutor, teve pessoas mais envolvidas. (...) Pelo que eu fiquei sabendo, houve empurrões e soco. (...)” A testemunha MARCOS AURÉLIO DESSBESELL, policial militar que acompanhou as diligências após a ocorrência, também em juízo, declarou: “Eu assumi o serviço de manhã cedo e a equipe que estava de plantão na noite anterior estava dando continuidade a ocorrência, eu assumi o serviço e continuei nas diligências para tentar localizar os suspeitos, que haviam fugido do local com dois caminhões. Aí tivemos a informação que esses dois veículos estavam escondidos dentro do milharal próximo a Fazenda Carioca, ai fomos até o local, chegamos no local lá e encontramos esses dois veículos estacionados. Ao verificar os veiculos, localizamos as chaves dele na caixa de bateria, e na revista, no caminhão, não me lembro agora qual deles, se encontrava, se nao me engano, três cartuchos de munição calibre 32. Os veículos estavam carregados, aí localizamos o proprietário da carga e encaminhamos os veículos para a descarga dos produtos e após os dois veículos foram entregues na delegacia. (...) Não, logo após foi só a guarnição de serviço anterior, eles que participaram no local onde estava a vítima.(...)” A testemunha ALEX DE MELO GARCIA, policial militar, relatou ter entrado de plantão após a ocorrência, juntamente com o PM Aurélio: “Sim Doutor, eu entrei de plantão juntamente com o CB Aurélio, nós entramos no serviço dia 23, a ocorrência tinha sido com o SG Sebastião e SG Marcos. Foi passado pra gente que o Marcos, conhecido como lagoa, tinha tido uma discussão com outros dois homens lá também caminhoneiros, que no meio dessa discussão, um deles tinha atirado e tinham fugido em duas carretas volvo branco. Quando a gente assumiu o serviço, iniciamos as buscas com a esquipe que ja estava para tentar encontrar eles ou as carretas. Encontramos na Fazenda Carioca, as duas carretas paradas (...) na lavoura, as chaves estavam nas carretas e em uma delas encontramos os cartuchos (...) depois disso acompanhamos para retirar a carga e levamos as carretas ate a delegacia de Itiquira. (...) Não senhor, eu só digitei o boletim de ocorrencia (...)” JOSIEDER ALVES DOS SANTOS, testemunha que estava presente no local dos fatos, em juízo, relatou: “Eu cheguei na conveniência para comprar a cerveja, comprei a cerveja, pegamos a cerveja ali, na hora que eu estava voltando para o carro com a cerveja junto com o menino que entrega ali eu só lembro de ter tomado uma cadeirada na cabeça, daí surgiu a briga, tinha uns amigos nossos que estava lá e viu e teve a briga ali, o confronto ali com o rapaz, é o que eu lembro, depois disso eu saí, quando separaram a briga eu saí e fui embora. (...) Não. Isso, caiderada na cabeça. (...) Isso, logo depois da cadeirada o pessoal estava na frente ali, tinha uns amigos meus ali, eles entraram nessa briga. (...) O Eclesio né, o Matheus, foram esses. (...) Ele chegou depois né, que estava acontecendo a briga, ele chegou separando tudo, ele separou a briga. Quando ele entrou, ele entrou separando e dai depois ele saiu e nisso quando separou a briga já sai e eles ficaram ali, aí já não sei mais o que aconteceu, eu não estava lá depois, fui embora. (...) Não. (...) Isso, conforme tem no vídeo né, ele entrou separando a briga. (...) : Olha, já tinha separado a briga, até o Lagoa tinha saído com os rapazes ali que era dois né e a esposa, para o rumo do caminhão, eu vi que eles estavam com um caminhão parado no pátio, na frente da Rangel, nisso eu saí, peguei o carro, fiz o contorno e fui embora, já tinha acabado a briga. (...) É, ele separou a briga né, tirando o pessoal da briga e tava indo com eles para rumo do pátio ali, que tem um pátio na frente. (...) É tinha o caminhão no pátio lá né, tinha dois caminhão no pátio. (...) Tem bastante tempo já, quando está perto do caso é mais fácil, agora falar assim, mas acredito que teve essa desavença, esse ditado venha, venha, não lembro muito bem de falar certo, mas acho que teve sim. (…) Eu não sei se ele chamava o Lagoa, tinha muita gente lá. (...) : Porque na hora que acabou a briga, eu peguei o carro, na hora que eu estava saindo com o carro que eu vi o pessoal falando, eles falando, mas participar depois ali que teve a briga eu não estava mais. (...) : Isso, eu e o Matheus que saiu (...)” Por sua vez, a testemunha MATHEUS HENRIQUE BARBOSA AGUIRRA, em juízo, confirmou os fatos apresentados por Josieder: “A gente estava numa festa lá embaixo e a gente subiu na conveniência para comprar cerveja, quando eu estava lá dentro. Eu e o Josieder. Eu entrei para pagar a cerveja, quando saí lá fora já estava acontecendo a briga. (...) Quando eu saí lá já estava acontecendo, fui ajudar a separar a briga, tirei o Josieder do local, coloquei no carro para nós irmos embora. (...) Sim, tinha mais gente separando a briga. (...) Sim, ele estava lá na conveniência. (...) Tava lá conversando e eu estava para dentro do caixa, eu estava lá dentro. (...) Separando. (...) Aham. (...) Eu não sei, eu não vi, realmente eu não vi, eu ouvi boatos que o Lagoa estava indo para o lado do caminhão, perto do caminhão, atrás das árvores ali, mas eu não vi, isso foi boatos que ouvi, mas eu não vi. (...) Ouvi que foi o Lagoa. (...)” A testemunha ECLESIO GONÇALVES, em juízo, disse que presenciou o momento que a vítima foi atingida pelos disparos de arma de fogo: “(...) Estava lá sentado, do lado de fora e aí chegou o Matheus e o Josieder para comprar cerveja, eles entraram lá dentro, Josieder está saindo com o gelo. (...) Estava só o meu sobrinho, uma criança no caso, na época uns 3 anos, eu acho. (...) Isso. Ele estava saindo da conveniência (Josieder), recebeu a cadeirada. (…) Não, eu não vi nada. Na hora lá não aconteceu nada, porque ele entrou só pagou a cerveja no caixa, deu a volta assim, pegou a cerveja e saiu e já recebeu a cadeirada, ele tinha acabado de chegar lá, ele e o Matheus. (...) Aconteceu a confusão lá, aconteceu a briga, eu corri para ajudar o Josieder, foi rapidão a briga, veio uns separou, o Lagoa entrou para separar também, separou rapidão. (...) Para separar (...) Isso, nós separamos a briga, já catei meu sobrinho fui para o carro do lado fiquei olhando, aconteceu que os caras correram para o caminhão, o Lagoa correu atrás e já aconteceu o fato lá. (...) Só o lagoa. (...) Foram os dois. (...) Foi um dos dois que desferiu. (...) Eu só lembro que eles levantou a mão para chamar, chamou né, mas não escutei, estava longe também se falou alguma coisa não escutei, lembro que eles levantava a mão chamando. Chamando todo mundo que estava ali né. (...) O Lagoa correu lá, de dentro do caminhão, agora não sei qual dos dois atirou, já aconteceu o tiro como eu estava com uma criança, entrei no carro e vazei, não fui lá perto. (...) Ah, eu acho que aconteceu, não lembro cem por cento de certeza, ele correu com alguma coisa na mão, mas o que que era eu não lembro. (...) Sim, agora se era garrafa não lembro. (...) Ocorreu o disparo, ele correu para o lado assim, mas eu não consegui ver mais ele porque da onde eu estava não consegui ter visão dele, montei no carro e fui embora. Por sua vez, o acusado DANIEL FERREIRA SOJO, ao ser interrogado em juízo, exerceu o seu direito de permanecer em silêncio. No entanto, na delegacia, relatou (ID 76045123 - Págs. 30/32): “QUE no dia 22/07/2018 por volta das 17:30 estava sentado na conveniência do Rangel localizada em Ouro Branco do Sul; QUE estava na companhia de sua família, que estava com sua filha em seus baços de 06 meses de idade; QUE pouco tempo depois chegou a conveniência JOSIEDER, que este estacionou o seu veículo próximo a auto elétrica com som alto; QUE o interrogado lhe pediu para baixar o som e este em provocação aumentou; QUE JOSIEDER entrou para dentro da conveniência para comparar bebida e após retornar chamou o interrogado de OTARIO; QUE o interrogado perdeu a paciência e desferiu uma cadeirada no mesmo; QUE após começou uma briga que cerca de dez pessoas foram para cima do interrogado e lhe agrediram com socos, ponta pés, que neste momento seu irmão não estava no local, estava mais afastado para fazer uma ligação; QUE o interrogado saiu correndo para dentro de seu caminhão e se armou com uma espingarda dois canos, calibre 32; QUE foi perseguido por cerca de dez pessoas; QUE interrogado viu a vítima MARCOS JOÃO DE ARAUJO vulgo "LAGOA" correndo atrás do seu irmão; QUE ele aparentava estar armado; QUE o interrogado foi até o caminhão de seu irmão para socorre-lo, que sua intenção era que o mesmo se afastasse do caminhão; QUE no momento que o interrogado chegou ao caminhão viu MARCOS tentando abrir a porta a força, que só disparou porque o mesmo foi para cima do interrogado e havia feito gesto de sacar algo de baixo da camiseta; QUE neste momento seu irmão estava tentando manobrar a carreta para sair do local; QUE o interrogado afirma que foi o único a disparar contra a vítima, que foram efetuados dois disparos; QUE nega que sentiam provocado os presentes para instiga-los a brigar; QUE após o fato empreenderam fuga do local; QUE perguntado sobre a arma disse que na pressa jogou a arma em cima do chassi do caminhão que não sabe explicar aonde a mesma se encontra; QUE esconderam os caminhões próximo a uma fazenda e ligaram para seu primo ADIMILSON que não se recorda do seu sobrenome; QUÊ este reside em uma fazenda que não sabe o nome ou endereço; QUE ADIMILSON os levou para Rondonópolis-MT; QUE o interrogado não contou para o mesmo do ocorrido que acredita que o mesmo não iria aparecer no local se soubesse; QUE foi fornecida guia de exame de corpo de delito para comprovar que também ficou lesionado;” Do exposto, havendo o mínimo de lastro probatório do cometimento do delito pelo acusado, conforme fundamentação acima, esse deve ser pronunciado na forma insculpida na denúncia. Não é demais lembrar que, nessa fase de pronúncia, deve-se adotar a teoria racionalista da prova, pela qual não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, exigindo-se, em contrapartida, o juízo sobre os fatos, pautado por critérios de lógica e racionalidade. Para a pronúncia, portanto, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Exige-se, é certo, um standard probatório mínimo, com uma preponderância de provas incriminatórias (STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019 - Info 935). Contudo, havendo dúvida, é o caso de aplicar o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual, existindo indícios mínimos da autoria, deve-se dar prosseguimento à ação penal, ainda que não se tenha certeza de que o réu foi o autor do suposto delito. Sobre o tema, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "A pronúncia do réu para o julgamento pelo Tribunal do Júri não exige a existência de prova cabal da autoria do delito, sendo suficiente, nessa fase processual, a mera existência de indícios da autoria, devendo estar comprovada, apenas, a materialidade do crime, uma vez que vigora o princípio in dubio pro societate". STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1193119/BA, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 05/06/2018. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1730559/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 02/04/2019. São julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso nessa linha: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - 1) PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA - EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE NÃO DEMONSTRADA DE FORMA CABAL - 2) PLEITO SUBSIDIÁRIO DE PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE - AUSÊNCIA DE PROVA INDENE DE DÚVIDAS DE QUE O AGENTE AGIU SEM ANIMUS NECANDI - 3) EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS – IMPROCEDÊNCIA – ELEMENTOS PROBATÓRIOS INDICATIVOS DO CRIME PRATICADO PELO MOTIVO TORPE, COM PERIGO COMUM E POR MEIO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA – 4) ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME CONEXO – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – IMPOSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO CONEXO – COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI – RECURSP DESPROVIDO. 1. A sentença de pronúncia se caracteriza como mero juízo de admissibilidade, na qual o magistrado não deve se aprofundar no conjunto probatório dos autos, mas apenas mencionar as provas sobre a materialidade delitiva e os indícios suficientes da autoria, porquanto compete ao Tribunal do Júri a apreciação das versões e teses existentes no feito, conforme dispõe o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal. A absolvição sumária com base na legítima defesa necessita de prova manifestamente convincente e incontroversa de que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, o recorrente tenha suposto situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, porém, havendo dúvida, esta deverá ser dirimida pelo Conselho de Sentença, em decorrência dos princípios constitucionais previstos no art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas c e d, da Constituição Federal. 2. A desclassificação do tipo penal relativo ao homicídio qualificado, com afastamento da competência do Tribunal do Júri, na fase de pronúncia, só teria cabimento caso fosse certa, neste momento processual, a ausência do animus necandi no acusado quando no momento do crime. 3. Mostra-se incabível a exclusão de qualquer qualificadora do crime de homicídio se existem dúvidas quanto à sua incidência, sendo a competência do Conselho de Sentença a sua exclusão ou não. 4) É imperiosa a submissão ao plenário dos crime conexo ao doloso contra a vida, se há nos autos indícios da prática do delitos de posse ilegal de arma de fogo, ao passo que deve ser analisados pelo Júri Popular, competente que é, por atração, ao julgamento da integralidade dos fatos imputados.” (N.U 1013343-34.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 15/12/2021, Publicado no DJE 16/12/2021) A defesa do acusado DANIEL FERREIRA SOJO suscitou a tese de legítima defesa, pleiteando a absolvição sumária, nos termos do artigo 415, inciso IV, do Código de Processo Penal. Para que a absolvição sumária seja cabível, é imprescindível que a excludente de ilicitude esteja cabalmente demonstrada, de forma inequívoca e estreme de dúvidas, nos autos. Havendo qualquer dúvida razoável sobre a configuração da legítima defesa, a questão deve ser remetida ao Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. No caso em tela, a versão do acusado, apresentada em sede policial (ID 76045123- Pág. 31), sugere a possibilidade de legítima defesa, ao afirmar que a vítima Marcos João de Araújo, vulgo "Lagoa", estaria correndo atrás de seu irmão, aparentava estar armado, e que, ao se aproximar do caminhão, tentou abrir a porta à força e fez um gesto de sacar algo debaixo da camiseta, o que o levou a efetuar os disparos. A testemunha ECLESIO GONÇALVES, perante o juízo mencionou que "acho que aconteceu, não lembro cem por cento de certeza, ele correu com alguma coisa na mão, mas o que que era eu não lembro. (…) Sim, agora se era garrafa não lembro." Contudo, nenhum outro elemento probatório confirma a versão da legítima defesa, tampouco o uso moderado dos meios empregados por parte do acusado. A incerteza da testemunha ECLESIO sobre o que a vítima portava, a ausência de quaisquer outros relatos que corroborem a versão do acusado, no sentido de que a vítima estava armada ou que fez um gesto claro de sacar uma arma, impedem que a legítima defesa seja reconhecida de plano. A dinâmica dos fatos, com a briga generalizada e a perseguição, embora contextualize a ação, não afasta a dúvida sobre a estrita necessidade da conduta do acusado para repelir uma agressão injusta. Diante da existência de dúvida razoável acerca da configuração da legítima defesa, não é possível acolher o pleito de absolvição sumária. A análise aprofundada sobre a existência de uma agressão injusta, a sua atualidade ou iminência, e a proporcionalidade da reação do acusado, são questões que demandam a valoração do conjunto probatório pelo Conselho de Sentença, a quem compete, com exclusividade, dirimir as controvérsias fáticas nos crimes dolosos contra a vida, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "d", da Constituição Federal. Quanto à qualificadora do recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido está presente quando o agente utiliza-se de um meio que impede ou dificulta a reação da vítima, como a surpresa, a traição, a emboscada, ou qualquer outro recurso análogo. O parecer da 32ª Procuradoria de Justiça Criminal (ID 195726482) corroborou a manutenção desta qualificadora, aduzindo que "o disparo de arma de fogo nas costas da vítima desarmada justifica a concorrência da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que as circunstâncias do crime indicam a clara desvantagem desta frente ao seu algoz". Os elementos probatórios presentes nos autos, embora não uníssonos em todos os detalhes, fornecem indícios suficientes para a manutenção desta qualificadora. O depoimento do Policial Militar SEBASTIÃO FLORÊNCIO DE ARAÚJO em juízo, indica que a vítima havia saído de perto do acusado, e já estava de costas quando ele pegou uma arma e disparou contra a vítima. A confissão extrajudicial do acusado (ID 76045123- Pág. 31) menciona que a vítima "foi para cima do interrogado e havia feito gesto de sacar algo de baixo da camiseta", o que, se não for comprovado, pode configurar uma situação de surpresa ou desvantagem para a vítima. A alegação de que a vítima estava desarmada, conforme o parecer ministerial, e a possibilidade de disparos pelas costas, que seria confirmada pelo Laudo de Necropsia (ID 76045123- Págs. 68/88), são elementos que, em conjunto, podem configurar o recurso que dificultou a defesa. Ainda que haja controvérsia sobre a exata dinâmica do confronto final e a suposta intenção da vítima, a existência de indícios de que o acusado se armou e efetuou disparos em um contexto de perseguição e possível surpresa da vítima, que estaria desarmada ou em desvantagem, impede o decote sumário desta qualificadora. A análise se a vítima foi efetivamente surpreendida ou se teve sua capacidade de defesa reduzida é matéria que deve ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri, conforme o Enunciado n.º 2 do TJMT, que preconiza a exclusão das qualificadoras na pronúncia somente quando manifestamente improcedente. Em relação à qualificadora do motivo fútil, esta caracteriza-se pela desproporção manifesta entre a causa do crime e o resultado produzido, revelando uma motivação insignificante, banal ou desprovida de qualquer relevância moral ou social. No presente caso, os elementos probatórios são uníssonos em atestar a existência de uma discussão prévia e uma briga generalizada que antecederam o homicídio. O próprio acusado, em sua confissão extrajudicial (ID 76045123- Pág. 31), relatou que a contenda iniciou-se por uma discussão sobre o volume do som, que evoluiu para uma cadeirada desferida por ele em Josieder, e, em seguida, para uma "briga que cerca de dez pessoas foram para cima do interrogado e lhe agrediram com socos, ponta pés". As testemunhas JOSIEDER ALVES DOS SANTOS e MATHEUS HENRIQUE BARBOSA AGUIRRA confirmaram em juízo a ocorrência da briga generalizada no bar. JOSIEDER afirmou ter recebido a cadeirada e que "surgiu a briga, tinha uns amigos nossos que estava lá e viu e teve a briga ali, o confronto ali com o rapaz". MATHEUS corroborou que "já estava acontecendo a briga, fui ajudar a separar a briga". Os Policiais Militares ALEX DE MELO GARCIA e SEBASTIÃO FLORÊNCIO DE ARAÚJO também afirmaram a ocorrência de "discussão prévia entre a vítima e o recorrente" e que "houve empurrões e soco". Ademais, as mídias com imagens da câmera de segurança do estabelecimento (ID 77509750), juntadas pelo Promotor de Justiça, registram toda a briga generalizada no bar, confirmando a discussão e a luta corporal anteriores à perpetração do crime. Diante desse cenário fático, em que o homicídio foi precedido por uma discussão acalorada e uma briga generalizada com agressões físicas mútuas, a qualificadora do motivo fútil se mostra manifestamente improcedente. A motivação, embora reprovável, não pode ser considerada fútil quando inserida em um contexto de altercação física prévia. O crime, nesse caso, decorre de uma exacerbação de ânimos e de um conflito já estabelecido, e não de uma causa insignificante. É o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO [PELO MOTIVO FÚTIL], AMEAÇA E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL – POSSIBILIDADE – PRÉVIA DISCUSSÃO ENTRE O RECORRENTE E SUA COMPANHEIRA [OFENDIDA DO CRIME DE AMEAÇA] – INTERFERÊNCIA DA OUTRA VÍTIMA [DO DELITO DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO] NA BRIGA DO CASAL – QUALIFICADORA NÃO CARACTERIZADA – RECURSO PROVIDO, EM DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL. “(...) uma briga anterior ao crime, por si só, não é motivo fútil, ao contrário, no geral afasta a referida qualificadora, pois os ânimos alterados (...) retira o caráter de extrema insignificância da motivação.” (TJMT, RESE nº 1005426-61.2021.8.11.0000) “Comprovado que, antes do fato, ocorreram atritos entre o réu e uma das vítimas, sendo o ofendido atingido por interferir na briga, não há falar em motivação fútil (TJMG - Rse 1.0396.19.000900-3/001)” (TJMT, RESE nº 0001562-02.2008.8.11.0028). (N.U 0001829-38.2016.8.11.0013, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Vice-Presidência, Julgado em 12/06/2023, Publicado no DJE 12/06/2023) Portanto, em consonância ao parecer da 32ª Procuradoria de Justiça Criminal (ID 195726482) e à jurisprudência do TJMT, impõe-se afastar a qualificadora do motivo fútil, por ser manifestamente improcedente e divorciada do conjunto probatório. Diante dos elementos probatórios constantes nos autos, é medida de rigor a pronúncia do acusado, com o afastamento da qualificadora do motivo fútil. Diante de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE ADMISSÍVEL a pretensão punitiva estatal, deduzida na denúncia para PRONUNCIAR, com fundamento no artigo 413, do Código de Processo Penal, o acusado DANIEL FERREIRA SOJO pela prática do crime previsto no art. 121, §2°, inciso IV do Código Penal, a fim de que seja oportunamente submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri. INTIMEM-SE o acusado, o Ministério Público e a Defesa, conforme previsão do artigo 420, incisos I e II, do Código de Processo Penal. Preclusa a presente decisão, CERTIFIQUE-SE o necessário e PROCEDA na forma do artigo 422 do Código de Processo Penal. Se outro cenário, façam-me os autos CONCLUSOS para deliberações. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Itiquira/MT, data registrada no sistema. Fernanda Mayumi Kobayashi Juíza de Direito
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear