Edson De Souza Ortiz x Edson De Souza Ortiz
ID: 310371227
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1007038-79.2022.8.11.0006
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1007038-79.2022.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1007038-79.2022.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), EDSON DE SOUZA ORTIZ - CPF: 056.470.971-97 (RECORRIDO), ALAM DIAS RODRIGUES - CPF: 040.819.741-28 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), EDSON DE SOUZA ORTIZ - CPF: 056.470.971-97 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL CONTRA MULHER POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO E MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAL DOMÉSTICO RESULTANDO EM MORTE - PRELIMINAR - NECESSIDADE DE ESTUDO ANTROPOLÓGICO - APELANTE INDÍGENA INTEGRADO À SOCIEDADE – DESNECESSIDADE – MÉRITO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129, §9º, DO CP) - INVIABILIDADE - CRIME PRATICADOCONTRA MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO, NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - POSSIBILIDADE - DANO IN RE IPSA - RECURSO DESPROVIDO. 1. É dispensável a realização de exame antropológico quando há evidências suficientes de que o indígena está integrado à sociedade não-indígena e tem conhecimento dos costumes a ela inerentes, demonstrando plena compreensão da ilicitude de sua conduta. 2. Em crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar, a palavra da vítima possui especial valor probante quando coerente e corroborada por outros elementos de prova constantes dos autos, como laudo pericial confirmando as lesões e depoimentos testemunhais. 3. Para a configuração do crime previsto no art. 129, §13 do Código Penal, basta que o delito seja praticado contra mulher em contexto de violência doméstica e familiar (art. 121, §2º-A, I, do CP), sendo descabida a desclassificação para lesão corporal no âmbito de violência doméstica (art. 129, §9º do CP). 4. Nos termos do Tema 983 do STJ, nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória, por se tratar de dano in re ipsa. R E L A T Ó R I O Trata-se de recursos de apelação criminal interpostos pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso e por Edson De Souza Ortiz, contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Cáceres/MT, que, nos autos da ação penal nº 1007038-79.2022.8.11.0006, julgou procedente a denúncia para condenar Edson pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, fixando-lhe a pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (sentença – Id. 203631599). Em suas razões recursais, a defesa pleiteia: a) a aplicação da fração máxima (2/3) para a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, alegando bis in idem na utilização da natureza e quantidade da droga apreendida tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria; b) o afastamento ou readequação da pena de multa imposta, com base na hipossuficiência econômica do apelante. Busca, ainda, prequestionamento (Id. 203631606). Em resposta, o Órgão Ministerial refuta as teses defensivas, pugnando pelo desprovimento do recurso de apelação de Edson (Id. 203631610) Por sua vez, o Ministério Público, em suas razões, requer: a) o afastamento da incidência do §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, sob o argumento de que o réu não preenche os requisitos para o reconhecimento da referida causa de diminuição de pena, pois há indícios de que integra a organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC); b) a alteração do regime inicial para o fechado e a revogação do direito de recorrer em liberdade, com a expedição de mandado de prisão preventiva, dada a gravidade concreta da conduta (Id. 203631609). Em contrarrazões, a defesa refuta os argumentos ministeriais, destacando a ausência de elementos que comprovem o envolvimento do réu em organização criminosa, salientando que tal constatação dependeria de condenação transitada em julgado pelo crime previsto no art. 2º da Lei 12.850/2013, o que não ocorreu, razão pela qual requer a improcedência do recurso ministerial (Id. 203631613). Nesta instância, a Procuradoria Geral de Justiça, através do Procurador de Justiça Jorge da Costa Lana, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso defensivo e improvimento do recurso ministerial (Id. 207546690), sintetizando seu entendimento com a seguinte ementa: “APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO DEFENSIVO – FRAÇÃO MÁXIMA PARA A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA RECONHECIDA – ADMISSIBILIDADE – AFASTAMENTO OU REDUÇÃO DA PENA DE MULTA – ADMISSIBILIDADE PARCIAL – RECURSO MP – AFASTAMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA – INADMISSIBILIDADE – ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL E PRISÃO DO RÉU – INADMISSIBILIDADE – PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO E IMPROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL” (Sic.) A douta revisão V O T O R E L A T O R Conforme relatado, trata-se de recursos de apelação criminal interpostos pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso e por Edson De Souza Ortiz, contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Cáceres/MT, que, nos autos da ação penal nº 1007038-79.2022.8.11.0006, julgou procedente a denúncia para condenar Edson pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, fixando-lhe a pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade. Segundo a exordial acusatória, no dia 08 de julho de 2022, na Avenida Tancredo Neves, Bairro Massa Barro, no município de Cáceres/MT, o denunciado guardava ou tinha em depósito, para fins de tráfico, 10 (dez) porções de substância análoga à cannabis sativa, conhecida como maconha, totalizando 235g (duzentos e trinta e cinco gramas), bem como 07 (sete) porções de substância análoga à cocaína, totalizando 150g (cento e cinquenta gramas), sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Id. 147765168). Na dosimetria da pena, o magistrado de primeiro grau fixou a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, considerando desfavorável a circunstância judicial referente à natureza e quantidade da substância entorpecente, "considerando que a substância entorpecente apreendida se trata de cocaína, que causa grave lesividade ao organismo humano". Na terceira fase, aplicou a causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, reduzindo a pena em 1/6 (um sexto), "levando-se em consideração a quantidade de droga apreendida (150,0g de Cocaína e 235,0g de Maconha)", resultando na pena definitiva de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa (Id. 203631600). Inicialmente, registro que analisarei o recurso defensivo em primeiro lugar, uma vez que suas pretensões podem influenciar diretamente no exame do recurso ministerial. Do recurso de apelação de Edson de Souza Ortiz Da causa de diminuição de pena – fração máxima A defesa postula que seja aplicada a fração máxima da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, alegando a ocorrência de bis in idem na consideração da natureza e quantidade da droga tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria. Com razão o apelante. Ao analisar a dosimetria da pena realizada pelo magistrado de primeiro grau, verifico que, na primeira fase, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal (06 anos de reclusão), tendo como fundamento a natureza do entorpecente apreendido (cocaína), conforme se depreende do seguinte trecho da sentença: "Natureza e quantidade da substância: considerando que a substância entorpecente apreendida se trata de cocaína, que causa grave lesividade ao organismo humano, conforme já fundamentado, A CIRCUNSTÂNCIA DEVE SER CONSIDERADA NEGATIVA, com preponderância, consoante art. 42 da Lei 11.343/2006." (Id. 203631600) Posteriormente, na terceira fase da dosimetria, ao aplicar a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei de Drogas, o magistrado justificou a adoção da fração mínima com base na quantidade de drogas apreendidas, conforme se observa: "Ademais, a luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade que norteiam o magistrado no momento da dosimetria da pena, e levando-se em consideração a quantidade de droga apreendida (150,0g de Cocaína e 235,0g de Maconha), entendo que a redução prevista na legislação de regência dever ser efetivada à fração mínima do dispositivo em comento, no caso, 1/6 do montante fixado, por se afastar do pequeno traficante e denotar um nível maior de dedicação ao crime." (Id. 203631600) Da análise desses excertos, constata-se que o juiz utilizou a natureza da droga para aumentar a pena-base, enquanto a quantidade da substância entorpecente foi empregada para justificar a aplicação do redutor mínimo na terceira fase. Ocorre que, conforme dispõe o art. 42 da Lei nº 11.343/06, "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente". Conforme se depreende da leitura do dispositivo, a natureza e a quantidade da droga são circunstâncias que devem ser analisadas de forma conjunta e integrada, não podendo ser consideradas de maneira isolada para fundamentar duas etapas distintas da dosimetria penal. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 666.334/AM, fixou entendimento de repercussão geral (Tema 712), segundo o qual "as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena". Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso firmou posicionamento expresso no Enunciado 48 da Jurisprudência em Teses: "As circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de drogas só podem ser usadas na primeira ou na terceira fase da dosimetria de forma não cumulativa, sob pena de indevido bis in idem.". Corroborando este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.887.511/SP (DJe 01/07/2021), pacificou a orientação de que “A utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712)”. É o que se extrai dos seguintes precedentes: "[...] 3. A Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. n. 1.887.511/SP (DJe de 1º/7/2021), partindo da premissa fixada na Tese n. 712 do STF, uniformizou o entendimento de que a natureza e a quantidade de entorpecentes devem ser necessariamente valoradas na primeira etapa da dosimetria, para modulação da pena-base. 4. Configura constrangimento ilegal o afastamento do tráfico privilegiado por presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas, derivada unicamente da análise da natureza ou da quantidade de drogas apreendidas; da mesma maneira, configura constrangimento ilegal a redução da fração de diminuição de pena por esse mesmo e único motivo.[...]" (AgRg no HC n. 613.508/SC, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 18/3/2022.) “[...] 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que a utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712). (REsp 1.887.511/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Seção, julgado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021). 2. No caso, a redução da pena na fração máxima de 2/3, pela aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em razão de a natureza e quantidade de drogas já ter sido considerada na primeira fase da dosimetria da pena e para não incorrer em bis in idem, não destoa do entendimento jurisprudencial desta Corte. 3. Agravo regimental não provido." (AgRg no HC n. 888.766/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 18/3/2024.) Desse modo, tendo a natureza da droga (cocaína) já sido valorada negativamente na primeira fase da dosimetria, configura bis in idem sua consideração, ainda que implícita, ou da quantidade do entorpecente, para modular a fração de diminuição de pena na terceira fase. Reconhecido o bis in idem, impõe-se a aplicação da causa de diminuição de pena na fração máxima de 2/3 (dois terços), resultando em uma nova pena de 02 (dois) anos de reclusão, conforme será detalhado no final deste voto. Da pena de multa Quanto ao pedido de afastamento ou readequação da pena de multa, não há como afastá-la completamente, uma vez que constitui consequência legal da condenação pelo crime de tráfico de drogas, conforme prevê o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06. Entretanto, considerando que a pena privativa de liberdade será reduzida significativamente, com o acolhimento da pretensão anterior, deve-se também readequar a pena de multa, preservando a proporcionalidade entre ambas. Assim, reduzindo-se a pena privativa de liberdade de 05 (cinco) para 02 (dois) anos de reclusão, a pena de multa deve ser proporcionalmente reduzida de 500 (quinhentos) para 200 (duzentos) dias-multa, mantendo-se o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Portanto, o recurso defensivo merece parcial provimento para redimensionar a pena do apelante. Do recurso de apelação do Ministério Público Da pretendida exclusão da causa de diminuição de pena O Ministério Público, em suas razões recursais, pleiteia o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, sob o argumento de que o réu não preenche os requisitos para sua concessão, especialmente por existirem indícios de que integra a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Sem razão o Órgão Ministerial. Para o reconhecimento do benefício previsto no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, é necessário que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa. No caso em análise, o magistrado de primeiro grau reconheceu o preenchimento de todos os requisitos legais pelo réu, não havendo nos autos prova robusta que afaste tal conclusão. A única evidência apontada pelo Ministério Público para demonstrar o suposto envolvimento do réu com a organização criminosa PCC seria o depoimento prestado por Iara Lima de Souza em sede policial, conforme mencionado nas razões recursais: "Conforme depoimento de Iara Lima de Souza id. n.º 91638940, o recorrido EDSON passou a fazer daquela casa sua moradia, tendo também declarado que o Apelado é faccionado do Primeiro Comando da Capital – PCC.". Ocorre que, conforme estabelece o art. 155 do Código de Processo Penal, "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". No caso em tela, o referido depoimento foi colhido apenas em sede inquisitorial, não tendo sido confirmado em juízo, sob o crivo do contraditório, uma vez que, conforme consta do relatório da sentença, houve homologação da desistência da oitiva da testemunha Iara Lima de Sousa. Ademais, para se considerar que alguém integra organização criminosa, é necessária a existência de elementos concretos e robustos, não bastando meras suposições ou depoimentos isolados. A Lei nº 12.850/2013, em seu art. 1º, §1º, estabelece critérios rigorosos para a caracterização do crime de organização criminosa, exigindo a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas. Conforme bem salientado pela defesa em suas contrarrazões, a participação em organização criminosa constitui crime autônomo, previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, cuja comprovação dependeria de condenação transitada em julgado, o que não ocorre no presente caso. Nesse sentido, manifestou-se o douto Procurador de Justiça em seu parecer: "acerca da afirmativa de que o réu 'é integrante da facção criminosa PCC', não há efetiva comprovação nos autos, razão pela qual é inviável utilizar o referido argumento para afastar a minorante reconhecida pelo juízo de piso.". Quanto à quantidade e natureza da droga, já analisadas no tópico anterior, cabe destacar que, segundo entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores, tais circunstâncias, isoladamente consideradas, não impedem o reconhecimento do tráfico privilegiado: "A quantidade de droga apreendida não é, por si só, fundamento idôneo para afastamento da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006." (RHC 138117 AgR, Relatora: ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/12/2020, publicado em 6/4/2021). Portanto, ausentes elementos concretos que comprovem a dedicação do réu a atividades criminosas ou sua integração a organização criminosa, deve ser mantida a causa de diminuição de pena reconhecida na sentença, não merecendo provimento o recurso ministerial neste ponto. Do regime inicial e da prisão do réu O Ministério Público também pleiteia a alteração do regime inicial para o fechado, com a consequente decretação da prisão preventiva do réu. Conforme demonstrado anteriormente, em razão do provimento parcial do recurso defensivo, a pena privativa de liberdade do réu será redimensionada para 02 (dois) anos de reclusão. De acordo com o art. 33, §2º, "c", do Código Penal, "o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto". Considerando que o réu é primário, possui bons antecedentes e a pena definitiva ficará estabelecida em 02 (dois) anos de reclusão, ou seja, inferior ao patamar de 04 (quatro) anos, o regime inicial para cumprimento da pena deve ser o aberto. Quanto ao pedido de decretação da prisão preventiva, também não merece acolhimento. O art. 312 do Código de Processo Penal estabelece que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. No caso em análise, não vislumbro a presença concreta dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. O réu é primário, possui bons antecedentes e, conforme já analisado, não há elementos concretos que comprovem seu envolvimento com organização criminosa. A mera referência à quantidade e natureza da droga apreendida, sem a demonstração de elementos concretos que evidenciem o risco à ordem pública, não é suficiente para justificar a segregação cautelar, principalmente considerando que o juízo de primeiro grau concedeu ao réu o direito de recorrer em liberdade, não havendo notícia de fatos novos que justifiquem a alteração deste entendimento. Conforme estabelece o § 2º do art. 312 do CPP, a decisão que decreta a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida, o que não se verifica no presente caso. Portanto, nego provimento ao recurso ministerial também neste ponto, mantendo o direito do réu de recorrer em liberdade. Do redimensionamento da pena Diante do provimento parcial do recurso defensivo, passo ao redimensionamento da pena: Na primeira fase, mantenho a pena-base fixada pelo magistrado de primeiro grau em 06 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, considerando a valoração negativa da circunstância judicial referente à natureza da substância entorpecente (cocaína). Na segunda fase, não há circunstâncias atenuantes ou agravantes a serem consideradas. Na terceira fase, reconhecida a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, aplico-a em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços), reduzindo a pena para 02 (dois) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Considerando a nova pena estabelecida e a primariedade do réu, fixo o regime inicial aberto para cumprimento da pena, nos termos do art. 33, §2º, "c", do Código Penal. Quanto ao prequestionamento, constato que toda a legislação constitucional e infraconstitucional discutida nas razões e contrarrazões do apelo foram devidamente observadas e integradas à fundamentação deste voto, ficando, pois, expressamente prequestionada a matéria. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, dou parcial provimento ao recurso de apelação criminal interposto por Edson de Souza Ortiz para aplicar a fração máxima (2/3) da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, redimensionando a pena para 02 (dois) anos de reclusão; b) readequar a pena de multa para 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos; c) fixar o regime inicial aberto para cumprimento da pena; nego provimento ao recurso ministerial, mantendo o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 e o direito do réu de recorrer em liberdade. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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