Processo nº 1000989-67.2023.8.11.0109
ID: 330746793
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000989-67.2023.8.11.0109
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HELEN KARYNE SILVA DOS SANTOS
OAB/SE XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000989-67.2023.8.11.0109 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). CHRISTIANE DA…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000989-67.2023.8.11.0109 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES Turma Julgadora: [DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE] Parte(s): [FELIPI SANTOS DIAS - CPF: 065.420.371-79 (APELANTE), HELEN KARYNE SILVA DOS SANTOS - CPF: 058.769.335-54 (ADVOGADO), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), CESAR ARLINDO - CPF: 923.980.731-49 (TERCEIRO INTERESSADO), JAMIR CASAGRANDE - CPF: 611.080.900-44 (TERCEIRO INTERESSADO), JULIANO CASAGRANDE - CPF: 060.911.121-39 (TERCEIRO INTERESSADO), KAROLAINE SOARES POTHIN - CPF: 062.435.011-83 (TERCEIRO INTERESSADO), MARCIO DANIEL WINTER - CPF: 006.736.299-02 (TERCEIRO INTERESSADO), ZELIRDE CASAGRANDE CALDERAN - CPF: 032.906.849-03 (TERCEIRO INTERESSADO), CLEVERSON CASAGRANDE - CPF: 030.571.201-21 (VÍTIMA), DANIELLY CASAGRANDE (ASSISTENTE), EVANIO SANTOS DIAS (ASSISTENTE), CAIO FELIPE DA SILVA SANTOS (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa. Direito penal. Apelação criminal. Homicídio qualificado com reconhecimento de privilégio. Porte ilegal de arma de fogo. Decisão do júri. Soberania dos veredictos. Dosimetria da pena. Recurso desprovido. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta contra sentença condenatória proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Marcelândia/MT, que, após julgamento pelo Conselho de Sentença, condenou o recorrente à pena de 12 anos, 5 meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, pela prática dos crimes de homicídio qualificado com reconhecimento do privilégio e porte ilegal de arma de fogo, nos termos do art. 121, § 2º, II e IV, c/c § 1º, do Código Penal, e art. 14 da Lei n. 10.826/2003. 2. A defesa pleiteia a anulação do julgamento por suposta decisão manifestamente contrária à prova dos autos, a reforma da dosimetria da pena com o afastamento das valorações negativas de culpabilidade e circunstâncias do crime, bem como a aplicação da atenuante da confissão espontânea. II. Questões em discussão 3. Há três questões em discussão: (i) verificar se a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária às provas dos autos, justificando novo julgamento; (ii) definir se a valoração negativa da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime é fundamentada em elementos concretos; (iii) verificar se foi devidamente reconhecida e aplicada a atenuante da confissão espontânea. III. Razões de decidir 4. A decisão do Conselho de Sentença encontra amparo no conjunto probatório constante nos autos, notadamente nos depoimentos de testemunhas presenciais e informantes, bem como na confissão do réu, não sendo possível considerá-la manifestamente contrária à prova dos autos. 5. A valoração negativa da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime está devidamente fundamentada em elementos concretos, como o vínculo familiar com a vítima, a presença de criança no local e o desamparo causado ao filho menor da vítima. 6. A atenuante da confissão espontânea foi reconhecida e devidamente aplicada na segunda fase da dosimetria da pena, com redução proporcional da reprimenda. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido. Teses de julgamento: “1. A decisão do Conselho de Sentença deve ser mantida quando amparada em prova consistente, ainda que existam versões conflitantes. 2. A valoração negativa da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime é legítima quando fundada em elementos concretos extraídos dos autos. 3. A confissão espontânea deve ser reconhecida e aplicada na dosimetria da pena quando comprovada nos autos.” _____________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, “c”; CP, arts. 59, 65, III, “d”, e 121, § 1º, § 2º, II e IV; CPP, art. 593, III, “d”; Lei n. 10.826/2003, art. 14. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, AgRg no HC n. 815.458/RS, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo, Sexta Turma, j. 13.11.2024; STJ, AgRg no AREsp n. 2.351.791/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 30.10.2023; TJMT, N.U 1010096-62.2023.8.11.0004, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, j. 18.06.2025. R E L A T Ó R I O Ilustres membros da Terceira Câmara Criminal: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Felipi Santos Dias, contra a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Marcelândia/MT que, nos autos da Ação Penal n. 1000989-67.2023.8.11.0109, após julgamento pelo Conselho de Sentença, condenou-o à pena de 12 (doze) anos, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime fechado, pela prática dos crimes de homicídio privilegiado e porte ilegal de arma de fogo (art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal e art. 14, da Lei n. 10.826/2003) contra a vítima Cleverson Casagrande. O apelante, nas razões recursais encontradiças no ID 269938375, postula a) a nulidade de julgamento, ao argumento de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas dos autos, uma vez que os depoimentos testemunhais se mostraram contraditórios; b) a reforma da dosimetria da pena, afastando-se a valoração negativa atribuída à culpabilidade e às circunstâncias do crime; c) e, por fim, o reconhecimento e aplicação da atenuante da confissão espontânea na segunda fase da dosimetria da pena. Nas contrarrazões vistas no ID 274006875, o Ministério Público postula o desprovimento do presente recurso. E, nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer que se vê no ID 281817851, seguiu a mesma linha intelectiva. É o relatório. À revisão. V O T O R E L A T O R A denúncia, vista no ID 260129230, narra os fatos desta forma: [...] 1º FATO: Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 29/10/2023, por volta das 18h00min, na via pública localizada na propriedade rural localizada na Comunidade Santa Rita, chácara a 1 KM desta cidade de Marcelândia/MT, FELIPI SANTOS DIAS, acima qualificado, agindo com nítida vontade assassina (animus necandi), bem como ciente e aceitando o resultado morte, por motivo fútil, bem como empregando recurso que dificultou a defesa do ofendido, matou CLEVERSON CASAGRANDE, vítima de disparos de arma de fogo, que foi causa eficiente de sua morte (Laudo de Necrópsia nº 541.1.01.8985.2023.145071-A01 de ID nº 137610125). Fazem esclarecer as investigações policiais que, no dia e na hora dos fatos, FELIPI SANTOS DIAS movido por motivo fútil, já que havia se desentendido com a vítima CLEVERSON CASAGRANDE por conta de uma “ceva de peixe”, após breve discussão, de posse de uma arma de fogo que carregava consigo (espingarda calibre .12), de inopino (portanto, recurso que dificultou a defesa do ofendido), realizou dois disparos de arma de fogo contra o ofendido, na frente da esposa e dos filhos da vítima, causando-lhe os ferimentos descrito no Laudo de Necrópsia nº 541.1.01.8985.2023.145071-A01 de ID nº 137610125, que foram causa suficiente de sua morte. Em seu interrogatório, o acusado confessou o crime. Após os fatos, FELIPI SANTOS DIAS saiu do local do ocorrido e voltou para a cidade, estando, pois, em local incerto e não sabido. 2º FATO Consta nos autos que, na data de 29/10/2023, o denunciado FELIPI SANTOS DIAS portou e transportou arma de fogo, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. O denunciado portou e transportou arma de fogo – não apreendida –, a qual fora utilizada para a consecução do crime de homicídio praticado contra a CLEVERSON CASAGRANDE (1º FATO), sendo certo que, no mínimo, tinha ele conhecimento da (s) arma (s) e acesso a ela(s), pois utilizada (s) para a prática criminosa na qual está envolvido. [...]. Destaques no original Conforme relatado, a defesa do acusado postula: (i) anulação do julgamento, argumentando que é contrário às provas dos autos; e (ii) a reforma da dosimetria da pena. Em princípio, é imperioso ressaltar que, no ordenamento jurídico pátrio, a instituição do Júri, constitucionalmente assegurada no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, possui como característica fundamental a soberania dos veredictos, princípio que confere aos jurados a prerrogativa de decidir sobre o mérito da ação penal, de acordo com a sua íntima convicção, limitando a atuação das instâncias revisoras quando da análise de decisões proferidas pelo Conselho de Sentença. O mencionado princípio, contudo, não possui caráter absoluto, havendo situações excepcionais em que se admite a cassação do veredicto dos jurados, quando este for manifestamente contrário à prova dos autos (art. 593, III, d, do CPP). Essa hipótese de cabimento recursal deve ser interpretada restritivamente, configurando-se apenas quando a decisão dos jurados revelar-se arbitrária, completamente dissociada do contexto probatório e destituída de qualquer amparo nos elementos de convicção produzidos durante a persecução penal. Nesse sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê do julgado abaixo ementado: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO. DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA. RESPALDO NAS PROVAS DOS AUTOS. IMPRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ANÁLISE INVIÁVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte, em diversas ocasiões, já assentou a impossibilidade de impetração de habeas corpus em substituição à revisão criminal quando já transitada em julgado a condenação do réu, o que, na hipótese vertente, ocorreu em 25/04/2022. 2. No caso, as instâncias de origem, com apoio na prova dos autos, em especial, em depoimentos testemunhais, laudos periciais e outros meios de prova, concluíram pela existência de indícios suficientes acerca da autoria e da materialidade do delito, não havendo cogitar anulação do julgamento. 3. No tocante ao desfazimento da decisão proferida pelo Conselho de Sentença, destaco que o Superior Tribunal de Justiça perfilha o entendimento, segundo o qual, Havendo duas versões acerca dos fatos, ambas ancoradas pelo conjunto probatório posto nos autos, o fato de o Júri optar por uma das teses que melhor lhes convenceram, não significa que a decisão seja contrária ao conjunto probatório. É certo que, somente aquela decisão que não encontra apoio em nenhuma prova dos autos é que pode ser anulada. (AgRg no HC n. 741.421/AL, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 04/03/2024, DJe de 06/03/2024). 4. Entende este Tribunal que A quebra da soberania dos veredictos é apenas admitida em hipóteses excepcionais, em que a decisão do Júri for manifestamente dissociada do contexto probatório, hipótese em que o Tribunal de Justiça está autorizado a determinar novo julgamento. Diz-se manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando, desse modo, inquestionavelmente, de todo o acervo probatório. (AgRg no AREsp n. 2.351.791/GO, rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 30/10/2023), não sendo essa a hipótese dos autos. 5. Superar as conclusões alcançadas na origem demandaria o revolvimento do conjunto probatório produzido, procedimento vedado em sede de habeas corpus. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 815.458/RS, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 13/11/2024, DJe de 25/11/2024.). Destacamos No caso em espécie, da análise acurada e minuciosa dos autos, dessume-se que o Conselho de Sentença, no exercício de sua soberania constitucional, optou por uma das versões possíveis diante do quadro probatório apresentado, qual seja, a de que o apelante praticou o crime de homicídio qualificado pelo recurso que dificultou a defesa da vítima, porém sob domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima, reconhecendo, assim, o privilégio previsto no §1º do art. 121 do Código Penal. Com efeito, essa versão encontra sólido amparo nas provas carreadas aos autos, notadamente nos depoimentos das testemunhas Karolaine Soares Pothin (companheira da vítima) e Zelirde Casagrande Calderan, bem como nas declarações dos informantes Danielly Casagrande e Juliano Casagrande. Nesse sentido, Karolaine Soares Pothin, presente na cena do crime, descreveu com detalhes a dinâmica dos fatos, como se vê desses trechos de suas declarações prestados na fase instrutória: [...] no dia dos fatos, era um domingo, estávamos em casa, eu, meu esposo o Cleverson (vítima), meu filho Miguel e a Sra. Zelirde, proprietária do local onde a gente estava morando, pois haviam arrendado dela, que nos dias eles tinham se programado de sair, mas acabaram ficando e ele foi trabalhar. Quando ele voltou falou que a gente não ia sair, ele ficou ali com o nenê e ainda soldou um negócio ali no trator. Aí beleza, ‘almocemo’, tudo certo. (...) no final da tarde, o Cleverson foi mexer em uma cerca e eu e a dona Zelia ficamo na casa. Aí escutei um barulho de moto e vi que o Felipi e o Juliano estavam descendo e indo caçar. Fiquei um pouco nervosa porque sabia que o Cleverson tinha limpado a ceva e tirado as mangas, e achava que eles iriam ali perguntar da ceva destruída. Que já ficou nervosa e com medo. Aí depois de uns 30 minutos viu o Felipi chegando com a espingarda em mãos, veio em uma CG preta do Juliano, mas ele estava sozinho, que seu filho foi o primeiro que conversou com o Felipi e ele perguntou alto onde está seu pai. Que aí foi atender ele porque viu que ele estava falando alto, que ele estava com a arma e ficou perguntando onde estava o Cleverson, repetindo e estava alterado. Ele falou que só ia ir embora depois de falar com o Cleverson. Aí perguntei o que ele queria com o Cleverson e ele respondeu que o Cleverson tinha desmanchado a ceva dele. Falei para ele ter calma, falei que ele sabia que nós não queria que caçasse ali, que os vizinhos não queriam que caçasse naquele local, e então ele se alterou e com o “dedo na minha cara” disse que ele iria caçar ali sim e que não queria saber, ele deu uma mexida na arma e chegou a dar um passo para trás, e ele falando alto. Fiquei com medo. Aí o Cleverson escutou e falou que tinha que falar com ele e não comigo e passou a cerca, que ele chegou e ficou perto das árvores, que o Felipi estava bem alterado, que o Cleverson pois a mão falando calma, que nesse momento só se recorda do Felipe baixando a arma e dando o tiro, que o Cleverson começou a dizer ai ai, que nesse momento só pensava em por seu filho para dentro e que o Felipi iria atirar em todo mundo, que o Cleverson gritava e eu só pensava em salvar meu filho, que o Cleverson falava o que você fez Felipi e então eu vi o buraco embaixo do braço que soube que não tinha mais volta, que o Cleverson cambaleou e o Felipi deu uns passos para trás mexendo na arma. Eu achei que também levaria um tiro, eu não escutei o segundo tiro, só vi o Felipi montando na moto e saindo. Aí fui perto do Cleverson e o Cleverson caiu e o meu filho viu ele caindo e ficou gritando que ele matou meu pai, ele matou meu pai. Eu vi o último suspiro do Cleverson. Eu gritava para a Zelia segurar o Miguel dentro da casa para não ver o que estava acontecendo. Segurei no pulso e vi que não havia mais batimento e então peguei a moto e fui correndo pedir ajuda, que queria que nunca tivesse acontecido. Meu filho todos os dias pede pelo pai, e fala o que Felipi fez, que o Felipi vai matar ele. Sei que não tem volta, meu filho está traumatizado, eu tô traumatizada. [...]. (Depoimento de Karolaine Soares Pothin, esposa da vítima - fase judicial - mídia audiovisual no ID 260130706). Em plenário, a testemunha Karolaine Soares Pothin, companheira da vítima, novamente narrou detalhadamente a chegada do apelante ao local dos fatos, seu estado de alteração, a exigência de falar com a vítima e o momento em que, de posse de uma espingarda, efetuou os disparos contra Cleverson Casagrande (mídia audiovisual no ID 260130834). Da mesma forma, a testemunha Zelirde Casagrande Calderan, na sessão plenária, corroborou a versão apresentada por Karolaine, confirmando que estava na casa no momento dos fatos e que o apelante chegou no sítio armado, procurando o Cleverson. Esclareceu que o Cleverson estava arrumando uma cerca e quando viu o apelante lá gritando com Karolaine desceu e já levou os tiros. Declarou que o Felipi estava com espingarda, era uma arma grande, chegou com ela pendurada no ombro. Afirmou, ainda, a testemunha, que não presenciou nenhuma luta ou discussão entre eles, que acredita que conversaram sobre uma questão de “ceva” para caçar naquela região (mídia audiovisual no ID 260130834). A informante Danielly Casagrande, esposa do apelante, durante o plenário do júri, confirmou que no dia dos fatos Felipi estava ingerindo bebida alcoólica desde cedo com a família, que estavam “carneando” uma vaca. Declarou que em certo momento ele saiu para caçar na terra do Zequinha – que já havia lhe autorizado caçar no local –. Narrou que estava tomando banho quando ele chegou em casa e contou o que tinha ocorrido. Esclarece que a vítima já havia falado que iria furar o pneu da motocicleta do Felipi se ele fosse caçar naquele local e que Cleverson destruiu a “ceva” de outras pessoas da região. Relata estar casada com o apelante e ouvi-lo dizer, em todas as visitas na unidade prisional, que se arrepende do que fez (mídia audiovisual no ID 260130834). O também informante Juliano Casagrande, em plenário, confirmou a versão apresentada na instrução, afirmando que durante o dia, juntamente com o apelante, ingeriram bebida alcoólica desde cedo. Esclareceu que saiu da casa conduzindo a motocicleta em companhia de Felipi e que, quando o apelante insistiu que iria questionar Cleverson a respeito da “ceva” que tinha destruído, pediu a ele que não fosse e saiu do local, não estando na casa da vítima no momento dos fatos, mas ouviu o barulho dos disparos e soube posteriormente do ocorrido (mídia audiovisual no ID 260130834). Como visto, não há nas eventuais discrepâncias apontadas pela defesa qualquer elemento capaz de comprometer a coesão dos relatos ou infirmar a conclusão acerca da autoria e materialidade delitivas. Por certo, os depoimentos das demais testemunhas e informantes, embora com algumas nuances próprias de percepções individuais distintas, convergem para a mesma narrativa essencial dos fatos, qual seja: o apelante, após ingerir bebida alcoólica e tomando conhecimento de que a vítima havia destruído uma “ceva” montada para caçar, dirigiu-se à casa de Cleverson, portando uma espingarda e, após uma breve discussão, efetuou os disparos que causaram sua morte. Por sua vez, o apelante, quando interrogado em plenário, embora tenha afirmado que o disparo ocorreu de forma acidental, admitiu ter ingerido bebida alcoólica durante o dia e no final da tarde ter se dirigido à residência da vítima portando uma espingarda que estava pendurada em seu ombro. Declarou que os disparos que atingiram e vitimaram Cleverson partiram de sua arma, tendo, inclusive, admitido que foram realizados dois disparos. Nesse contexto, não obstante o apelante alegue supostas incongruências nos relatos testemunhais, verifica-se que os depoimentos prestados nos autos se mostram, ao revés, coerentes e concatenados, revelando com detalhes a dinâmica dos fatos delituosos. Ademais, como já mencionado, o próprio apelante confessou a prática delitiva em todas as fases da persecução penal, circunstância que, aliada aos demais elementos probatórios, confere robusto suporte à decisão proferida pelo Conselho de Sentença. Quanto à alegação de que a vítima “parecia estar muito alterada” e “que nunca tinha visto o mesmo daquele jeito”, bem como de que esta “tinha problemas com outras pessoas da região por destruir cevas alheias”, tais circunstâncias, ainda que verdadeiras, não infirmam a materialidade e autoria delitivas, tampouco constituem excludentes de ilicitude ou de culpabilidade que pudessem afastar a responsabilidade penal do apelante. Em verdade, essas alegações, relacionadas ao comportamento da vítima e à existência de uma provocação prévia, foram devidamente consideradas pelo Conselho de Sentença ao reconhecer o privilégio previsto no §1º do art. 121 do Código Penal, consistente na prática do delito sob domínio de violenta emoção logo após injusta provocação da vítima. Dessarte, infere-se que os jurados, no exercício da soberania dos veredictos, após apreciarem todas as provas apresentadas em plenário e ouvirem os debates entre acusação e defesa, optaram por acolher parcialmente a tese acusatória, reconhecendo a prática do homicídio qualificado, porém com a presença da causa de diminuição de pena referente ao homicídio privilegiado. Tal decisão, longe de ser manifestamente contrária às provas dos autos, encontra sólido amparo no conjunto probatório produzido durante a instrução processual, não havendo que se falar em arbitrariedade ou dissociação entre o veredicto e os elementos de convicção existentes na causa. Nesse contexto, não se vislumbra a hipótese excepcional de cabimento recursal prevista no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, sendo imperativo o respeito à soberania dos veredictos, princípio constitucional insculpido no art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal. Aliás, sobre essa temática, este Tribunal de Justiça tem entendido que não se deve falar em julgamento manifestamente contrário a prova dos autos quando a decisão dos jurados encontrar amparo no conjunto probatório, tal como se depreende dos acórdãos abaixo resumidos: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE VEREDITO CONTRÁRIO ÀS PROVAS DOS AUTOS. PLEITO SUBSIDIÁRIO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Criminal interposta por Derivaldo Pereira Marinho contra sentença do Tribunal do Júri da Comarca de Barra do Garças/MT, que o condenou à pena de 21 anos de reclusão, em regime fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado (motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima), nos termos do art. 121, § 2º, II, III e IV, do Código Penal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a decisão do Tribunal do Júri foi manifestamente contrária às provas dos autos, a justificar a submissão do réu a novo julgamento; (ii) examinar a valoração negativa das circunstâncias do crime. III. RAZÕES DE DECIDIR A decisão do Tribunal do Júri deve ser respeitada quando respaldada em elementos probatórios concretos e consistentes, ainda que existam versões divergentes nos autos, conforme jurisprudência consolidada do STJ. A revisão do veredicto do Júri é cabível apenas quando manifestamente contrária às provas dos autos, o que não se verifica na hipótese. A pena-base foi corretamente fixada acima do mínimo legal, com fundamentação idônea na pluralidade de agentes envolvidos, sendo legítima a valoração negativa das circunstâncias do delito. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A decisão do Tribunal do Júri deve ser preservada quando amparada por provas consistentes e coerentes, ainda que existam versões conflitantes nos autos. 2. A negativa das circunstâncias judiciais é válida quando fundamentada na pluralidade de agentes. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 121, § 2º, II, III e IV; CPP, art. 593, III, “d”; CF/1988, art. 5º, XXXVIII, “c”. Jurisprudência relevante citada: STF, RHC 218697 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, j. 14.09.2022; STF, HC 81423, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 18.12.2001; STJ, AgRg nos EDcl no REsp 2.182.912/MT, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. 12.05.2025; STJ, HC 974.333/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 09.05.2025; STJ, AREsp 2.340.360/ES, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. 24.12.2024; STJ, AgRg no AREsp 2.267.570/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 13.11.2023. (N.U 1010096-62.2023.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 18/06/2025, Publicado no DJE 18/06/2025). Destacamos DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação criminal interposto contra decisão do Tribunal do Júri que condenou o recorrente pela prática de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 29, do Código Penal), à pena de 16 anos de reclusão em regime fechado. A defesa pleiteia a anulação do julgamento, sob o argumento de que o veredicto foi manifestamente contrário à prova dos autos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em verificar se a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária à prova dos autos, justificando a anulação do julgamento e a submissão do réu a novo júri. III. RAZÕES DE DECIDIR O julgamento do Tribunal do Júri baseia-se na soberania dos veredictos, razão pela qual somente se admite sua anulação se a decisão for totalmente dissociada das provas constantes nos autos. No caso concreto, há suporte probatório suficiente para a condenação do recorrente, incluindo testemunhos e elementos indiciários que o vinculam ao crime. A opção dos jurados por uma das versões sustentadas em plenário, desde que amparada no conjunto fático-probatório, não caracteriza decisão manifestamente contrária às provas dos autos. A jurisprudência dominante reconhece que o juízo de valor realizado pelo Conselho de Sentença deve ser preservado, salvo quando a decisão for arbitrária e sem qualquer base probatória, o que não se verifica no caso concreto. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O veredicto do Tribunal do Júri somente pode ser anulado quando for manifestamente contrário às provas dos autos, ou seja, quando estiver totalmente dissociado dos elementos probatórios reunidos no processo. 2. A soberania dos veredictos assegura ao Conselho de Sentença a liberdade de escolher entre as versões apresentadas, desde que haja suporte probatório mínimo para a decisão adotada. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 121, § 2º, incisos I e IV; Código de Processo Penal, art. 593, III, "d". Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 1499956/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 14.09.2022; TJMT, Apelação Criminal 0011664-07.2009.8.11.0042, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, j. 12.06.2024. (N.U 0001440-39.2011.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 04/04/2025, Publicado no DJE 04/04/2025). Destacamos Igualmente, o Enunciado n. 13 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça, assim dispõe: “Não se caracteriza como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que, optando por uma das versões trazidas a plenário do Tribunal do Júri, não se encontra inteiramente divorciada do conjunto fático-probatório existente no processo.”. Dessa maneira, não merece prosperar a alegação do apelante, segundo a qual a decisão dos jurados é contrária às provas existentes nestes autos, pois, como visto anteriormente, o Conselho de Sentença, dotado de soberania na interpretação dos fatos levados à sua cognição e na análise das provas produzidas durante a persecução penal, considerou mais coerente: a versão da acusação, rejeitando a tese defensiva de disparo acidental, como lhe é facultado pelo princípio da íntima convicção, devendo, por conseguinte, permanecer intacta sua condenação. Noutro turno, a defesa do apelante sustenta a existência de erros na dosimetria da pena aplicada, argumentando que: a) a circunstância judicial da culpabilidade foi indevidamente valorada de forma negativa, pois não foram indicados elementos concretos para tal desvalor; b) o juiz considerou, como circunstância desfavorável, o fato de o crime ter sido cometido na presença de criança em tenra idade, filho da vítima, circunstância essa que não havia sido descrita na denúncia, configurando decisão extra petita; c) não foi devidamente reconhecida a atenuante da confissão espontânea na segunda fase da dosimetria da pena. Como é de trivial sabença, a sanção penal imposta deve, mediante fundamentação válida, ser fixada em quantum compatível com as finalidades de reprovação e prevenção do crime (art. 93, IX, da Constituição Federal e art. 59 do Código Penal). Para tanto, o art. 68 deste diploma legal, em franca adoção ao sistema trifásico defendido pelo saudoso penalista Nélson Hungria, estabelece que, para a obtenção do quantitativo da pena privativa de liberdade, é imprescindível a observância de três fases distintas: a primeira, que tem por objetivo a fixação da pena-base, em cujo momento o julgador sopesa as circunstâncias judiciais; a segunda, na qual faz incidir, se existentes, as atenuantes e agravantes; e, na terceira, em que se computa, quando necessário, as causas de diminuição e aumento de pena. No ponto que interessa, estes são os argumentos lançados pelo judicantequando da aplicação da pena ao apelante: [...] I - DA DOSIMETRIA DA PENA PARA O DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, §2º, incisos II e IV, do CÓDIGO PENAL): Atento ao que vem disposto no art. 59 do Código Penal passo a fixação da pena base: No presente caso, o que qualificará o delito é o recurso que dificultou a defesa da vítima. 1ª FASE: A CULPABILIDADE é anormal ao tipo, visto que o juízo de reprovação da conduta merece ser valorada de forma mais acurada. Explico. O acusado conhecia a vítima, e em outras ocasiões já mantivera um certo convívio visto que era casado com a prima de Cleverson. Podia ter evitado a contenda se tivesse mais serenidade ao lidar com a rusga existente entre parentes. Quanto aos ANTECEDENTES CRIMINAIS, deixo de manifestar vez que se trata de indivíduo primário. A CONDUTA SOCIAL e PERSONALIDADE não merecem valoração apartada, ante a falta de elementos nos autos para análise. Em relação aos MOTIVOS DO CRIME deixo de apreciar visto que afastado pelo conselho de sentença quando reconheceu o privilégio do § 1º. As CIRCUNSTÂNCIAS, valoro de forma negativa ao réu, tendo em vista que o delito foi perpetrado na presença de uma criança em tenra idade, filho da vítima. No tocante as CONSEQUÊNCIAS são negativas. Segundo a Jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, as consequências do crime são especialmente mais danosas quando o homicídio enseja o desamparo de filhos menores. No caso dos autos, a vítima deixou órfão um filho menor de idade. O COMPORTAMENTO DA VÍTIMA já fora reconhecida pelo conselho de sentença e serviu para diminuir a pena pelo benefício do privilégio do § 1º do art, 121 do Código Penal. Face à análise das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, analisadas individualmente, (consequências, culpabilidade e circunstancias do crime), fixo a pena base em 18 (dezoito) anos e 09 (nove) meses de reclusão. 2ª Fase: Na segunda fase de aplicação da pena, não há agravantes. De outro lado, reconheço a atenuante da menoridade relativa (art. 65, I do Código Penal) e confissão (CP, artigo 65, inciso III, alínea “d”), assim reduzo a pena 06 (seis) anos e 03 (seis) meses. Diante disso, FIXO a pena intermediária permanecer no patamar de 12 (doze) anos e 06 (seis) meses de reclusão. 3ª Fase: Na terceira fase de fixação da pena, reconheço a causa de diminuição, previsto no art. 121, §1º do Código Penal, sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Com o reconhecimento da causa de diminuição relacionada ao “privilégio”, considerando qual é tal alegação, entende-se que a redução deve ser de 1/6 sobre a pena anterior, 02 (dois) anos e 15 (quinze) dias. Não há causa de aumento, por isso, FIXO a pena em 10 (dez) anos e 05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. [...]. Destaques no original Da leitura dos trechos do édito condenatório acima reproduzidos, depreende-se que seu prolator considerou como desfavorável ao apelante a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime, razão pela qual majorou a pena basilar em 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de reclusão. Em princípio, impende destacar que a culpabilidade, como circunstância judicial prevista no art. 59 do Código Penal, refere-se ao grau de censurabilidade da conduta, à maior ou menor reprovabilidade do comportamento do agente, considerando-se aspectos que não constituem elementares do tipo penal ou circunstâncias legais (atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento). Nessa esteira, verifica-se que o sentenciante apresentou fundamentação idônea e concreta para valorar negativamente a culpabilidade do agente, evidenciando circunstâncias que, de fato, tornam sua conduta mais censurável do ponto de vista social e jurídico, na medida em que a existência de vínculo de parentesco por afinidade entre o réu e a vítima (o recorrente era casado com a prima da vítima), bem como o convívio anterior entre eles, são elementos que potencializam a reprovabilidade da conduta criminosa, pois revelam o desprezo do agente por laços familiares e afetivos que, ordinariamente, deveriam inspirar maior consideração e respeito. Ademais, como bem salientou o sentenciante, o recorrente “podia ter evitado a contenda se tivesse mais serenidade ao lidar com a rusga existente entre parentes”, circunstância que denota maior censurabilidade em sua conduta, justificando a exasperação da pena-base neste particular, de modo que a valoração negativa da culpabilidade encontra-se devidamente fundamentada em elementos concretos extraídos dos autos, que efetivamente demonstram maior reprovabilidade na conduta do agente, não havendo que se falar em fundamentação genérica ou inidônea. No que se refere às circunstâncias do crime, sustenta o apelante que houve julgamento extra petita, eis que o magistrado considerou, na primeira fase da dosimetria da pena, como circunstância desfavorável, o fato de o crime ter sido cometido na presença de criança em tenra idade, filho da vítima, circunstância essa que não havia sido descrita na denúncia. Contudo, sobre a matéria, impende esclarecer que a valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, na primeira fase da dosimetria da pena, não se confunde com o reconhecimento de qualificadoras ou causas de aumento de pena, estas sim dependentes de prévia descrição na denúncia ou, se surgidas durante a instrução, de aditamento formal à exordial acusatória, em observância ao princípio da correlação entre acusação e sentença. As circunstâncias judiciais constituem elementos fáticos subjacentes à prática delituosa que, embora não integrem a estrutura típica do crime nem configurem circunstâncias legais modificadoras da pena, devem ser consideradas pelo magistrado na fixação da pena-base, consoante determina o próprio art. 59 do Estatuto Repressivo. No caso em espécie, verifica-se, que o sentenciante considerou desfavorável ao apelante a circunstância de o crime ter sido praticado na presença do filho menor da vítima, fato emergente dos depoimentos colhidos durante a instrução processual e devidamente submetido ao contraditório, como se extrai, exemplificativamente, do depoimento da testemunha Karolaine Soares Pothin (companheira da vítima), alhures transcrito. Por certo, essa circunstância - prática do crime na presença de criança em tenra idade, filho da vítima - não constitui qualificadora do crime de homicídio, mas sim elemento fático que pode (e deve) ser considerado na valoração das circunstâncias do crime previstas no art. 59 do Código Penal. Com efeito, a prática de crime na presença de criança constitui circunstância judicial negativa, apta a justificar a exasperação da pena-base, não havendo, ademais, que se falar em julgamento extra petita, pois o magistrado, ao valorar negativamente as circunstâncias do crime em razão de sua prática na presença de criança em tenra idade, filho da vítima, agiu nos estritos limites de sua competência jurisdicional, em observância ao comando normativo do art. 59 do Código Penal, que determina a consideração das circunstâncias do crime na fixação da pena-base. Embora não tenha sido um pedido expresso da defesa o afastamento da valoração negativa das consequências do crime, considerando que o apelante requereu a fixação da pena basilar no mínimo legal, ei por bem mencionar que, na fixação da pena-base, é válida a exasperação da reprimenda com fundamento na negativação das consequências do crime, consideradas graves em razão do desamparo financeiro dos familiares da vítima, notadamente do filho menor, tal como o fez o sentenciante. Portanto, a valoração negativa das três circunstâncias judiciais (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime) encontra-se devidamente fundamentada em elementos concretos, justificando a exasperação da pena-base. Quanto ao quantum de aumento aplicado, verifica-se que o magistrado fixou a pena-base em 18 (dezoito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, o que representa um acréscimo de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses em relação ao mínimo legal para o homicídio qualificado, que é de 12 (doze) anos de reclusão. Assim, considerando que foram valoradas negativamente três circunstâncias judiciais, e que o aumento para cada uma delas deve observar o princípio da proporcionalidade, entendo que a exasperação de aproximadamente 2 (dois) anos e 3 (três) meses para cada vetor desvalorizado mostra-se razoável e proporcional, refletindo 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo entre a pena mínima e a máxima cominada ao crime de homicídio qualificado. Por fim, sustenta o apelante que “não foi devidamente reconhecida a atenuante da confissão espontânea na segunda fase da dosimetria da pena”. Contudo, tal alegação, não encontra qualquer respaldo nos autos, na medida em que da leitura atenta da sentença recorrida, verifica-se que o magistrado expressamente reconheceu e aplicou a atenuante da confissão espontânea na segunda fase da dosimetria da pena do crime de homicídio qualificado, conforme se vê no ID 260130829. Evidencia-se, portanto, que o magistrado não apenas reconheceu a atenuante da confissão espontânea, como também procedeu à redução da pena em razão de sua incidência, em conjunto com a atenuante da menoridade relativa, diminuindo a reprimenda em 6 (seis) anos e 3 (três) meses. Destarte, a alegação do recorrente, neste particular, mostra-se absolutamente infundada, não merecendo qualquer acolhimento, sendo certo que a redução operada nessa fase, correspondente a 1/6 (um sexto) da pena-base para cada atenuante reconhecida, mostra-se compatível com os parâmetros adotados pela jurisprudência pátria, não havendo qualquer excesso ou desproporção a ser corrigido. Na terceira fase, o magistrado aplicou a causa de diminuição reconhecida pelo Conselho de Sentença (homicídio privilegiado - §1º do art. 121 do CP), diminuindo a pena em 1/6 (um sexto), correspondente a 2 (dois) anos e 15 (quinze) dias, tornando-a definitiva em 10 (dez) anos, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. A fração de diminuição aplicada (1/6), considerando que o §1º do art. 121 do Código Penal estabelece a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), mostra-se adequada à hipótese dos autos, tendo em vista que o magistrado deve considerar, na escolha da fração, a intensidade da violenta emoção e o grau de injustiça da provocação da vítima, estando, portanto, escorreito o cálculo dosimétrico realizado pelo sentenciante, não merecendo qualquer reparo. Posto isso, em sintonia com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, nego provimento ao recurso interposto por Felipi Santos Dias, mantendo inalterada a decisão da Corte Popular da Comarca de Marcelândia/MT. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear