Ministério Público Do Estado De Mato Grosso x Fabiana Cristina Dos Santos
ID: 295342136
Tribunal: TJMT
Órgão: 13ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 1005743-59.2023.8.11.0042
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 13ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ SENTENÇA Ação Penal n°. 1005743-59.2023.8.11.0042 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Ré: FABIANA CRISTINA DOS SANTOS…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 13ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ SENTENÇA Ação Penal n°. 1005743-59.2023.8.11.0042 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Ré: FABIANA CRISTINA DOS SANTOS Vistos, etc. Trata-se de ação penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em desfavor FABIANA CRISTINA DOS SANTOS, brasileira, solteira, desempregada, natural de São Paulo/SP, nascida em 03/11/1981, filha de Maria de Lourdes dos Santos, portadora do RG n°. 0916446077, inscrita no CPF sob o nº. 005.851.955-60, residente e domiciliada à Rua 21, nº. 8, bairro Rio Corrente, em Petrolina/PE , telefone: (74) 8836-3116, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 33, “caput” c/c art. 40, incisos III e V, ambos da Lei n.º 11.343/06. Diz a peça acusatória, em síntese que: “No dia 15 de março de 2023, por volta das 13h30min, na BR 364, km 387, no município de Cuiabá-MT, a denunciada FABIANA CRISTINA DOS SANTOS foi presa em flagrante delito por transportar drogas, entre diferentes Estados da Federação, e utilizando de transporte coletivo de passageiros (ônibus), para outros fins que não o consumo próprio, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. “Segundo consta policiais rodoviários federais estavam em fiscalização de rotina na BR 364, altura do km 387, quando abordaram um ônibus da empresa Eucatur, placa AXR-8827, que tinha como itinerário Aripuanã-MT x Brasília-DF”. “Durante o procedimento de revista tanto no bagageiro interno (superior), quanto no bagageiro tradicional (parte de baixo) do ônibus, com o auxílio dos cães farejadores K9 Xica e Ector, foram apontadas duas malas no interior do bagageiro tradicional (tickets n.° 815.255 e 815.254 – ID 114142723 – pág. 11), nas quais poderiam conter substância entorpecente ou outro produto ilícito; nesse momento, foi identificada a proprietária dessas malas, a ora denunciada Fabiana, que estava sentada na poltrona n.° 09”. “Feita a entrevista, a denunciada, após apresentar versão duvidosa e improvável, revelou aos agentes que tinha conhecimento de que estava transportando algo ilícito (droga) em suas bagagens, contando que havia recebido as duas malas na cidade de Costa Marques/RO e que as levaria até a cidade de Goiânia/GO, sendo que receberia a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) por esse serviço”. “Ato contínuo, a denunciada e as bagagens foram encaminhadas até o Posto 102 da PRF, onde ali, após a abertura das malas, verificou-se que havia 22 (vinte e duas) porções de substância análoga a cocaína escondidas em fundos falsos; ressalta-se que na tentativa de não chamar tanto a atenção da fiscalização, os entorpecentes estavam guardados de maneira prensada em finos pacotes, colocados ou fixados dentro do forro e no fundo falso das malas.” “Infere-se que entre os documentos encontrados em poder da denunciada, havia um comprovante de envio de mercadoria, do Brasil para o Japão, datado de 18/11/2022, que, segundo a denunciada, se tratavam de quadros/obras de arte, dentro das quais havia drogas, e que por essa remessa teria recebido a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais)”. “O laudo pericial n.° 186/2023-SETEC/SR/PF/MT, acostado no ID. 114142723 - págs. 39/41, confirmado pelo laudo pericial n.° 219/2023-SETEC/SR/PF/MT, acostado no ID. 114142723 - págs. 83/87, atestaram que as 22 (vinte e duas) porções apreendidas, acondicionadas em embalagens plásticas de cor verde e papel alumínio, na forma de tabletes, com massa de 5,250 kg (cinco quilogramas e duzentos e cinquenta gramas), apresentaram resultado POSITIVO para COCAÍNA, substância entorpecente, capaz de causar dependência física e psíquica, elencada na lista F1 da Portaria n.º 344/98 da AVS/MS e suas atualizações (...)”. A denúncia sob Id. 115604652 veio acompanhada e instruída do inquérito policial sob Id. 114142723, fl. 01 e do Laudo Definitivo de Droga n. 186/2023 – SETEC/SR/PF/MT (Id. 114142723, fls. 39/41) e laudo n. 219/2023 – SETEC/SR/PF/MT (Id. 116076362, fls. 83/87). A acusada foi presa em flagrante delito na data de 15/03/2023 e na audiência de custódia foi convertida a sua prisão em flagrante em prisão preventiva no APFD n. 1004542-32.2023.8.11.0042 (Id. 116076362, pág. 67/74). Posteriormente, foi revogada a prisão preventiva (Id. 116076362, fls. 139/142), estando, pois, respondendo o processo liberdade. A folha de antecedentes foi juntada no Id. 195276436 e 195348443. A Defesa Prévia foi protocolada na data de 07/11/2023, oportunidade que arrolou as mesmas testemunhas da acusação (Id. 133763858). Por meio da r. decisão de Id. 167879930, datada de 07/09/2024, a denúncia foi recebida, oportunidade que designou a audiência de instrução e julgamento para o dia 29/04/2025, às 15:30 horas. Na audiência de instrução e julgamento realizada pelo sistema de videoconferência no dia 29/04/2025 (Id. 192919629), procedeu-se com o interrogatório da ré e a oitiva de uma testemunha arrolada pela acusação em comum com a defesa. As partes desistiram da oitiva de uma testemunha, o que foi homologado e, consequentemente, encerrada a instrução processual. Na mesma oportunidade, o Ministério Público apresentou suas alegações finais oralmente, onde pugnou pela procedência parcial da ação, com condenação da denunciada nas penas do art. 33, “caput” c/c art. 40, inciso V, ambos da Lei n. 11.343/06 (Id. 192920993). Na data de 26/05/2025 a defesa da ré apresentou memoriais finais sob Id. 195247048, oportunidade em que pugnou pela procedência da ação com reconhecimento da atenuante de confissão e a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, bem como o afastamento da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso III, da referida lei. Em seguida, vieram-me os autos conclusos para sentença em 29/05/2025. Eis a síntese do necessário relatório. FUNDAMENTO. DECIDO DAS PRELIMINARES E QUESTÕES PREJUDICIAIS Não há preliminar ou questão prejudicial a ser decidida. DO MÉRITO Pretende-se, nestes autos, atribuir a FABIANA CRISTINA DOS SANTOS, a prática dos delitos capitulados nos art. 33, “caput” e art. 40, incisos III e V, ambos da Lei n. 11.343/06, por estar no dia 15/04/2023, transportando entre estados da federação e utilizando-se de transporte público de passageiros, substância entorpecente de uso proscrito no país, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Em análise aos procedimentos realizados durante a persecução criminal, nada há que se possa ter comprometido o bom andamento processual, ou mesmo, que porventura tenha gerado alguma nulidade passível de observância ex officio. A materialidade do crime tipificado na Lei de Tóxicos (art. 33, “caput”, da Lei de Drogas) encontra-se comprovada, inicialmente pelo auto de apreensão de Id. 116076362, fls. 33/34 e em seguida pelos laudos de constatação preliminar e Laudo Definitivo de Droga n. 186/2023 – SETEC/SR/PF/MT (Id. 114142723, fls. 39/41) e laudo n. 219/2023 – SETEC/SR/PF/MT (Id. 116076362, fls. 83/87), não restando dúvidas que as substâncias apreendidas se tratavam de cocaína, as quais eram ao tempo do fato e ainda são de uso, porte e comercialização proibida no Brasil, em conformidade com RDC n°. 13 de 26.03.2010, o qual regulamenta a Portaria n°. 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, sendo inclusa na lista “F1”, de substâncias proscritas. No que concerne à autoria delitiva vejamos o que as provas colhidas na audiência instrutória subsidiam a respeito: A ré FABIANA CRISTINA DOS SANTOS, quando interrogada em juízo declarou o seguinte: “(Lida a denúncia) A senhora confirma isso? Sim, senhor. A senhora mora onde Fabiana? Na época, morava onde na época dos fatos? Morava e moro, continuo morando em Petrolina. E o que a senhora fazia lá em Rondônia? Na época do acontecido, uma conhecida aqui da cidade me falou dessa proposta de fazer essa viagem. Eu tinha ficado viúva com um filho menor, estava sem luz, sem água, passando por uma situação muito precária, e me apareceu essa oportunidade, essa aventura, que deu errado para mim, para que isso me sirva de experiência, para nunca mais eu cometer o mesmo erro. E aí, eu fui chegando na cidade, a pessoa ligava para mim, ele nunca falava no WhatsApp, ligava do número particular, aí me falou, chegada a tal cidade, espera tal dia, tal hora. Chegou em um táxi, não via a pessoa, o motorista desceu do carro, entregou as malas, e eles vão passando a informação. Deu o dinheiro para a viagem, não recebi pela viagem, e fui. Mas, não sei quem eram as pessoas, não. Entregaram a passagem para a senhora lá em Costa Marques, que foi isso? Sim, senhor. E a qual era o destino da bagagem? Era para a Goiânia. (...).” (Mídias sob Id. 192919614). A testemunha arrolada pela acusação, policial rodoviária federal FERNANDO CESAR MORAES KOEHLER, quando depôs em juízo declarou o seguinte: “(Lida a denúncia) O senhor lembra, Fernando? Lembro sim, excelência, lembro sim, como de costume, já conhece, a gente trabalha com os cães, e aí foi feita a fiscalização embaixo, os cães sinalizaram. Subimos para fazer a fiscalização em todo mundo, chegou na passageira aí, ela disse que vinha de Costa Marques, e foi em Rondônia para comprar tapete para vender. Daquela conversa de comprar tapete, perguntamos quanto é que ela ia ganhar vendendo tapete, ela falou que ia ganhar, lembra que foi até legal a história, ia ganhar mil reais, e quando perguntamos quanto é que ia gastar de passagem, ia dar mil setecentos e cinquenta reais. Aí a história já não fechou, disse a Maximiliane, que é a Fernanda, a outra PRF, chamou ela para descer, e fomos fiscalizar a mala dela. E aí, no olhar mais minucioso ali, porque só tinha tapete dentro das duas malas, aquele tapete da Bolívia, do Paraguai, é um olhar mais minucioso, e a gente viu que a parede da mala era mais grossa que o normal. E aí a gente fez uma rasura com um canivete ou com um chucho, e aí saiu a pasta base. Aí fizemos um testezinho lá com o scott, e confirmou que tinha cocaína. O senhor chegou a verificar a passagem, a itinerária, se ela é de Costa Marques, acho que é Goiânia, parece? O itinerário dela, ela disse que saiu de Costa Marques, mas o ônibus, ele só vem, então, ela é de Costa Marques até Pimenta Bueno ali, e ela teve que vir com outro ônibus, é o táxi, né? Aí ela pegou, acho que é o Aripuanã, São Paulo, o Aripuanã, Brasília, que ele passa lá e vai até Brasília, parando em Goiânia e ela ia levar até Goiânia. (...) Ela, quando foi encontrada entorpecente, ela admitiu que estava fazendo, que a droga era dela? Sim, senhor, na maior tranquilidade possível, admitiu que estava transportando, e sempre serena e tranquila, disse que ia ganhar os seis mil reais dela pra levar até Goiânia e depois, até em conversa lá com a Maximiliane, lá na revista, ela achara um documento de despacho internacional pro Japão, e ela falou pra Fernanda lá que era despacho de droga também, bem natural (...).” (Mídia sob Id. 192919613). Do Delito de Tráfico de Drogas: Denota-se que a acusada FABIANA em seu interrogatório prestado em juízo confessou a prática delitiva, admitindo que fazia o transporte interestadual de drogas para terceira pessoa. A ré informou que estava passando por dificuldades financeiras e, por isso, aceitou a proposta de levar os entorpecentes até Goiânia/GO. O Policial Rodoviário Federal Fernando, ouvido em juízo, relatou recordar da ocorrência policial em que abordaram um ônibus e, durante a revista das malas, o cão farejador sinalizou a presença de entorpecentes em uma delas. Após entrevista com a ré, que apresentou uma história desconexa, os agentes solicitaram que ela descesse do ônibus para que sua bagagem fosse revistada, momento em que localizaram os entorpecentes camuflados dentro das malas. Como se vê, a confissão livre e espontânea da ré FABIANA na fase judicial, aliada aos depoimentos dos policiais prestados em fase investigativa e judicial, corroborados com as demais provas colhidas, notadamente com a apreensão de exorbitante quantidade de droga, não deixam dúvidas quanto à autoria delitiva. EUGÊNIO PACCELI DE OLIVEIRA explica que a confissão do réu “constitui uma das modalidades de prova com maior efeito de convencimento judicial, embora, é claro, não possa ser recebida como valor absoluto. Prossegue advertindo que é necessário se confrontar o conteúdo da confissão com os demais elementos de prova” (p. 403) e que “deverá ser também contextualizada junto aos demais elementos probatórios, quando houver, diante do risco, sempre presente, sobretudo nos crimes societários, de autoacusação falsa, para proteger o verdadeiro autor” (p. 404). Denota-se, portanto, que a confissão judicial da acusada FABIANA, por presumir-se livre dos vícios de inteligência e vontade, tem valor probatório e serve como base à sua condenação, vez que guarda total harmonia com as demais provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A propósito vejamos os seguintes arestos: “A confissão judicial, por presumir-se livre dos vícios de inteligência e vontade, tem valor absoluto e serve como base à condenação, ainda que se constitua no único elemento incriminador, pois só perderá sua força se desmentida por veemente prova em contrário, como na hipótese de auto-acusação falsa" (RT 625/338). "Sem margem para divagações doutrinárias ou construções hermenêuticas, a confissão judicial constitui elemento seguríssimo de convicção. Apenas especialíssima e incomum circunstância que lhe evidencie a insinceridade justifica sua recusa" (JTACrimSP - Lex 93/239 - Des. Canguçu de Almeida). Assim, entendo que sobejam elementos para condenação da acusada FABIANA CRISTINA DOS SANTOS nas penas do art. 33, “caput”, da Lei n. 11.343/06. Da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso V, Lei 11.343/06: No que concerne à causa de aumento de pena disciplinada no art. 40, inciso V, da Lei de Tóxico, entendo que também merece aplicação no caso em apreço. A priori, insta consignar que a ré foi surpreendida na BR364-MT transportando a droga em ônibus de viagem interestadual, cuja linha tinha como destino Brasília/DF. Corroborando, a própria acusada FABIANA confessou o transporte interestadual da droga, explicando que pegou o material ilícito em Rondônia/RO e que levaria até a cidade de Goiânia/GO. Assim, considerando que as circunstâncias do fato revelam que houve a apreensão da droga dentro do ônibus de viagem já na BR-364 em Mato Grosso com destino a Brasília/DF e a própria confissão da ré na fase judicial, de que pegou a droga em Rondônia/RO para transportar até Goiânia/GO, resta, pois, suficientemente demonstrado o tráfico interestadual, de modo que à aplicação da causa de aumento de pena disciplinada pelo art. 40, inciso V, da Lei de Drogas, soa como medida impositiva. Da causa de aumento disposta no art. 40, inciso III, da Lei 11.343/06: A causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III da Lei 11.343/06 foi imputada a ré por estar utilizando transporte público - ônibus de viagem – para transportar a droga. Registre-se que este Magistrado seguia o posicionamento de que a mera utilização do transporte coletivo público bastaria para caracterizar a causa de aumento previsto no inciso III, do art. 40 da Lei de Tóxicos, não sendo necessário que o agente fosse flagrado comercializando entorpecente no interior do ônibus. Ocorre, no entanto, que para estas circunstâncias, encontra-se sedimentada na atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que “a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior” [STF. 1ª Turma. HC 122258-MS. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/08/2014] [STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.295786-MS, Rel. Regina Helena Costa, julgado em 18/6/2014 (info 543)]. Aliás, o nosso Egrégio Tribunal de Justiça também tem se posicionado neste sentido: “E M E N T A: RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – RECURSO DEFENSIVO – 1. (...) – 4. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO RELATIVAÀ UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO – VIABILIDADE DA PRETENSÃO – ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DE QUE A ALUDIDA MAJORANTE SÓ DEVE INCIDIR NOS CASOS EM QUE RESTE EVIDENCIADO QUE O AGENTE TENHA, EFETIVAMENTE, UTILIZADO O TRANSPORTE PÚBLICO PARA A DISSEMINAÇÃO DE DROGAS, CONSUBSTANCIADA NO OFERECIMENTO DO ALUCINÓGENO AOS USUÁRIOS – 5. (...) – 7. PARCIALPROVIMENTO DO RECURSO. 1. (...) 4. À luz dos julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a majorante descrita no art. 40, III da Lei n. 11343/06 só deve incidir nos casos em que reste evidenciado que o acusado tenha, efetivamente, utilizado o transporte público para a disseminação de drogas, consubstanciada no oferecimento da substância aos usuários. (Ap 62810/2014, DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 03/09/2014, Publicado no DJE 15/09/2014) (grifei) Conclui-se, dessa forma, que para incidir a majorante em comento, deve, necessariamente, restar evidenciado que o agente tenha efetivamente utilizado o transporte público para disseminação de drogas, consubstanciado no oferecimento da substância entre os passageiros. No caso dos autos, não há sequer informações que os passageiros tivessem conhecimento do entorpecente que a acusada FABIANA transportava, de maneira a acreditar que se destinava aos ocupantes do ônibus de viagem. A denunciada quando confessou a prática delitiva na fase judicial, admitiu que apenas utilizou o transporte público para levar o entorpecente para o estado de Goiás. Como se vê, as provas carreadas nos autos demonstram, pois, que o transporte público foi utilizado unicamente para transportar a droga e não dissemina-la entre os passageiros. Assim, à luz dos julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que passou a sedimentar o entendimento que a simples utilização do transporte público para o carregamento da droga não induz à aplicação da majorante prevista no inciso III, do art. 40, da Lei 11.343/06, revejo posicionamento anterior, para deixar de aplicar referida majorante, em situações que não resta caracterizada a mercancia do entorpecente no interior de transporte público. ISTO POSTO e por tudo mais que dos autos consta, com as fundamentações necessárias, nos moldes do art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA e CONDENO a denunciada FABIANA CRISTINA DOS SANTOS, brasileira, solteira, desempregada, natural de São Paulo/SP, nascida em 03/11/1981, filha de Maria de Lourdes dos Santos, portadora do RG n°. 0916446077, inscrita no CPF sob o nº. 005.851.955-60, residente e domiciliada à Rua 21, nº8, bairro Rio Corrente, em Petrolina/PE, telefone: (74) 8836-3116, nas sanções do art. 33, “caput” c/c art. 40, inciso V, ambos da Lei n. 11.343/06. Dosimetria do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06: Primeira fase: De acordo com o artigo 68 do Código Penal, a aplicação da pena ocorre em três fases. Na primeira delas, deve o Magistrado avaliar as circunstâncias judiciais trazidas no artigo 59, do mesmo codex (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e consequências do crime; e o comportamento da vítima) e fixar a pena-base, a qual, por sua vez, servirá de marco inicial para a próxima fase da dosimetria. Observando, pois, com estrita fidelidade, as regras do art. 42 da Lei nº 11.343/06, que impõe ao Juiz levar em consideração, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade de droga, na fixação da pena base, in casu, se justifica uma majoração da pena. Na hipótese, foram apreendidas 5.250 kg (cinco quilogramas e duzentos e cinquenta gramas) de COCAÍNA, o que demonstra o dolo intenso da condenada e justifica a exasperação da pena acima do mínimo legal. A esse respeito é como se posiciona os Tribunais Superiores: “A natureza e a quantidade da droga foram erigidas à condição de circunstâncias autônomas e preponderantes pelo art. 42 da Lei n. 11.343/06” (TRF, 4ª R., Ap. Crim. 2007.70.02.010117-7/PR, 8ª T., rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, j. 1º-10-2008) – extraído da obra: “TÓXICOS Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 NOVA LEI DE DROGAS ANOTADA E INTERPRETADA” – 7ª Ed. – Renato Marcão, p. 293. “Ao fixar a pena nos limites mínimo e máximo do tipo do tráfico, pode o juiz majorar a pena a partir da quantidade de droga apreendida” (STF, RHC 105700-MG, 1.ª T., rel. Cármen Lúcia, 12.04.2011) – extraído da obra: “LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS” – V. 1 – 7ª Ed. - Guilherme de Souza Nucci, p. 350. “HABEAS CORPUS. ART. 10, §2º, DA LEI N. 9.437/97. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) 1. Em se tratando de crime de tráfico de drogas, como ocorre na espécie, na fixação da pena, deve-se considerar, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do CP, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, a personalidade e a conduta social do agente, consoante o disposto no art. 42 da Lei 11.343/06. 2. (...) 3 (...) Verificando que o juiz sentenciante levou em consideração a natureza e a elevada quantidade de drogas apreendidas, não há que se falar em constrangimento ilegal quando a sanção básica foi fixada um pouco acima do mínimo legalmente previsto, vez que apontou fundamentos concretos que justificam uma maior reprimenda (...)” (STJ – HC 144.862/BA – Relator: Ministro Jorge Mussi – Órgão Julgador: Quinta Turma – Julgamento: 16/12/2010). Quanto a culpabilidade, tem-se, que nesta etapa, deve-se abordar o menor ou maior índice de reprovabilidade do agente, não só em razão de suas condições pessoais, mas também levando-se em consideração a situação em que o fato delituoso ocorreu. Após um estudo detalhado dos autos, entendo que a conduta da condenada não deve ser tida com grande reprovabilidade, sendo, pois, normal, à espécie. No que tange aos antecedentes criminais, in casu, tais circunstâncias não têm o condão de majorar a pena-base. De ressaltar que a condenada não responde outros processos ou inquéritos policiais em andamento, tendo sido um fato isolado em sua vida (Id. 195276436 e 195348443). Acerca da conduta social e personalidade do agente, não há elementos e respaldo técnico apto a lastrear consideração em prejuízo da condenada. As demais circunstâncias judiciais (motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima), são peculiares ao delito em comento e nada influenciou para prática do crime em apreço, por isso, DEIXO de pronunciar a respeito. Diante desses fatos, FIXO a pena-base em 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão e em 650 (quinhentos) dias-multa. Segunda Fase: Verifico que a condenada confessou espontaneamente o delito, o que justifica a aplicação da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal e Súmula 545, STJ. Por esta razão, REDUZO a pena em 01 (um) ano e 100 (cem) dias-multas e por não vislumbrar circunstâncias agravantes a serem consideradas, FIXO a pena nesta fase intermediária em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa. Terceira fase: Concernente ao redutor do §4º, do art. 33, da Lei n.º 11.343/06, a condenada faz jus a essa benesse, já que primária, de bons antecedentes e não integra organização criminosa, assim como não se dedica às atividades criminosas, tendo sido um fato isolado em sua vida. Por outro lado, o enquadramento na condição de “mula”, como reiteradamente tem decidido o Superior Tribunal de Justiça e nosso egrégio Tribunal de Justiça, serve como circunstância concreta para modular a fração da causa especial de diminuição de pena no tráfico privilegiado. Isso acontece não pelo fato da expressiva quantidade de entorpecente apreendida (5.250kg de COCAINA), até porque no caso destes autos já foi utilizada na primeira fase da dosimetria para aumentar a pena basilar, mas sim porque a conduta de se colocar à disposição para ser cooptada pelo submundo do tráfico de drogas se reveste de maior gravidade, permitindo a aplicação da minorante do tráfico privilegiado em fração diversa, senão vejamos: “(...) 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a condição de “mula” não justifica, por si só, o afastamento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, mas autoriza a sua aplicação em 1/6, tendo em vista que, mesmo como transportador, o acusado se deixou cooptar pelo tráfico, motivo pelo qual, reconhecida a ocorrência de manifesta ilegalidade, a pena foi redimensionada. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ - AgRg no HC n. 765.614/AC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 30/3/2023.) (grifei). “(...) “O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que “a simples atuação do agente como ‘mula’, por si só, não induz que integre organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento, estável e permanente, com o grupo criminoso, a autorizar a redução da pena em sua totalidade. Contudo, embora o desempenho dessa função não seja suficiente para denotar que o agravante faça parte de organização criminosa, tal fato constitui circunstância concreta para ser valorada na definição do índice de redução pelo tráfico privilegiado, uma vez se reveste de maior gravidade” (AgRg no AREsp 1.534.326/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/9/2019, DJe 24/9/2019)” em (AgRg no HC n. 729.729/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/3/2023, DJe de 30/3/2023)”. (N.U 0005120-62.2019.8.11.0006, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, PAULO DA CUNHA, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 05/10/2023, Publicado no DJE 11/10/2023) – destaquei. Assim sendo, REDUZO a pena na fração de 1/6 (um sexto) e FIXO a pena nesta fase em 04 (cinco) anos e 07 (sete) meses de reclusão e 455 (quatrocentos e cinquenta e cinco) dias-multa. Lado outro, existe a causa de aumento de pena disposta no art. 40, inciso V, da Lei de Drogas, o que me faz AGRAVAR em 1/6 (um sexto) a pena anteriormente fixada, resultando em uma pena definitiva de 05 (cinco) anos, 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e 530 (quinhentos e trinta) dias-multa. Por essa razão, TORNO A PENA CONCRETA E DEFINITIVA em desfavor de FABIANA CRISTINA DOS SANTOS, brasileira, solteira, desempregada, natural de São Paulo/SP, nascida em 03/11/1981, filha de Maria de Lourdes dos Santos, portadora do RG n°. 0916446077, inscrita no CPF sob o nº. 005.851.955-60, residente e domiciliada à Rua 21, nº. 8, bairro Rio Corrente, em Petrolina/PE, telefone: (74) 8836-3116, no patamar de 05 (cinco) anos, 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de reclusão. Levado pelos mesmos critérios, APLICO a pena de multa em 530 (quinhentos e trinta) dias, que atento ao art. 60, caput, do Código Penal e ponderando a situação socioeconômica da ré, fixo valor do dia-multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos. A despeito do que dispõe a nova Súmula Vinculante n. 59 do Supremo Tribunal Federal[1], diante do quantum da pena fixado e por NÃO estarem preenchidos os requisitos do art. 33, §2º, alínea “c” e art. 44, ambos do Código Penal, INDEFIRO a substituição de pena por medidas restritivas e FIXO o regime prisional de início no SEMIABERTO. Considerando que a condenada deverá cumprir sua pena no regime semiaberto e considerando que responde o processo em liberdade, PERMITO-LHE o direito de aguardar em liberdade o processo e julgamento de eventual recurso. Por se tratar de processo que o regime inicial foi fixado no semiaberto e a condenada aguardará em liberdade o julgamento de eventual recurso, nos termos do art. 8ª da Resolução n. 113/2010 do CNJ, DEIXO de determinar a expedição de Guia de Execução Provisória. Com relação aos entorpecentes apreendidos, DEIXO de deliberar a respeito, porquanto já foram incinerados (Id. 123849554). DETERMINO a destruição dos tickets apreendidos (Id. 114142723, fls. 30/31 – Item 01, 02, 03 e 04). Nos termos da jurisprudência dominante no âmbito da Corte Superior de Justiça, "em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado, sem que haja qualquer empecilho ao início do prazo recursal e a posterior certificação do trânsito em julgado". (STJ - AgRg nos EDcl no HC n. 680.575/SC, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021 - AgRg no HC n. 681.999/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 3/5/2022). Por isso e também com supedâneo no art. 369, §2º, inciso II, da CNGC – Foro Judicial, DETERMINO que se intimem da sentença o Ministério Público e a Defensoria Pública. Certificado o trânsito em julgado: 1) Proceda-se o recolhimento do valor atribuído a título de pena de multa em conformidade com os artigos 50 do CP e 686 do CPP; 2) Oficie-se ao Cartório Distribuidor Local; 3) Oficie-se ao Instituto de Identificação Estadual e Federal; 4) Oficie-se ao TRE/MT; 5) Expeça-se Guia de Execução Penal Definitiva, encaminhando-a ao Juízo Competente. Nos termos do art. 804 do CPP, CONDENO a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, não cobráveis no momento, na forma do art. 98, §3º, do Novo Código de Processo Civil. P.R.I.C. Cuiabá/MT, data e hora do sistema. Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto JUIZ DE DIREITO (documento assinado digitalmente) [1] "É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, alínea c, e do art. 44, ambos do Código Penal"
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear