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Processo nº 1034097-88.2021.8.11.0002

ID: 298143065

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1034097-88.2021.8.11.0002

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1034097-88.2021.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Competência, Efeitos, Reajuste contratual, Pla… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1034097-88.2021.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Competência, Efeitos, Reajuste contratual, Planos de saúde] Relator: Des(a). MARCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [M. G. D. S. - CPF: 064.222.671-77 (APELADO), JOSE SAMUEL DE SOUZA SAMPAIO - CPF: 054.991.584-28 (ADVOGADO), GILVAN LUCAS DA SILVA - CPF: 022.791.071-04 (APELADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), GILVAN LUCAS DA SILVA - CPF: 022.791.071-04 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. REGIME DE COPARTICIPAÇÃO. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA BENEFICIÁRIO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL. LIMITAÇÃO DA COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: 1. Recurso de apelação interposto por operadora de plano de saúde contra sentença que declarou a inexigibilidade de valor cobrado a título de coparticipação, limitando-o a duas vezes o valor da mensalidade, além de condená-la ao pagamento de danos morais e honorários. II. Questão em discussão: 2. As questões centrais em debate são: (i) a validade da cláusula de coparticipação em plano de saúde frente à abusividade na cobrança; (ii) a possibilidade de limitação judicial da coparticipação quando o valor inviabiliza o tratamento de menor com TEA; (iii) a caracterização de dano moral na cobrança excessiva e sua quantificação; (iv) a inadmissibilidade de cobrança de saldo remanescente em faturas futuras. III. Razões de decidir: 3. A cláusula de coparticipação, quando expressamente ajustada e comunicada de forma clara ao consumidor, é legítima e encontra respaldo na Lei nº 9.656/98, art. 16, VIII, bem como na jurisprudência consolidada do STJ (Tema 1032). 4. A limitação da cobrança de coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade contratada é medida razoável, amplamente aceita pela jurisprudência, para garantir o acesso aos serviços sem comprometer o equilíbrio atuarial do contrato. 5. No caso, a cobrança de R$ 32.266,70 a título de coparticipação, diante de uma mensalidade de cerca de R$ 400,00, revela desproporcionalidade manifesta e inviabiliza o acesso à saúde. 6. A cobrança de quantia desproporcional à capacidade econômica da família, como condição para continuidade de tratamento essencial, configura violação à dignidade do beneficiário, ensejando reparação por danos morais. 7. Não há respaldo para a diluição do saldo remanescente nas mensalidades subsequentes, uma vez que tal medida implicaria desvirtuamento do regime de coparticipação e poderia inviabilizar o tratamento regular. IV. Dispositivo e tese: 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A cláusula de coparticipação em plano de saúde, ainda que válida, deve observar fator de moderação que assegure o acesso ininterrupto ao tratamento de Transtorno do Espectro Autista, limitando-se a cobrança a até duas vezes o valor da mensalidade. 2. É indevida a cobrança de saldo remanescente da coparticipação que exceda esse limite, ainda que parcelada. 3. A exigência de valores desproporcionais para continuidade de tratamento essencial justifica a condenação por danos morais." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 6º, 196 e 227; CDC, arts. 6º, I e IV; L. nº 9.656/1998, art. 16, VIII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.085.472/MT, Rel. Min. Raul Araújo, j. 20.11.2023; STJ, REsp 1.566.062/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 01.07.2016; TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, j. 26.04.2023. R E L A T Ó R I O Cuida-se de Recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto pela UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Várzea Grande/MT, que nos autos da “ação declaratória de inexistência de débito c/c reconhecimento da inaplicabilidade da coparticipação com pedido de tutela antecipada” (Proc. nº 1034097-88.2021.8.11.0002), ajuizada contra a apelante por M. G. D. S. menor, neste ato representado por seu genitor GILVAN LUCAS DA SILVA, julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais para “declarar a inexigibilidade do valor de R$ 32.266,70, referente à coparticipação cobrada pela Unimed Cuiabá, limitando-se a coparticipação ao teto de duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde contratado, conforme entendimento do TJMT e parecer do Ministério Público”, bem como danos morais no importe de R$10.000,00 (dez mil reais), custas e honorários advocatícios no percentual de 15% sobre o valor atualizado da condenação (cf. Id. nº 258247207). Inconformada, a UNIMED interpôs o presente recurso, sustentando, em 32 (trinta e duas) páginas, a legalidade e a razoabilidade da cláusula contratual de coparticipação, a qual estaria expressamente prevista no instrumento contratual, em conformidade com a Lei n.º 9.656/98 e regulamentações da ANS. Defende que a cobrança, mesmo elevada, resulta de uso intensivo dos serviços médicos e não ultrapassa os percentuais autorizados pela jurisprudência e pela regulação federal, não configurando, pois, cláusula abusiva. Alega que o contrato foi celebrado livremente, sob regime de coparticipação, e que eventual restrição ao número de sessões ou ao valor da coparticipação comprometeria o equilíbrio atuarial do plano, além de representar indevida intervenção estatal na livre iniciativa, ferindo os princípios da função social do contrato, do mutualismo e da proporcionalidade. Argumenta ainda que a sentença não considerou as implicações econômicas decorrentes da limitação judicial imposta, que afetam diretamente a sustentabilidade do plano de saúde diante da necessidade de rateio equitativo de riscos entre os beneficiários. Defende que, em casos como o presente, a escolha por profissionais não credenciados ou por tratamentos com valores elevados onera demasiadamente a operadora, devendo a coparticipação refletir fielmente o custo real do atendimento. Pede, então, o provimento do recurso para que, reformada a sentença, seja julgado improcedente a demanda ou, alternativamente, que sejam prestados esclarecimentos quanto ao saldo remanescente dos valores de coparticipação e a possibilidade de cobrança (cf. Id. nº 223630737). Devidamente intimado, o apelado deixou de apresentar contrarrazões no prazo legal (cf. Id. nº 271820358). A d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou pelo desprovimento do recurso (Cf. Id. nº 279547861). É o relatório. Cuiabá, data registrada no sistema. MARCIO APARECIDO GUEDES Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Como relatado, a controvérsia central posta nos autos diz respeito à legalidade da cobrança, por operadora de plano de saúde, de valores vultuosos a título de coparticipação sobre tratamento multidisciplinar prestado a menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), previamente autorizado por ordem judicial em demanda diversa, bem como à possibilidade de limitação judicial dessa coparticipação com fundamento na vedação de cláusulas abusivas e na proteção da dignidade do beneficiário, especialmente quando em situação de hipervulnerabilidade. Sobre o tema, é certo que a cláusula de coparticipação, em si mesma, não é vedada no ordenamento jurídico e encontra previsão na Lei nº 9.656/98, bem como nas resoluções normativas da ANS. Contudo, essa possibilidade não pode ser interpretada de forma isolada, alheia ao conteúdo e finalidade essencial do contrato de assistência à saúde, tampouco em desconformidade com a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana. A jurisprudência desta Colenda Corte é firme em reconhecer que, ainda que válida a previsão de coparticipação, a cobrança de valores que inviabilizem o acesso à saúde, especialmente em terapias necessárias ao tratamento de TEA, configura cláusula abusiva e deve ser limitada judicialmente. A propósito: “OBRIGAÇÃO DE FAZER –– TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL - DEVER DE COBERTURA – CO-PARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, nas sessões de terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2(duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido.” (TJMT, RAC: 1000147-03.2022.8.11.0019, Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Alves Da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023 - destaquei) Destaco que o referido precedente foi confirmado pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP n. 2.085.472/MT, in verbis: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. COPARTICIPAÇÃO. RESTRIÇÃO DE ACESSO À SAÚDE. VEDAÇÃO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. No caso, o Tribunal de origem entendeu que o percentual de coparticipação, adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), indubitavelmente, inviabilizaria a continuidade da terapêutica, constituindo, assim, um fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. 2. Esta Corte de Justiça pacificou o entendimento de que não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, desde que não inviabilize o acesso à saúde. Incidência da Súmula 83/STJ. 3. À luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetem, de maneira significativa, a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fonoaudiológicos e hospitalares, prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes, como é o caso dos autos. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp n. 2.085.472/MT, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 23/11/2023 - destaquei.) Logo, a jurisprudência do STJ evoluiu para reconhecer que, mesmo diante da autonomia contratual e do regime de mutualismo, não se pode admitir que cláusulas de coparticipação assumam caráter punitivo ou excludente do tratamento, ferindo a equidade e a boa-fé objetiva. Esse entendimento se reforça quando o beneficiário do plano é criança em tratamento multidisciplinar contínuo, cuja interrupção pode gerar danos irreversíveis ao desenvolvimento cognitivo e funcional, o que atrai a incidência dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, conforme o art. 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Deve-se considerar, ainda, que o tratamento de TEA envolve sessões recorrentes e simultâneas de diversas especialidades (fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras), de modo que a cobrança de coparticipação individualizada por sessão gera, na prática, um custo mensal impagável, transformando o plano de saúde em mera figura simbólica, sem efetividade assistencial, o que se verifica no caso dos autos. Segundo consta na exordial, a mensalidade regular prevista no contrato firmado entre as partes gira em média de R$ 400,00 (quatrocentos reais), conforme composição de pagamento acostado no Id. n° 258231193. Em razão da ausência de prestadores de serviços conveniados, nos autos de n° 1014693-22.2019.8.11.0002, foi deferido a antecipação de tutela em favor do menor diagnosticado com características compatíveis com o Transtorno do Espectro do Autismo da CID-10 (F-84 e F90), grau moderado, para tratamentos multidisciplinares necessários (cf. Id. n° 258231195), cujo acompanhamento contínuo e frequente é essencial para garantir o adequado desenvolvimento cognitivo, comunicacional e funcional do paciente. Sucede que, no mês 09/2021, após o cumprimento da liminar da referida demanda, a operadora realizou cobrança da fatura no expressivo valor de R$ 32.266,70 (trinta e dois mil, duzentos e sessenta e seis reais, e setenta centavos), com vencimento em 07/09/2021 (cf. Id. 258231196), a título de coparticipação. Com razão, portanto, a sentença ao estabelecer como limite de coparticipação o teto de duas vezes o valor da mensalidade, em consonância com precedentes do TJMT e do STJ, viabilizando, deste modo, o tratamento do menor/apelado, sem impor ônus desarrazoado à operadora de plano de saúde/apelante, mantendo-se, consequentemente, o equilíbrio contratual. Nesse sentido: EMENTA: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS – AUTISMO – PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – SUSPENSÃO OU LIMITAÇÃO DAS COBRANÇAS DE COPARTICIPAÇÃO – NECESSIDADE DO TRATAMENTO ATESTADA - COPARTICIPAÇÃO – PREVISÃO CONTRATUAL – LEGALIDADE DA COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇÃO – 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Por força da Resolução Normativa/ANS nº 469 de 09/07/2021, que alterou a RN nº 465/2021, as sessões de psicologia, terapia ocupacional e fonoaudiologia devem ser fornecidas em número ilimitado aos portadores de autismo. “(...) Em que pese não seja abusiva a cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, em relação às terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 (duas) mensalidades do paciente” (TJMT - Primeira Câmara de Direito Privado – Rel. Desa. NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, N.U 1029202-22.2023.8.11.0000, Julgado em 25/06/2024, Publicado no DJE 28/06/2024). EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RECONHECIMENTO DA INAPLICABILIDADE DA COPARTICIPAÇÃO SEGUNDO A RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 469 ANS DE 09/07/2021 E ART. 2º, VII DA RN CONSU N° 08 DE 3/11/1998 – PROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – HOME CARE - COPARTICIPAÇÃO – POSSIBILIDADE – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em nulidade da sentença, por falta de fundamentação, uma vez que a magistrada singular expôs e fundamentou de forma detalhada as razões para julgar procedente o pedido autoral. A colenda Corte do STJ já pacificou o entendimento quanto à licitude da cobrança de coparticipação quando livremente pactuada entre as partes, através do recurso repetitivo que deu origem ao TEMA 1032, porém, os valores cobrados a título de coparticipação (participação nas despesas médicas), não devem ultrapassar em duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde contratado, uma vez que a cobrança em até duas vezes o valor da mensalidade equipara o valor da mensalidade cobrada pela requerida na modalidade tradicional, ou seja, se o pagamento da mensalidade na modalidade tradicional cobre todos os procedimentos ofertados pela requerida/apelante, o valor do plano com coparticipação, cobrado em duas vezes o valor da mensalidade do plano contratado, beneficia o paciente que necessita do tratamento e possibilita o acesso as terapias para o seu desenvolvimento. (TJMT - Segunda Câmara de Direito Privado - Rela. Desa. MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS - RAC 1003333-35.2022.8.11.0051 – j. 18/10/2023 - DJE 20/10/2023) ” (destaquei). EMENTA: OBRIGAÇÃO DE FAZER – TRATAMENTO ESPECIALIZADO DE ATENÇÃO DOMICILIAR POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL (HOME CARE) - DEVER DE COBERTURA – COPARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de coparticipação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido. (TJMT – Terceira Câmara de Direito Privado - Rel. Des. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA - RAC 1013090-06.2022.8.11.0002 – j. 30/08/2023 - DJE 02/09/2023)” (destaquei). Outrossim, a condenação em danos morais no importe de R$ 10.000,00 também deve ser mantida. A cobrança de valores incompatíveis com a capacidade econômica da família, que superam quase 8.000% do valor da mensalidade habitual, exigida como condição para continuidade de tratamento essencial ao desenvolvimento do menor, extrapola os meros aborrecimentos do cotidiano, gerando angústia, insegurança e violação de direitos fundamentais, o que justifica a reparação. Sobre o pedido alternativo, a apelante pleiteia que, caso seja mantida a restrição da coparticipação ao dobro da mensalidade do plano contratado, lhe seja facultada a possibilidade de cobrar o saldo remanescente nas faturas subsequentes, até a completa liquidação do débito. Entretanto, essa alternativa não se revela viável, pois destoa do próprio propósito da limitação imposta pela decisão judicial, que visa evitar um ônus financeiro excessivo ao consumidor e assegurar a continuidade do tratamento sem impedimentos de ordem econômica. Desse modo, considerando que a limitação de cobrança em duas vezes o valor da mensalidade se mostra suficiente para assegurar o equilíbrio contratual, não há que se falar em legitimidade da cobrança de valor remanescente e/ou residual nas faturas futuras subsequentes. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – IMPOSSIBILIDADE DE DILUIÇÃO DE SALDO REMANESCENTE – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADA AUSÊNCIA DE VÍCIOS DO ART. 1022 DO CPC – RECURSO DESPROVIDO.Conforme o art. 1.022 do CPC, os embargos de declaração têm a finalidade de suprimir do julgado eventual omissão, contradição ou obscuridade, além de possibilitar a correção de erro material, não se destinando a sanar eventual inconformismo, tampouco o reexame de matéria já decidida. (N.U 1008303-11.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024) RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA – LIMITAÇÃO DA COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO EM DUAS (02) MENSALIDADES – VIABILIDADE - COBRANÇA EXORBITANTE QUE ONERA E RESTRINGE O ACESSO AO TRATAMENTO DE SAÚDE – DEFINIÇÃO ACERCA DA COBRANÇA DE SUPOSTO VALOR RESIDUAL – DESNECESSIDADE – SALDO REMANESCENTE INEXISTENTE – OMISSÃO SANADA – RECURSO PROVIDO, SEM EFEITOS INFRINGENTES. Na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Sodalício, deve ser considerada indevida a cobrança de quantia exorbitante e que onere demasiadamente o consumidor a ponto de restringir o acesso ao tratamento de saúde. Não há que se falar em cobrança de saldo residual, decorrente do custo que extrapola o pagamento da coparticipação, na medida em que, nos termos da fundamentação consignada no voto embargado, a limitação da cobrança da coparticipação em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, mostra-se suficiente para assegurar o equilíbrio atuarial, por ser, praticamente, o mesmo de planos sem coparticipação, o que, por conseguinte, afasta a legitimidade de qualquer cobrança excedente. (N.U 1002338-10.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/05/2024, Publicado no DJE 11/05/2024) Por fim, não há falar em necessidade de modulação da decisão com base nos artigos 21 a 24 da LINDB, pois não se trata de inovação ou alteração jurisprudencial abrupta, mas de aplicação reiterada da jurisprudência dominante sobre cláusulas abusivas e proteção do consumidor em contratos de plano de saúde. Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a r. sentença recorrida. Custas pela apelante. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025

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Processo nº 1034097-88.2021.8.11.0002

ID: 298143071

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1034097-88.2021.8.11.0002

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

M. G. D. S.

Acórdão

Advogados:

JOSE SAMUEL DE SOUZA SAMPAIO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1034097-88.2021.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Competência, Efeitos, Reajuste contratual, Pla… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1034097-88.2021.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Competência, Efeitos, Reajuste contratual, Planos de saúde] Relator: Des(a). MARCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [M. G. D. S. - CPF: 064.222.671-77 (APELADO), JOSE SAMUEL DE SOUZA SAMPAIO - CPF: 054.991.584-28 (ADVOGADO), GILVAN LUCAS DA SILVA - CPF: 022.791.071-04 (APELADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), GILVAN LUCAS DA SILVA - CPF: 022.791.071-04 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. REGIME DE COPARTICIPAÇÃO. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA BENEFICIÁRIO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL. LIMITAÇÃO DA COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: 1. Recurso de apelação interposto por operadora de plano de saúde contra sentença que declarou a inexigibilidade de valor cobrado a título de coparticipação, limitando-o a duas vezes o valor da mensalidade, além de condená-la ao pagamento de danos morais e honorários. II. Questão em discussão: 2. As questões centrais em debate são: (i) a validade da cláusula de coparticipação em plano de saúde frente à abusividade na cobrança; (ii) a possibilidade de limitação judicial da coparticipação quando o valor inviabiliza o tratamento de menor com TEA; (iii) a caracterização de dano moral na cobrança excessiva e sua quantificação; (iv) a inadmissibilidade de cobrança de saldo remanescente em faturas futuras. III. Razões de decidir: 3. A cláusula de coparticipação, quando expressamente ajustada e comunicada de forma clara ao consumidor, é legítima e encontra respaldo na Lei nº 9.656/98, art. 16, VIII, bem como na jurisprudência consolidada do STJ (Tema 1032). 4. A limitação da cobrança de coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade contratada é medida razoável, amplamente aceita pela jurisprudência, para garantir o acesso aos serviços sem comprometer o equilíbrio atuarial do contrato. 5. No caso, a cobrança de R$ 32.266,70 a título de coparticipação, diante de uma mensalidade de cerca de R$ 400,00, revela desproporcionalidade manifesta e inviabiliza o acesso à saúde. 6. A cobrança de quantia desproporcional à capacidade econômica da família, como condição para continuidade de tratamento essencial, configura violação à dignidade do beneficiário, ensejando reparação por danos morais. 7. Não há respaldo para a diluição do saldo remanescente nas mensalidades subsequentes, uma vez que tal medida implicaria desvirtuamento do regime de coparticipação e poderia inviabilizar o tratamento regular. IV. Dispositivo e tese: 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A cláusula de coparticipação em plano de saúde, ainda que válida, deve observar fator de moderação que assegure o acesso ininterrupto ao tratamento de Transtorno do Espectro Autista, limitando-se a cobrança a até duas vezes o valor da mensalidade. 2. É indevida a cobrança de saldo remanescente da coparticipação que exceda esse limite, ainda que parcelada. 3. A exigência de valores desproporcionais para continuidade de tratamento essencial justifica a condenação por danos morais." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 6º, 196 e 227; CDC, arts. 6º, I e IV; L. nº 9.656/1998, art. 16, VIII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.085.472/MT, Rel. Min. Raul Araújo, j. 20.11.2023; STJ, REsp 1.566.062/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 01.07.2016; TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, j. 26.04.2023. R E L A T Ó R I O Cuida-se de Recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto pela UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Várzea Grande/MT, que nos autos da “ação declaratória de inexistência de débito c/c reconhecimento da inaplicabilidade da coparticipação com pedido de tutela antecipada” (Proc. nº 1034097-88.2021.8.11.0002), ajuizada contra a apelante por M. G. D. S. menor, neste ato representado por seu genitor GILVAN LUCAS DA SILVA, julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais para “declarar a inexigibilidade do valor de R$ 32.266,70, referente à coparticipação cobrada pela Unimed Cuiabá, limitando-se a coparticipação ao teto de duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde contratado, conforme entendimento do TJMT e parecer do Ministério Público”, bem como danos morais no importe de R$10.000,00 (dez mil reais), custas e honorários advocatícios no percentual de 15% sobre o valor atualizado da condenação (cf. Id. nº 258247207). Inconformada, a UNIMED interpôs o presente recurso, sustentando, em 32 (trinta e duas) páginas, a legalidade e a razoabilidade da cláusula contratual de coparticipação, a qual estaria expressamente prevista no instrumento contratual, em conformidade com a Lei n.º 9.656/98 e regulamentações da ANS. Defende que a cobrança, mesmo elevada, resulta de uso intensivo dos serviços médicos e não ultrapassa os percentuais autorizados pela jurisprudência e pela regulação federal, não configurando, pois, cláusula abusiva. Alega que o contrato foi celebrado livremente, sob regime de coparticipação, e que eventual restrição ao número de sessões ou ao valor da coparticipação comprometeria o equilíbrio atuarial do plano, além de representar indevida intervenção estatal na livre iniciativa, ferindo os princípios da função social do contrato, do mutualismo e da proporcionalidade. Argumenta ainda que a sentença não considerou as implicações econômicas decorrentes da limitação judicial imposta, que afetam diretamente a sustentabilidade do plano de saúde diante da necessidade de rateio equitativo de riscos entre os beneficiários. Defende que, em casos como o presente, a escolha por profissionais não credenciados ou por tratamentos com valores elevados onera demasiadamente a operadora, devendo a coparticipação refletir fielmente o custo real do atendimento. Pede, então, o provimento do recurso para que, reformada a sentença, seja julgado improcedente a demanda ou, alternativamente, que sejam prestados esclarecimentos quanto ao saldo remanescente dos valores de coparticipação e a possibilidade de cobrança (cf. Id. nº 223630737). Devidamente intimado, o apelado deixou de apresentar contrarrazões no prazo legal (cf. Id. nº 271820358). A d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou pelo desprovimento do recurso (Cf. Id. nº 279547861). É o relatório. Cuiabá, data registrada no sistema. MARCIO APARECIDO GUEDES Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Como relatado, a controvérsia central posta nos autos diz respeito à legalidade da cobrança, por operadora de plano de saúde, de valores vultuosos a título de coparticipação sobre tratamento multidisciplinar prestado a menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), previamente autorizado por ordem judicial em demanda diversa, bem como à possibilidade de limitação judicial dessa coparticipação com fundamento na vedação de cláusulas abusivas e na proteção da dignidade do beneficiário, especialmente quando em situação de hipervulnerabilidade. Sobre o tema, é certo que a cláusula de coparticipação, em si mesma, não é vedada no ordenamento jurídico e encontra previsão na Lei nº 9.656/98, bem como nas resoluções normativas da ANS. Contudo, essa possibilidade não pode ser interpretada de forma isolada, alheia ao conteúdo e finalidade essencial do contrato de assistência à saúde, tampouco em desconformidade com a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana. A jurisprudência desta Colenda Corte é firme em reconhecer que, ainda que válida a previsão de coparticipação, a cobrança de valores que inviabilizem o acesso à saúde, especialmente em terapias necessárias ao tratamento de TEA, configura cláusula abusiva e deve ser limitada judicialmente. A propósito: “OBRIGAÇÃO DE FAZER –– TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL - DEVER DE COBERTURA – CO-PARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, nas sessões de terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2(duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido.” (TJMT, RAC: 1000147-03.2022.8.11.0019, Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Alves Da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023 - destaquei) Destaco que o referido precedente foi confirmado pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP n. 2.085.472/MT, in verbis: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. COPARTICIPAÇÃO. RESTRIÇÃO DE ACESSO À SAÚDE. VEDAÇÃO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. No caso, o Tribunal de origem entendeu que o percentual de coparticipação, adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), indubitavelmente, inviabilizaria a continuidade da terapêutica, constituindo, assim, um fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. 2. Esta Corte de Justiça pacificou o entendimento de que não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, desde que não inviabilize o acesso à saúde. Incidência da Súmula 83/STJ. 3. À luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetem, de maneira significativa, a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fonoaudiológicos e hospitalares, prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes, como é o caso dos autos. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp n. 2.085.472/MT, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 23/11/2023 - destaquei.) Logo, a jurisprudência do STJ evoluiu para reconhecer que, mesmo diante da autonomia contratual e do regime de mutualismo, não se pode admitir que cláusulas de coparticipação assumam caráter punitivo ou excludente do tratamento, ferindo a equidade e a boa-fé objetiva. Esse entendimento se reforça quando o beneficiário do plano é criança em tratamento multidisciplinar contínuo, cuja interrupção pode gerar danos irreversíveis ao desenvolvimento cognitivo e funcional, o que atrai a incidência dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, conforme o art. 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Deve-se considerar, ainda, que o tratamento de TEA envolve sessões recorrentes e simultâneas de diversas especialidades (fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras), de modo que a cobrança de coparticipação individualizada por sessão gera, na prática, um custo mensal impagável, transformando o plano de saúde em mera figura simbólica, sem efetividade assistencial, o que se verifica no caso dos autos. Segundo consta na exordial, a mensalidade regular prevista no contrato firmado entre as partes gira em média de R$ 400,00 (quatrocentos reais), conforme composição de pagamento acostado no Id. n° 258231193. Em razão da ausência de prestadores de serviços conveniados, nos autos de n° 1014693-22.2019.8.11.0002, foi deferido a antecipação de tutela em favor do menor diagnosticado com características compatíveis com o Transtorno do Espectro do Autismo da CID-10 (F-84 e F90), grau moderado, para tratamentos multidisciplinares necessários (cf. Id. n° 258231195), cujo acompanhamento contínuo e frequente é essencial para garantir o adequado desenvolvimento cognitivo, comunicacional e funcional do paciente. Sucede que, no mês 09/2021, após o cumprimento da liminar da referida demanda, a operadora realizou cobrança da fatura no expressivo valor de R$ 32.266,70 (trinta e dois mil, duzentos e sessenta e seis reais, e setenta centavos), com vencimento em 07/09/2021 (cf. Id. 258231196), a título de coparticipação. Com razão, portanto, a sentença ao estabelecer como limite de coparticipação o teto de duas vezes o valor da mensalidade, em consonância com precedentes do TJMT e do STJ, viabilizando, deste modo, o tratamento do menor/apelado, sem impor ônus desarrazoado à operadora de plano de saúde/apelante, mantendo-se, consequentemente, o equilíbrio contratual. Nesse sentido: EMENTA: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS – AUTISMO – PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – SUSPENSÃO OU LIMITAÇÃO DAS COBRANÇAS DE COPARTICIPAÇÃO – NECESSIDADE DO TRATAMENTO ATESTADA - COPARTICIPAÇÃO – PREVISÃO CONTRATUAL – LEGALIDADE DA COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇÃO – 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Por força da Resolução Normativa/ANS nº 469 de 09/07/2021, que alterou a RN nº 465/2021, as sessões de psicologia, terapia ocupacional e fonoaudiologia devem ser fornecidas em número ilimitado aos portadores de autismo. “(...) Em que pese não seja abusiva a cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, em relação às terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 (duas) mensalidades do paciente” (TJMT - Primeira Câmara de Direito Privado – Rel. Desa. NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, N.U 1029202-22.2023.8.11.0000, Julgado em 25/06/2024, Publicado no DJE 28/06/2024). EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RECONHECIMENTO DA INAPLICABILIDADE DA COPARTICIPAÇÃO SEGUNDO A RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 469 ANS DE 09/07/2021 E ART. 2º, VII DA RN CONSU N° 08 DE 3/11/1998 – PROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – HOME CARE - COPARTICIPAÇÃO – POSSIBILIDADE – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em nulidade da sentença, por falta de fundamentação, uma vez que a magistrada singular expôs e fundamentou de forma detalhada as razões para julgar procedente o pedido autoral. A colenda Corte do STJ já pacificou o entendimento quanto à licitude da cobrança de coparticipação quando livremente pactuada entre as partes, através do recurso repetitivo que deu origem ao TEMA 1032, porém, os valores cobrados a título de coparticipação (participação nas despesas médicas), não devem ultrapassar em duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde contratado, uma vez que a cobrança em até duas vezes o valor da mensalidade equipara o valor da mensalidade cobrada pela requerida na modalidade tradicional, ou seja, se o pagamento da mensalidade na modalidade tradicional cobre todos os procedimentos ofertados pela requerida/apelante, o valor do plano com coparticipação, cobrado em duas vezes o valor da mensalidade do plano contratado, beneficia o paciente que necessita do tratamento e possibilita o acesso as terapias para o seu desenvolvimento. (TJMT - Segunda Câmara de Direito Privado - Rela. Desa. MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS - RAC 1003333-35.2022.8.11.0051 – j. 18/10/2023 - DJE 20/10/2023) ” (destaquei). EMENTA: OBRIGAÇÃO DE FAZER – TRATAMENTO ESPECIALIZADO DE ATENÇÃO DOMICILIAR POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL (HOME CARE) - DEVER DE COBERTURA – COPARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de coparticipação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido. (TJMT – Terceira Câmara de Direito Privado - Rel. Des. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA - RAC 1013090-06.2022.8.11.0002 – j. 30/08/2023 - DJE 02/09/2023)” (destaquei). Outrossim, a condenação em danos morais no importe de R$ 10.000,00 também deve ser mantida. A cobrança de valores incompatíveis com a capacidade econômica da família, que superam quase 8.000% do valor da mensalidade habitual, exigida como condição para continuidade de tratamento essencial ao desenvolvimento do menor, extrapola os meros aborrecimentos do cotidiano, gerando angústia, insegurança e violação de direitos fundamentais, o que justifica a reparação. Sobre o pedido alternativo, a apelante pleiteia que, caso seja mantida a restrição da coparticipação ao dobro da mensalidade do plano contratado, lhe seja facultada a possibilidade de cobrar o saldo remanescente nas faturas subsequentes, até a completa liquidação do débito. Entretanto, essa alternativa não se revela viável, pois destoa do próprio propósito da limitação imposta pela decisão judicial, que visa evitar um ônus financeiro excessivo ao consumidor e assegurar a continuidade do tratamento sem impedimentos de ordem econômica. Desse modo, considerando que a limitação de cobrança em duas vezes o valor da mensalidade se mostra suficiente para assegurar o equilíbrio contratual, não há que se falar em legitimidade da cobrança de valor remanescente e/ou residual nas faturas futuras subsequentes. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – IMPOSSIBILIDADE DE DILUIÇÃO DE SALDO REMANESCENTE – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADA AUSÊNCIA DE VÍCIOS DO ART. 1022 DO CPC – RECURSO DESPROVIDO.Conforme o art. 1.022 do CPC, os embargos de declaração têm a finalidade de suprimir do julgado eventual omissão, contradição ou obscuridade, além de possibilitar a correção de erro material, não se destinando a sanar eventual inconformismo, tampouco o reexame de matéria já decidida. (N.U 1008303-11.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 11/11/2024) RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA – LIMITAÇÃO DA COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO EM DUAS (02) MENSALIDADES – VIABILIDADE - COBRANÇA EXORBITANTE QUE ONERA E RESTRINGE O ACESSO AO TRATAMENTO DE SAÚDE – DEFINIÇÃO ACERCA DA COBRANÇA DE SUPOSTO VALOR RESIDUAL – DESNECESSIDADE – SALDO REMANESCENTE INEXISTENTE – OMISSÃO SANADA – RECURSO PROVIDO, SEM EFEITOS INFRINGENTES. Na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Sodalício, deve ser considerada indevida a cobrança de quantia exorbitante e que onere demasiadamente o consumidor a ponto de restringir o acesso ao tratamento de saúde. Não há que se falar em cobrança de saldo residual, decorrente do custo que extrapola o pagamento da coparticipação, na medida em que, nos termos da fundamentação consignada no voto embargado, a limitação da cobrança da coparticipação em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, mostra-se suficiente para assegurar o equilíbrio atuarial, por ser, praticamente, o mesmo de planos sem coparticipação, o que, por conseguinte, afasta a legitimidade de qualquer cobrança excedente. (N.U 1002338-10.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/05/2024, Publicado no DJE 11/05/2024) Por fim, não há falar em necessidade de modulação da decisão com base nos artigos 21 a 24 da LINDB, pois não se trata de inovação ou alteração jurisprudencial abrupta, mas de aplicação reiterada da jurisprudência dominante sobre cláusulas abusivas e proteção do consumidor em contratos de plano de saúde. Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a r. sentença recorrida. Custas pela apelante. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025

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Processo nº 1042498-22.2022.8.11.0041

ID: 312207032

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1042498-22.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 01/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

H. B. D. S. C.

Acórdão

Advogados:

JOSE SAMUEL DE SOUZA SAMPAIO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1042498-22.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenizaç… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1042498-22.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização por Dano Moral, Efeitos, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [H. B. D. S. C. - CPF: 099.983.171-26 (APELADO), JOSE SAMUEL DE SOUZA SAMPAIO - CPF: 054.991.584-28 (ADVOGADO), ANDREZA DA SILVA SANTOS - CPF: 051.333.931-05 (APELADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO - CPF: 713.876.681-53 (ADVOGADO), VINICIUS KENJI TANAKA - CPF: 398.159.268-96 (ADVOGADO), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), ANDREZA DA SILVA SANTOS - CPF: 051.333.931-05 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – PLANO DE SAÚDE – PRETENSÃO DE CUSTEIO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – COBRANÇA POSTERIOR DO REMANESCENTE – VIABILIDADE DE PARCELAMENTO TEMPORAL DO EXCEDENTE, SOB CONDIÇÕES – DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023) Admite-se a viabilidade do fracionamento temporal da quantia excedente à limitação mensal dos valores relativos à coparticipação, desde que (i) mantido o limite máximo de cobrança de até duas mensalidades por fatura; (ii) vedada a incidência de juros, multa ou encargos moratórios, enquanto adimplidas as parcelas; e (iii) garantida ao consumidor a informação clara, prévia e discriminada sobre os valores cobrados e o critério de diluição. A interpretação acolhida concilia o direito do consumidor à previsibilidade e acessibilidade do tratamento médico com o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento sem causa e assegurando a boa-fé objetiva. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta pela UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO visando modificar a sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível de Cuiabá que, nos autos da - Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Reconhecimento da Inaplicabilidade da Coparticipação n. 1042498-22.2022.8.11.0041, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por H. B. D. S. C, representado por sua genitora, ANDREZA DA SILVA SANTOS, nestes termos: “[...] Posto isso, com fulcro no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados nesta ação, a fim de cobrança da coparticipação seja limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade da parte autora, em respeito aos precedentes da Corte de Justiça de Mato Grosso. Diante da sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios, fixo em R$3.000,00, nos termos do que preceitua parágrafo 2º e 8º do art. 85 do CPC, no patamar de 50% para cada partes, sendo que em relação ao autor, fica suspensa a exigibilidade por ser beneficiário da justiça gratuita.” (Id. 268473837). Nas razões de Id. 268473854, a apelante aduz que o CDC deve ser aplicado subsidiariamente nas relações de consumo entre as mantenedoras dos planos de saúde e seus usuários, nos termos do Art. 35-G da Lei 9.656/98, devendo ser afastada a incidência da norma ao caso concreto. Salienta, em seguida, que o contrato de prestação de serviços de saúde do qual o autor é beneficiário prevê expressamente a cobrança de coparticipação, não havendo que se falar em custeio integral pela operadora ou em limitação à regra de distribuição do ônus financeiro contratual. Ressalta que a sentença limitou indevidamente a cobrança da coparticipação em até duas vezes o valor da mensalidade, contrariando a previsão contratual e a legislação aplicável. Assegura que a cobrança de coparticipação de 30% encontra respaldo no art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98, em normas da ANS, e em cláusulas contratuais expressas, não sendo abusiva. Ressalte que a sentença viola os princípios do pacta sunt servanda, da função social do contrato e da livre iniciativa, comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da operadora. Menciona que não há desequilíbrio originário, tampouco o superveniente, e a contratação não decorreu de vícios ou falhas de vontade, não se podendo admitir a incidência da intervenção estatal para modificação das cláusulas contratuais. Aponta que a sentença é omissa ao consignar que a cobrança da coparticipação é legal e limitar a cobrança ao valor de duas mensalidades, sem, porém, elucidar a possibilidade da cobrança do montante que excede o valor estipulado em mensalidades futuras até que seja quitado o débito total de coparticipação. Com isso, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido autoral, afastando a obrigação que lhe foi imposta. Sucessivamente, requer que lhe seja assegurado o direito de cobrar, de forma escalonada, o saldo remanescente dos valores de coparticipação nas faturas futuras, que excederem tal teto até a sua integral satisfação, conforme entendimento do STJ no Recurso Especial nº 2.001.108 –MT (2022/0133339-5). As contrarrazões não foram ofertadas. O Ministério Público Estadual, em parecer de lavra da Ilma. Procuradora de Justiça, Dra. Mara Ligia Pires de Almeida Barreto, opina pelo desprovimento do recurso no Id. 287742877. É o relatório. Peço dia para o julgamento. Des. DIRCEU DOS SANTOS Relator V O T O R E L A T O R Infere-se dos autos que a parte autora, ora apelada, necessitou da utilização dos serviços contratados junto à administradora do plano de saúde, em razão de ter sido diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), com comprometimento da linguagem, interação social e comportamento global. Nesta condição, narra que houve prescrição de tratamento multidisciplinar (psicologia e fonoaudiologia pelo método ABA, terapia ocupacional com integração social e psicomotricidade), no entanto, a parte requerida negou o tratamento solicitado, sob o argumento de não possuir profissionais capacitados e especializados. Aduz que, em decorrência da negativa, ajuizou o processo n. 1010129-72.2022.8.11.0041, para que a parte requerida autorizasse/custeasse o tratamento necessário ao menor, obtendo decisão liminar favorável. Relata, ainda, que foi surpreendida com o recebimento da fatura do mês de novembro/2022, no valor de R$4.029,86, referente à cobrança de coparticipação pelas terapias realizadas, a qual reputa abusiva e desprovida de prévia informação adequada. Em razão dos fatos, pugnou pela concessão de tutela de urgência para suspender a cobrança da fatura impugnada, impedir novas cobranças de coparticipação relacionadas ao tratamento e evitar a suspensão do plano de saúde. No mérito, protestou pelo julgamento de procedência da ação, com declaração de abusividade da cláusula de coparticipação e revisão da fatura contestada. A parte requerida apresentou contestação, sustentando a regularidade das cobranças, em razão de expressa previsão contratual para o ato, inexistindo qualquer ilicitude, e pugnando pela improcedência dos pedidos. O Magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para reconhecer a legalidade da cláusula de coparticipação prevista no contrato e limitar a cobrança – em relação às terapias realizadas para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista – em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade. Inconformada, a apelante pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido autoral, afastando a limitação imposta. Sucessivamente, requer sejam prestados esclarecimentos quanto ao saldo remanescente dos valores de coparticipação, bem como a possibilidade de sua cobrança em faturas futuras, nos termos do entendimento consagrado pelo STJ. Pois bem. Acerca do tema, todo e qualquer plano ou seguro de saúde está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608, STJ), o que impõe a adoção da interpretação contratual mais favorável consumidor, consoante dispõe o art. 47 da legislação consumerista, segundo o qual: “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” Sabe-se, outrossim, que os planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os equipamentos e medicamentos necessários à realização dos procedimentos, máxime se há indicação médica. No presente caso, restou demonstrada a necessidade dos procedimentos pleiteados, conforme o relatório médico apresentado nos autos. Ademais, registra-se que a ANS em sua Resolução de n. 539/2022 ampliou as regras de cobertura assistencial para os usuários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles os com transtorno do espectro autista. Assim, a partir de 01.07.2022, passou a ser obrigatório o custeio de qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente com CID F84. Dispõe a Resolução: “Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.” No caso dos autos, constata-se que a parte autora recebeu cobrança retroativa de coparticipação em valores elevados, chegando a mais de R$ 4.000,00, o que, a toda evidência, destoa da média histórica de pagamentos até então efetuados, mormente ao considerarmos o valor da sua mensalidade. Quanto ao ponto, o e. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema recursal – legalidade da cobrança de coparticipação – e em julgamento de recursos especiais repetitivos (TEMA 1.032), a Segunda Seção do STJ, fixou a tese de que, nos contratos de plano de saúde, não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, in verbis: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, NA ORIGEM, ANTE A ENTÃO REPUTADA ABUSIVIDADE NA LIMITAÇÃO DE COBERTURA APÓS O TRIGÉSIMO DIA DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA - INSURGÊNCIA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE VOLTADA À DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE ESTABELECE O PAGAMENTO PARCIAL PELO CONTRATANTE, A TÍTULO DE COPARTICIPAÇÃO, NA HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR SUPERIOR A 30 DIAS DECORRENTE DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015: 1.1. Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. 2. Caso concreto: 2.1. Inviável conhecer da tese de negativa de prestação jurisdicional, pois a simples menção de preceito legal, de modo genérico, sem explicitar a forma como ocorreu sua efetiva contrariedade pelo Tribunal de origem, manifesta deficiência na fundamentação do recurso especial a atrair a incidência da Súmula 284 do STF. 2.2. Inexistindo limitação de cobertura, mas apenas previsão de coparticipação decorrente de internação psiquiátrica por período superior a 30 dias anuais, deve ser afastada a abusividade da cláusula contratual com a consequente improcedência do pedido veiculado na inicial. 3. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ, REsp 1.755.866/SP, Rel.Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, Julg. 09/12/2020) Todavia, o percentual cobrado sobre cada sessão das terapias realizadas pela parte autora não pode dificultar a continuidade do tratamento, pois restringe o acesso às terapias indicadas para o desenvolvimento social do menor. Desse modo, mostra-se desarrazoada a cobrança efetuada pela apelante, sendo que o alto valor por ela cobrado constitui fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde junto à operadora de plano de saúde, o que impossibilita a continuidade do tratamento da criança. Ressalta-se que este Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso de apelação nº 10000147-03.2022.8.11.0019, decidiu pela legalidade da cobrança de coparticipação nas terapias para os portadores de transtorno de espectro autista - TEA, porém, impondo um teto de cobrança pelas operadoras, ou seja, “um fator limitador que determina a cobrança da coparticipação fixada em duas vezes o valor do plano contratado”, a fim de não prejudicar o tratamento da parte consumidora, bem como manter o equilíbrio contratual entre as partes. Nesse sentido, transcrevo trecho do voto do Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, deste e. Tribunal de Justiça: “Nessa ótica, a coparticipação é devida, mas apesar de em regra não ser considerada abusiva, a importância cobrada não pode inviabilizar o tratamento. No caso em pauta, o percentual de 30%, por si, não configura abusividade, porque dentro do parâmetro jurisprudencial, todavia, se adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para tratamento do autismo, é indubitável que inviabiliza completamente a continuidade do tratamento, constituindo, pois, fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. Assim é que, à luz dessas peculiaridades, este e. Justiça, quando do julgamento do RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, sob a técnica de julgamento ampliado (art. 942 do CPC), decidiu pela legalidade da cobrança da coparticipação nas sessões de terapias para os portadores de transtorno de espectro autista, mas impôs um teto de cobrança pelas operadoras, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial. No voto condutor, a e. Desa. Serly Marcondes esclareceu o fator limitador que determinou a cobrança da coparticipação fixada em 02 (duas) vezes o valor do plano contratado, transcrevo: “(...) Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelado, não ser interrompido, a requerida, ora apelante, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos.(...).” – negritei. Eis a ementa do julgado, verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE INAPLICABILIDADE DE COPARTICIPAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 5. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 6. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos. (RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, 4ª Câmara. Dir. Privado, Rel. Desa Serly Marcondes, j. 14.12.22). Desse modo, ao fixar fator de moderação para a participação financeira, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, isto é, a manutenção da saúde do beneficiário, além de garantir seu acesso aos serviços contratados, ainda que seja de alto custo. Nesse sentido, colaciono precedente, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE MENOR DE IDADE – AUTISMO – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA MULTIPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DA COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto” (RAI n. 1032072-82.2021.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 24.02.23). [...]. (TJ/MT, Rac 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023)” Logo, correta a sentença que limitou a cobrança da coparticipação em relação às terapias realizadas para tratamento do TEA em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, devendo ser mantida no ponto. Por fim, quanto ao pedido sucessivo, a solução encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que admite a modulação da cobrança de coparticipação para preservar o equilíbrio contratual, a transparência e a acessibilidade do consumidor ao serviço de saúde contratado. Assim, entendo ser juridicamente admissível que os valores de coparticipação que ultrapassem o teto mensal sejam cobrados em períodos posteriores, observando-se: o limite mensal de cobrança já fixado judicialmente (duas mensalidades); a vedação à incidência de juros, multa ou encargos moratórios, exceto se inadimplido o parcelamento; o dever de informação clara, prévia e adequada ao consumidor, conforme determinam os arts. 6º, III, e 46 do CDC. Ressalte-se que a possibilidade de fracionamento temporal do valor excedente não desnatura a proteção conferida pela limitação judicial, tampouco vulnera os princípios do CDC, porquanto não onera desproporcionalmente o consumidor, apenas reorganiza a exigibilidade do crédito contratual, em conformidade com a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ademais, inviabilizar integralmente a cobrança do montante excedente implicaria enriquecimento sem causa por parte do consumidor, além de potencial desestabilização financeira da relação contratual e desequilíbrio do sistema mutualista que sustenta os contratos de plano de saúde. A tese ora acolhida, portanto, estabelece um ponto de equilíbrio entre os direitos do consumidor e os deveres contratuais da operadora, reafirmando a jurisprudência contemporânea em matéria de proteção contratual e sanitária. Dispositivo. Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para autorizar a possibilidade de cobrança, em meses subsequentes, dos valores de coparticipação que excedam o teto mensal, observados os critérios ora fixados. Diante dos contornos do julgado, não vislumbro, pois, fundamento jurídico que autorize a alteração da equitativa repartição dos ônus sucumbenciais estabelecida na instância de origem, devendo ela ser integralmente mantida nesta sede recursal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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Processo nº 1042498-22.2022.8.11.0041

ID: 312207025

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1042498-22.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 01/07/2025

Polo Ativo:

UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1042498-22.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenizaç… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1042498-22.2022.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Interpretação / Revisão de Contrato, Indenização por Dano Moral, Efeitos, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [H. B. D. S. C. - CPF: 099.983.171-26 (APELADO), JOSE SAMUEL DE SOUZA SAMPAIO - CPF: 054.991.584-28 (ADVOGADO), ANDREZA DA SILVA SANTOS - CPF: 051.333.931-05 (APELADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO - CPF: 713.876.681-53 (ADVOGADO), VINICIUS KENJI TANAKA - CPF: 398.159.268-96 (ADVOGADO), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), ANDREZA DA SILVA SANTOS - CPF: 051.333.931-05 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – PLANO DE SAÚDE – PRETENSÃO DE CUSTEIO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – COBRANÇA POSTERIOR DO REMANESCENTE – VIABILIDADE DE PARCELAMENTO TEMPORAL DO EXCEDENTE, SOB CONDIÇÕES – DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023) Admite-se a viabilidade do fracionamento temporal da quantia excedente à limitação mensal dos valores relativos à coparticipação, desde que (i) mantido o limite máximo de cobrança de até duas mensalidades por fatura; (ii) vedada a incidência de juros, multa ou encargos moratórios, enquanto adimplidas as parcelas; e (iii) garantida ao consumidor a informação clara, prévia e discriminada sobre os valores cobrados e o critério de diluição. A interpretação acolhida concilia o direito do consumidor à previsibilidade e acessibilidade do tratamento médico com o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento sem causa e assegurando a boa-fé objetiva. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta pela UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO visando modificar a sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível de Cuiabá que, nos autos da - Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Reconhecimento da Inaplicabilidade da Coparticipação n. 1042498-22.2022.8.11.0041, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por H. B. D. S. C, representado por sua genitora, ANDREZA DA SILVA SANTOS, nestes termos: “[...] Posto isso, com fulcro no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados nesta ação, a fim de cobrança da coparticipação seja limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade da parte autora, em respeito aos precedentes da Corte de Justiça de Mato Grosso. Diante da sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios, fixo em R$3.000,00, nos termos do que preceitua parágrafo 2º e 8º do art. 85 do CPC, no patamar de 50% para cada partes, sendo que em relação ao autor, fica suspensa a exigibilidade por ser beneficiário da justiça gratuita.” (Id. 268473837). Nas razões de Id. 268473854, a apelante aduz que o CDC deve ser aplicado subsidiariamente nas relações de consumo entre as mantenedoras dos planos de saúde e seus usuários, nos termos do Art. 35-G da Lei 9.656/98, devendo ser afastada a incidência da norma ao caso concreto. Salienta, em seguida, que o contrato de prestação de serviços de saúde do qual o autor é beneficiário prevê expressamente a cobrança de coparticipação, não havendo que se falar em custeio integral pela operadora ou em limitação à regra de distribuição do ônus financeiro contratual. Ressalta que a sentença limitou indevidamente a cobrança da coparticipação em até duas vezes o valor da mensalidade, contrariando a previsão contratual e a legislação aplicável. Assegura que a cobrança de coparticipação de 30% encontra respaldo no art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98, em normas da ANS, e em cláusulas contratuais expressas, não sendo abusiva. Ressalte que a sentença viola os princípios do pacta sunt servanda, da função social do contrato e da livre iniciativa, comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da operadora. Menciona que não há desequilíbrio originário, tampouco o superveniente, e a contratação não decorreu de vícios ou falhas de vontade, não se podendo admitir a incidência da intervenção estatal para modificação das cláusulas contratuais. Aponta que a sentença é omissa ao consignar que a cobrança da coparticipação é legal e limitar a cobrança ao valor de duas mensalidades, sem, porém, elucidar a possibilidade da cobrança do montante que excede o valor estipulado em mensalidades futuras até que seja quitado o débito total de coparticipação. Com isso, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido autoral, afastando a obrigação que lhe foi imposta. Sucessivamente, requer que lhe seja assegurado o direito de cobrar, de forma escalonada, o saldo remanescente dos valores de coparticipação nas faturas futuras, que excederem tal teto até a sua integral satisfação, conforme entendimento do STJ no Recurso Especial nº 2.001.108 –MT (2022/0133339-5). As contrarrazões não foram ofertadas. O Ministério Público Estadual, em parecer de lavra da Ilma. Procuradora de Justiça, Dra. Mara Ligia Pires de Almeida Barreto, opina pelo desprovimento do recurso no Id. 287742877. É o relatório. Peço dia para o julgamento. Des. DIRCEU DOS SANTOS Relator V O T O R E L A T O R Infere-se dos autos que a parte autora, ora apelada, necessitou da utilização dos serviços contratados junto à administradora do plano de saúde, em razão de ter sido diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), com comprometimento da linguagem, interação social e comportamento global. Nesta condição, narra que houve prescrição de tratamento multidisciplinar (psicologia e fonoaudiologia pelo método ABA, terapia ocupacional com integração social e psicomotricidade), no entanto, a parte requerida negou o tratamento solicitado, sob o argumento de não possuir profissionais capacitados e especializados. Aduz que, em decorrência da negativa, ajuizou o processo n. 1010129-72.2022.8.11.0041, para que a parte requerida autorizasse/custeasse o tratamento necessário ao menor, obtendo decisão liminar favorável. Relata, ainda, que foi surpreendida com o recebimento da fatura do mês de novembro/2022, no valor de R$4.029,86, referente à cobrança de coparticipação pelas terapias realizadas, a qual reputa abusiva e desprovida de prévia informação adequada. Em razão dos fatos, pugnou pela concessão de tutela de urgência para suspender a cobrança da fatura impugnada, impedir novas cobranças de coparticipação relacionadas ao tratamento e evitar a suspensão do plano de saúde. No mérito, protestou pelo julgamento de procedência da ação, com declaração de abusividade da cláusula de coparticipação e revisão da fatura contestada. A parte requerida apresentou contestação, sustentando a regularidade das cobranças, em razão de expressa previsão contratual para o ato, inexistindo qualquer ilicitude, e pugnando pela improcedência dos pedidos. O Magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para reconhecer a legalidade da cláusula de coparticipação prevista no contrato e limitar a cobrança – em relação às terapias realizadas para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista – em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade. Inconformada, a apelante pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido autoral, afastando a limitação imposta. Sucessivamente, requer sejam prestados esclarecimentos quanto ao saldo remanescente dos valores de coparticipação, bem como a possibilidade de sua cobrança em faturas futuras, nos termos do entendimento consagrado pelo STJ. Pois bem. Acerca do tema, todo e qualquer plano ou seguro de saúde está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608, STJ), o que impõe a adoção da interpretação contratual mais favorável consumidor, consoante dispõe o art. 47 da legislação consumerista, segundo o qual: “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” Sabe-se, outrossim, que os planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os equipamentos e medicamentos necessários à realização dos procedimentos, máxime se há indicação médica. No presente caso, restou demonstrada a necessidade dos procedimentos pleiteados, conforme o relatório médico apresentado nos autos. Ademais, registra-se que a ANS em sua Resolução de n. 539/2022 ampliou as regras de cobertura assistencial para os usuários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles os com transtorno do espectro autista. Assim, a partir de 01.07.2022, passou a ser obrigatório o custeio de qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente com CID F84. Dispõe a Resolução: “Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.” No caso dos autos, constata-se que a parte autora recebeu cobrança retroativa de coparticipação em valores elevados, chegando a mais de R$ 4.000,00, o que, a toda evidência, destoa da média histórica de pagamentos até então efetuados, mormente ao considerarmos o valor da sua mensalidade. Quanto ao ponto, o e. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema recursal – legalidade da cobrança de coparticipação – e em julgamento de recursos especiais repetitivos (TEMA 1.032), a Segunda Seção do STJ, fixou a tese de que, nos contratos de plano de saúde, não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, in verbis: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, NA ORIGEM, ANTE A ENTÃO REPUTADA ABUSIVIDADE NA LIMITAÇÃO DE COBERTURA APÓS O TRIGÉSIMO DIA DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA - INSURGÊNCIA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE VOLTADA À DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE ESTABELECE O PAGAMENTO PARCIAL PELO CONTRATANTE, A TÍTULO DE COPARTICIPAÇÃO, NA HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR SUPERIOR A 30 DIAS DECORRENTE DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015: 1.1. Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. 2. Caso concreto: 2.1. Inviável conhecer da tese de negativa de prestação jurisdicional, pois a simples menção de preceito legal, de modo genérico, sem explicitar a forma como ocorreu sua efetiva contrariedade pelo Tribunal de origem, manifesta deficiência na fundamentação do recurso especial a atrair a incidência da Súmula 284 do STF. 2.2. Inexistindo limitação de cobertura, mas apenas previsão de coparticipação decorrente de internação psiquiátrica por período superior a 30 dias anuais, deve ser afastada a abusividade da cláusula contratual com a consequente improcedência do pedido veiculado na inicial. 3. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ, REsp 1.755.866/SP, Rel.Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, Julg. 09/12/2020) Todavia, o percentual cobrado sobre cada sessão das terapias realizadas pela parte autora não pode dificultar a continuidade do tratamento, pois restringe o acesso às terapias indicadas para o desenvolvimento social do menor. Desse modo, mostra-se desarrazoada a cobrança efetuada pela apelante, sendo que o alto valor por ela cobrado constitui fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde junto à operadora de plano de saúde, o que impossibilita a continuidade do tratamento da criança. Ressalta-se que este Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso de apelação nº 10000147-03.2022.8.11.0019, decidiu pela legalidade da cobrança de coparticipação nas terapias para os portadores de transtorno de espectro autista - TEA, porém, impondo um teto de cobrança pelas operadoras, ou seja, “um fator limitador que determina a cobrança da coparticipação fixada em duas vezes o valor do plano contratado”, a fim de não prejudicar o tratamento da parte consumidora, bem como manter o equilíbrio contratual entre as partes. Nesse sentido, transcrevo trecho do voto do Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, deste e. Tribunal de Justiça: “Nessa ótica, a coparticipação é devida, mas apesar de em regra não ser considerada abusiva, a importância cobrada não pode inviabilizar o tratamento. No caso em pauta, o percentual de 30%, por si, não configura abusividade, porque dentro do parâmetro jurisprudencial, todavia, se adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para tratamento do autismo, é indubitável que inviabiliza completamente a continuidade do tratamento, constituindo, pois, fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. Assim é que, à luz dessas peculiaridades, este e. Justiça, quando do julgamento do RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, sob a técnica de julgamento ampliado (art. 942 do CPC), decidiu pela legalidade da cobrança da coparticipação nas sessões de terapias para os portadores de transtorno de espectro autista, mas impôs um teto de cobrança pelas operadoras, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial. No voto condutor, a e. Desa. Serly Marcondes esclareceu o fator limitador que determinou a cobrança da coparticipação fixada em 02 (duas) vezes o valor do plano contratado, transcrevo: “(...) Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelado, não ser interrompido, a requerida, ora apelante, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos.(...).” – negritei. Eis a ementa do julgado, verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE INAPLICABILIDADE DE COPARTICIPAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 5. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 6. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos. (RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, 4ª Câmara. Dir. Privado, Rel. Desa Serly Marcondes, j. 14.12.22). Desse modo, ao fixar fator de moderação para a participação financeira, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, isto é, a manutenção da saúde do beneficiário, além de garantir seu acesso aos serviços contratados, ainda que seja de alto custo. Nesse sentido, colaciono precedente, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE MENOR DE IDADE – AUTISMO – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA MULTIPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DA COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto” (RAI n. 1032072-82.2021.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 24.02.23). [...]. (TJ/MT, Rac 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023)” Logo, correta a sentença que limitou a cobrança da coparticipação em relação às terapias realizadas para tratamento do TEA em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, devendo ser mantida no ponto. Por fim, quanto ao pedido sucessivo, a solução encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que admite a modulação da cobrança de coparticipação para preservar o equilíbrio contratual, a transparência e a acessibilidade do consumidor ao serviço de saúde contratado. Assim, entendo ser juridicamente admissível que os valores de coparticipação que ultrapassem o teto mensal sejam cobrados em períodos posteriores, observando-se: o limite mensal de cobrança já fixado judicialmente (duas mensalidades); a vedação à incidência de juros, multa ou encargos moratórios, exceto se inadimplido o parcelamento; o dever de informação clara, prévia e adequada ao consumidor, conforme determinam os arts. 6º, III, e 46 do CDC. Ressalte-se que a possibilidade de fracionamento temporal do valor excedente não desnatura a proteção conferida pela limitação judicial, tampouco vulnera os princípios do CDC, porquanto não onera desproporcionalmente o consumidor, apenas reorganiza a exigibilidade do crédito contratual, em conformidade com a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ademais, inviabilizar integralmente a cobrança do montante excedente implicaria enriquecimento sem causa por parte do consumidor, além de potencial desestabilização financeira da relação contratual e desequilíbrio do sistema mutualista que sustenta os contratos de plano de saúde. A tese ora acolhida, portanto, estabelece um ponto de equilíbrio entre os direitos do consumidor e os deveres contratuais da operadora, reafirmando a jurisprudência contemporânea em matéria de proteção contratual e sanitária. Dispositivo. Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para autorizar a possibilidade de cobrança, em meses subsequentes, dos valores de coparticipação que excedam o teto mensal, observados os critérios ora fixados. Diante dos contornos do julgado, não vislumbro, pois, fundamento jurídico que autorize a alteração da equitativa repartição dos ônus sucumbenciais estabelecida na instância de origem, devendo ela ser integralmente mantida nesta sede recursal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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Processo nº 1001579-90.2024.8.11.0050

ID: 334986084

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001579-90.2024.8.11.0050

Data de Disponibilização: 25/07/2025

Polo Ativo:

UNIMED VALE DO SEPOTUBA - COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

CLESIO PLATES DE OLIVEIRA

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FRANCISMAR SANCHES LOPES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

LUCIANO DE SALES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001579-90.2024.8.11.0050 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Planos de saúd… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001579-90.2024.8.11.0050 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Planos de saúde] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [UNIMED VALE DO SEPOTUBA - COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 02.597.394/0001-32 (APELANTE), FRANCISMAR SANCHES LOPES - CPF: 045.548.258-68 (ADVOGADO), L. M. A. D. O. - CPF: 112.296.801-95 (APELADO), KHADINE ARAUJO DO NASCIMENTO - CPF: 006.378.491-24 (ADVOGADO), DAIANE KELLI MARTELLI - CPF: 036.528.171-92 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), CLESIO PLATES DE OLIVEIRA - CPF: 014.996.091-32 (ADVOGADO), DAIANE KELLI MARTELLI - CPF: 036.528.171-92 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), LUCIANO DE SALES - CPF: 255.809.778-40 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PRETENSÃO DE CUSTEIO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – COPARTICIPAÇÃO – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – COBRANÇA POSTERIOR DO REMANESCENTE – VIABILIDADE DE PARCELAMENTO TEMPORAL DO EXCEDENTE, SOB CONDIÇÕES – DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023) Admite-se a viabilidade do fracionamento temporal da quantia excedente à limitação mensal dos valores relativos à coparticipação, desde que (i) mantido o limite máximo de cobrança de até duas mensalidades por fatura; (ii) vedada a incidência de juros, multa ou encargos moratórios, enquanto adimplidas as parcelas; e (iii) garantida ao consumidor a informação clara, prévia e discriminada sobre os valores cobrados e o critério de diluição. A interpretação acolhida concilia o direito do consumidor à previsibilidade e acessibilidade do tratamento médico com o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento sem causa e assegurando a boa-fé objetiva. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta pela UNIMED VALE DO SEPOTUBA - COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO visando modificar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Novo do Parecis que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer n.º 1001579-90.2024.8.11.0050, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por L. M. A. D. O., representado POR DAIANE KELLI MARTELLI, nestes termos: “[...] Diante do exposto, e de tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, a fim de ratificar os termos da tutela de urgência concedida, condenando a requerida a proceder à cobrança a título de coparticipação em valores não superior a duas mensalidades previstas no contrato, devendo, por corolário óbvio, a fatura de ID 158367948, ser adequada a esta decisão. Por consequência, extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC. Considerando que as partes decaíram em parte do pedido, condeno-as, reciprocamente, no pagamento 50% (cinquenta por cento) para cada, das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, atualizado, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC. A sucumbência em relação a autora somente será exigida se presentes os requisitos legais vez que a mesma é beneficiária da assistência judiciária gratuita..” (Id. 281244388). Nas razões de Id. 268473854, a apelante aduz que que o Juízo a quo teria incorrido em julgamento extra e ultra petita, ao limitar a cobrança da coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade, sem que houvesse tal pedido na exordial, que pleiteava apenas a suspensão da cobrança Salienta, em seguida, que o contrato de prestação de serviços de saúde do qual o autor é beneficiário prevê expressamente a cobrança de coparticipação, não havendo que se falar em custeio integral pela operadora ou em limitação à regra de distribuição do ônus financeiro contratual. Ressalta que a sentença limitou indevidamente a cobrança da coparticipação em até duas vezes o valor da mensalidade, contrariando a previsão contratual e a legislação aplicável. Assegura que a cobrança de coparticipação de 30% encontra respaldo no art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98, em normas da ANS, e em cláusulas contratuais expressas, não sendo abusiva. Consigna que a sentença viola os princípios do pacta sunt servanda, da função social do contrato e da livre iniciativa, comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da operadora. Menciona que não há desequilíbrio originário, tampouco o superveniente, e a contratação não decorreu de vícios ou falhas de vontade, não se podendo admitir a incidência da intervenção estatal para modificação das cláusulas contratuais. Aponta que a sentença é omissa ao consignar que a cobrança da coparticipação é legal e limitar a cobrança ao valor de duas mensalidades, sem, porém, elucidar a possibilidade da cobrança do montante que excede o valor estipulado em mensalidades futuras até que seja quitado o débito total de coparticipação. Com isso, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido autoral, afastando a obrigação que lhe foi imposta. Sucessivamente, requer que se determine o parcelamento e a cobrança dos valores excedentes à limitação eventualmente mantida, nas próximas mensalidades. As contrarrazões foram ofertadas no Id. 281244399, pelo desprovimento do recurso. O Ministério Público Estadual, em parecer de lavra do Dr. JOSÉ ZUQUETI opina pela manutenção da sentença, no Id. 292499864. É o relatório. Peço dia para julgamento. Des. DIRCEU DOS SANTOS Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara. Ressai dos autos que a autora, menor impúbere, foi diagnosticada com encefalopatia hipóxico-isquêmica/paralisia cerebral (CID 118D20), sendo imprescindível o acompanhamento terapêutico contínuo com múltiplos profissionais da área da saúde, conforme laudo médico que instrui a petição inicial. A controvérsia reside na legalidade e razoabilidade da cobrança de coparticipação no patamar de R$1.680,00, valor cobrado em razão das terapias contínuas realizadas no mês de maio de 2024, diante de mensalidade contratual de cerca de R$412,27. A sentença apelada julgou parcialmente procedente o pedido inicial, limitando a cobrança da coparticipação ao valor equivalente a duas mensalidades do plano. A operadora de saúde interpôs o presente recurso, sustentando, em síntese, a nulidade da sentença por julgamento extra e ultra petita; a validade da cláusula de coparticipação contratual; e, sucessivamente, o acolhimento de pedido formulado em contestação para que os valores excedentes à limitação judicial sejam cobrados nas faturas subsequentes, e não integralmente afastados. Registro que a matéria de preliminar arguida pelo apelante se confunde com o mérito e será com este analisado. Pois bem. Acerca do tema, todo e qualquer plano ou seguro de saúde está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608, STJ), o que impõe a adoção da interpretação contratual mais favorável consumidor, consoante dispõe o art. 47 da legislação consumerista, segundo o qual: “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” Sabe-se, outrossim, que os planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os equipamentos e medicamentos necessários à realização dos procedimentos, máxime se há indicação médica. No presente caso, restou demonstrada a necessidade dos procedimentos pleiteados, conforme o relatório médico apresentado nos autos. Ademais, registra-se que a ANS em sua Resolução de n. 539/2022 ampliou as regras de cobertura assistencial para os usuários com transtornos globais do desenvolvimento. Assim, a partir de 01.07.2022, passou a ser obrigatório o custeio de qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente Dispõe a Resolução: “Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.” A cláusula de coparticipação em contratos de plano de saúde é válida, desde que expressa, clara e informada ao consumidor, nos termos do art. 16, VIII, da Lei n.º 9.656/98. Tal entendimento foi pacificado pelo STJ, inclusive no julgamento do Tema 1.032, afirmando a legalidade da coparticipação, desde que não configure obstáculo abusivo ao acesso ao serviço de saúde contratado. No presente caso, a cobrança de coparticipação em percentual de 30% encontra previsão contratual. Ocorre que, em virtude do número elevado de sessões terapêuticas, o valor final cobrado revelou-se, de fato, excessivamente oneroso à autora, menor com deficiência neurológica severa. A jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça admite, com base nos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da dignidade da pessoa humana, que a coparticipação em tratamentos contínuos seja limitada a duas vezes a mensalidade do plano, a fim de se evitar o esvaziamento do próprio objeto contratual e o perecimento da função assistencial do plano de saúde. No ponto, não vislumbro nulidade da sentença, uma vez que a limitação da coparticipação, embora não tenha sido pedida expressamente, representa decisão compatível com os princípios da legalidade e da função social do contrato, e se insere no poder-dever do juiz de adequar a relação contratual abusiva. Quanto ao ponto, o e. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema recursal – legalidade da cobrança de coparticipação – e em julgamento de recursos especiais repetitivos (TEMA 1.032), a Segunda Seção do STJ, fixou a tese de que, nos contratos de plano de saúde, não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, in verbis: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, NA ORIGEM, ANTE A ENTÃO REPUTADA ABUSIVIDADE NA LIMITAÇÃO DE COBERTURA APÓS O TRIGÉSIMO DIA DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA - INSURGÊNCIA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE VOLTADA À DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE ESTABELECE O PAGAMENTO PARCIAL PELO CONTRATANTE, A TÍTULO DE COPARTICIPAÇÃO, NA HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR SUPERIOR A 30 DIAS DECORRENTE DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015: 1.1. Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. 2. Caso concreto: 2.1. Inviável conhecer da tese de negativa de prestação jurisdicional, pois a simples menção de preceito legal, de modo genérico, sem explicitar a forma como ocorreu sua efetiva contrariedade pelo Tribunal de origem, manifesta deficiência na fundamentação do recurso especial a atrair a incidência da Súmula 284 do STF. 2.2. Inexistindo limitação de cobertura, mas apenas previsão de coparticipação decorrente de internação psiquiátrica por período superior a 30 dias anuais, deve ser afastada a abusividade da cláusula contratual com a consequente improcedência do pedido veiculado na inicial. 3. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ, REsp 1.755.866/SP, Rel.Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, Julg. 09/12/2020) Todavia, o percentual cobrado sobre cada sessão das terapias realizadas pela parte autora não pode dificultar a continuidade do tratamento, pois restringe o acesso às terapias indicadas para o desenvolvimento social do menor. Desse modo, mostra-se desarrazoada a cobrança efetuada pela apelante, sendo que o alto valor por ela cobrado constitui fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde junto à operadora de plano de saúde, o que impossibilita a continuidade do tratamento da criança. Ressalta-se que este Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso de apelação nº 10000147-03.2022.8.11.0019, decidiu pela legalidade da cobrança de coparticipação nas terapias para os portadores de transtorno de espectro autista - TEA, porém, impondo um teto de cobrança pelas operadoras, ou seja, “um fator limitador que determina a cobrança da coparticipação fixada em duas vezes o valor do plano contratado”, a fim de não prejudicar o tratamento da parte consumidora, bem como manter o equilíbrio contratual entre as partes. Nesse sentido, transcrevo trecho do voto do Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, deste e. Tribunal de Justiça: “Nessa ótica, a coparticipação é devida, mas apesar de em regra não ser considerada abusiva, a importância cobrada não pode inviabilizar o tratamento. No caso em pauta, o percentual de 30%, por si, não configura abusividade, porque dentro do parâmetro jurisprudencial, todavia, se adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para tratamento do autismo, é indubitável que inviabiliza completamente a continuidade do tratamento, constituindo, pois, fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. Assim é que, à luz dessas peculiaridades, este e. Justiça, quando do julgamento do RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, sob a técnica de julgamento ampliado (art. 942 do CPC), decidiu pela legalidade da cobrança da coparticipação nas sessões de terapias para os portadores de transtorno de espectro autista, mas impôs um teto de cobrança pelas operadoras, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial. No voto condutor, a e. Desa. Serly Marcondes esclareceu o fator limitador que determinou a cobrança da coparticipação fixada em 02 (duas) vezes o valor do plano contratado, transcrevo: “(...) Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelado, não ser interrompido, a requerida, ora apelante, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos.(...).” – negritei. Eis a ementa do julgado, verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE INAPLICABILIDADE DE COPARTICIPAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 5. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 6. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos. (RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, 4ª Câmara. Dir. Privado, Rel. Desa Serly Marcondes, j. 14.12.22). Desse modo, ao fixar fator de moderação para a participação financeira, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, isto é, a manutenção da saúde do beneficiário, além de garantir seu acesso aos serviços contratados, ainda que seja de alto custo. Nesse sentido, colaciono precedente, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE MENOR DE IDADE – AUTISMO – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA MULTIPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DA COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto” (RAI n. 1032072-82.2021.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 24.02.23). [...]. (TJ/MT, Rac 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023)” Logo, correta a sentença que limitou a cobrança da coparticipação em relação às terapias realizadas para tratamento do menor em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, devendo ser mantida no ponto. Entretanto, assiste parcial razão à apelante quanto ao pedido sucessivo. A solução encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que admite a modulação da cobrança de coparticipação para preservar o equilíbrio contratual, a transparência e a acessibilidade do consumidor ao serviço de saúde contratado. Assim, entendo ser juridicamente admissível que os valores de coparticipação que ultrapassem o teto mensal sejam cobrados em períodos posteriores, observando-se: o limite mensal de cobrança já fixado judicialmente (duas mensalidades); a vedação à incidência de juros, multa ou encargos moratórios, exceto se inadimplido o parcelamento; o dever de informação clara, prévia e adequada ao consumidor, conforme determinam os arts. 6º, III, e 46 do CDC. Ressalte-se que a possibilidade de fracionamento temporal do valor excedente não desnatura a proteção conferida pela limitação judicial, tampouco vulnera os princípios do CDC, porquanto não onera desproporcionalmente o consumidor, apenas reorganiza a exigibilidade do crédito contratual, em conformidade com a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ademais, inviabilizar integralmente a cobrança do montante excedente implicaria enriquecimento sem causa por parte do consumidor, além de potencial desestabilização financeira da relação contratual e desequilíbrio do sistema mutualista que sustenta os contratos de plano de saúde. A tese ora acolhida, portanto, estabelece um ponto de equilíbrio entre os direitos do consumidor e os deveres contratuais da operadora, reafirmando a jurisprudência contemporânea em matéria de proteção contratual e sanitária. Dispositivo. Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para autorizar a possibilidade de cobrança, em meses subsequentes, dos valores de coparticipação que excedam o teto mensal, observados os critérios ora fixados. Diante dos contornos do julgado, não vislumbro, pois, fundamento jurídico que autorize a alteração da equitativa repartição dos ônus sucumbenciais estabelecida na instância de origem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/07/2025

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Processo nº 1001579-90.2024.8.11.0050

ID: 334986132

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001579-90.2024.8.11.0050

Data de Disponibilização: 25/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

L. M. A. D. O.

Acórdão

Advogados:

KHADINE ARAUJO DO NASCIMENTO

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001579-90.2024.8.11.0050 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Planos de saúd… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001579-90.2024.8.11.0050 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Planos de saúde] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [UNIMED VALE DO SEPOTUBA - COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 02.597.394/0001-32 (APELANTE), FRANCISMAR SANCHES LOPES - CPF: 045.548.258-68 (ADVOGADO), L. M. A. D. O. - CPF: 112.296.801-95 (APELADO), KHADINE ARAUJO DO NASCIMENTO - CPF: 006.378.491-24 (ADVOGADO), DAIANE KELLI MARTELLI - CPF: 036.528.171-92 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), CLESIO PLATES DE OLIVEIRA - CPF: 014.996.091-32 (ADVOGADO), DAIANE KELLI MARTELLI - CPF: 036.528.171-92 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), LUCIANO DE SALES - CPF: 255.809.778-40 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PRETENSÃO DE CUSTEIO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – COPARTICIPAÇÃO – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – COBRANÇA POSTERIOR DO REMANESCENTE – VIABILIDADE DE PARCELAMENTO TEMPORAL DO EXCEDENTE, SOB CONDIÇÕES – DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023) Admite-se a viabilidade do fracionamento temporal da quantia excedente à limitação mensal dos valores relativos à coparticipação, desde que (i) mantido o limite máximo de cobrança de até duas mensalidades por fatura; (ii) vedada a incidência de juros, multa ou encargos moratórios, enquanto adimplidas as parcelas; e (iii) garantida ao consumidor a informação clara, prévia e discriminada sobre os valores cobrados e o critério de diluição. A interpretação acolhida concilia o direito do consumidor à previsibilidade e acessibilidade do tratamento médico com o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento sem causa e assegurando a boa-fé objetiva. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta pela UNIMED VALE DO SEPOTUBA - COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO visando modificar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Novo do Parecis que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer n.º 1001579-90.2024.8.11.0050, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por L. M. A. D. O., representado POR DAIANE KELLI MARTELLI, nestes termos: “[...] Diante do exposto, e de tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, a fim de ratificar os termos da tutela de urgência concedida, condenando a requerida a proceder à cobrança a título de coparticipação em valores não superior a duas mensalidades previstas no contrato, devendo, por corolário óbvio, a fatura de ID 158367948, ser adequada a esta decisão. Por consequência, extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC. Considerando que as partes decaíram em parte do pedido, condeno-as, reciprocamente, no pagamento 50% (cinquenta por cento) para cada, das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, atualizado, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC. A sucumbência em relação a autora somente será exigida se presentes os requisitos legais vez que a mesma é beneficiária da assistência judiciária gratuita..” (Id. 281244388). Nas razões de Id. 268473854, a apelante aduz que que o Juízo a quo teria incorrido em julgamento extra e ultra petita, ao limitar a cobrança da coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade, sem que houvesse tal pedido na exordial, que pleiteava apenas a suspensão da cobrança Salienta, em seguida, que o contrato de prestação de serviços de saúde do qual o autor é beneficiário prevê expressamente a cobrança de coparticipação, não havendo que se falar em custeio integral pela operadora ou em limitação à regra de distribuição do ônus financeiro contratual. Ressalta que a sentença limitou indevidamente a cobrança da coparticipação em até duas vezes o valor da mensalidade, contrariando a previsão contratual e a legislação aplicável. Assegura que a cobrança de coparticipação de 30% encontra respaldo no art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98, em normas da ANS, e em cláusulas contratuais expressas, não sendo abusiva. Consigna que a sentença viola os princípios do pacta sunt servanda, da função social do contrato e da livre iniciativa, comprometendo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da operadora. Menciona que não há desequilíbrio originário, tampouco o superveniente, e a contratação não decorreu de vícios ou falhas de vontade, não se podendo admitir a incidência da intervenção estatal para modificação das cláusulas contratuais. Aponta que a sentença é omissa ao consignar que a cobrança da coparticipação é legal e limitar a cobrança ao valor de duas mensalidades, sem, porém, elucidar a possibilidade da cobrança do montante que excede o valor estipulado em mensalidades futuras até que seja quitado o débito total de coparticipação. Com isso, pugna pela reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido autoral, afastando a obrigação que lhe foi imposta. Sucessivamente, requer que se determine o parcelamento e a cobrança dos valores excedentes à limitação eventualmente mantida, nas próximas mensalidades. As contrarrazões foram ofertadas no Id. 281244399, pelo desprovimento do recurso. O Ministério Público Estadual, em parecer de lavra do Dr. JOSÉ ZUQUETI opina pela manutenção da sentença, no Id. 292499864. É o relatório. Peço dia para julgamento. Des. DIRCEU DOS SANTOS Relator V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara. Ressai dos autos que a autora, menor impúbere, foi diagnosticada com encefalopatia hipóxico-isquêmica/paralisia cerebral (CID 118D20), sendo imprescindível o acompanhamento terapêutico contínuo com múltiplos profissionais da área da saúde, conforme laudo médico que instrui a petição inicial. A controvérsia reside na legalidade e razoabilidade da cobrança de coparticipação no patamar de R$1.680,00, valor cobrado em razão das terapias contínuas realizadas no mês de maio de 2024, diante de mensalidade contratual de cerca de R$412,27. A sentença apelada julgou parcialmente procedente o pedido inicial, limitando a cobrança da coparticipação ao valor equivalente a duas mensalidades do plano. A operadora de saúde interpôs o presente recurso, sustentando, em síntese, a nulidade da sentença por julgamento extra e ultra petita; a validade da cláusula de coparticipação contratual; e, sucessivamente, o acolhimento de pedido formulado em contestação para que os valores excedentes à limitação judicial sejam cobrados nas faturas subsequentes, e não integralmente afastados. Registro que a matéria de preliminar arguida pelo apelante se confunde com o mérito e será com este analisado. Pois bem. Acerca do tema, todo e qualquer plano ou seguro de saúde está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608, STJ), o que impõe a adoção da interpretação contratual mais favorável consumidor, consoante dispõe o art. 47 da legislação consumerista, segundo o qual: “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.” Sabe-se, outrossim, que os planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os equipamentos e medicamentos necessários à realização dos procedimentos, máxime se há indicação médica. No presente caso, restou demonstrada a necessidade dos procedimentos pleiteados, conforme o relatório médico apresentado nos autos. Ademais, registra-se que a ANS em sua Resolução de n. 539/2022 ampliou as regras de cobertura assistencial para os usuários com transtornos globais do desenvolvimento. Assim, a partir de 01.07.2022, passou a ser obrigatório o custeio de qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente Dispõe a Resolução: “Art. 6º (...) § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.” A cláusula de coparticipação em contratos de plano de saúde é válida, desde que expressa, clara e informada ao consumidor, nos termos do art. 16, VIII, da Lei n.º 9.656/98. Tal entendimento foi pacificado pelo STJ, inclusive no julgamento do Tema 1.032, afirmando a legalidade da coparticipação, desde que não configure obstáculo abusivo ao acesso ao serviço de saúde contratado. No presente caso, a cobrança de coparticipação em percentual de 30% encontra previsão contratual. Ocorre que, em virtude do número elevado de sessões terapêuticas, o valor final cobrado revelou-se, de fato, excessivamente oneroso à autora, menor com deficiência neurológica severa. A jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça admite, com base nos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da dignidade da pessoa humana, que a coparticipação em tratamentos contínuos seja limitada a duas vezes a mensalidade do plano, a fim de se evitar o esvaziamento do próprio objeto contratual e o perecimento da função assistencial do plano de saúde. No ponto, não vislumbro nulidade da sentença, uma vez que a limitação da coparticipação, embora não tenha sido pedida expressamente, representa decisão compatível com os princípios da legalidade e da função social do contrato, e se insere no poder-dever do juiz de adequar a relação contratual abusiva. Quanto ao ponto, o e. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema recursal – legalidade da cobrança de coparticipação – e em julgamento de recursos especiais repetitivos (TEMA 1.032), a Segunda Seção do STJ, fixou a tese de que, nos contratos de plano de saúde, não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, in verbis: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, NA ORIGEM, ANTE A ENTÃO REPUTADA ABUSIVIDADE NA LIMITAÇÃO DE COBERTURA APÓS O TRIGÉSIMO DIA DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA - INSURGÊNCIA DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE VOLTADA À DECLARAÇÃO DE LEGALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PLANO DE SAÚDE QUE ESTABELECE O PAGAMENTO PARCIAL PELO CONTRATANTE, A TÍTULO DE COPARTICIPAÇÃO, NA HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR SUPERIOR A 30 DIAS DECORRENTE DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015: 1.1. Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. 2. Caso concreto: 2.1. Inviável conhecer da tese de negativa de prestação jurisdicional, pois a simples menção de preceito legal, de modo genérico, sem explicitar a forma como ocorreu sua efetiva contrariedade pelo Tribunal de origem, manifesta deficiência na fundamentação do recurso especial a atrair a incidência da Súmula 284 do STF. 2.2. Inexistindo limitação de cobertura, mas apenas previsão de coparticipação decorrente de internação psiquiátrica por período superior a 30 dias anuais, deve ser afastada a abusividade da cláusula contratual com a consequente improcedência do pedido veiculado na inicial. 3. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ, REsp 1.755.866/SP, Rel.Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, Julg. 09/12/2020) Todavia, o percentual cobrado sobre cada sessão das terapias realizadas pela parte autora não pode dificultar a continuidade do tratamento, pois restringe o acesso às terapias indicadas para o desenvolvimento social do menor. Desse modo, mostra-se desarrazoada a cobrança efetuada pela apelante, sendo que o alto valor por ela cobrado constitui fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde junto à operadora de plano de saúde, o que impossibilita a continuidade do tratamento da criança. Ressalta-se que este Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso de apelação nº 10000147-03.2022.8.11.0019, decidiu pela legalidade da cobrança de coparticipação nas terapias para os portadores de transtorno de espectro autista - TEA, porém, impondo um teto de cobrança pelas operadoras, ou seja, “um fator limitador que determina a cobrança da coparticipação fixada em duas vezes o valor do plano contratado”, a fim de não prejudicar o tratamento da parte consumidora, bem como manter o equilíbrio contratual entre as partes. Nesse sentido, transcrevo trecho do voto do Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, deste e. Tribunal de Justiça: “Nessa ótica, a coparticipação é devida, mas apesar de em regra não ser considerada abusiva, a importância cobrada não pode inviabilizar o tratamento. No caso em pauta, o percentual de 30%, por si, não configura abusividade, porque dentro do parâmetro jurisprudencial, todavia, se adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para tratamento do autismo, é indubitável que inviabiliza completamente a continuidade do tratamento, constituindo, pois, fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. Assim é que, à luz dessas peculiaridades, este e. Justiça, quando do julgamento do RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, sob a técnica de julgamento ampliado (art. 942 do CPC), decidiu pela legalidade da cobrança da coparticipação nas sessões de terapias para os portadores de transtorno de espectro autista, mas impôs um teto de cobrança pelas operadoras, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial. No voto condutor, a e. Desa. Serly Marcondes esclareceu o fator limitador que determinou a cobrança da coparticipação fixada em 02 (duas) vezes o valor do plano contratado, transcrevo: “(...) Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelado, não ser interrompido, a requerida, ora apelante, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos.(...).” – negritei. Eis a ementa do julgado, verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DE INAPLICABILIDADE DE COPARTICIPAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 5. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 6. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos. (RAC n. 1033144-07.2021.8.11.0041, 4ª Câmara. Dir. Privado, Rel. Desa Serly Marcondes, j. 14.12.22). Desse modo, ao fixar fator de moderação para a participação financeira, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, isto é, a manutenção da saúde do beneficiário, além de garantir seu acesso aos serviços contratados, ainda que seja de alto custo. Nesse sentido, colaciono precedente, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE MENOR DE IDADE – AUTISMO – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA MULTIPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DA COPARTICIPAÇÃO – CLÁUSULA EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 2 VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto” (RAI n. 1032072-82.2021.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 24.02.23). [...]. (TJ/MT, Rac 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023)” Logo, correta a sentença que limitou a cobrança da coparticipação em relação às terapias realizadas para tratamento do menor em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, devendo ser mantida no ponto. Entretanto, assiste parcial razão à apelante quanto ao pedido sucessivo. A solução encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que admite a modulação da cobrança de coparticipação para preservar o equilíbrio contratual, a transparência e a acessibilidade do consumidor ao serviço de saúde contratado. Assim, entendo ser juridicamente admissível que os valores de coparticipação que ultrapassem o teto mensal sejam cobrados em períodos posteriores, observando-se: o limite mensal de cobrança já fixado judicialmente (duas mensalidades); a vedação à incidência de juros, multa ou encargos moratórios, exceto se inadimplido o parcelamento; o dever de informação clara, prévia e adequada ao consumidor, conforme determinam os arts. 6º, III, e 46 do CDC. Ressalte-se que a possibilidade de fracionamento temporal do valor excedente não desnatura a proteção conferida pela limitação judicial, tampouco vulnera os princípios do CDC, porquanto não onera desproporcionalmente o consumidor, apenas reorganiza a exigibilidade do crédito contratual, em conformidade com a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ademais, inviabilizar integralmente a cobrança do montante excedente implicaria enriquecimento sem causa por parte do consumidor, além de potencial desestabilização financeira da relação contratual e desequilíbrio do sistema mutualista que sustenta os contratos de plano de saúde. A tese ora acolhida, portanto, estabelece um ponto de equilíbrio entre os direitos do consumidor e os deveres contratuais da operadora, reafirmando a jurisprudência contemporânea em matéria de proteção contratual e sanitária. Dispositivo. Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para autorizar a possibilidade de cobrança, em meses subsequentes, dos valores de coparticipação que excedam o teto mensal, observados os critérios ora fixados. Diante dos contornos do julgado, não vislumbro, pois, fundamento jurídico que autorize a alteração da equitativa repartição dos ônus sucumbenciais estabelecida na instância de origem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/07/2025

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Larissa Kacamy Sangaleti Da Silva Rosa e outros x Unimed Cuiabá Cooperativa De Trabalho Médico

ID: 317965427

Tribunal: TJMT Órgão: 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1038868-50.2025.8.11.0041

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

LARISSA KACAMY SANGALETI DA SILVA ROSA L. Q. S.

Polo Passivo:

UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

Sentença

Advogados:

PAULO MARCEL GRISOSTE SANTANA BARBOSA

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JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1038868-50.2025.8.11.0041. REQUERENTE: L. Q. S. REPRESENTANTE: LARISSA KACAMY SANGALETI DA SILVA ROSA REU: UNIMED CUI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1038868-50.2025.8.11.0041. REQUERENTE: L. Q. S. REPRESENTANTE: LARISSA KACAMY SANGALETI DA SILVA ROSA REU: UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO Vistos. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE CARÁTER ACAUTELATÓRIA ajuizada por L.Q.S., menor impúbere, neste ato representada por sua genitora, LARISSA KAÇAMY SANGALETTI DA SILVA, em desfavor de UNIMED CUIABÁ, alegando em síntese que foram surpreendidos com o recebimento da fatura com vencimento em 05/05/2025, no valor de R$ 1.212,67 (mil, duzentos e doze reais e sessenta e sete centavos), com um aumento de 236,2% da média das faturas dos últimos meses, e a coparticipação cobrada representa 3.56 vezes o valor da mensalidade, configurando-se como abusiva, desproporcional e impeditiva ao acesso contínuo ao tratamento multidisciplinar recomendado. Narra que a mensalidade corresponde ao valor de R$ 266,17 (duzentos e sessenta e seis reais e dezessete centavos), e na fatura com vencimento em 05/05/2025, foram surpreendidos com a cobrança do valor de R$ 1.212,67 (mil, duzentos e doze reais e sessenta e sete centavos). Afirma que r não é a primeira vítima de cobranças abusivas de coparticipação do plano de saúde, e por conta de toda a repercussão, no dia 01/08/2024, a UNIMED, MPMT e PROCON assinaram em conjunto o TAC 04/20241 (anexo), que limita coparticipação para tratamento de usuários autistas ao valor máximo de 02 (duas) mensalidades. Sendo assim, ajuíza a presente ação, almejando liminarmente a e a suspensão da fatura com vencimento em 05/05/2025, e alternativamente revisão para o valor de R$ 798,51 (setecentos e noventa e oito reais e cinquenta e um centavos), que seria o valor correto da mensalidade + coparticipação; Determinar ao plano de saúde que a cobrança da coparticipação seja limitada ao valor de 02 (duas) mensalidades do menor, para as próximas faturas, que a requerida se abstenha de suspender o plano de saúde enquanto discute a coparticipação, vez que o requerente é menor diagnosticado TEA, e necessita de tratamento permanente e contínuo. No mérito, requer a confirmação da liminar. Com a inicial anexa documentos. Concedida Parcialmente a Antecipação de Tutela, via ID. 192091061. Devidamente citada, a requerida apresentou Contestação (ID. 194426295) alegando que realiza cobrança de coparticipação sobre os tratamentos realizados pela parte Requerente. Ou seja, quanto maior o número de sessões realizadas pelo Requerente, maior será o valor cobrado a título de coparticipação, o que é totalmente legal. Impugnação à Contestação via ID. 196654177. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Decido. Não há nos autos qualquer questão preliminar a ser apreciada, inexistindo nulidade, irregularidade ou vício que impeça o regular prosseguimento da presente demanda. Considerando que o feito encontra-se devidamente instruído e que a controvérsia envolve apenas matéria de direito, passo ao julgamento antecipado da lide. DO JULGAMENTO ANTECIPADO. - Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, o julgamento antecipado do mérito é possível quando a questão de fato e de direito puder ser decidida com base nas provas já constantes nos autos, sem necessidade de produção de outras provas. No presente caso, as provas documentalmente encartadas são suficientes para a solução da controvérsia, permitindo a formação do convencimento deste juízo de forma clara e objetiva. Não se vislumbra necessidade de dilação probatória, pois os elementos já constantes nos autos são robustos e aptos a embasar a decisão judicial. Dessa forma, com fundamento nos princípios da economia e celeridade processual, passo ao julgamento antecipado do mérito. DO MÉRITO. - Ressalte-se que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de relação de consumo, consoante traduz o artigo 3º, § 2º do CDC: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso) Para afastar qualquer dúvida quanto à aplicação do CDC ao contrato em análise, confira-se a Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Logo, é possível a adequação dos contratos aos ditames legais, de modo a viabilizar inclusive, se for o caso, a decretação de nulidade das cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (art. 6º, V c/c art. 51, IV do CDC). A questão também traz à tona a aplicação do artigo 47, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais benéfica ao consumidor. Pois bem. Vê-se que a parte autora realmente está realizando os tratamentos, conforme documentos acostados aos autos, e a controvérsia cinge-se na cobrança da coparticipação pela requerida. Verifica-se que no mês de maio de 2025 foram surpreendidas com uma fatura/cobrança muito acima, chegando no valor de R$ 1.212,67 (mil duzentos e doze reais e sessenta e sete) reais, conforme o ID. 191988100. A autora acostou aos autos (ID. 191988104) Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público, a Unimed e o Procon, no qual restou expressamente tratada a questão da coparticipação nos planos de saúde, estabelecendo-se limites e condições para sua cobrança. Contudo, essa cobrança de coparticipação não pode ser muito onerosa ao consumidor, de forma que poderá impedir de continuar com o tratamento e para evitar a interrupção do mesmo, segundo recente entendimento do TJMT, o valor da coparticipação deve ser limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, veja. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA C/C DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA MANUTENÇÃO DAS TERAPIAS SEM INCIDÊNCIA DE CLAUSULA DE COPARTICIPAÇÃO, C/C RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – INDICAÇÃO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – NECESSIDADE DE TRATAMENTO PELO MÉTODO ABA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – AUMENTO EXPRESSIVO NOS VALORES COBRADOS – ABUSIVIDADE RECONHECIDA – DEVIDO, DESDE QUE NÃO ULTRAPASSE EM 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE – PRECEDENTE DESTE SODALÍCIO FIRMADO EM TÉCNICA DE JULGAMENTO DO ART. 942 DO CPC – RESPONSABILIDADE CIVIL – AUSÊNCIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É lícita a cobrança de percentual do valor do tratamento médico a título de coparticipação, quando previsto no contrato de plano de saúde, entretanto, não se pode autorizar a cobrança desarrazoada, a ponto de inviabilizar a realização do procedimento, em razão dos elevados valores de coparticipação. “3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação”. (N.U 1033548-58.2021.8.11.0041, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Privado, Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/12/2022, Publicado no DJE 19/12/2022). Embora a exigência de valores tenha sido considerada excessiva, não se vislumbra a ocorrência de danos à personalidade da usuária do plano, que autorize compensação por dano moral, vez que não ensejou a paralisação do tratamento”. (TJMT, N.U 1017653-38.2021.8.11.0015, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Privado, Antônia Siqueira Goncalves, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 29/04/2023) Negritei. “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DA INAPLICABILIDADE DA COPARTICIPAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – INTEMPESTIVIDADE DO APELO – PRELIMINAR REJEITADA - CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM QUADRO DE ATRASO GLOBAL DE DESENVOLVIMENTO, DISTÚRBIO DE DEGLUTIÇÃO, MICROCEFALIA E EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE E MALFORMAÇÃO CEREBRAL - COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR EM 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]. 5. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 6. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 7. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 8. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos”. (TJMT, N.U 1030332-12.2021.8.11.0002, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023) Negritei. “OBRIGAÇÃO DE FAZER –– TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL - DEVER DE COBERTURA – CO-PARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, nas sessões de terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2(duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido”. (TJMT, N.U 1000147-03.2022.8.11.0019, Câmaras Cíveis Reunidas De Direito Privado, Carlos Alberto Alves Da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023). Negritei. Os valores cobrados acima do estipulado no contrato mostram-se abusivos, impondo à parte consumidora uma onerosidade excessiva e desproporcional. A aplicação de encargos superiores ao inicialmente pactuado afronta os princípios do equilíbrio contratual e da boa-fé objetiva, consagrados no Código de Defesa do Consumidor. A mera prestação do serviço não autoriza a cobrança indiscriminada, sendo essencial que os valores observem critérios razoáveis e compatíveis com o contrato firmado. Dessa forma, para evitar a imposição de encargos desproporcionais e onerar indevidamente a parte autora, deve-se limitar a cobrança a, no máximo, duas vezes o valor originalmente contratado. Esse parâmetro visa resguardar a equidade nas relações de consumo e impedir o enriquecimento ilícito da parte requerida, garantindo que os custos se mantenham dentro de limites justos e aceitáveis. Assim, qualquer cobrança que ultrapasse esse patamar deve ser considerada indevida e devidamente revisada, a fim de assegurar o equilíbrio contratual e a proteção ao consumidor. DO DISPOSITIVO. - Isto posto, com fulcro no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais formulados nesta ação, sendo que o valor da cobrança da coparticipação deve ser limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade da parte autora, ORDENO que a requerida se abstenha de suspender o plano de saúde. RATIFICO a tutela concedida. Em atendimento ao princípio da sucumbência, condeno a requerida, com fundamento no artigo 85, caput, § 2º, do CPC, no pagamento de custas processuais e verba honorária, esta que arbitro em fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do que preceitua parágrafo 2º e 8º do art. 85 do CPC. Dê-se vista ao Ministério Público. P. R. I. Com o trânsito em julgado, aguarde-se a manifestação da parte vencedora no prazo de 30 (trinta) dias, sem a qual, determino sejam os autos remetidos à Central de Arrecadação, conforme determinado no artigo 611, da CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO – CGJ. Cumpra-se expedindo o necessário. Cuiabá/MT, data do ato indicada na assinatura digital. (assinado digitalmente) Gilberto Lopes Bussiki Juiz de Direito.

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Larissa Kacamy Sangaleti Da Silva Rosa e outros x Unimed Cuiabá Cooperativa De Trabalho Médico

ID: 319824238

Tribunal: TJMT Órgão: 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1038868-50.2025.8.11.0041

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

LARISSA KACAMY SANGALETI DA SILVA ROSA L. Q. S.

Polo Passivo:

UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

Intimação

Advogados:

PAULO MARCEL GRISOSTE SANTANA BARBOSA

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JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1038868-50.2025.8.11.0041. REQUERENTE: L. Q. S. REPRESENTANTE: LARISSA KACAMY SANGALETI DA SILVA ROSA REU: UNIMED CUI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 9ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1038868-50.2025.8.11.0041. REQUERENTE: L. Q. S. REPRESENTANTE: LARISSA KACAMY SANGALETI DA SILVA ROSA REU: UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO Vistos. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE CARÁTER ACAUTELATÓRIA ajuizada por L.Q.S., menor impúbere, neste ato representada por sua genitora, LARISSA KAÇAMY SANGALETTI DA SILVA, em desfavor de UNIMED CUIABÁ, alegando em síntese que foram surpreendidos com o recebimento da fatura com vencimento em 05/05/2025, no valor de R$ 1.212,67 (mil, duzentos e doze reais e sessenta e sete centavos), com um aumento de 236,2% da média das faturas dos últimos meses, e a coparticipação cobrada representa 3.56 vezes o valor da mensalidade, configurando-se como abusiva, desproporcional e impeditiva ao acesso contínuo ao tratamento multidisciplinar recomendado. Narra que a mensalidade corresponde ao valor de R$ 266,17 (duzentos e sessenta e seis reais e dezessete centavos), e na fatura com vencimento em 05/05/2025, foram surpreendidos com a cobrança do valor de R$ 1.212,67 (mil, duzentos e doze reais e sessenta e sete centavos). Afirma que r não é a primeira vítima de cobranças abusivas de coparticipação do plano de saúde, e por conta de toda a repercussão, no dia 01/08/2024, a UNIMED, MPMT e PROCON assinaram em conjunto o TAC 04/20241 (anexo), que limita coparticipação para tratamento de usuários autistas ao valor máximo de 02 (duas) mensalidades. Sendo assim, ajuíza a presente ação, almejando liminarmente a e a suspensão da fatura com vencimento em 05/05/2025, e alternativamente revisão para o valor de R$ 798,51 (setecentos e noventa e oito reais e cinquenta e um centavos), que seria o valor correto da mensalidade + coparticipação; Determinar ao plano de saúde que a cobrança da coparticipação seja limitada ao valor de 02 (duas) mensalidades do menor, para as próximas faturas, que a requerida se abstenha de suspender o plano de saúde enquanto discute a coparticipação, vez que o requerente é menor diagnosticado TEA, e necessita de tratamento permanente e contínuo. No mérito, requer a confirmação da liminar. Com a inicial anexa documentos. Concedida Parcialmente a Antecipação de Tutela, via ID. 192091061. Devidamente citada, a requerida apresentou Contestação (ID. 194426295) alegando que realiza cobrança de coparticipação sobre os tratamentos realizados pela parte Requerente. Ou seja, quanto maior o número de sessões realizadas pelo Requerente, maior será o valor cobrado a título de coparticipação, o que é totalmente legal. Impugnação à Contestação via ID. 196654177. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Decido. Não há nos autos qualquer questão preliminar a ser apreciada, inexistindo nulidade, irregularidade ou vício que impeça o regular prosseguimento da presente demanda. Considerando que o feito encontra-se devidamente instruído e que a controvérsia envolve apenas matéria de direito, passo ao julgamento antecipado da lide. DO JULGAMENTO ANTECIPADO. - Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, o julgamento antecipado do mérito é possível quando a questão de fato e de direito puder ser decidida com base nas provas já constantes nos autos, sem necessidade de produção de outras provas. No presente caso, as provas documentalmente encartadas são suficientes para a solução da controvérsia, permitindo a formação do convencimento deste juízo de forma clara e objetiva. Não se vislumbra necessidade de dilação probatória, pois os elementos já constantes nos autos são robustos e aptos a embasar a decisão judicial. Dessa forma, com fundamento nos princípios da economia e celeridade processual, passo ao julgamento antecipado do mérito. DO MÉRITO. - Ressalte-se que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de relação de consumo, consoante traduz o artigo 3º, § 2º do CDC: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso) Para afastar qualquer dúvida quanto à aplicação do CDC ao contrato em análise, confira-se a Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Logo, é possível a adequação dos contratos aos ditames legais, de modo a viabilizar inclusive, se for o caso, a decretação de nulidade das cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (art. 6º, V c/c art. 51, IV do CDC). A questão também traz à tona a aplicação do artigo 47, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais benéfica ao consumidor. Pois bem. Vê-se que a parte autora realmente está realizando os tratamentos, conforme documentos acostados aos autos, e a controvérsia cinge-se na cobrança da coparticipação pela requerida. Verifica-se que no mês de maio de 2025 foram surpreendidas com uma fatura/cobrança muito acima, chegando no valor de R$ 1.212,67 (mil duzentos e doze reais e sessenta e sete) reais, conforme o ID. 191988100. A autora acostou aos autos (ID. 191988104) Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público, a Unimed e o Procon, no qual restou expressamente tratada a questão da coparticipação nos planos de saúde, estabelecendo-se limites e condições para sua cobrança. Contudo, essa cobrança de coparticipação não pode ser muito onerosa ao consumidor, de forma que poderá impedir de continuar com o tratamento e para evitar a interrupção do mesmo, segundo recente entendimento do TJMT, o valor da coparticipação deve ser limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, veja. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA C/C DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA MANUTENÇÃO DAS TERAPIAS SEM INCIDÊNCIA DE CLAUSULA DE COPARTICIPAÇÃO, C/C RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – INDICAÇÃO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – NECESSIDADE DE TRATAMENTO PELO MÉTODO ABA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – AUMENTO EXPRESSIVO NOS VALORES COBRADOS – ABUSIVIDADE RECONHECIDA – DEVIDO, DESDE QUE NÃO ULTRAPASSE EM 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE – PRECEDENTE DESTE SODALÍCIO FIRMADO EM TÉCNICA DE JULGAMENTO DO ART. 942 DO CPC – RESPONSABILIDADE CIVIL – AUSÊNCIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É lícita a cobrança de percentual do valor do tratamento médico a título de coparticipação, quando previsto no contrato de plano de saúde, entretanto, não se pode autorizar a cobrança desarrazoada, a ponto de inviabilizar a realização do procedimento, em razão dos elevados valores de coparticipação. “3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação”. (N.U 1033548-58.2021.8.11.0041, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Privado, Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/12/2022, Publicado no DJE 19/12/2022). Embora a exigência de valores tenha sido considerada excessiva, não se vislumbra a ocorrência de danos à personalidade da usuária do plano, que autorize compensação por dano moral, vez que não ensejou a paralisação do tratamento”. (TJMT, N.U 1017653-38.2021.8.11.0015, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Privado, Antônia Siqueira Goncalves, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 29/04/2023) Negritei. “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DA INAPLICABILIDADE DA COPARTICIPAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – INTEMPESTIVIDADE DO APELO – PRELIMINAR REJEITADA - CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM QUADRO DE ATRASO GLOBAL DE DESENVOLVIMENTO, DISTÚRBIO DE DEGLUTIÇÃO, MICROCEFALIA E EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE E MALFORMAÇÃO CEREBRAL - COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR EM 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]. 5. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 6. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 7. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 8. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos”. (TJMT, N.U 1030332-12.2021.8.11.0002, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023) Negritei. “OBRIGAÇÃO DE FAZER –– TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL - DEVER DE COBERTURA – CO-PARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, nas sessões de terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2(duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido”. (TJMT, N.U 1000147-03.2022.8.11.0019, Câmaras Cíveis Reunidas De Direito Privado, Carlos Alberto Alves Da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023). Negritei. Os valores cobrados acima do estipulado no contrato mostram-se abusivos, impondo à parte consumidora uma onerosidade excessiva e desproporcional. A aplicação de encargos superiores ao inicialmente pactuado afronta os princípios do equilíbrio contratual e da boa-fé objetiva, consagrados no Código de Defesa do Consumidor. A mera prestação do serviço não autoriza a cobrança indiscriminada, sendo essencial que os valores observem critérios razoáveis e compatíveis com o contrato firmado. Dessa forma, para evitar a imposição de encargos desproporcionais e onerar indevidamente a parte autora, deve-se limitar a cobrança a, no máximo, duas vezes o valor originalmente contratado. Esse parâmetro visa resguardar a equidade nas relações de consumo e impedir o enriquecimento ilícito da parte requerida, garantindo que os custos se mantenham dentro de limites justos e aceitáveis. Assim, qualquer cobrança que ultrapasse esse patamar deve ser considerada indevida e devidamente revisada, a fim de assegurar o equilíbrio contratual e a proteção ao consumidor. DO DISPOSITIVO. - Isto posto, com fulcro no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais formulados nesta ação, sendo que o valor da cobrança da coparticipação deve ser limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade da parte autora, ORDENO que a requerida se abstenha de suspender o plano de saúde. RATIFICO a tutela concedida. Em atendimento ao princípio da sucumbência, condeno a requerida, com fundamento no artigo 85, caput, § 2º, do CPC, no pagamento de custas processuais e verba honorária, esta que arbitro em fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do que preceitua parágrafo 2º e 8º do art. 85 do CPC. Dê-se vista ao Ministério Público. P. R. I. Com o trânsito em julgado, aguarde-se a manifestação da parte vencedora no prazo de 30 (trinta) dias, sem a qual, determino sejam os autos remetidos à Central de Arrecadação, conforme determinado no artigo 611, da CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO – CGJ. Cumpra-se expedindo o necessário. Cuiabá/MT, data do ato indicada na assinatura digital. (assinado digitalmente) Gilberto Lopes Bussiki Juiz de Direito.

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Jevanihara De Arruda E Silva e outros x Unimed Cuiabá Cooperativa De Trabalho Médico

ID: 256060569

Tribunal: TJMT Órgão: 10ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1005617-12.2023.8.11.0041

Data de Disponibilização: 14/04/2025

Polo Ativo:

JEVANIHARA DE ARRUDA E SILVA M. R. S. P. SERGIO JULIO PIACIEVSKI

Polo Passivo:

UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO

Sentença

Advogados:

DIEGO MORAES DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

Vistos. Sérgio Júlio Piacievski e M. R. S. P., representado por sua genitora, Jevanihara de Arruda e Silva ajuízam Ação Declaratória de Inexistência de Débito c.c. Reconhecimento da Inaplicabilidade … Vistos. Sérgio Júlio Piacievski e M. R. S. P., representado por sua genitora, Jevanihara de Arruda e Silva ajuízam Ação Declaratória de Inexistência de Débito c.c. Reconhecimento da Inaplicabilidade e Revisão da Cláusula de Coparticipação c.c. Danos Morais e Pedido de Tutela Antecipada em desfavor de Unimed Cuiabá - Cooperativa de Trabalho Médico, todos qualificados nos autos, alegando que o menor foi diagnosticado como portador de Transtorno do Espectro Autista - TEA (CID F.84), sendo recomendado pela médica a realização de abordagem com equipe multidisciplinar em neurologia, psicologia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. Narram que foi solicitada a cobertura dos tratamentos e não houve retorno da requerida, sendo obrigados a procurarem guarida no judiciário; que obtiveram decisão liminar favorável nos autos nº. 1027852- 07.2022.8.11.0041. Aduzem que as cobranças das mensalidades do plano de saúde se mantinham dentro da normalidade de R$ 238,25, mas após o atendimento ser feito mediante a decisão liminar, o requerente foi surpreendido com um boleto de R$ 4.028,33, sendo cobrada a coparticipação, sem qualquer aviso prévio. Requerem em sede de tutela de urgência que seja determinada a requerida a suspender a cobrança da coparticipação sobre as faturas emitidas, bem como se abster de lançar nas faturas futuras a coparticipação até o deslinde da lide, possibilitando, que a cobrança da coparticipação seja desmembrada das faturas mensais, de modo que possa ser adimplido somente o valor habitual da mensalidade, sem a coparticipação e se abstenha de suspender o plano de saúde, sob pena de multa. No final, requerem a procedência da demanda para que seja declarada a abusividade e inaplicabilidade da cobrança de coparticipação, abarcando todas as terapias prescritas por seu médico especialista e demais tratamentos que possam surgir no futuro bem como a confirmação da liminar ora pleiteada, devendo a requerida custear integralmente o tratamento por tempo indeterminado enquanto a vigência do Plano de Saúde; o refaturamento da fatura emitida, inaplicados a cobrança de coparticipação; que a ré seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00, além das verbas de sucumbência. Foi determinada a intimação da parte ré para se manifestar sobre o pedido urgente da parte autora (Id. 113699707), a qual se mostrou contrária ao mesmo (Id. 114406417). O pedido urgente foi apreciado e indeferido (Id. 114525974). A parte autora opôs Embargos de Declaração (Id. 115665478), mas foi rejeitado (Id. 115729808). A parte autora informou a interposição de recurso de AI (Id. 116633670), e aportou aos autos cópia do acórdão do TJMT dando conhecimento de que o mesmo foi provido em parte, para que a requerida suspenda a cobrança da coparticipação que exceda o fator moderador na cobrança, fixado em 2(duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado (Id. 120792802). A parte ré apresentou contestação (Id. 122928057), defendendo a legalidade da cobrança da coparticipação e que está prevista no contrato para equilíbrio contratual, que não praticou ato ilícito e não há dever de indenizar. Requer a improcedência da demanda. Réplica no Id. 125736036. Sobre as provas, apenas a parte ré se manifestou (Id. 131111964). É o relatório. Decido. Trata-se de processo com prioridade de tramitação legal, e não tendo as partes interesse na produção de outras provas, consoante os princípios da celeridade e economia processual, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de relação de consumo, consoante traduz o artigo 3º, § 2º do CDC: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso) Para afastar qualquer dúvida quanto à aplicação do CDC ao contrato em análise, confira-se a Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Logo, é possível a adequação dos contratos aos ditames legais, de modo a viabilizar inclusive, se for o caso, a decretação de nulidade das cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (art. 6º, V c/c art. 51, IV do CDC). A questão também traz à tona a aplicação do artigo 47, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais benéfica ao consumidor. Pois bem. Vê-se que a parte autora realmente está realizando tratamento multidisciplinar, conforme diversos documentos acostados aos autos, e a controvérsia cinge-se na cobrança da coparticipação pela ré. Frisa-se que com relação aos tratamentos multidisciplinares, eles são objeto de discussão nos autos da ação n. 1027852-07.2022.8.11.0041. Pelo extrato de Id. 122928086 verifica-se que o valor da mensalidade é de R$ 389,33. A ré realizou cobranças de valores de coparticipação em R$ 3.639,00, R$ 2.107,00, R$ 3.890,47, 6.520,50 e 2.740,40 (Id. 122928086). Assim, é certo que tais cobranças realmente limitam e restringem o acesso ao serviço pela parte autora. Observa-se que no contrato anexado no Id. 122928077 há previsão expressa na Cláusula 18.2 acerca da cobrança de coparticipação, a qual é perfeitamente admitida e de acordo com o art. 16, VIII, da Lei n. 9.656/98. Contudo, essa cobrança de coparticipação não pode ser muito onerosa ao consumidor, de forma que poderá impedir de continuar com o tratamento e para evitar a interrupção do mesmo, segundo recente entendimento do TJMT, o valor da coparticipação deve ser limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade, veja. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA C/C DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA MANUTENÇÃO DAS TERAPIAS SEM INCIDÊNCIA DE CLAUSULA DE COPARTICIPAÇÃO, C/C RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – INDICAÇÃO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – NECESSIDADE DE TRATAMENTO PELO MÉTODO ABA – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – AUMENTO EXPRESSIVO NOS VALORES COBRADOS – ABUSIVIDADE RECONHECIDA – DEVIDO, DESDE QUE NÃO ULTRAPASSE EM 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE – PRECEDENTE DESTE SODALÍCIO FIRMADO EM TÉCNICA DE JULGAMENTO DO ART. 942 DO CPC – RESPONSABILIDADE CIVIL – AUSÊNCIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É lícita a cobrança de percentual do valor do tratamento médico a título de coparticipação, quando previsto no contrato de plano de saúde, entretanto, não se pode autorizar a cobrança desarrazoada, a ponto de inviabilizar a realização do procedimento, em razão dos elevados valores de coparticipação. “3. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 4. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação”. (N.U 1033548-58.2021.8.11.0041, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Privado, Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/12/2022, Publicado no DJE 19/12/2022). Embora a exigência de valores tenha sido considerada excessiva, não se vislumbra a ocorrência de danos à personalidade da usuária do plano, que autorize compensação por dano moral, vez que não ensejou a paralisação do tratamento”. (TJMT, N.U 1017653-38.2021.8.11.0015, Câmaras Isoladas Cíveis De Direito Privado, Antônia Siqueira Goncalves, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 29/04/2023) Negritei. “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RECONHECIMENTO DA INAPLICABILIDADE DA COPARTICIPAÇÃO – PLANO DE SAÚDE – INTEMPESTIVIDADE DO APELO – PRELIMINAR REJEITADA - CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM QUADRO DE ATRASO GLOBAL DE DESENVOLVIMENTO, DISTÚRBIO DE DEGLUTIÇÃO, MICROCEFALIA E EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE E MALFORMAÇÃO CEREBRAL - COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – 30% (TRINTA POR CENTO) SOBRE AS DESPESAS DO TRATAMENTO PRESCRITO – ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE PARA EQUILIBRAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE E A DESVANTAGEM EXAGERADA AO PACIENTE, IMPOSSIBILITANDO A CONTINUAÇÃO DO SEU TRATAMENTO – COBRANÇA DA COPARTICIPAÇÃO QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR EM 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]. 5. Os valores da cobrança da coparticipação do tratamento não devem ultrapassar em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado. 6. Ao considerarmos o máximo da cobrança da coparticipação em até 02 (duas) vezes o valor da mensalidade, estaremos, praticamente, equiparando ao valor da mensalidade cobrada pela operadora na modalidade convencional, que, via de regra, é o triplo da mensalidade da modalidade coparticipação. 7. Noutras palavras, se o pagamento da mensalidade na modalidade convencional cobre todos os procedimentos ofertados pela operadora do plano de saúde, ao estabelecermos o teto da cobrança da coparticipação, enquanto durar o tratamento do paciente, em 02 (duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, tenho que, estaremos, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, equilibrando a cobrança da coparticipação pelo plano de saúde e a clara desvantagem exagerada imposta ao paciente e por consequência evitando que o tratamento médico seja interrompido. 8. Ainda, a enfatizar essa linha de pensamento, tenho que essa decisão garante maior previsibilidade, clareza e segurança jurídica aos litigantes, haja vista que, além do tratamento do requerente, ora apelante, não ser interrompido, a requerida, ora apelada, enquanto durar o tratamento prescrito, receberá o valor da coparticipação, como se o plano contratado fosse pela modalidade convencional, o que, evidentemente, não lhe causará maiores prejuízos”. (TJMT, N.U 1030332-12.2021.8.11.0002, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023) Negritei. “OBRIGAÇÃO DE FAZER –– TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – PRESCRIÇÃO DE TERAPIA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL - DEVER DE COBERTURA – CO-PARTICIPAÇÃO - PREVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA – FATOR DE MODERAÇAO – 2 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há falar em ilegalidade na contratação de plano de saúde em regime de coparticipação, seja em percentual sobre o custo do tratamento seja em montante fixo, até mesmo porque "percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário" (art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/1998) é expressão da lei, e é considerada válido, se não constituir fator restrito ao acesso ao serviço e não implicar em custeio integral do procedimento pelo usuário. “O afastamento da cláusula de coparticipação equivaleria a admitir-se a mudança do plano de saúde para que o usuário arcasse com valores reduzidos de mensalidade sem a necessária contrapartida, o que causaria grave desequilíbrio contratual por comprometer a atuária e por onerar, de forma desproporcional, a operadora, a qual teria que custear a integralidade do tratamento” (STJ, REsp n. 1.566.062/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 01.07.16.) Malgrado a legalidade da cobrança da coparticipação, nas sessões de terapias para tratamento de Transtorno de Espectro Autista (TEA), deve ser imposto um fator moderador na cobrança, fixado em 2(duas) vezes o valor da mensalidade do plano contratado, de modo a não inviabilizar o tratamento e por outro lado manter o equilíbrio atuarial do contrato. Recurso parcialmente provido”. (TJMT, N.U 1000147-03.2022.8.11.0019, Câmaras Cíveis Reunidas De Direito Privado, Carlos Alberto Alves Da Rocha, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/04/2023, Publicado no DJE 02/05/2023). Negritei. Quanto ao dano moral, deve-se observar que é aquele que lesiona a esfera personalíssima das pessoas violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente. Maria Helena Diniz assevera que o dano moral é uma lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil, 17ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2003.). Segundo Silvio Venosa, dano moral é o prejuízo que afeta o animo psíquico, moral e intelectual da vítima. ( In Direito Civil. Responsabilidade Civil. Quarta edição. Ed. Atlas 2004). Na hipótese apresentada, não se vislumbra a sua ocorrência, já que o descumprimento contratual e/ou dúvida razoável na sua interpretação, por si só, não é capaz de caracterizar o dano, uma vez que suas consequências normais se traduzem em aborrecimentos insuscetíveis de acarretar interferências à esfera extrapatrimonial, ainda mais que não houve suspensão do plano, etc. Posto isso, com fundamento no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados nesta ação, sendo que o valor da cobrança da coparticipação deve ser limitado em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade da parte autora. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes igualmente (50% para cada) ao pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios, este que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, contudo, em relação aos autores, fica com a exigibilidade suspensa por serem beneficiários da gratuidade da justiça. Dê-se vista ao Ministério Público. Certificado o trânsito em julgado, arquive-se o processo com as baixas de estilo. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. OLINDA DE QUADROS ALTOMARE Juíza de Direito em Substituição Legal

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G. C. J. e outros x G. C. J. e outros

ID: 336135801

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1025317-54.2024.8.11.0003

Data de Disponibilização: 28/07/2025

Polo Ativo:

G. C. J. L. C. J. UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MEDICOS

Polo Passivo:

G. C. J. L. C. J. UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MEDICOS

Acórdão

Advogados:

FERNANDO CEZAR VERNALHA GUIMARAES

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

CLICIA LUPINETT FERNANDES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025317-54.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Planos de saúde] Relator: Des(a). CLARICE CLAU… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025317-54.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Planos de saúde] Relator: Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [G. C. J. - CPF: 113.403.661-26 (APELANTE), CLICIA LUPINETT FERNANDES - CPF: 016.195.611-40 (ADVOGADO), L. C. J. - CPF: 094.608.441-62 (APELANTE), RAQUELINE CUNHA VIANA JAQUES - CPF: 602.842.233-95 (APELANTE), UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MEDICOS - CNPJ: 75.055.772/0001-20 (APELANTE), FERNANDO CEZAR VERNALHA GUIMARAES - CPF: 810.200.239-53 (ADVOGADO), UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MEDICOS - CNPJ: 75.055.772/0001-20 (APELADO), FERNANDO CEZAR VERNALHA GUIMARAES - CPF: 810.200.239-53 (ADVOGADO), G. C. J. - CPF: 113.403.661-26 (APELADO), CLICIA LUPINETT FERNANDES - CPF: 016.195.611-40 (ADVOGADO), L. C. J. - CPF: 094.608.441-62 (APELADO), RAQUELINE CUNHA VIANA JAQUES - CPF: 602.842.233-95 (APELADO), RAQUELINE CUNHA VIANA JAQUES - CPF: 602.842.233-95 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA - CPF: 731.944.509-30 (ADVOGADO), LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA - CPF: 731.944.509-30 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AOS RECURSOS. E M E N T A direito do consumidor e direito à saúde. recurso de apelação cível. plano de saúde. cobrança de coparticipação em tratamento de transtorno do espectro autista (tea) e tdah. limitação judicial da coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade. improcedência do pedido de restituição de valores pagos anteriormente e de indenização por danos morais. recursos desprovidos. I. caso em exame 1. Recursos de Apelação Cível interpostos em virtude da sentença proferida na Ação Revisional de Contrato c/c Nulidade de Cláusula Contratual e Indenização por Danos Morais. A sentença limitou a cobrança de coparticipação referente ao tratamento de TEA e TDAH a até duas vezes o valor da mensalidade, majorou as astreintes diárias e negou os pedidos de restituição de valores pagos anteriormente e de indenização por danos morais. Ambas as partes buscaram a reforma da decisão: os Autores, para obter a devolução simples dos valores pagos acima do limite e a fixação de dano moral; a operadora de plano de saúde, para afastar a limitação da coparticipação. II. questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a cláusula contratual que prevê coparticipação de 25% (vinte e cinco por cento) sobre os procedimentos utilizados pode ser limitada judicialmente a duas vezes o valor da mensalidade, diante das particularidades do caso concreto; (ii) estabelecer se é devida a restituição de valores pagos a título de coparticipação antes da decisão judicial e a condenação da operadora ao pagamento de danos morais. III. razões de decidir 3. Os contratos de plano de saúde estão sujeitos às normas do Código de Defesa do Consumidor, sendo necessária a interpretação das cláusulas contratuais de forma mais favorável ao consumidor, nos termos do art. 47 do CDC, com base no Verbete 608 do STJ. 4. Embora legítima a cláusula de coparticipação, sua aplicação não pode gerar desvantagem excessiva ou inviabilizar o acesso aos serviços de saúde essenciais, conforme dispõe o art. 51, IV e § 1º, II, do CDC. 5. O contexto de hipervulnerabilidade dos Autores, a natureza continuada e onerosa do tratamento de TEA e TDAH, e a comprovação de cobranças superiores a dez vezes o valor da mensalidade demonstram a abusividade da cláusula nos moldes aplicados, justificando a limitação judicial da coparticipação a duas vezes o valor da mensalidade. 6. A limitação judicial da cláusula de coparticipação produz efeitos ex nunc, inexistindo fundamento para a restituição dos valores pagos antes da decisão, em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da segurança jurídica. 7. A ausência de recusa de cobertura ou de negativa de tratamento, bem como a inexistência de prova de abalo psicológico grave ou agravamento do estado de saúde dos autores, impede a configuração de dano moral indenizável, nos termos da jurisprudência do STJ. IV. dispositivo e tese 8. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: “1. A cláusula de coparticipação em plano de saúde, ainda que válida, pode ser judicialmente limitada a duas vezes o valor da mensalidade, quando comprovada a desproporcionalidade e a hipervulnerabilidade do consumidor, de modo a assegurar o acesso ao tratamento essencial. 2. A limitação judicial da cláusula de coparticipação possui efeitos ex nunc, não sendo devida a restituição dos valores pagos anteriormente. 3. A cobrança de coparticipação, por si só, sem negativa de cobertura ou agravamento da condição de saúde, não caracteriza dano moral indenizável.” ___________________ Dispositivos relevantes citados: CF, arts. 6º, I, e 196; CDC, arts. 6º, I, 47 e 51, IV e §1º, II; Lei nº 9.656/98, art. 16, VIII. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 608; STJ, Tema Repetitivo 1.032 (REsp 1.809.486/SP); STJ, Tema 1.082 (EREsp 1.886.929/SP); TJMT, RAC nº 1000147-03.2022.8.11.0019, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 26.04.2023; TJMT, RAC nº 1031990-51.2021.8.11.0041, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 22.03.2025; STJ, AgInt no AREsp nº 1.185.578/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 03.10.2022; STJ, AgInt no REsp nº 2.061.198/PB, Rel. Min. Humberto Martins, j. 02.12.2024. R E L A T Ó R I O RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N. 1025317-54.2024.8.11.00003 São dois Recursos de Apelação Cível interpostos em virtude da sentença proferida pelo Juiz da 2.ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis nos autos da Ação Revisional de Contrato c/c Nulidade de Cláusula Contratual e Indenização por Danos Morais ajuizada por G.C.J. e L.C.J., representados por sua genitora Raqueline Cunha Viana Jaques em desfavor de Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos. O Juiz concluiu serem parcialmente procedentes os pedidos iniciais, ratificou a decisão liminar e determinou que a cobrança da coparticipação, em relação ao tratamento do Autismo e demais síndromes e patologias que necessitem de continuidade com altas cargas de atendimento, seja limitada em até duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde dos Autores. Além disso, majorou a astreinte diária para R$ 1.000,00 (um mil reais) e limitou a cobrança até R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Diante da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, vedada a compensação. Suspendeu a exigibilidade em relação aos Autores por serem beneficiários da justiça gratuita. G.C.J. e L.C.J., representados por sua genitora Raqueline Cunha Viana Jaques, sustentam que a restituição dos valores pagos indevidamente não se restringe à devolução em dobro, condicionada à comprovação de má-fé, mas abrange, ao menos, a devolução simples dos montantes cobrados acima do limite legalmente estabelecido, a fim de evitar o enriquecimento ilícito da operadora de saúde. Aduzem que o dano moral decorre da angústia e sofrimento emocional enfrentados pela família das crianças Apelantes, diante das dificuldades financeiras impostas para custear o tratamento essencial à sua saúde, situação agravada pela abusividade das cobranças e, principalmente, pelo descumprimento da decisão liminar proferida nos autos. Destacam que, ainda que a cobrança de coparticipação, por si só, não configure, em regra, ofensa moral, a inobservância da decisão liminar, mesmo após a expressa ciência da Requerida, revela flagrante desrespeito à autoridade judicial e descaso com a saúde e a dignidade de G.C.J. e L.C.J., agravando ainda mais o quadro de vulnerabilidade da família e gerando evidente abalo psíquico. Sob tais argumentos, requerem a reforma da sentença, para que seja reconhecido o direito à restituição simples dos valores pagos a título de coparticipação que excederam o limite correspondente a duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde, considerando o período de três anos anteriores ao ajuizamento da demanda, com atualização monetária pelo INPC e incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Postulam, também, pela condenação da Apelada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Contrarrazões no Id. 279625352. Já Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos defende que a cobrança da coparticipação possui expressa previsão contratual, com anuência da titular no momento da adesão ao plano de saúde, cuja cláusula prevê percentual de 25% (vinte e cinco por cento) por evento. Alega que a limitação da coparticipação ao equivalente a duas mensalidades carece de amparo legal e extrapola as obrigações contratuais assumidas, afrontando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a isonomia entre os beneficiários. Sustenta que a coparticipação constitui mecanismo legítimo de regulação do custo do plano, além de reduzir o valor da mensalidade e assegurar a viabilidade do sistema coletivo. Afirma que o valor das mensalidades e da coparticipação decorre das condições de cobertura contratadas, não havendo nos autos demonstração de incapacidade financeira dos Apelados G.C.J. e L.C.J. para arcar com os encargos, o que, segundo alega, seria requisito essencial para afastar a incidência da cláusula. Diante disso, pugna pela reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Contrarrazões no Id. 279625357. A douta Procuradoria Geral de Justiça registra a ausência de interesses indisponíveis a justificar sua atuação no feito (Id. 283112867). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SR.ª DES.ª CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA) Egrégia Câmara: G.C.J. e L.C.J., representados por sua genitora Raqueline Cunha Viana Jaques ajuizaram Ação Revisional de Contrato c/c Nulidade de Cláusula Contratual e Indenização por Danos Morais em desfavor de Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos. Na petição inicial, narraram que em 10/03/2023 aderiram ao plano de saúde individual familiar oferecido pela Requerida e que sempre se mantiveram adimplentes, em que pese as dificuldades financeiras enfrentadas por sua família. Explicaram que o Autor G.C.J. foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), enquanto L.C.J. apresenta diagnóstico confirmado de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), estando ainda sob investigação a possibilidade de também apresentar TEA. Aduziram que ambos necessitam de acompanhamento terapêutico multidisciplinar contínuo, conforme expressamente atestado em laudo médico. Acentuaram que, além do pagamento regular das mensalidades do plano de saúde, os Autores arcam com coparticipação de 25% (vinte e cinco por cento) sobre todos os serviços utilizados. Apontaram que essa modalidade de cobrança, fixada em percentual sobre os procedimentos, tem se revelado excessivamente onerosa, gerando impacto significativo no orçamento familiar e colocando em risco a continuidade dos tratamentos essenciais à saúde dos Autores. Destacaram que, nos últimos meses, os valores pagos a título de coparticipação superaram em mais de cinco vezes o valor da mensalidade do plano de saúde, como comprovam os boletos anexados aos autos. Em relação às necessidades específicas de G.C.J., apontam que o tratamento atualmente prescrito envolve as seguintes intervenções: (i) Fonoaudiologia: uma sessão semanal, com duração de 50 minutos; (ii) Psicomotricidade: uma sessão semanal, com duração de 50 minutos; (iii) Terapia Ocupacional: duas sessões semanais, com duração de 50 minutos cada; (iv) Terapia ABA: 20 horas semanais; (v) Atividade física: três sessões semanais, com duração de 50 minutos cada, preferencialmente natação ou judô. Além dessas, há prescrições complementares que incluem: (i) Avaliação neuropsicológica, necessária para complementação diagnóstica e acompanhamento terapêutico; (ii) Uso de melatonina, 30 minutos antes do horário de dormir, para melhoria da qualidade do sono; (iii) Retorno médico, agendado para dezembro de 2024, com o objetivo de reavaliar a evolução do tratamento. Informaram, ainda, que desde maio de 2024, G.C.J. passou a ser atendido no Centro de Desenvolvimento Infantil AD, mediante negociação direta realizada pela própria Unimed Requerida. Contudo, as cobranças relativas a esses atendimentos não foram feitas de forma regular, tendo sido concentradas nos meses de setembro e outubro, o que agravou ainda mais a situação financeira da família. Ressaltaram que tal forma de cobrança, além de gerar impacto financeiro desproporcional, impede o adequado acompanhamento dos custos do tratamento, dificulta o planejamento financeiro da família e compromete a continuidade da assistência de que o Autor necessita. Dentre todas as terapias prescritas, destacam que a Terapia ABA sequer vem sendo realizada, justamente em razão da impossibilidade econômica de arcar com o alto custo das coparticipações. Aduzem que a prática da Requerida configura evidente abusividade e desproporcionalidade, representando obstáculo severo ao acesso aos serviços de saúde, em flagrante afronta à Resolução CONSU nº 08/1998, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a qual veda expressamente a imposição de coparticipação que inviabilize ou dificulte o acesso aos tratamentos contratados. Diante da necessidade de continuidade do tratamento e da comprovada incapacidade de suportar os custos excessivos da coparticipação, os Autores foram compelidos a ajuizar a demanda, visando à revisão contratual e à limitação dos percentuais de coparticipação, de modo a assegurar o direito fundamental à saúde e o bem-estar de G.C.J. Ao final, requereram: (i) a declaração de abusividade da cláusula de coparticipação sem fator moderador, com a consequente limitação dos valores cobrados, restringindo-os ao equivalente a duas vezes o valor da mensalidade; (ii) a condenação da Requerida ao pagamento de indenização por danos materiais, com restituição em dobro dos valores pagos a título de coparticipação acima do teto previsto pela tabela TUSS ou da tabela de reembolso, sobretudo na hipótese de negociação direta com prestadores; (iii) a condenação da Requerida ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), diante dos transtornos e prejuízos suportados. O pedido de tutela de urgência foi deferido em parte. De conseguinte, foi determinado à Requerida que limite a cobrança da coparticipação referente ao tratamento do Autismo e demais síndromes e patologias que necessitem de continuidade com altas cargas de atendimento em até duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde dos Autores, incluindo a fatura com vencimento em 10/10/2024, sob pena de astreintes no importe diário de R$500,00 (quinhentos reais) com valor máximo de R$10.000,00 (dez mil reais). O Recurso de Agravo de Instrumento n. 1030727-05.2024.8.11.0000 interposto pela operadora de plano de saúde foi desprovido, por decisão unipessoal de minha Relatoria. Contestação no Id. 279624570 e Réplica no Id. 279624586. Os Autores noticiaram o descumprimento da ordem liminar no Id. 27962489 e, com o intuito de demonstrar a necessidade da continuidade das terapias para o tratamento de saúde de G.C.J., colacionaram laudos médicos atualizados no Id. 279624593. Em seguida, sobreveio sentença na qual o juiz concluiu serem parcialmente procedente os pedidos iniciais, ratificou a decisão inicial e determinou que a cobrança da coparticipação, em relação ao tratamento do Autismo e demais síndromes e patologias que necessitem de continuidade com altas cargas de atendimento, seja limitada em até duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde dos Autores. Além disso, majorou a astreinte diária para R$ 1.000,00 (um mil reais) e limitou a cobrança até R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Por fim, diante da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, sendo vedada a compensação. Suspendeu a exigibilidade em relação aos Autores por serem beneficiários da justiça gratuita. Inconformadas, as crianças e a operadora de plano de saúde interpuseram este Recurso de Apelação Cível. · DO RECURSO DE UNIMED CURITIBA SOCIEDADE COOPERATIVA DE MÉDICOS A Apelante defende que a cobrança da coparticipação possui expressa previsão contratual, com anuência da titular no momento da adesão ao plano de saúde, cuja cláusula prevê percentual de 25% (vinte e cinco por cento) por evento. Alega que a limitação da coparticipação ao equivalente a duas mensalidades carece de amparo legal e extrapola as obrigações contratuais assumidas, afrontando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a isonomia entre os beneficiários. Sustenta que a coparticipação constitui mecanismo legítimo de regulação do custo do plano, além de reduzir o valor da mensalidade e assegurar a viabilidade do sistema coletivo. Afirma que o valor das mensalidades e da coparticipação decorre das condições de cobertura contratadas, não havendo nos autos demonstração de incapacidade financeira dos Apelados para arcar com os encargos, o que, segundo alega, seria requisito essencial para afastar a incidência da cláusula. Diante disso, pugna pela reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Pois bem. De início, destaca-se que os contratos de plano de saúde estão sujeitos às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme orientação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça no Verbete nº 608 da Súmula: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Assim, a interpretação das cláusulas contratuais, notadamente aquelas que impõem restrições de direitos, como as relativas à coparticipação, deve observar o princípio da interpretação mais favorável ao consumidor, nos termos do art. 47 do CDC. Na hipótese, os Apelados são beneficiários de plano de saúde individual/familiar, com previsão contratual expressa de coparticipação de 25% (vinte e cinco por cento) sobre os procedimentos utilizados, conforme consta no Id. 279624504. Embora seja legítima a cláusula de coparticipação, conforme reconhece o próprio Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.809.486/SP (Tema Repetitivo 1.032), sua aplicação deve se submeter aos limites impostos pelo Código de Defesa do Consumidor. O art. 51, IV, e §1º, II, do CDC, dispõe que são nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações abusivas ou coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Além disso, deve-se considerar a função social do contrato e a preservação do equilíbrio contratual. No caso concreto, está demonstrado que a exigência de coparticipação nos moldes inicialmente praticados comprometeu de maneira grave o acesso dos Apelados aos serviços de saúde de que necessitam. O autor G.C.J., diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), necessita de acompanhamento terapêutico contínuo e intensivo, com diversas sessões semanais de diferentes especialidades, o que gerou cobrança de valores de coparticipação que ultrapassaram em mais de dez vezes o valor da mensalidade, atingindo, no mês de Outubro/2024, o montante de R$ 3.593,94 (três mil, quinhentos e noventa e três reais e noventa e quatro centavos), frente a uma mensalidade de R$ 352,91 (trezentos e cinquenta e dois reais e noventa e um centavo) (Id. 279624514). A situação de hipervulnerabilidade dos Apelados, aliada à natureza prolongada e custosa do tratamento, evidencia a desproporcionalidade da cobrança, tornando legítima a intervenção judicial para limitar os efeitos da cláusula. Tal medida encontra respaldo no direito fundamental à saúde (art. 6º, I, do CDC e art. 196 da CF), bem como na vedação à prática de cláusulas abusivas. Para reforçar, importante registrar que, após o julgamento do Tema 1.082 pelo STJ (EREsp 1.886.929/SP), com publicação em 03/08/2022, restou firmada a orientação de que o rol da ANS é taxativo em regra, admitindo exceções, dentre outras hipóteses, nos casos em que houver prescrição médica fundamentada e comprovação de eficácia terapêutica com base na medicina baseada em evidências. No mesmo julgado, o STJ reconheceu expressamente a abusividade de cláusulas limitativas que comprometam o acesso a tratamentos imprescindíveis, como os relacionados aos transtornos do espectro autista. Ademais, a edição da Resolução Normativa ANS nº 539/2022, que alterou a RN nº 465/2021, veio reforçar essa diretriz ao estabelecer a cobertura ilimitada de sessões de fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional e fisioterapia para o tratamento dos transtornos globais do desenvolvimento. No tocante à coparticipação, o art. 16, inciso VIII, da Lei nº 9.656/98, exige que os contratos de planos de saúde indiquem, de forma clara e objetiva, os percentuais aplicáveis e os limites financeiros das obrigações assumidas pelo consumidor. A exigência contratual, embora válida, não afasta a incidência do controle judicial de abusividade, quando verificada desvantagem excessiva ao consumidor. Em situações semelhantes, cujos fundamentos em tudo aqui se aplicam, a jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de ser legítima a cobrança da coparticipação, desde que limitada ao valor correspondente a, no máximo, duas mensalidades do plano contratado, como fator de moderação que preserve a continuidade do tratamento, o equilíbrio contratual e a função social do contrato, especialmente diante da natureza prolongada e onerosa das terapias indicadas para pacientes com TEA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RECONHECIMENTO DA INAPLICABILIDADE DA COPARTICIPAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – COBRANÇA DE COPARTICIPAÇÃO – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – COBRANÇA QUE NÃO DEVE ULTRAPASSAR 02 (DUAS) VEZES O VALOR DA MENSALIDADE DO PLANO CONTRATADO – FATOR DE MODERAÇÃO – PROPÓSITO DE GARANTIR O ACESSO AOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PACTUADOS – SENTENÇA REFORMADA – CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. “Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares quando redigida de forma clara e expressa e em percentual razoável. Nos casos de tratamentos psicoterápicos contínuos e de longa duração, a contraprestação não poderá exceder o montante equivalente a 2 mensalidades do paciente. Desse modo, busca-se evitar que se comprometa a essência do próprio negócio jurídico, considerando a prevalência do direito à saúde e as peculiaridades da lide, por envolver tratamento continuado, cujo custo financeiro é alto.” (TJMT, RAC 1000147-03.2022.8.11.0019, Terceira Câmara de Direito Privado, Relator Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, julg. 26/04/2023). (TJMT, apelação 1031990-51.2021.8.11.0041, relator Desembargador Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, publicado no DJE 22/03/2025). No mesmo sentido, cito os Acórdãos proferidos no Agravo de Instrumento n. 1014207-67.2024.8.11.0000 e n. 1002567-67.2024.8.11.0000, o primeiro de relatoria do Juiz Marcio Aparecido Guedes e o segundo do Desembargador Sebastião Barbosa Farias, julgados pela Primeira Câmara de Direito Privado, respectivamente em 10/12/2024 e 20/08/2024. A Terceira e Quarta Câmaras deste Tribunal também seguem na mesma linha. Para ilustrar: RAC n. 1013090-06.2022.8.11.0002, Relator: Carlos Alberto Alves da Rocha, Data de Julgamento: 30/08/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/09/2023; e RAC n. 1034609-17.2022.8.11.0041, Relator: Rubens de Oliveira Santos Filho, Data de Julgamento: 04/10/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/10/2023. Diante de tais fundamentos, verifica-se que a sentença está em consonância com o entendimento predominante desta Corte e com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual nego provimento ao recurso. · DO RECURSO DE G.C.J. e L.C.J., REPRESENTADOS POR SUA GENITORA RAQUELINE CUNHA VIANA JAQUES Os Apelantes defendem que a restituição dos valores pagos indevidamente não se restringe à devolução em dobro, condicionada à comprovação de má-fé, mas abrange, ao menos, a devolução simples dos montantes cobrados acima do limite legalmente estabelecido, a fim de evitar o enriquecimento ilícito da operadora de saúde. Aduzem que o dano moral decorre da angústia e sofrimento emocional enfrentados pela família do Apelante, diante das dificuldades financeiras impostas para custear o tratamento essencial à sua saúde, situação agravada pela abusividade das cobranças e, principalmente, pelo descumprimento da decisão liminar proferida nos autos. Destacam que, ainda que a cobrança de coparticipação, por si só, não configure, em regra, ofensa moral, o descumprimento deliberado de ordem judicial que determinou a suspensão ou limitação dessa cobrança é fato suficiente e apto a caracterizar dano moral indenizável. Ressaltam que a inobservância da decisão liminar, mesmo após a expressa ciência da Apelada, revela flagrante desrespeito à autoridade judicial e descaso com a saúde e a dignidade dos Apelantes, agravando o quadro de vulnerabilidade da família e o abalo psíquico. Sob tais argumentos, requerem a reforma da sentença, para que seja reconhecido o direito à restituição simples dos valores pagos a título de coparticipação que excederam o limite correspondente a duas vezes o valor da mensalidade do plano de saúde, considerando o período de três anos anteriores ao ajuizamento da demanda, com atualização monetária pelo INPC e incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Postulam, também, pela condenação da Apelada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Consoante já exposto no julgamento do recurso da operadora de plano de saúde, a cláusula contratual que instituiu a coparticipação no percentual de 25% (vinte e cinco por cento) não poderá exceder o equivalente a 2 mensalidades, para não comprometer a manutenção da saúde, além de garantir o acesso aos serviços convencionados, ainda que sejam de alto custo. Com efeito, a modificação contratual imposta pela sentença, e mantida por este Colegiado ao fixar o teto da coparticipação em duas vezes o valor da mensalidade, é fruto de decisão judicial proferida ex nunc, com efeitos prospectivos, inexistindo fundamento jurídico para retroagir seus efeitos. Logo, até o advento da sentença, a operadora do plano de saúde agiu dentro dos limites da legalidade e da boa-fé objetiva, cobrando os valores conforme expressamente contratado. Em outra palavras, a ausência de declaração judicial prévia de abusividade impede o reconhecimento de qualquer ilicitude na cobrança realizada pela Apelada. Nessa linha de raciocínio, o pedido de restituição dos valores pagos a título de coparticipação anterior ao mês de Outubro/2024, mesmo que de forma simples, carece de suporte jurídico, sob pena de violação ao princípio do equilíbrio contratual e de imposição de efeito retroativo a decisão judicial inovadora. O pagamento realizado pelos Apelantes até o mês de Setembro/2024 (Id. 279624514) decorreu de obrigação contratual legítima, amparada por cláusula expressa, que somente foi mitigada pela decisão judicial ora combatida. Assim, admitir a devolução de valores cobrados de boa-fé pela operadora equivaleria a impor-lhe ônus econômico que ela não poderia antever, caracterizando verdadeiro enriquecimento sem causa por parte dos consumidores. Ademais, a aplicação retroativa do limite imposto pela sentença afrontaria os princípios constitucionais da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, norteadores das relações contratuais e expressamente tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio. O princípio da segurança jurídica exige previsibilidade e estabilidade das relações obrigacionais, impedindo que decisões judiciais que inovam o regime contratual tenham efeito retroativo em prejuízo da parte que, até então, agiu conforme a lei e o contrato. Do mesmo modo, a boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de agir com lealdade e previsibilidade, o que inclui o direito da operadora de saúde de confiar na validade da cláusula de coparticipação até que decisão judicial a modifique. No que se refere à indenização por dano moral, a Jurisprudência do STJ “pacificou-se no sentido de que o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento de saúde, somente enseja reparação a título de danos morais quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada do paciente." (AgInt no AREsp n. 1.185.578/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 14/10/2022). Isso quer dizer que “a recusa do plano de saúde em custear determinado tratamento não configura a hipótese de dano moral presumido - ou in re ipsa -, razão pela qual se mostra indispensável a comprovação do efetivo prejuízo para que haja o dever de compensar.” (AgInt no REsp n. 2.061.198/PB, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 2/12/2024, DJEN de 5/12/2024). No caso, oportuno destacar que a lide se circunscreve a limitação da cobrança do valor referente a coparticipação, ao invés de negativa de cobertura de tratamento médico essencial ou de atendimento de urgência. Em outras palavras, a demanda possui natureza nitidamente contratual e limita-se a um teto máximo para cobrança de valores de coparticipação na mensalidade. Todavia, no âmbito das relações contratuais de saúde, a condenação ao pagamento de indenização por dano moral exige prova inequívoca de ofensa concreta à esfera imaterial do consumidor, decorrente de conduta ilícita e apta a gerar sofrimento psíquico de elevada gravidade. É imprescindível, portanto, a demonstração de circunstâncias excepcionais, tais quais agravamento do estado clínico, abalo emocional intenso, exposição vexatória ou qualquer outra forma de violação à dignidade da pessoa humana, decorrentes da negativa do reembolso. Neste caso, não há qualquer indício de que a cobrança da coparticipação sem a limitação imposta pela sentença tenha acarretado prejuízo de ordem moral aos beneficiários. Por tais razões, é impositiva a manutenção do capítulo sentencial que julgou improcedente a pretensão indenizatória. Feitas essas considerações, nego provimento a ambos os recursos e majoro os honorários recursais para 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025

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