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Processo nº 1009649-91.2022.8.11.0042

ID: 316768664

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara Criminal Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº Processo: 1009649-91.2022.8.11.0042

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

JOAO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

GIOVANE SANTIN

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GERALDO SILVA BAHIA FILHO

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TIAGO AUGUSTO BERTOLDI AGUILAR

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1009649-91.2022.8.11.0042 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). MARC… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1009649-91.2022.8.11.0042 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), A APURAR (RECORRIDO), JOAO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE - CPF: 047.345.201-43 (RECORRENTE), EVILLIN KAREN FLORES DA SILVA - CPF: 039.003.731-16 (ADVOGADO), GIOVANE SANTIN - CPF: 662.620.971-04 (ADVOGADO), REILLA TAIARA DAS NEVES - CPF: 021.457.381-85 (TERCEIRO INTERESSADO), LAURO NEVES DE SOUZA - CPF: 005.678.521-64 (TERCEIRO INTERESSADO), RONALDO SILVA NETO - CPF: 067.666.682-53 (TERCEIRO INTERESSADO), THIAGO TELLES ARAUJO - CPF: 006.377.151-95 (TERCEIRO INTERESSADO), ROBSON NEVES NARDIM - CPF: 706.266.201-12 (VÍTIMA), MARCILEIDE DE ALBUQUERQUE (ASSISTENTE), REMIR CHAVIER COSTA - CPF: 017.861.081-00 (ASSISTENTE), GERALDO SILVA BAHIA FILHO - CPF: 024.564.821-66 (ADVOGADO), TIAGO AUGUSTO BERTOLDI AGUILAR - CPF: 083.307.841-00 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito penal e processual penal. Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado. Preliminar de ausência de fundamentação das qualificadoras. Decisão sucinta. Limites da pronúncia. Rejeitada. Motivo fútil. Desavenças anteriores. Recurso que dificultou a defesa do ofendido. Deficiência física configura condição pessoal e não modo de execução. Prévia discussão. provimento. I – Caso em exame Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão do Juízo da 12ª Vara Única da Comarca de Cuiabá/MT que o pronunciou pela prática, em tese, de homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima, visando o afastamento das qualificadoras. II. Questão em discussão Há 2 (duas) questões: (1) ausência de fundamentação das qualificadoras; (2) qualificadoras não configuradas. III. Razões de decidir 1. A motivação sucinta de decisões judiciais não se confunde com ausência de fundamentação, notadamente porque a pronúncia deve se limitar ao fato e suas circunstâncias, sob risco de violação ao sistema acusatório, em prejuízo ao réu. 2. O julgador não é obrigado a refutar todas as teses aventadas pelas partes, desde que pela motivação apresentada seja possível aferir as razões pelas quais acolheu ou rejeitou as pretensões deduzidas. 3. O histórico de atritos entre o recorrente e a vítima e o desentendimento anterior ao disparo de arma de fogo autorizam a exclusão da qualificadora do motivo fútil, por denotarem antecedente psicológico não desproporcional, ainda que injusto. 4. Inexistem elementos de convicção de que a debilidade física da vítima tenha sido meio executório utilizado pelo recorrente, de modo a elidir a qualificadora [do recurso que dificultou a defesa da vítima] por esse fundamento 5. A demonstração de que houve prévia discussão entre o agente e a vítima autoriza o afastamento da qualificadora de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima. IV. Dispositivo e teses Recurso provido. Tese de julgamento: 1. Se a prova judicializada demonstra a existência de prévios desentendimentos, discussões e agressões entre autores e vítima, não se caracteriza a qualificadora do motivo fútil. 2. A deficiência física do ofendido configura condição pessoal e, por si só, não se enquadra como recurso utilizado para dificultar a sua defesa. 3. O recurso que dificulta a defesa do ofendido não se caracteriza quando ocorre prévia discussão entre o agente e a vítima. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 121, § 2º, II e IV; Jurisprudência relevante citada: STJ, HC nº AgInt no AREsp 260.720/SC – relator Min. Rogerio Schietti Cruz, 14.2.2020; AgRg no AREsp 1354257/MS – Relator Min. Joel Ilan Paciornik – 26.9.2019; TJMT, RSE 1007853-02.2019.8.11.0000 – Relator Des. Rui Ramos Ribeiro – Segunda Câmara Criminal – 3.10.2019; RSE 120821/2016 – relator Des. Pedro Sakamoto – Segunda Câmara Criminal – 26.10.2016; RESE 0001044-08.2018.8.11.0110 – Primeira Câmara Criminal – 26.11.2024; RESE 1000811-52.2022.8.11.0110 – relator Des. Orlando de Almeida Perri – 1.10.2024; RESE nº 1006384-18.2019.8.11.0000)” (RSE 1020677-22.2021.8.11.0000 – relator Des. Paulo da Cunha – 24.1.2022; RSE NU 1015672-19.2021.8.11.0000; RSE NU 0003270-03.2013.8.11.0064 – Primeira Câmara Criminal – 28.3.2019; RSE 1015672-19.2021.8.11.0000 – relator Des. Orlando de Almeida Perri – Primeira Câmara Criminal – 26.11.2021; TJMG, RSE nº 1.0166.12.001305-6/001 – Relator: Des. Nelson Missias de Morais – 30.6.2014; TJRS, EI 70084957877 – relatora Desª. Andréia Nebenzahl de Oliveira – Primeiro Grupo de Câmaras Criminais – 31.8.2021. R E L A T Ó R I O PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1009649-91.2022.8.11.0042 – COMARCA DE CUIABÁ RECORRENTE: JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO R E L A T Ó R I O Recurso em sentido estrito interposto por JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE contra decisão proferida pelo Juízo da 12ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, nos autos de ação penal (nº 1009649-91.2022.8.11.0042), que os pronunciou pelo cometimento, em tese, homicídio qualificado [motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vitima] – art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. 29, ambos do CP (ID 286483074). O recorrente suscita a nulidade da pronúncia por ausência de fundamentação das qualificadoras. No mérito, sustenta que: 1) a futilidade não estaria configurada em decorrência do “histórico de discussão, assédio sexual a mulheres da família do acusado e ameaças” pela vítima; 2) “a condição física da vítima [...] não é elemento capaz de qualificar o [...] homicídio”; 3) “a discussão prévia” entre o apelante e a vítima descaracterizaria a surpresa. Pede a nulidade da pronúncia. Subsidiariamente, sejam afastadas as qualificadoras (ID 286483082). A 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CUIABÁ pugna pelo desprovimento do recurso (ID 286483085). A decisão foi mantida pelo Juízo singular, em oportunidade de retratação (ID 286483086; ID 286483087). A i. Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento do recurso, em parecer assim sintetizado: “Acusado pronunciado nas penas do artigo 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal – Inconformismo da defesa – Pleiteia a nulidade da sentença de pronúncia, em razão da ausência de fundamentação e, no mérito, a exclusão das qualificadoras – Pleitos improcedentes – Preliminar – Sentença de pronúncia foi redigida em termos sóbrios e técnicos, para que não ocorra o risco de influenciar o ânimo do tribunal popular, bem como desbordar em excesso de linguagem – Pela rejeição da preliminar – Mérito – Qualificadoras que não se demonstram manifestamente descabidas, devendo ser sopesadas pelos jurados por ocasião do julgamento pelo Júri – Pelo desprovimento do recurso.” (Roberto Aparecido Turin, procurador de Justiça – ID 289390877) É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO (PRELIMINAR DE NULIDADE DA PRONÚNCIA) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O recorrente arguiu nulidade da pronúncia por falta de fundamentação das qualificadoras [motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima] sob a assertiva de que não foram enfrentadas todas as matérias deduzidas pela defesa (ID 286483082). Transcrevem-se trechos da decisão: “as provas coligidas aos autos denotam que o crime foi supostamente perpetrado por motivo fútil, eis que o acusado, em tese, irritou-se com a presença da vítima na calçada em frente à residência de seu genitor, o que revela a aparente desproporcionalidade entre o motivo e o crime supostamente perpetrado, apta à manutenção da qualificadora do motivo fútil, em sede de pronúncia. Do mesmo modo, as circunstâncias demonstradas em uma análise perfunctória, revelam que a vítima era pessoa com deficiência e dificuldades de locomoção, sendo, em tese, surpreendida com os disparos efetuados pelo acusado, o que fundamenta a manutenção da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima em sede de pronúncia. Destarte, é sabido que, tal como preleciona o Enunciado nº 2 do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, somente quando manifestamente improcedente é que a qualificadora deve ser repelida pela Pronúncia. E esta não é a situação estampada nos autos.” (ID 286483074) Dos parágrafos acima reproduzidos, verifica-se que o juiz da causa entendeu que há elementos mínimos de que JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE teria matado Robson Neves Nardim por motivo fútil [discussão banal em decorrência da presença da vítima na calcada em frente à residência do genitor do apelante] e mediante recurso que dificultou a defesa [deficiência e dificuldade de locomoção da vítima, bem como a surpresa]. Com efeito, a motivação sucinta de decisões judiciais não se confunde com ausência de fundamentação, notadamente porque a pronúncia deve se limitar ao fato e suas circunstâncias, sob risco de violação ao sistema acusatório, em prejuízo ao réu (STJ, HC nº AgInt no AREsp 260.720/SC – relator Min. Rogerio Schietti Cruz, 14.2.2020). Adotam-se os seguintes julgados deste e. Tribunal: “Não há que se falar em ausência de fundamentação da decisão, se o juiz, nos limites da fase de pronúncia, adentrou minimamente no conjunto probatório dos autos. A sentença de pronúncia deve observar os limites inerentes ao juízo de admissibilidade da acusação, restringindo-se a declinar as razões para o convencimento.” (RSE 1007853-02.2019.8.11.0000 – Relator Des. Rui Ramos Ribeiro – Segunda Câmara Criminal – 3.10.2019) “Não há confundir fundamentação sucinta com ausência de fundamentação, mormente quando se tem em perspectiva decisão de pronúncia, para a qual é de bom alvitre que o julgador utilize linguagem comedida, bastando que aponte em linhas gerais os elementos de convicção que respaldam seu convencimento acerca da materialidade, dos indícios de autoria e da eventual presença de qualificadoras.” (RSE 120821/2016 – relator Des. Pedro Sakamoto – Segunda Câmara Criminal – 26.10.2016) Noutro giro, “o julgador não é obrigado a refutar todas as teses aventadas pelas partes, desde que pela motivação apresentada seja possível aferir as razões pelas quais acolheu ou rejeitou as pretensões deduzidas” (STJ, AgRg no AREsp 1354257/MS – Relator Min. Joel Ilan Paciornik – 26.9.2019). Em outras palavras, não se mostra obrigatório que todos os argumentos trazidos pelas partes sejam debatidos, bastando que a questão principal seja enfrentada. Sendo assim, não se reconhece a alegada nulidade. Com essas considerações, REJEITA-SE a preliminar. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 581, IV), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Consta da denúncia que: “No dia 26 de junho de 2022, por volta das 3h, na Avenida Tenente Coronel Duarte, próximo ao ‘Bar Pingo de Ouro’, bairro Centro Norte, nesta cidade de Cuiabá/MT, o denunciando JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE, valendo-se de arma de fogo (não apreendida), por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, matou o ofendido Robson Neves Nardim, provocando-lhe as lesões descritas no Laudo de Necropsia contido no ID n.º 94862579. Segundo restou apurado, o ofendido Robson Neves Nardim era pessoa com deficiência, usuário de drogas e morador de rua. Por sua vez, o denunciando JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE é filho de Marcelo de Albuquerque, o qual mora em uma residência de cor amarela, que fica nas proximidades de onde se deram os fatos. Vale ressaltar que a vítima, assim como outros moradores de rua, tinham por costume ficar na calçada da residência acima indicada, fato que desagradava o denunciando JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE. Nesse sentido, cabe consignar que, de acordo com os registros audiovisuais captados, momentos antes dos fatos o denunciando gesticulou às pessoas que estavam próximas à residência de seu pai, pautando sua conduta por tom ameaçador. Diante desse contexto, e movido pelo intento homicida, o denunciando apoderou-se de uma arma de fogo e passou a circular com o veículo Nissan/Sentra, cor prata, placa QBV3H27, pelas imediações da residência de seu genitor e do bar Pingo de Ouro, como forma de monitorar se a vítima permaneceria/voltaria na respectiva calçada. Próximo do momento dos fatos, a vítima Robson Neves Nardim, que tinha em seu poder um cobertor e andava com dificuldades com o auxílio de uma muleta, dada sua condição de pessoa com deficiência, saiu do bar Pingo de Ouro e atravessou a Av. Tenente Coronel Duarte, local em que já se fazia presente o denunciando JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE. O denunciando efetuou disparos de arma de fogo na direção da vítima, dos quais ao menos dois a atingiram. Após ser alvejada, a vítima tentou fugir, passando a pular com dificuldades. No entanto, caiu sobre o canteiro central da Avenida supracitada, não resistindo aos ferimentos e falecendo no local. O crime foi praticado por motivo fútil, já que o denunciando JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE se irritou com o fato de que a vítima tinha o costume de dormir e/ou ficar na calçada, em frente a residência de seu genitor, o que demonstra evidente desproporcionalidade na conduta do denunciando e as razões ensejadoras do crime. O crime também foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima Robson Neves Nardim, uma vez que, além de ser pessoa com deficiência e se locomover com dificuldade, foi surpreendida com a ação repentina do denunciando. Ante o exposto, o Ministério Público Estadual denuncia [...] como incurso no artigo 121, § 2º, II e IV do Código Penal [...].” (Vinicius Gahyva Martins, promotor de Justiça – ID 286482907) O Juízo singular pronunciou o recorrente nestes termos: “A materialidade delitiva restou consubstanciada no Boletim de Ocorrência (id. 88908245), fotografias da vítima (id. 88908246), certidão de óbito (id. 88908263), Laudo de Confronto Necropapiloscópico (id. 88908265), Termos de Apreensão nº 2022.16.268907, 2022.16.318255, 2022.16.318923 e 2022.16.322649 (id. 94862571, 94862583, 94862588 e 94863842), Laudo de Necrópsia (id. 94862579), Laudo Pericial de Balística (id. 94863861). Há indícios suficientes de autoria quanto à pessoa do acusado. [...] Em seu interrogatório, o acusado, João Victor Silva Albquerque afirmou que atirou em desfavor da vítima com uma espingarda que era de seu avô. Que a longo prazo, estava incomodado com a permanência de pessoas em situação de rua nas redondezas, mas que teriam ocorrido mais coisas. Que estava indo organizar os materiais para viajar a trabalho e se deparou com a vítima que o ameaçou. Disse que iria mata-lo, com a própria muleta, se continuasse atrapalhando sua venda de drogas no local, pois era faccionado. Que antes de colocar seus cachorros no carro, já escutou a vítima gritar e ameaçar, dizendo: ‘Está perto da sua hora’, que ele era de facção. Que discutiram e pediu a vítima para sair do local. Que a vítima já tinha mostrado os órgãos genitais para uma familiar sua. Que mandou que a vítima saísse, estando acompanhada de mais duas pessoas em situação de rua. Que quando voltou com a arma na mão, a vítima estava lá, ainda proferindo ameaças. Entrou no carro e a vítima disse: ‘decidi agora que vou te matar’, momento em que efetuou o disparo. Que acredita que em virtude das várias ameaças, a vítima poderia cumpri-las, pois estava vindo em sua direção. Que atirou ‘mais no susto’, para ver se ele saía dali. Que viu na televisão no outro dia, em Chapada dos Guimarães. Que já lavrou boletim de ocorrência de certa vez na qual, seis pessoas em situação de rua entraram na casa e subtraíram joias e vários outros objetos. Que não se recorda a direção que apontou, que a rua é plana e a vítima estava um pouco à frente do veículo. Que a vítima era chamado de ‘muletinha’ e era conhecido por ser provocador, violento e faccionado, questões que soube antes do início das ameaças. Que a vítima estava com um cobertor no momento do crime e não dava pra ver suas mãos. Que era frequente o tráfico de entorpecentes em frente a sua casa e tinha muito assédio à sua prima. Destarte, o arcabouço probatório coligido aos autos no judicium accusationis demonstra indícios suficientes de autoria, bastantes para submissão do acusado a julgamento por seus pares. Da análise dos autos constata-se que o acusado, insatisfeito com a constante perturbação e permanência de pessoas em situação de rua em frente à casa de seu genitor, teria supostamente, efetuado disparos de arma de fogo que atingiram a vítima, que caiu sobre o canteiro central da Avenida, falecendo no local. Portanto, há indícios suficientes de autoria delitiva, principalmente para subsidiar a pronúncia do acusado, sendo que o animus necandi extrai-se, a priori, do conjunto probatório apresentado nos autos, mormente pelo modus operandi e evidencias destacadas pelo Laudo Necroscópico. Neste contexto fático-probatório, para a pronúncia basta que exista a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria, o que se verifica nos presentes autos, devendo a causa ser submetida ao Tribunal do Júri, a quem compete apreciar as eventuais teses defensivas. Ademais, analisando detidamente as provas coligidas, não vislumbro, a priori, qualquer circunstância extreme de dúvida que exclua a ilicitude da conduta do acusado, ou que afaste os indícios suficientes de autoria, a ponto de consubstanciar-se no reconhecimento de causas que excluam a ilicitude ou que acarretem em sua impronúncia. Destarte, considerando o acervo probatório coligido aos autos, não há que se falar em impronúncia, sendo que o réu deve ser pronunciado para serem apreciadas as eventuais teses de defesa pelo Conselho de Sentença, mas por ora, há elementos suficientes de autoria delitiva que pairam sobre o acusado, para sustentar a decisão de pronúncia. Das qualificadoras [...] O acusado foi denunciado como incurso no crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. Pugna a defesa pela exclusão das qualificadoras, pronunciando-se o acusado somente pelo crime de homicídio simples. [...] Limito-me a não tecer maiores comentários e digressões doutrinárias e jurisprudenciais acerca das mesmas, a fim de não influenciar, indevidamente, na soberana decisão dos Srs. Jurados componentes do Conselho de Sentença. É o que basta para a pronúncia, nos termos do Art. 413, caput, do Código de Processo Penal, devendo o soberano Tribunal do Júri, após o calor e a amplitude dos debates em plenário decidir quanto à questio iuris sustentada pela douta Defesa. Ex positis, PRONUNCIO o acusado JOÃO VICTOR SILVA ALBUQUERQUE [...] sujeitando-o a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri desta Comarca, como incurso nas sanções previstas no artigo 121, §2º, incisos II (motivo fútil) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal.” (Helícia Vitti Lourenço, juíza de Direito – ID 286483074). Pois bem. A materialidade está consubstanciada no Boletins de Ocorrência nº 2022.170802 (ID 286482368) e nº 2022.170790 (ID 286482857), Termo de Ocorrência Detalhada – CIOSP – nº 106 (ID 286482856), Anexos Fotográficos (ID 286482370), Termos de Apreensões nº 2022.16.250116 (ID 286482378) e nº 2022.16.268907 (ID 286482854), Certidão de Óbito nº 065375 01 55 2022 4 00106 013 0032103 91 (ID 286482387), Laudo de Confronto Necropapiloscópico nº 499/2022 (ID 286482389), Laudo Pericial de Necrópsia nº 1.1.01.2022.017361-01 (ID 286482862), Laudo Pericial de Confronto Balístico entre Projéteis nº 2.3.2022.49756-01 (ID 286482894), Laudo Pericial de Local de Crime nº 2.06.2022.007424-01 (ID 286482962), os quais não sofreram qualquer impugnação. Na fase policial, foram ouvidos Ronaldo Silva Neto (ID 286482380), Thiago Telles Araújo (ID 286482383), Reilla Taiara das neves (ID 286482385), Lauro Neves de Souza (ID 286482390), Anne Karoline Soares Nunes (ID 286482397), Julio de Carvalho (ID 286482398), Ranielly Portes de Paiva (ID 286482865), Rubia Cristina de Jesus Silva (ID 286482885), Remir Chavier Costa (ID 286482887), Jhonata Ferreira Gomes (ID 286482889), Rodrigo Nivaldo Domingos (ID 286482899) e o recorrente (ID 286482867). Em Juízo, foram ouvidos os depoimentos de Reilla Taiara das Neves, Ronaldo Silva Neto, Rodrigo Nivaldo Domingos, Jhonata Ferreira Gomes [policial militar], Márcio Kraus [investigador de polícia], Rubia Cristina de Jesus Silva, Luciano Lopes Castanha, Breno Charles Moraes do Val e do recorrente (relatórios de mídias – ID 286483041; ID 286483063) Dito isso, vejamos. A futilidade foi reconhecida pelo Juízo singular ao considerar que JOSE VICTOR SILVA ALBUQUERQUE “irritou-se com a presença da vítima na calçada em frente à residência” de Marcelo Albuquerque [genitor do recorrente]. Todavia, consta do Relatório Policial nº 2022.12.10503 que “havia desentendimento pretérito” [de aproximadamente “quatro meses antes do crime”] entre Robson Neves Nardim [vítima] e o recorrente, o qual está corroborado pelos depoimentos, em Juízo, de Rodrigo Nivaldo Domingos [havia “desavenças anteriores” por terem entrado na casa do pai do recorrente e “roubaram umas armas” e “desde então não gostavam que ficassem próximos ao local”; “no dia dos fatos o acusado parou o carro e disse que não queria ninguém lá”], Ronaldo Silva Neto – proprietário do “Bar Pingo de Ouro” – [“a casa de Marcelo Albuquerque já foi invadida”; Robson Neves Nardim – vítima – “era muito perigoso (...) caçava encrenca até com a polícia, gostava de confusão”]. Em Juízo, o recorrente afirmou que “a longo prazo, estava incomodado com a permanência de pessoas em situação de rua nas redondezas” porque “certa vez (...) entraram na casa e subtraíram joias e vários outros objetos”, além do fato de que “a vítima tinha mostrado os órgãos genitais para a sua prima e sua esposa”; na data dos fatos estava organizando materiais para viajar e foi ameaçado por Robson Neves Nardim – o qual “disse que iria mata-lo com a própria muleta se continuasse atrapalhando a venda de drogas”; “está perto de sua hora”; “decidi agora que vou te matar” –, razão pela qual discutiram]. Destaque-se que essa discussão [minutos antes dos disparos de arma de fogo] foi registrada tanto por câmeras de monitoramento da empresa “Top Multimarcas” quanto da Secretaria de Mobilidade Urbana – SEMOB – (ID 286482942-fls.18/38). O histórico de atritos entre o recorrente e a vítima e o desentendimento anterior ao disparo de arma de fogo autorizam a exclusão da qualificadora do motivo fútil, por denotarem “antecedente psicológico não desproporcional, ainda que injusto” (TJMG, RSE nº 1.0166.12.001305-6/001 – Relator: Des. Nelson Missias de Morais – 30.6.2014). Aplicáveis acórdãos desta e. Câmara: “Se a prova judicializada demonstra a existência de prévios desentendimentos, discussões e agressões entre autores e vítima, não se caracteriza a qualificadora do motivo fútil.” (RESE 0001044-08.2018.8.11.0110 – Primeira Câmara Criminal – 26.11.2024) “A existência de animosidade prévia entre a vítima e o recorrente, somada à provocação verbal e agressões mútuas entre eles, descaracteriza a qualificadora do motivo fútil, que se aplica a situações de banalidade extrema, o que não se verifica no presente caso.” (RESE 1000811-52.2022.8.11.0110 – relator Des. Orlando de Almeida Perri – 1.10.2024) “Tanto os costumeiros desentendimentos anteriores entre as partes, como a discussão (...) antes do evento delituoso, descaracterizam e afastam o alegado motivo fútil (...), impondo-se a supressão da referida qualificadora, da sentença de pronúncia, por manifestamente improcedente.” (RESE nº 1006384-18.2019.8.11.0000)” (RSE 1020677-22.2021.8.11.0000 – relator Des. Paulo da Cunha – 24.1.2022) Logo, impõe-se afastar a qualificadora do motivo fútil. No tocante ao recurso que dificultou a defesa do ofendido, fora reconhecido pelo Juízo singular porque Robson Neves Nardim “era pessoa com deficiência e dificuldades de locomoção” e teria sido “surpreendido com disparos efetuados pelo” recorrente. De fato, a dificuldade de locomoção da vítima está demonstrada pelo depoimento de Rubia Cristina de Jesus Silva [“a vítima pegou uma bactéria e amputou parte do pé, tendo dificuldade para se locomover”] e Luciano Lopes Castanha [“é médico (...) a vítima (...) ficou praticamente morando no hospital por cerca de seis meses (...) a patologia dele não era tão grave, mas como ele demorou muito para tratar se tornou incurável, com indicação de amputação, mas ele não queria perder o pé, pois era sua fonte de renda”]. Porém, “a deficiência física do ofendido configura condição pessoal” e, por si só, não se enquadra como “recurso utilizado” para configurar a qualificadora prevista no art. 121, § 2º, IV, do CP (TJRS, EI 70084957877 – relatora Desª. Andréia Nebenzahl de Oliveira – Primeiro Grupo de Câmaras Criminais – 31.8.2021), ressalvada a hipótese de ser utilizada pelo agente para facilitar a execução do crime. No caso, a versão de Rodrigo Nivaldo Domingos, em Juízo [de que a vítima foi atingida apenas porque “tinha problema na perna” e não conseguiu sair; JOSE VICTOR SILVA ALBUQUERQUE “deu a volta com o carro (...) e atirou contra a vítima (...) era uma ‘pick-up’, um carro aberto”] está contraposta por imagens captadas por câmeras de monitoramento da empresa “Top Multimarcas” e da Secretaria de Mobilidade Urbana – SEMOB – (ID 286482942-fls.18/38), das quais se observa que o veículo utilizado pelo recorrente era um “Sedan Prata com teto solar” [e não uma pick-up aberta]; Robson Neves Nardim [vítima] saiu da frente da residência do genitor do recorrente e atravessou a Av. Ten. Cel. Duarte. Minutos depois, foi atingido [do outro lado dessa via pública], retornou para o canteiro central e caiu. Na essência, inexistem elementos de convicção de que a debilidade física da vítima tenha sido meio executório utilizado pelo recorrente, de modo a elidir a qualificadora [do recurso que dificultou a defesa da vítima] por esse fundamento. Noutro giro, a surpresa "só existe no procedimento insidioso, como disfarce da intenção hostil, de forma a não ter a vítima motivos para desconfiar da agressão" (TJMT, RSE 0003270-03.2013.8.11.0064 - Primeira Câmara Criminal - 28.3.2019). Em outras palavras, pressupõe que o ato criminoso seja inesperado, na estando caracterizado quando ocorre “prévia discussão [...] entre o agente e a vítima” (TJMT, RSE NU 1015672-19.2021.8.11.0000); A propósito, anota-se aresto desta e. Câmara: “A demonstração de que houve prévia discussão [...] entre o agente e a vítima autoriza o afastamento da qualificadora de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima. Precedentes.” (RSE 1015672-19.2021.8.11.0000 – relator Des. Orlando de Almeida Perri – Primeira Câmara Criminal – 26.11.2021) Nesse quadro, essa qualificadora [recurso que dificultou a defesa da vítima - [CP, art. 121, § 2º, IV] deve ser afastada da pronúncia. Com essas considerações, recurso conhecido e PROVIDO para afastar as qualificadoras do motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima (CP, art. 121, § 2º, II e IV), mantida a pronúncia por homicídio simples (CP, art. 121, caput). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

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Processo nº 1000811-32.2025.8.11.0018

ID: 257881038

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA CÍVEL DE JUARA Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1000811-32.2025.8.11.0018

Data de Disponibilização: 16/04/2025

Polo Ativo:

ASSOCIACAO DOS PROCURADORES MUNICIPAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO - APM-MT

Polo Passivo:

Decisão

Advogados:

WARLLANS WAGNER XAVIER SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

YANN DIEGGO SOUZA TIMOTHEO DE ALMEIDA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE JUARA DECISÃO Processo: 1000811-32.2025.8.11.0018. REQUERENTE: ASSOCIACAO DOS PROCURADORES MUNICIPAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO - APM-MT REQUERI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE JUARA DECISÃO Processo: 1000811-32.2025.8.11.0018. REQUERENTE: ASSOCIACAO DOS PROCURADORES MUNICIPAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO - APM-MT REQUERIDO: MUNICÍPIO DE JUARA Vistos, etc. Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pela ASSOCIACAO DOS PROCURADORES MUNICIPAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO - APM-MT, em face do MUNICÍPIO DE JUARA, devidamente qualificados nos autos. Aduz na inicial que, no município de Juara/MT, as prerrogativas dos procuradores municipais efetivos vêm sendo desrespeitadas, notadamente quanto ao controle rígido de jornada por ponto eletrônico e manual. Narra que, anteriormente, vigorava o Decreto Municipal nº 1.444/2020 que estabelecia o controle de jornada por produtividade e dispensava o controle por registro por ponto, e que, entretanto, em 04/04/2025, o referido decreto foi revogado pelo Decreto Municipal nº 2.220, que estabeleceu o prazo de 07 (sete) dias para que os advogados realizassem o cadastro e iniciassem o registro. Relata que o controle rígido de jornada viola as garantias da liberdade de atuação e flexibilidade de horários. Eis o breve relatório. Passo a decidir. RECEBO a inicial, uma vez que estão presentes os requisitos dos artigos 319 e 320 ambos do Código de Processo Civil. DEFIRO a gratuidade da justiça à parte autora, nos termos do art. 18, da Lei nº 7.347/85. Quanto ao pedido liminar, o artigo 300 do CPC estabelece que a tutela provisória de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Do referido dispositivo e de seus consectários, o que se extrai é que, havendo probabilidade de o direito existir, aliado ao perigo de dano, há suficiente esboço fático-jurídico para a concessão da tutela de urgência. Salienta-se que, para a concessão da tutela pleiteada, devem estar presentes os requisitos exigidos pelo art. 300 do Código de Processo Civil, quais sejam: probabilidade do direito fumus boni iuris e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo periculum in mora. Entende-se como fumus boni iuris um sinal ou indício de que o direito pleiteado de fato existe. Por outro lado, o periculum in mora é conceituado a partir das consequências que a demora da decisão judicial pode gerar, frustrando por completo a apreciação ou cumprimento satisfativo do quanto pedido. Assim, juntamente com o fumus boni iuris, o periculum in mora é requisito indispensável para a concessão de tutela de urgência em caráter antecipado. Pois bem. No caso dos autos, o autor pugna, em tutela de urgência, que o requerido se abstenha de exigir a marcação de registro eletrônico de ponto com identificação biométrica ou qualquer outro tipo de controle rígido de jornada dos procuradores/advogados efetivos, sob pena de multa em caso de descumprimento. A princípio, o controle da frequência dos agentes públicos em geral trata-se de ato discricionário da Administração Pública, além de que a implantação de ponto eletrônico junto as repartições públicas garante maior transparência e eficiência na gestão da coisa pública, por meio do controle da jornada de trabalho dos servidores. No entanto, no que tange que ao controle de ponto para procuradores do município, há certos aspectos a serem analisados. Nesta senda, os advogados públicos municipais, em razão do cargo exercido, integram a advocacia pública e, por óbvio, são regidos pelas normas gerais aplicáveis à advocacia, nos termos do art. 3º, §1º, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94). Ainda, há a independência funcional atribuída ao advogado, prevista no artigo 7º, I, do mesmo diploma legal, aplicável ao procurador do município, que consubstancia na flexibilidade da atuação funcional. Nessa perspectiva, a independência funcional, no que se refere ao procurador do município, é aplicável em razão da necessidade de comparecimento em repartição pública ou privada para consulta de processos judiciais ou administrativos, da participação em audiências ou reuniões, da coleta de provas e informações úteis ao exercício da atividade profissional ou outras diligências, sendo certo que, submeter tais profissionais ao controle de jornada é o mesmo que restringir a autonomia e a independência funcional, podendo ferir, inclusive, a eficiência da Administração Pública. Outrossim, a Súmula nº 9 da Comissão Nacional da Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB reconhece a incompatibilidade do controle de ponto com as atividades do Advogado Público. Logo, em que pese a discricionariedade da administração na implementação e controle da carga horária de seus servidores, a instituição de controle eletrônico de ponto para os procuradores municipais promove restrições incompatíveis com as suas atividades profissionais. Nessa toada, recentemente, em julgado do Supremo Tribunal Federal (STF - RE: 1400161 SC, Relator.: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 14/12/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15/12/2022 PUBLIC 16/12/2022) restou afastada a exigência do controle de ponto dos procuradores municipais. Por ser esclarecedora, trago à presente decisão os fundamentos expostos pelo eminente Ministro: O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que disciplina tal artigo, em seu art. 7º, I, dispõe sobre o direito do advogado de exercer suas funções com liberdade em todo o território nacional. In verbis: Art. 7º São direitos do advogado I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional. É necessário esclarecer que liberdade inscrita no dispositivo inclui independência e flexibilidade na atuação funcional, além dos limites físicos do ambiente de trabalho, compreendendo compromissos externos, exercício em horários além da jornada, feriados e fins de semana para que sejam atendidos os prazos processuais. Tais prerrogativas se estendem aos integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. Sendo assim, aplicam-se integralmente ao procurador público, eis que está amparado pelo referido diploma. Além disso, cabe ressaltar o teor da súmula nº 9 do Conselho Federal da OAB que estabelece: O controle de ponto é incompatível com as atividades de Advogado Público, cuja atividade intelectual exige flexibilização de horário. Dito isso, inegável é a incompatibilidade de controle de ponto de cumprimento da jornada regular dos advogados públicos ante a natureza de trabalho que compõe a profissão pela liberdade de atuação e flexibilidade de horários, inerentes à profissão. Ainda nesse sentido, o Decreto Municipal nº 12.877/2019, ao regulamentar a jornada de trabalho dos procuradores, extrapolou o poder regulamentar ao impor obrigação não prevista de forma expressa na lei. O legislador municipal, embora tenha atribuído ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de regulamentar a duração da jornada de trabalho, não estendeu à referida forma de controle relativamente aos advogados públicos, cuja atividade é em princípio incompatível com a metodologia do controle de frequência. O legislador municipal, embora tenha atribuído ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de regulamentar a duração da jornada de trabalho, não estendeu à referida forma de controle relativamente aos advogados públicos, cuja atividade é em princípio incompatível com a metodologia do controle de frequência. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para afastar o controle da jornada de trabalho dos Procuradores do Município de Jaraguá do Sul por meio de cartão ponto ou ponto eletrônico, sem prejuízo dos seus vencimentos, nos termos do art. 932, V, c, do CPC e do art. 21, § 2º, do RISTF, concedendo, de consequência, a segurança como pleiteada pela Impetrante na origem. No mesmo sentido, os seguintes julgados: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA OCUPANTE DO CARGO DE PROCURADOR JURÍDICO JUNTO À CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE PASSO DE TORRES/SC. IMPLEMENTAÇÃO DE PONTO ELETRÔNICO PARA O CONTROLE DE JORNADA DE TRABALHO. INCOMPATIBILIDADE COM O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DO ADVOGADO PÚBLICO. PROFISSÃO QUE EXIGE INDEPENDÊNCIA E MAIOR DISPONIBILIDADE. FLEXIBILIZAÇÃO DE HORÁRIOS NECESSÁRIA. ORDEM CONCEDIDA PARA IMPOSSIBILITAR A AUTORIDADE IMPETRADA DE SUBMETER A IMPETRANTE AO CONTROLE DE SUA JORNADA SEMANAL DE TRABALHO POR MEIO DE RELÓGIO PONTO, REGISTRO BIOMÉTRICO OU QUALQUER TIPO DE CONTROLE DA FREQUÊNCIA DIÁRIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. "'[...] O controle de ponto é incompatível com as atividades do advogado público, cuja finalidade intelectual exige flexibilidade de horário [..]. A justificativa para este tratamento diferenciado decorre da circunstância de que a atividade dos referidos profissionais é de natureza intelectual, ligada à produção de atos jurídicos, que devem ser elaborados de forma contínua, independentemente de local ou horário de expediente, a fim de evitar danos relevantes à sua entidade profissional ou a terceiros [...]' (TCE, Reclamação n. 15/00637928, Rel. Conselheiro Cesar Filomeno Fontes)" (TJSC, Apelação Cível n. 0900074-77 .2014.8.24.0007, de Biguaçu, rel . Des. Luiz Fernando Boller, Primeira Câmara de Direito Público, j. 09-04-2019) (Remessa Necessária Cível n. 0301607-36.2017.8.24.0001, Relator.: Desembargador Jorge Luiz de Borba, j . 3/12/2019). (TJ-SC - APL: 50006036220208240189 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 5000603-62.2020.8.24.0189, Relator: Sérgio Roberto Baasch Luz, Data de Julgamento: 04/05/2021, Segunda Câmara de Direito Público) AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA DE URGÊNCIA – OBRIGATORIEDADE DE CONTROLE DE PONTO A PROCURADORES JURÍDICOS – IMPOSSIBILIDADE – Preliminar de incompetência material afastada – Pretensão do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais Autárquicos Fundacionais de suspensão da exigência de controle de ponto e, por conseguinte, afastar a obrigação de presença física do período integral dos Procuradores Municipais, sob o fundamento de ser ato incompatível com o exercício da advocacia pública – Possibilidade – Preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC – Existência de fumus boni iuris – Jurisprudência deste Eg. Tribunal de Justiça, inclusive desta C. 4ª Câmara de Direito Público, além do C. Supremo Tribunal Federal no sentido de ser incompatível o controle de ponto presencial com a atividade da advocacia pública – Eventual obrigatoriedade do controle de ponto aos procuradores municipais pode prejudicar o exercício da função, bem como causar tumulto ao expediente da sede de trabalho, ante a atuação externa típica dos advogados públicos – Ressalva, contudo, na fiscalização pelo Município do cumprimento das funções dos procuradores por outros meios adequados – Como bem ponderou o magistrado a quo, o periculum in mora está consubstanciado na própria restrição da independência e autonomia funcionais dos advogados públicos, situação que pode colocar em risco a própria eficiência da Administração Pública – Decisão mantida – Recurso improvido, com observação. (TJ-SP - Agravo de Instrumento: 2043987-18.2024.8.26.0000 Nova Odessa, Relator.: Maurício Fiorito, Data de Julgamento: 04/04/2024, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/04/2024) (destaquei) No caso dos autos, o Decreto Municipal nº 2.220/2025, que revogou o Decreto Municipal nº 1.444/2020, estabeleceu, em seu art. 2º que “Os servidores públicos devem registrar o ponto de frequência de acordo com os horários estabelecidos no Decreto nº 2.187/2025, com exceção apenas dos agentes políticos.” Destarte, ao revogar expressamente o Decreto Municipal nº 1.444/2020, que estabelecia a regulamentação da carga horária e o controle de jornada por produtividade e qualidade de serviços para os cargos ocupados por advogados, o decreto vigente impôs o registro de ponto de frequência aos procuradores municipais, e, por conseguinte, restou configurada a restrição da liberdade de atuação e da flexibilidade de horários. Dessa forma, ao menos em análise de cognição sumária, os documentos e fundamentos legais apresentados pela parte autora demonstram a probabilidade do direito. Quanto ao perigo da demora, resta evidente que a continuidade do controle rígido de jornada pode causar eventuais prejuízos aos procuradores municipais, não apenas no tocante à sua autonomia profissional, mas também em relação à eficiência do serviço público prestado. No que tange a irreversibilidade dos efeitos da decisão, a presente medida não retira da Administração Pública o controle interno para apurar eventuais abusos por parte do autor, do que também se extrai a ausência de prejuízo irreparável que possa decorrer de sua concessão. Por fim, a dispensa de assinatura de ponto não impede o controle da jornada de trabalho e assiduidade dos autores, que podem ser verificadas mediante a utilização de outros mecanismos adequados à função desempenhada, de modo a garantir que estes cumpram com seus deveres funcionais. Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação da tutela, a fim de DETERMINAR que, até ulterior deliberação deste Juízo, o Município de Juara/MT se abstenha de exigir a marcação de registro eletrônico de ponto com identificação biométrica ou qualquer outro tipo de controle rígido de presença apenas em relação aos procuradores municipais efetivos, sob pena de serem adotadas medidas adequadas para a efetivação da tutela provisória. Deixo de designar a audiência de conciliação no feito, considerando que está presente no polo passivo da presenta demanda ente público, sem prejuízo de que seja marcada posteriormente. CITE-SE a parte requerida, nos termos dos artigos 183, 219 e 335, todos do CPC, conforme pugnado, para responder à demanda, sob pena de revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. Conste no mandado de citação que o prazo para apresentação da contestação se iniciará a depender das situações do Art. 335 do NCPC. Decorrido o prazo para contestação, intime-se a parte autora para que no prazo de quinze dias úteis apresente manifestação, oportunidade em que: a) Havendo revelia, deverá informar se quer produzir outras provas ou se deseja o julgamento antecipado; b) Havendo contestação, deverá se manifestar em réplica, inclusive com contrariedade e apresentação de provas relacionadas a eventuais questões incidentais; c) em sendo formulada reconvenção com a contestação ou no seu prazo, deverá a parte autora apresentar resposta à reconvenção. Após, remetam-se os autos ao Ministério Público para manifestação no prazo de 30 (trinta) dias. Depois de tudo cumprido e certificado, volte-me os autos conclusos para deliberação judicial. Cumpra-se, expedindo o necessário. Juara/MT, data registrada no sistema. (assinado digitalmente) LAIO PORTES STHEL Juiz Substituto

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Processo nº 0001959-28.2007.8.11.0018

ID: 258589889

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL Nº Processo: 0001959-28.2007.8.11.0018

Data de Disponibilização: 21/04/2025

Polo Ativo:

ENERGISA S/A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0001959-28.2007.8.11.0018 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Ind… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0001959-28.2007.8.11.0018 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Fornecimento de Energia Elétrica] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES] Parte(s): [NERITON JOAO KOSOUSKI - CNPJ: 36.918.951/0005-15 (APELADO), WILLIAN PEREIRA MACHIAVELI - CPF: 831.842.019-53 (ADVOGADO), FABRICIO TSUJI ISHIKI - CPF: 280.014.158-13 (ADVOGADO), NERITON JOAO KOSOUSKI - CPF: 595.012.191-00 (ADVOGADO), WALMIR ANTONIO PEREIRA MACHIAVELI - CPF: 678.662.049-34 (ADVOGADO), ENERGISA S/A - CNPJ: 00.864.214/0001-06 (APELANTE), VINICIUS MEDEIROS MARQUES - CPF: 070.523.144-52 (ADVOGADO), CLAUDIO HEDNEY DA ROCHA - CPF: 816.624.591-49 (ADVOGADO), JALDEMIRO RODRIGUES DE ATAIDE JUNIOR - CPF: 008.037.384-47 (ADVOGADO), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU OS EMBARGOS. E M E N T A PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. REQUISITOS DO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU ERRO MATERIAL. TENTATIVA DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. RECURSO REJEITADO. I. Caso em exame Embargos de declaração opostos por Energisa Mato Grosso - Distribuidora de Energia S.A. contra acórdão que, por unanimidade, desproveu o recurso de apelação interposto pela embargante, mantendo a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de oscilação de energia elétrica. II. Questão em discussão 2. A questão em debate consiste em verificar a existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material no acórdão embargado, nos termos do artigo 1.022 do CPC. III. Razões de decidir 3. Os embargos declaratórios possuem função específica e excepcional, destinando-se à correção de vícios que comprometam a clareza e a completude da decisão, não sendo meio hábil para a reanálise do mérito. 4. No caso, verifica-se que os argumentos expendidos pela embargante revelam mero inconformismo com o julgamento, sem apontar qualquer obscuridade, contradição, omissão ou erro material no acórdão embargado. 5. Conforme entendimento consolidado do STF e STJ, os embargos de declaração não se prestam à rediscussão da matéria já decidida, tampouco podem ser utilizados como sucedâneo recursal. IV. Dispositivo e tese 6. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: "Os embargos de declaração não se prestam à rediscussão do mérito da causa, sendo cabíveis apenas quando demonstrada a existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material na decisão embargada." Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022. Jurisprudência relevante citada: STF, AI 466.622 AgR-ED-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 28/11/2012; STJ, EDcl no REsp 1435687/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30/06/2015. R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração opostos por ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A em razão do acordão exarado pela egrégia Primeira Câmara de Direito Privado que, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO de apelação interposto pela ora embargante em desfavor de NERITON JOAO KOSOUSK, nos termos do voto do Relator. Em síntese, a embargante insurge acerca de suposta omissão existente no acórdão exarado que, por unanimidade, negou provimento ao seu recurso de apelação interposto. Defende ser a decisão omissa “quanto aos seguintes argumentos deduzidos na Contestação e na Apelação: Laudo Técnico apresentado inservível por ser inconclusivo, elaborado sem o crivo do contraditório e sem a identificação técnica do profissional que o assina”. Alega que “o documento utilizado como fato constitutivo do direito da parte embargada, embora seja utilizado pelo juízo como principal fundamento para o resultado do acórdão, não aponta a causa das avarias nos eletrônicos, mas tão somente contém descrição dos equipamentos que foram substituídos, sem indicar precisamente a origem dos danos e a causa de responsabilização da concessionária de energia”. Ainda, menciona que “o suposto laudo acima sequer realizou qualquer análise, deixando de apontar causa para as avarias dos eletrônicos do segurado; com efeito, avaliação se limitou a meramente descrever os danos, sem apontar suas origens, afastando a responsabilidade da embargante”. Frisa que “a decisão não apreciou com rigor a inexistência de culpa da concessionária”. Alega que “não existindo laudo elaborado por profissional competente e não havendo nenhuma prova demonstrando avaria aos equipamentos eletroeletrônicos decorreram de qualquer ato omissivo ou comissivo da concessionária, impossível se faz estabelecer o nexo de causalidade in casu”. Por estas razões, requer o acolhimento dos presentes embargos de declaração, com efeito infringente, para sanar o vício apontado. Nas contrarrazões (id. Num. 265587780), a Embargada pugna pela rejeição dos embargos de declaração opostos. É o relatório. V O T O R E L A T O R Conforme relatado, trata-se de embargos de declaração opostos por ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A em razão do acordão exarado pela egrégia Primeira Câmara de Direito Privado que, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO de apelação interposto pela ora embargante em desfavor de NERITON JOAO KOSOUSK, nos termos do voto do Relator, sendo lançada a seguinte ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. OSCILAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DANIFICAÇÃO DE EQUIPAMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA. DANO MATERIAL COMPROVADO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Recurso de apelação interposto pela Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação de indenização por danos materiais, condenando a concessionária ao pagamento de R$ 30.071,12, acrescidos de juros e correção monetária. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar a ocorrência de falha na prestação do serviço de energia elétrica que justifique o dever de indenizar; e (ii) analisar a comprovação de nexo causal entre a oscilação elétrica e os danos materiais pleiteados pelo recorrido. III. Razões de decidir 3. A concessionária de energia elétrica responde objetivamente pelos danos causados pela má prestação dos serviços, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 37, §6º, da Constituição Federal. 4. No caso, o laudo técnico juntado aos autos e outros documentos comprovaram o nexo causal entre a oscilação elétrica e os danos sofridos, não sendo apresentada contraprova que afastasse a responsabilidade da concessionária. 5. Não houve demonstração de excludente de responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Honorários advocatícios majorados para 15% sobre o valor da condenação. Tese de julgamento: "A concessionária de energia elétrica é objetivamente responsável pelos danos materiais decorrentes de oscilação de energia elétrica, quando comprovado o nexo causal e ausentes causas excludentes de responsabilidade." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, §6º; CDC, art. 14. Jurisprudência relevante citada: TJMG, Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.005309-2/001; TJMT, N.U 1000811-12.2022.8.11.0091. Pois bem. Inicialmente, cabe frisar que os embargos de declaração somente devem ser acolhidos quando presentes, na decisão embargada, quaisquer dos requisitos elencados no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, quais sejam: obscuridade, contradição, omissão ou erro material: Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Como sabido, o recurso de embargos de declaração serve ao esclarecimento/aclaramento de questões postas na decisão, não se prestando à reanálise ou rediscussão da matéria já decidida, de forma que o mero inconformismo da parte não tem o condão de gerar a reconsideração da decisão, razão pela qual “não são cabíveis os embargos de declaração cujo objetivo é ver reexaminada a controvérsia” (EDcl no REsp 1435687/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015). Da simples leitura das ponderações do recurso, já se afigura nítido o intuito da parte embargante de ver reexaminada a controvérsia. Assim sendo, consoante orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, “revelam-se incabíveis os embargos de declaração, quando inexistentes os vícios que caracterizam os pressupostos legais de embargabilidade (CPC, art. 535) tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, vem a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal” (STF, AI 466.622 AgR-ED-ED-ED-ED/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 28/11/2012). Ainda a esse propósito, faz-se mister trazer à colação a ratificação do entendimento jurisprudencial da Suprema Corte, conforme se depreende da ementa transcrita (grifos nossos): EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. VÍCIOS: INEXISTENTES. REEXAME DAS ALEGAÇÕES: NÃO ADMISSÍVEL. 1. Inexistentes, na decisão embargada, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil. 2. Não é admissível a utilização dos embargos de declaração como sucedâneo recursal e objetivo de reexame de alegações anteriormente já apresentadas e julgadas. 3. Embargos de declaração rejeitados. (AR 2777 ED-AgR-ED, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Tribunal Pleno, julgado em 26-06-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 11-07-2023 PUBLIC 12-07-2023) Dessa forma, não obstante os argumentos apresentados pela parte embargante, tem-se que não lhe assiste razão, pois, ainda para fins de prequestionamento, é necessário que fique demonstrada a existência de ao menos um dos vícios elencados no artigo 1.022 do CPC para o acolhimento dos embargos de declaração. Todavia, o que se vê é a insurgência simplesmente acerca do resultado desfavorável aos interesses da Apelante/Embargante. Assim, não considero existentes quaisquer dos vícios apontados, mostrando-se nítida a pretensão apenas de rediscutir o julgamento, o que é vedado por esta via (de embargos de declaração), à luz do artigo 1.022 do Código de Processo Civil. Com tais apontamentos, insta mencionar que, ao contrário dos argumentos utilizados pela embargante, o acórdão abordou a matéria em discussão de forma clara, dispondo que, in verbis (grifos nossos): “[...] No caso em análise, a parte autora discute falha na prestação de serviço em sua unidade consumidora, decorrente uma brusca oscilação na rede elétrica ocorrida em 23/03/2006 que ocasionaram a queima da Unidade Laser do equipamento de fotoacabamento Minilab Digital, Marca Noritsu, Modelo QSS 3001 Número de Série B2060035, conforme laudo técnico id.233826738 – Pág.28, notas fiscais e boletos bancário id.233826738 Pág.19/49. A requerida apelante apenas alega ausência de registro de perturbação no sistema elétrico para as datas mencionadas, sem, contudo, qualquer prova técnica capaz de excluir a sua responsabilidade, isto porque, segundo consta, mesmo tendo tomado ciência das reclamações feitas, pela via administrativa, a concessionária/requerida alega que realizou medição no local com apontamento de regularidade no fornecimento da unidade consumidora requerente (id.233826738 – Pág.84 e Pág.113/114). Assim, em que pese as alegações da Apelante de que realizou a prestação de seus serviços sem falhas e que não consta em seu sistema nenhuma oscilação, restou comprovado pelo laudo juntado que os danos causados ao aparelho se deram por problemas na prestação do serviço de energia elétrica por parte da concessionária. Cumpre mencionar que o referido documento foi atestado por empresa especializada bem como possui assinatura de profissional do técnico responsável. (...) Por conseguinte, resta evidente o nexo de causalidade entre a oscilação de energia na rede e o bem danificado, em razão de problemas na prestação do serviço de energia elétrica, devendo a concessionária responder pelos prejuízos advindos, nos termos do CDC e do art. 37, §6º, da C. Federal, que estabelecem a responsabilidade objetiva do prestador de serviços. Portanto, não trouxe a apelante aos autos prova de causa excludente da responsabilidade (como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima). Ademais, nos termos do artigo 333, I do CPC, incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do direito invocado, bem como ao réu compete a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos, ou extintivos de direito (art. 333,II do CPC), fato esse que não ocorreu ao caso concreto, tanto que, a apelante/empresa ré não conseguiu provar os direitos invocados, não merecendo ser reformada a sentença”. [...] Ao caso, cumpre ainda asseverar que deixou a concessionária de energia elétrica de juntar documentos aptos a excluir ou atenuar a eficácia probatória do laudo técnico ofertado pela parte autora. Na verdade, a concessionária de energia não cumpriu com seu ônus probatório imposto pelo inciso II do artigo 373 do Código de Processo Civil, eis que não comprovou a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, deixando de juntar documentos capazes de confirmar suas alegações. Assim, tem-se que a ré deixou de comprovar a inexistência de falhas na prestação de serviços por supostas oscilações na rede de distribuição de energia bem como que as avarias decorreram de casos fortuitos/força maior”. Portanto, como já exarado nestes autos, reitera-se acerca da validade do laudo técnico juntado para comprovar o elo causal entre o dano e a queda/oscilação de energia elétrica, eis que elaborado por profissional responsável e por empresa especializada e isento de parcialidade. Ademais, considerado a aplicação da inversão do ônus probatório, bem como que deixou a concessionária de energia elétrica de comprovar a inexistência de falhas na prestação de serviços por supostas oscilações na rede de distribuição de energia bem como que as avarias decorreram de casos fortuitos/força maior, como já exposto, há de ser ratificada a decisão recorrida. Assim, em que pese sua irresignação, os argumentos expostos nos embargos analisados já foram considerados quando do julgamento do recurso de apelação, não tendo que se falar em omissão por suposta desconsideração das razões apresentadas. Diante de tais fatos, restando evidenciado que busca a parte embargante, por meio dos embargos de declaração, apenas a rediscussão da matéria já dirimida pela Câmara Julgadora, não considero pertinentes os termos dos aclaratórios opostos. Posto isso, REJEITO os embargos de declaração opostos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

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Processo nº 0001959-28.2007.8.11.0018

ID: 258589890

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL Nº Processo: 0001959-28.2007.8.11.0018

Data de Disponibilização: 21/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

NERITON JOAO KOSOUSKI

Acórdão

Advogados:

WALMIR ANTONIO PEREIRA MACHIAVELI

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WILLIAN PEREIRA MACHIAVELI

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0001959-28.2007.8.11.0018 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Ind… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0001959-28.2007.8.11.0018 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Fornecimento de Energia Elétrica] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES] Parte(s): [NERITON JOAO KOSOUSKI - CNPJ: 36.918.951/0005-15 (APELADO), WILLIAN PEREIRA MACHIAVELI - CPF: 831.842.019-53 (ADVOGADO), FABRICIO TSUJI ISHIKI - CPF: 280.014.158-13 (ADVOGADO), NERITON JOAO KOSOUSKI - CPF: 595.012.191-00 (ADVOGADO), WALMIR ANTONIO PEREIRA MACHIAVELI - CPF: 678.662.049-34 (ADVOGADO), ENERGISA S/A - CNPJ: 00.864.214/0001-06 (APELANTE), VINICIUS MEDEIROS MARQUES - CPF: 070.523.144-52 (ADVOGADO), CLAUDIO HEDNEY DA ROCHA - CPF: 816.624.591-49 (ADVOGADO), JALDEMIRO RODRIGUES DE ATAIDE JUNIOR - CPF: 008.037.384-47 (ADVOGADO), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU OS EMBARGOS. E M E N T A PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. REQUISITOS DO ART. 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU ERRO MATERIAL. TENTATIVA DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. RECURSO REJEITADO. I. Caso em exame Embargos de declaração opostos por Energisa Mato Grosso - Distribuidora de Energia S.A. contra acórdão que, por unanimidade, desproveu o recurso de apelação interposto pela embargante, mantendo a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de oscilação de energia elétrica. II. Questão em discussão 2. A questão em debate consiste em verificar a existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material no acórdão embargado, nos termos do artigo 1.022 do CPC. III. Razões de decidir 3. Os embargos declaratórios possuem função específica e excepcional, destinando-se à correção de vícios que comprometam a clareza e a completude da decisão, não sendo meio hábil para a reanálise do mérito. 4. No caso, verifica-se que os argumentos expendidos pela embargante revelam mero inconformismo com o julgamento, sem apontar qualquer obscuridade, contradição, omissão ou erro material no acórdão embargado. 5. Conforme entendimento consolidado do STF e STJ, os embargos de declaração não se prestam à rediscussão da matéria já decidida, tampouco podem ser utilizados como sucedâneo recursal. IV. Dispositivo e tese 6. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: "Os embargos de declaração não se prestam à rediscussão do mérito da causa, sendo cabíveis apenas quando demonstrada a existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material na decisão embargada." Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022. Jurisprudência relevante citada: STF, AI 466.622 AgR-ED-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 28/11/2012; STJ, EDcl no REsp 1435687/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30/06/2015. R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração opostos por ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A em razão do acordão exarado pela egrégia Primeira Câmara de Direito Privado que, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO de apelação interposto pela ora embargante em desfavor de NERITON JOAO KOSOUSK, nos termos do voto do Relator. Em síntese, a embargante insurge acerca de suposta omissão existente no acórdão exarado que, por unanimidade, negou provimento ao seu recurso de apelação interposto. Defende ser a decisão omissa “quanto aos seguintes argumentos deduzidos na Contestação e na Apelação: Laudo Técnico apresentado inservível por ser inconclusivo, elaborado sem o crivo do contraditório e sem a identificação técnica do profissional que o assina”. Alega que “o documento utilizado como fato constitutivo do direito da parte embargada, embora seja utilizado pelo juízo como principal fundamento para o resultado do acórdão, não aponta a causa das avarias nos eletrônicos, mas tão somente contém descrição dos equipamentos que foram substituídos, sem indicar precisamente a origem dos danos e a causa de responsabilização da concessionária de energia”. Ainda, menciona que “o suposto laudo acima sequer realizou qualquer análise, deixando de apontar causa para as avarias dos eletrônicos do segurado; com efeito, avaliação se limitou a meramente descrever os danos, sem apontar suas origens, afastando a responsabilidade da embargante”. Frisa que “a decisão não apreciou com rigor a inexistência de culpa da concessionária”. Alega que “não existindo laudo elaborado por profissional competente e não havendo nenhuma prova demonstrando avaria aos equipamentos eletroeletrônicos decorreram de qualquer ato omissivo ou comissivo da concessionária, impossível se faz estabelecer o nexo de causalidade in casu”. Por estas razões, requer o acolhimento dos presentes embargos de declaração, com efeito infringente, para sanar o vício apontado. Nas contrarrazões (id. Num. 265587780), a Embargada pugna pela rejeição dos embargos de declaração opostos. É o relatório. V O T O R E L A T O R Conforme relatado, trata-se de embargos de declaração opostos por ENERGISA MATO GROSSO - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A em razão do acordão exarado pela egrégia Primeira Câmara de Direito Privado que, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO de apelação interposto pela ora embargante em desfavor de NERITON JOAO KOSOUSK, nos termos do voto do Relator, sendo lançada a seguinte ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. OSCILAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DANIFICAÇÃO DE EQUIPAMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA. DANO MATERIAL COMPROVADO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Recurso de apelação interposto pela Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação de indenização por danos materiais, condenando a concessionária ao pagamento de R$ 30.071,12, acrescidos de juros e correção monetária. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar a ocorrência de falha na prestação do serviço de energia elétrica que justifique o dever de indenizar; e (ii) analisar a comprovação de nexo causal entre a oscilação elétrica e os danos materiais pleiteados pelo recorrido. III. Razões de decidir 3. A concessionária de energia elétrica responde objetivamente pelos danos causados pela má prestação dos serviços, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 37, §6º, da Constituição Federal. 4. No caso, o laudo técnico juntado aos autos e outros documentos comprovaram o nexo causal entre a oscilação elétrica e os danos sofridos, não sendo apresentada contraprova que afastasse a responsabilidade da concessionária. 5. Não houve demonstração de excludente de responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Honorários advocatícios majorados para 15% sobre o valor da condenação. Tese de julgamento: "A concessionária de energia elétrica é objetivamente responsável pelos danos materiais decorrentes de oscilação de energia elétrica, quando comprovado o nexo causal e ausentes causas excludentes de responsabilidade." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, §6º; CDC, art. 14. Jurisprudência relevante citada: TJMG, Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.005309-2/001; TJMT, N.U 1000811-12.2022.8.11.0091. Pois bem. Inicialmente, cabe frisar que os embargos de declaração somente devem ser acolhidos quando presentes, na decisão embargada, quaisquer dos requisitos elencados no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, quais sejam: obscuridade, contradição, omissão ou erro material: Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Como sabido, o recurso de embargos de declaração serve ao esclarecimento/aclaramento de questões postas na decisão, não se prestando à reanálise ou rediscussão da matéria já decidida, de forma que o mero inconformismo da parte não tem o condão de gerar a reconsideração da decisão, razão pela qual “não são cabíveis os embargos de declaração cujo objetivo é ver reexaminada a controvérsia” (EDcl no REsp 1435687/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015). Da simples leitura das ponderações do recurso, já se afigura nítido o intuito da parte embargante de ver reexaminada a controvérsia. Assim sendo, consoante orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, “revelam-se incabíveis os embargos de declaração, quando inexistentes os vícios que caracterizam os pressupostos legais de embargabilidade (CPC, art. 535) tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, vem a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal” (STF, AI 466.622 AgR-ED-ED-ED-ED/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 28/11/2012). Ainda a esse propósito, faz-se mister trazer à colação a ratificação do entendimento jurisprudencial da Suprema Corte, conforme se depreende da ementa transcrita (grifos nossos): EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. VÍCIOS: INEXISTENTES. REEXAME DAS ALEGAÇÕES: NÃO ADMISSÍVEL. 1. Inexistentes, na decisão embargada, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil. 2. Não é admissível a utilização dos embargos de declaração como sucedâneo recursal e objetivo de reexame de alegações anteriormente já apresentadas e julgadas. 3. Embargos de declaração rejeitados. (AR 2777 ED-AgR-ED, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Tribunal Pleno, julgado em 26-06-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 11-07-2023 PUBLIC 12-07-2023) Dessa forma, não obstante os argumentos apresentados pela parte embargante, tem-se que não lhe assiste razão, pois, ainda para fins de prequestionamento, é necessário que fique demonstrada a existência de ao menos um dos vícios elencados no artigo 1.022 do CPC para o acolhimento dos embargos de declaração. Todavia, o que se vê é a insurgência simplesmente acerca do resultado desfavorável aos interesses da Apelante/Embargante. Assim, não considero existentes quaisquer dos vícios apontados, mostrando-se nítida a pretensão apenas de rediscutir o julgamento, o que é vedado por esta via (de embargos de declaração), à luz do artigo 1.022 do Código de Processo Civil. Com tais apontamentos, insta mencionar que, ao contrário dos argumentos utilizados pela embargante, o acórdão abordou a matéria em discussão de forma clara, dispondo que, in verbis (grifos nossos): “[...] No caso em análise, a parte autora discute falha na prestação de serviço em sua unidade consumidora, decorrente uma brusca oscilação na rede elétrica ocorrida em 23/03/2006 que ocasionaram a queima da Unidade Laser do equipamento de fotoacabamento Minilab Digital, Marca Noritsu, Modelo QSS 3001 Número de Série B2060035, conforme laudo técnico id.233826738 – Pág.28, notas fiscais e boletos bancário id.233826738 Pág.19/49. A requerida apelante apenas alega ausência de registro de perturbação no sistema elétrico para as datas mencionadas, sem, contudo, qualquer prova técnica capaz de excluir a sua responsabilidade, isto porque, segundo consta, mesmo tendo tomado ciência das reclamações feitas, pela via administrativa, a concessionária/requerida alega que realizou medição no local com apontamento de regularidade no fornecimento da unidade consumidora requerente (id.233826738 – Pág.84 e Pág.113/114). Assim, em que pese as alegações da Apelante de que realizou a prestação de seus serviços sem falhas e que não consta em seu sistema nenhuma oscilação, restou comprovado pelo laudo juntado que os danos causados ao aparelho se deram por problemas na prestação do serviço de energia elétrica por parte da concessionária. Cumpre mencionar que o referido documento foi atestado por empresa especializada bem como possui assinatura de profissional do técnico responsável. (...) Por conseguinte, resta evidente o nexo de causalidade entre a oscilação de energia na rede e o bem danificado, em razão de problemas na prestação do serviço de energia elétrica, devendo a concessionária responder pelos prejuízos advindos, nos termos do CDC e do art. 37, §6º, da C. Federal, que estabelecem a responsabilidade objetiva do prestador de serviços. Portanto, não trouxe a apelante aos autos prova de causa excludente da responsabilidade (como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima). Ademais, nos termos do artigo 333, I do CPC, incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do direito invocado, bem como ao réu compete a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos, ou extintivos de direito (art. 333,II do CPC), fato esse que não ocorreu ao caso concreto, tanto que, a apelante/empresa ré não conseguiu provar os direitos invocados, não merecendo ser reformada a sentença”. [...] Ao caso, cumpre ainda asseverar que deixou a concessionária de energia elétrica de juntar documentos aptos a excluir ou atenuar a eficácia probatória do laudo técnico ofertado pela parte autora. Na verdade, a concessionária de energia não cumpriu com seu ônus probatório imposto pelo inciso II do artigo 373 do Código de Processo Civil, eis que não comprovou a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, deixando de juntar documentos capazes de confirmar suas alegações. Assim, tem-se que a ré deixou de comprovar a inexistência de falhas na prestação de serviços por supostas oscilações na rede de distribuição de energia bem como que as avarias decorreram de casos fortuitos/força maior”. Portanto, como já exarado nestes autos, reitera-se acerca da validade do laudo técnico juntado para comprovar o elo causal entre o dano e a queda/oscilação de energia elétrica, eis que elaborado por profissional responsável e por empresa especializada e isento de parcialidade. Ademais, considerado a aplicação da inversão do ônus probatório, bem como que deixou a concessionária de energia elétrica de comprovar a inexistência de falhas na prestação de serviços por supostas oscilações na rede de distribuição de energia bem como que as avarias decorreram de casos fortuitos/força maior, como já exposto, há de ser ratificada a decisão recorrida. Assim, em que pese sua irresignação, os argumentos expostos nos embargos analisados já foram considerados quando do julgamento do recurso de apelação, não tendo que se falar em omissão por suposta desconsideração das razões apresentadas. Diante de tais fatos, restando evidenciado que busca a parte embargante, por meio dos embargos de declaração, apenas a rediscussão da matéria já dirimida pela Câmara Julgadora, não considero pertinentes os termos dos aclaratórios opostos. Posto isso, REJEITO os embargos de declaração opostos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025

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Processo nº 1000811-49.2023.8.11.0035

ID: 313574063

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ÚNICA DE ALTO GARÇAS Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1000811-49.2023.8.11.0035

Data de Disponibilização: 02/07/2025

Polo Ativo:

BELIONISIA MARIA DE JESUS SOARES OLIVEIRA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

FERNANDA APARECIDA FERREIRA DA SILVA

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MOISES FERREIRA JUNIOR

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE ALTO GARÇAS SENTENÇA Processo: 1000811-49.2023.8.11.0035. Vistos. Trata-se de AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE DEFICIÊNC… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE ALTO GARÇAS SENTENÇA Processo: 1000811-49.2023.8.11.0035. Vistos. Trata-se de AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA, ajuizada por BELIONISIA MARIA DE JESUS SOARES OLIVEIRA, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. Alega que requereu junto à Autarquia a concessão de benefício de prestação continuada, o qual foi indeferido na esfera administrativa, sob o argumento de não atender as exigências legais da deficiência para acesso ao BPC-LOAS (ID 131042364 - Pág. 32). A inicial foi recebida oportunidade em que fora deferida as benesses da justiça gratuita (ID 127213919). Contestação ao ID 131042362. Impugnação à contestação ao ID 133493479. Estudo socioeconômico (ID 135132413). Laudo médico (ID 152476465). Manifestação do INSS quanto ao laudo pericial, pugnando pela improcedência da ação (ID 152959088). Manifestação da requerente quanto ao laudo pericial, pugnando pela procedência da ação (ID 153076764). Instada, a parte autora pugnou pelo julgamento antecipado do feito (ID 164606638), enquanto o requerido quedou-se inerte (ID 168738334). É a síntese do necessário. DECIDO. O benefício de amparo assistencial foi instituído para garantir a subsistência da parcela da população impossibilitada de trabalhar e sem meios próprios de subsistência, devido à idade avançada ou por ser portadora de deficiência, independentemente de qualquer reciprocidade contributiva. Nesta linha, faz jus ao benefício, independentemente de contribuição à seguridade social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei, no valor de um salário-mínimo, nos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. A matéria foi regulamentada pela Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da assistência social. Preceitua o art. 20 da Lei 8.742/93: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. §1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. §2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. §3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (...) Nesta linha, a súmula 48 da TNU, dispõe que: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.”. Logo, tem-se que a concessão do benefício não está condicionada a constatação de incapacidade laborativa, mas, sim, de demonstrar impedimento, de longo prazo, de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A teor do disposto no §2° supratranscrito, a referida Lei, no art. 20, §10, define o que deve ser entendido por impedimento de longo prazo nos seguintes termos: §10º Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do §2° deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. A condição de pessoa com deficiência deve ser verificada de maneira abrangente, analisando-se fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais. Para tanto, o art. 20, §6º, da Lei 8.742/1993 determina: §6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o §2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. Acerca do aspecto socioeconômico, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo, considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou idosa pertencente à família cuja renda mensal per capita seja a inferior a 1/4 do salário-mínimo. Contudo, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário-mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Vejamos: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário-mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão min. Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27). A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que acrescentou o §11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis: “Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.”. No ano de 2021, o Legislador promoveu alteração na referida Lei e incluiu o §11-A, que dispõe: “O regulamento de que trata o §11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no §3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.”. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça definiu que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade.” (REsp 1112557/MG). Igualmente, a Turma Nacional de Uniformização entende que a miserabilidade não pode ser presumida, muito menos de forma absoluta, sobretudo quando outros elementos de convicção apontam no sentido da sua ausência. Fundamenta, ainda, que a adoção da presunção de miserabilidade baseada exclusivamente na renda formal retira do juiz o livre convencimento motivado com base na prova dos autos (PEDILEF nº 5009459-52.2011.4.04.7001). Assim, resta evidente que não basta a demonstração de renda “per capita” inferior a 1/2 do salário-mínimo para a configuração do estado de miserabilidade do núcleo familiar, devendo ser sopesados demais elementos de cada caso concreto à luz do princípio da razoabilidade. Para além, importante ressaltar que conforme disposto no artigo 4º, §2°, inciso II, do Decreto nº. 6.214/2007, para concessão do benefício de prestação continuada, não serão computadas no cálculo de renda per capita, valores oriundos de programas sociais de transferência de renda. No que tange ao grupo familiar, a Lei 12.435/2011 em seu art. 20, §1°, define que “Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.”. No presente caso, tem-se que o núcleo familiar é composto pela autora e seu esposo. Verifica-se que a perícia médica, concluiu que o requerente, possuí quadro de HIV CID B24, em tratamento clínico contínuo, sem incapacidade no momento da perícia (ID 152476465). Nesta linha, a súmula 78 da TNU estabelece que: "comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença". In casu, tem-se que a autora, nascida em 15/05/1970, contando, atualmente com 55 (cinquenta e cinco) anos, possuí ensino médio completo e vive de programas sociais governamentais como bolsa-família e ser família, reside em casa cedida juntamente com seu esposo, o qual detém ‘bicos’ como meio de trabalho. Verifico que o estudo social realizado constatou que “a senhora Belionísia possui despesas mensais e apenas R$ 600,00 reais de renda definida do bolsa família, portanto não sendo possível calcular renda per capita. Reside em casa cedida, com infraestrutura e condições de habitabilidade e moradia precárias. O esposo senhor Mesac não possui renda definida, e ambos cuidam de uma fazenda, mas não recebem nada por isso. Sendo assim, a senhora Belionísia se encontra em situação de extrema vulnerabilidade social.”. (ID 135132413) Nesta senda, com base no livre convencimento, tendo em vista os apontamentos constantes nos autos, entendo que, muito embora tenha sido constatada capacidade laborativa, é de notório conhecimento que a patologia em pauta gera preconceito em meio à sociedade. Consequentemente, considerando a idade, seu nível de instrução e inevitável estigma social, nota-se que a reinserção da requerente no mercado de trabalho é excessivamente dificultosa e pouco provável, o que obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Para além, conforme alhures mencionado, a requerente atualmente não aufere renda e depende exclusivamente de benefícios de transferência de renda, como Bolsa Família e Ser família, respectivamente no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) e R$ 220,00 (duzentos e vinte reais), os quais além de ínfimos, não são computados no cálculo de renda per capita (artigo 4º, §2°, inciso II, do Decreto nº. 6.214/2007) e, consequentemente, constituem fortes indicativos de que a unidade familiar se encontra em situação de risco social. Embora a renda per capita não seja o único critério para se aferir a necessidade da requerente, no caso, o aspecto geral do ambiente doméstico e o contexto familiar indicam que a parte autora não possui outros meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não obstante, diante das despesas mensais declaradas à assistente social, observo que a renda do grupo familiar tem se mostrado insuficiente para cobri-las. Assim, analisando-se os elementos trazidos aos autos, entendo que se encontra plenamente configurada a situação de miserabilidade almejada pelo fim teleológico da norma de regência. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO DO INSS. HIV AIDS. CONDIÇÕES SOCIAIS. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, que garante o pagamento de um salário-mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos termos da lei. 2. A controvérsia dos autos cinge-se à verificação da deficiência da parte autora. 3. A Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º, na redação original dispunha que a pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. 4. No entanto, mencionado dispositivo, em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), define, de forma mais ampla, pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5. Destaca-se que não há que se falar em incapacidade laborativa, visto que a espécie do benefício pleiteado não está condicionada a isto, mas à averiguação de impedimento de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas, conforme artigo supramencionado. 6. O laudo médico (id. 417903568 - Pág. 64/66) atestou que a parte autora é portadora do Vírus da Imunodeficiência Humana HIV (CID b24) e episódios depressivos (CID f32), mas não haveria incapacidade laborativa. Não obstante tal conclusão, questionado se "o impedimento apresentado é de longa duração" respondeu que a patologia é permanente. 7. No caso específico do portador do vírus HIV, a jurisprudência deste Tribunal vem adotando o entendimento de que, na análise para concessão do benefício, o juízo deve considerar as condições pessoais e sociais da parte, de modo a determinar ou não sua incapacidade para o trabalho e a concessão ou não do benefício, em razão do estigma social que acompanha o portador dessa patologia. 8. A súmula 78 da TNU estabelece, ainda, que "comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença". 9. Acerca do aspecto socioeconômico da parte autora, o laudo social foi favorável à concessão do benefício assistencial. 10. Comprovados os requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, a manutenção da sentença é medida que se impõe. 11. Juros e correção monetária conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, cujos parâmetros se harmonizam com a orientação que se extrai do julgamento do TEMA 905 (STJ) e 810 (STF). 12. Mantidos os honorários fixados na sentença, acrescidos de 1% (um por cento) a título de honorários recursais, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, a incidirem sobre as prestações vencidas até a sentença (súmula 111 do STJ). 13. Apelação do INSS a que se nega provimento. (TRF-1 - (AC): 10082654220244019999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 06/07/2024, NONA TURMA, Data de Publicação: PJe 06/07/2024 PAG PJe 06/07/2024 PAG) (g.n) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos constantes na exordial, para CONDENAR o requerido a reestabelecer em favor da parte autora o BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA, desde a data do requerimento administrativo, observada a prescrição quinquenal e, por conseguinte, DECLARO o feito EXTINTO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte ré ao pagamento custas e honorários advocatícios em favor do procurador da parte demandante, estes fixados no percentual de 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação, nos termos da Súmula n.111 do STJ. Os valores em atraso deverão ser pagos após o trânsito em julgado, mediante requisição de pagamento a ser expedida ao TRF-1ª Região, com incidência de correção monetária e juros de mora de acordo com os índices previstos no Manual de orientação de procedimentos para os cálculos na Justiça Federal. Devem ser compensados os valores eventualmente já pagos, quando a cumulação for vedada por lei (art. 124 da Lei 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993). Requisite-se o pagamento dos honorários periciais pelo Sistema da AJG. A sentença não está sujeita a recurso necessário, por força do disposto no inciso I, § 3º, do artigo 496 do CPC. Havendo recurso de apelação, INTIME-SE a parte adversa para apresentar contraminuta, após proceda à remessa dos autos ao E. TRF1. Com o trânsito em julgado devidamente certifico, e nada requerido, ARQUIVE-SE os autos, autos com as baixas e anotações de estilo. Prescindível o registro da sentença, nos termos do artigo 317, § 4º, da Consolidação das Normas da Corregedoria-Geral de Justiça – CNGC. PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE. CUMPRA-SE, expedindo-se o necessário. Às providências. Alto Garças/MT, 30 de junho de 2025. LUIZ ANTÔNIO MUNIZ ROCHA Juiz de Direito

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Elson Manoel Da Silva x Banco Pan S.A.

ID: 298690425

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1025396-50.2023.8.11.0041

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

ELSON MANOEL DA SILVA

Polo Passivo:

BANCO PAN S.A.

Sentença

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

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MARIANNA BARROS SABER

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CLEITON CARLOS KLASNER

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HEBER AZIZ SABER

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE SENTENÇA Processo: 1025396-50.2023.8.11.0041. REQUERENTE: ELSON MANOEL DA SILVA REQUERIDO: BANCO PAN S.A… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE SENTENÇA Processo: 1025396-50.2023.8.11.0041. REQUERENTE: ELSON MANOEL DA SILVA REQUERIDO: BANCO PAN S.A. Vistos. ELSON MANOEL DA SILVA ajuizou AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS em face do BANCO PAN S.A., alegando que foi induzido a contratar cartão de crédito consignado quando pretendia empréstimo consignado tradicional, sofrendo descontos abusivos em sua folha de pagamento desde janeiro de 2017, totalizando R$ 23.569,73 em 68 parcelas. Requereu a aplicação do CDC com inversão do ônus da prova, conversão da modalidade para empréstimo pessoal consignado, limitação da taxa de juros a 1,86% ao mês sem capitalização, restituição em dobro dos valores pagos em excesso e indenização por danos morais de R$ 10.000,00. O feito foi recebido no ID 132155634 e deferido o parcelamento das custas. O réu apresentou contestação no ID 135485830, arguindo preliminares de prescrição, decadência e ilegitimidade passiva parcial, pugnando pela improcedência dos pedidos sob o argumento de que a contratação foi regular, com produto contratado evidente, manifestação de vontade clara e utilização efetiva do cartão pelo autor. Réplica apresentada no ID 136281859, refutando as preliminares e reiterando os pedidos iniciais. Os autos vieram conclusos. É a síntese do necessário. Decido. I - DAS PRELIMINARES A) Da Prescrição Rejeito a preliminar de prescrição. O contrato de cartão de crédito consignado configura obrigação de trato sucessivo, onde o prazo prescricional tem início com o vencimento da última parcela, não com a data da contratação. Conforme jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, "o objeto da lide se refere a contrato de cartão de crédito consignado, cuja obrigação é de trato sucessivo, em que o termo inicial do prazo prescricional é o vencimento da última parcela". Havendo descontos até agosto de 2022 e a ação sendo ajuizada em agosto de 2023, não há prescrição a declarar. Nesse sentido, para corroborar colaciono o seguinte julgado: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. TEORIA DA CAUSA MADURA. CIÊNCIA DO CONSUMIDOR SOBRE A MODALIDADE CONTRATADA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NEGATIVA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame. 1. Recurso de apelação interposto contra sentença que reconheceu a prescrição e julgou extinta a ação proposta contra o Banco BMG S.A. II. Questão em Discussão. 2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar a ocorrência ou não de prescrição para revisão do contrato de trato sucessivo; (ii) analisar a regularidade da contratação de cartão de crédito consignado e eventual violação ao dever de informação; (iii) avaliar a possibilidade de indenização por danos morais e restituição de valores descontados. III. Razões de Decidir 3. A prescrição não se configura em contratos de trato sucessivo, sendo o prazo decenal para revisão contratual iniciado a partir do último pagamento realizado. 4. A ciência inequívoca da consumidora acerca da modalidade contratada foi demonstrada por documentos e gravações que evidenciam o esclarecimento quanto às condições do contrato e o efetivo proveito dos valores liberados. 5. Inexistem elementos que corroborem a tese de violação ao dever de informação ou vício de consentimento. 6. Não configurados danos morais ou ato ilícito passível de gerar obrigação de restituição em dobro dos valores descontados. IV. Dispositivo e Tese 7. Prescrição afastada de ofício. Recurso desprovido, mantendo a regularidade do contrato por seus próprios fundamentos. Tese de Julgamento: "1. A prescrição em contratos de trato sucessivo inicia-se com o vencimento da última parcela, sendo aplicável o prazo decenal do art. 205 do Código Civil. 2. A contratação de cartão de crédito consignado é válida quando demonstrada a ciência do consumidor sobre as condições pactuadas, afastando-se alegações de vício de consentimento ou violação ao dever de informação." Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1012, §§ 1º, III e §3, I e II; CC, art. 205; CPC, art. 1.013, § 4º; CDC, art. 6º, III; CPC, arts. 85, §11 e 98, §3º, do CPC. Jurisprudência relevante citada: TJMT, ApCiv 1031832-59.2022.8.11.0041; TJMT, ApCiv 1028705-16.2022.8.11.0041; TJMT, ApCiv 1043715-03.2022.8.11.0041; STJ, REsp n. 1.845.754/ES; TJMT, ApCiv 1006029-48.2023.8.11.0006; TJMT, ApCiv1030992-83.2021.8.11.0041. (TJMT - 1000811-58.2023.8.11.0032, Relator(a): MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 20/01/2025, Data de Publicação: 26/01/2025) B) Da Decadência A alegação de decadência também não prospera. Tratando-se de relação de consumo com prestações de trato sucessivo que se renovam mensalmente, o prazo decadencial renova-se a cada período. Ademais, o pedido não se limita à anulação do negócio por vício, mas principalmente à revisão contratual por abusividade, não se aplicando o prazo do art. 178, II, do Código Civil. Vejamos: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE, DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO REJEITADAS – MÉRITO – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA QUE A PARTE AUTORA UTILIZOU DO CARTÃO PARA REALIZAR DIVERSOS SAQUES – CIÊNCIA DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO ADQUIRIDA E DA FORMA DE EXECUÇÃO DO CONTRATO – EQUIPARAÇÃO AOS JUROS COBRADOS NOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. Como a parte apelante apresentou devidamente os fundamentos de fato e de direito a fim de impugnar efetivamente os fundamentos da sentença, deve ser afastada a preliminar relativa à violação ao princípio da dialeticidade. Tratando-se de obrigação de trato sucessivo, o termo inicial dos prazos decadencial e prescricional tem início apenas após o vencimento da última parcela do contrato. Verificando-se que a contratação do empréstimo se deu na modalidade de cartão de crédito com desconto na folha de pagamento do consumidor, e não havendo prova da indução a erro ou de onerosidade excessiva, notadamente na hipótese em que a parte autora se utiliza do cartão para realização de saques, inviável falar-se na aplicação dos juros remuneratórios incidentes sobre operações de empréstimos consignados.(TJMT - 1011646-44.2024.8.11.0041, Relator(a): ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 24/09/2024, Data de Publicação: 29/09/2024). C) Da Ilegitimidade Passiva O Banco PAN S.A. possui legitimidade para figurar no polo passivo. Conforme documentação acostada, o banco adquiriu parte da carteira de contratos de cartão de crédito consignado do falido Banco Cruzeiro do Sul através de leilão oficial realizado em 2013, assumindo os direitos creditórios e passando a ter responsabilidade pelos descontos realizados pelos órgãos pagadores a partir da arrematação. II - DO JULGAMENTO ANTECIPADO O feito comporta julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, por se tratar de matéria exclusivamente de direito e os fatos estarem suficientemente comprovados pela documentação acostada aos autos. III - DO MÉRITO A) Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor A relação estabelecida entre as partes configura relação de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". O autor, como destinatário final dos serviços bancários, enquadra-se no conceito de consumidor, sendo o réu fornecedor de serviços financeiros. B) Da Inversão do Ônus da Prova Presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, defiro a inversão do ônus da prova, considerando a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência técnica do consumidor frente à instituição financeira. C) Da Contratação Analisando os autos, verifica-se que a parte requerente contratou junto ao banco requerido o produto bancário denominado cartão de crédito consignado, conforme se depreende da documentação acostada, operação pela qual foi concedido ao consumidor um limite de crédito para ser movimentado em saques e compras, cujo pagamento do valor mínimo da fatura é feito mediante desconto em folha pelo órgão consignante. O cartão de crédito contratado foi utilizado de sua forma genuína, não havendo razão para declarar sua nulidade. Cumpre ressaltar que o autor confessa em sua inicial o recebimento de valores por transferência bancária, fato que se enquadra no disposto no art. 374, III, do CPC, restringindo-se a questionar apenas o modo de contratação. Percebe-se que a parte requerente realizou compras com o cartão de crédito, utilizando efetivamente o serviço disponibilizado pela parte requerida, fato incontroverso nos autos, através das faturas de ID 135485835. A própria parte autora confessa que lhe foi creditada a importância requerida, razão pela qual não se vislumbra erro substancial capaz de configurar a nulidade do contrato, até porque a vontade real do requerente era obter o empréstimo, o que foi efetivamente realizado. Os descontos do valor mínimo das respectivas faturas são desde 2017 e somente em 2023 tomou as primeiras medidas cabíveis para obstar os débitos, o que evidencia a inexistência de fraude, ante a vedação ao venire contra factum proprium. Além disso, a anulabilidade do negócio jurídico nos termos do art. 139 do Código Civil, o erro, além de ser essencial, não pode ser consequência da culpa ou falta de atenção do contratante. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – IMPROCEDÊNCIA – EMPRÉSTIMO ATRAVÉS DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC – PRELIMINARES – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – REJEIÇÃO – MÉRITO – ALEGAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E NÃO CARTÃO DE CRÉDITO – DESCABIMENTO – CRÉDITO LIBERADO NA CONTA DA AUTORA – AQUIESCÊNCIA COM OS TERMOS CONTRATADOS – REGULARIDADE DOS DESCONTOS POR MAIS DE QUATORZE ANOS – VEDAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO – ILEGALIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADOS – NÃO CONSTATAÇÃO – ÍNDICES AQUÉM DA TAXA MÉDIA DE MERCADO – RECURSO DESPROVIDO. Rejeita-se a preliminar de não conhecimento do recurso por ausência de dialeticidade, em razão de o recorrente ter atendido aos requisitos previstos no artigo 1.010 do CPC/15, trazendo os fundamentos de fato e de direito, havendo pedido expresso de reforma da sentença para que a ação seja julgada procedente. Uma vez que a contratação que deu ensejo ao débito sub judice refere-se a contrato de empréstimo de cartão de crédito consignado adquirido do BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A, o qual, por sua vez, realizou a venda de parte de sua carteira de créditos relativos a cartão de crédito em favor do BANCO PAN S/A, que deu continuidade aos débitos na folha de pagamento/benefício da autora, inconteste a legitimidade deste – Banco Pan S/A – para figurar no polo passivo da presente lide. Se restou evidenciada a contratação de empréstimo através de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC, visto que após a juntada do contrato e das faturas de cartão de crédito pelo requerido, em nenhum momento negou a autora o recebimento do crédito a ele correspondente, há que ser mantida a sentença de improcedência da lide. Não há como acolher a tese de que a autora não contratou empréstimo na modalidade Cartão de Crédito Consignado, se restou incontroverso o depósito do crédito em sua conta bancária e os descontos do valor mínimo das respectivas faturas durante mais de quatorze (14) anos – data a partir da qual somente tomou as primeiras medidas cabíveis para obstar os débitos, o que evidencia a inexistência de fraude, ante a vedação ao venire contra factum proprium. Não há falar-se em ilegalidade dos juros remuneratórios contratados, se estes encontram-se aquém da taxa média para operações da mesma espécie divulgadas pelo Banco Central (RESp. 1.061.530/RS, sob o rito de recurso repetitivo). (TJMT - 1003009-41.2023.8.11.0041, Relator(a): MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 30/01/2024, Data de Publicação: 04/02/2024) D) Da Inexistência de Vício de Consentimento A parte autora tinha a intenção de contratação de empréstimo e anuiu à autorização de desconto mensal em sua remuneração, conforme se observa na documentação contratual. Uma vez que utilizou o cartão de crédito para realizar compras, deveria proceder ao pagamento da fatura no prazo acordado, sob pena de incorrer em encargos moratórios. Pelos documentos acostados aos autos, verifica-se que não houve pagamentos integrais de faturas, apenas o desconto do valor mínimo em folha de pagamento. A parte autora contratou o serviço de cartão de crédito e utilizou os serviços disponibilizados pela parte requerida, não trazendo elementos suficientes a desconstituir o contrato ou sua utilização, conforme dispõe o art. 373, I, do CPC. E) Da Conversão da Modalidade Contratual Restando evidenciada a contratação válida de cartão de crédito consignado, com informações claras sobre as características do negócio jurídico e considerando que a parte autora se beneficiou da contratação com a liberação do crédito, não há como realizar a conversão do contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado. Conclui-se que a prestação de serviço pelo fornecedor não foi defeituosa nem inadequada, sendo os serviços devidamente contratados pelo consumidor, pelo que não procede o pedido de conversão contratual. F) Da Revisão dos Juros Não obstante as instituições financeiras não estarem sujeitas ao patamar de 12% ao ano, tal fato não autoriza a cobrança de juros exorbitantes. Já está pacificado que a instituição financeira não está afeta à limitação de juros remuneratórios, não podendo o pactuado ser desconsiderado, salvo se exorbitante, conforme Súmula Vinculante nº 7 e Súmulas 596 e 648 do STF e Súmula 382 do STJ. Em casos excepcionais, se demonstrada a abusividade nas taxas de juros, estas podem ser reduzidas pelo Poder Judiciário. Consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. 1.061.530, há abusividade quando a taxa de juros remuneratórios praticada no contrato discrepar significativamente da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para o mês de celebração do instrumento. A circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, a conclusão de cobrança abusiva, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras. Considera-se abusiva a taxa de juros remuneratórios apenas se fixada no mínimo 50% acima da taxa média de mercado, posicionamento do próprio STJ no julgamento do REsp. 1.061.530/RS. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO . JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES .DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1 . Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade.Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios;ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício .PRELIMINAR O Parecer do MPF opinou pela suspensão do recurso até o julgamento definitivo da ADI 2.316/DF. Preliminar rejeitada ante a presunção de constitucionalidade do art. 5º da MP n .º 1.963-17/00, reeditada sob o n.º 2.170-36/01 . I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art . 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada ? art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.ORIENTAÇÃO 3 - JUROS MORATÓRIOS Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês .ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo.Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários . Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão. II- JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO (REsp 1 .061.530/RS) A menção a artigo de lei, sem a demonstração das razões de inconformidade, impõe o não-conhecimento do recurso especial, em razão da sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.O recurso especial não constitui via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF .Devem ser decotadas as disposições de ofício realizadas pelo acórdão recorrido. Os juros remuneratórios contratados encontram-se no limite que esta Corte tem considerado razoável e, sob a ótica do Direito do Consumidor, não merecem ser revistos, porquanto não demonstrada a onerosidade excessiva na hipótese. Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor. Afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida .Não há qualquer vedação legal à efetivação de depósitos parciais, segundo o que a parte entende devido. Não se conhece do recurso quanto à comissão de permanência, pois deficiente o fundamento no tocante à alínea a do permissivo constitucional e também pelo fato de o dissídio jurisprudencial não ter sido comprovado, mediante a realização do cotejo entre os julgados tidos como divergentes. Vencidos quanto ao conhecimento do recurso a Min. Relatora e o Min . Carlos Fernando Mathias.Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício.Ônus sucumbenciais redistribuídos. (STJ - REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/03/2009 RSSTJ vol . 34 p. 216 RSSTJ vol. 35 p. 48). O autor não comprovou qual era a taxa média de mercado do Banco Central na época da contratação para permitir a comparação com os juros praticados, ônus que lhe competia, restando prejudicada a sua tese com base na alegação narrada na inicial. G) Da Repetição do Indébito Quanto ao pedido de repetição de indébito, entendo-o indevido, pois não houve alteração ou vício no contrato. Não se verificou qualquer cobrança ilegal ou abusiva pela instituição financeira, inexistindo pagamento a maior realizado pelo requerente. H) Do Pedido de Indenização por Danos Morais Quanto aos danos morais, não se configurou dano ou ofensa a direito de personalidade que justifique o pagamento de indenização. Somente é cabível a indenização quando restam patentes os pressupostos legais: ato ilícito, dano e nexo de causalidade. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a indenizar, conforme artigo 927 do Código Civil. Nenhum dos pressupostos legais foi comprovado nos autos para justificar a reparação civil. Não estão presentes os requisitos da ação voluntária, nexo de causalidade e dano moral para configurar a reparação civil. Diante do exposto e considerando o que mais consta nos autos, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do artigo 487, I, do CPC, permanecendo os encargos como pactuados por entender que são regulados em lei e foram efetivados na forma avençada entre as partes. CONDENO o autor ao pagamento ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2° do CPC. Com o trânsito em julgado, AO ARQUIVO com as anotações e baixas de estilo. ÀS PROVIDÊNCIAS. Várzea Grande/MT, data registrada no sistema. GUILHERME CARLOS KOTOVICZ Juiz de Direito Designado pela Portaria 866/2025

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