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Processo nº 1000596-11.2020.8.11.0025

ID: 338282829

Tribunal: TJMT Órgão: Vice-Presidência Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000596-11.2020.8.11.0025

Data de Disponibilização: 30/07/2025

Polo Ativo:

CLODIS ANTONIO MENEGAZ TV MUNDIAL JUINA LTDA

Polo Passivo:

Decisão

Advogados:

NADER THOME NETO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO GABINETE DA VICE-PRESIDÊNCIA RECURSO ESPECIAL N. 1000596-11.2020.8.11.0025 RECORRENTES: TV MUNDIAL JUÍNA LTDA e Outros. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO GABINETE DA VICE-PRESIDÊNCIA RECURSO ESPECIAL N. 1000596-11.2020.8.11.0025 RECORRENTES: TV MUNDIAL JUÍNA LTDA e Outros. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Trata-se de Recurso Especial interposto por TV MUNDIAL JUÍNA LTDA e Outros, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, em face do acórdão de id. 282734889. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados no acórdão id. 292938855. Os recorrentes alegam violação ao art. 24, X, da Lei nº 8.666/93; ao art. 2º da Lei nº 9.784/99; e ao § 4º do art. 966 do CPC, além de divergência jurisprudencial quanto ao cabimento da ação civil pública, sustentando que o acórdão recorrido diverge do entendimento dos tribunais superiores sobre seus limites. Houve pedido de efeito suspensivo. Foram apresentadas contrarrazões no id. 301433394. É o relatório. Decido. Dos permissivos previstos no art. 105, III, alíneas ‘a’ e ‘c’, da CF/1988. O Recurso Especial é cabível para impugnar acórdão que contrarie tratado ou lei federal, ou que lhes negue vigência (alínea "a"), bem como quando a decisão recorrida divergir da interpretação de lei federal adotada por outro tribunal (alínea "c"). Do prequestionamento e da causa decidida. Nos termos do art. 105, inciso III, da Constituição Federal, o Recurso Especial é cabível para impugnar decisões que contrariem tratado ou lei federal, ou que divirjam de interpretação de lei federal adotada por outro tribunal. Conforme leciona a doutrina, o Recurso Especial tem como escopo exclusivo a apreciação de questões de direito federal infraconstitucional – as denominadas federal questions [DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. V. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 271]. No caso dos autos, os recorrentes alegam violação ao art. 24, X, da Lei nº 8.666/93, sustentando que o acórdão recorrido desconsiderou a possibilidade de dispensa de licitação para a alienação de bens imóveis, mesmo diante do interesse público envolvido e dos investimentos realizados pela empresa no imóvel. Alegam também afronta ao art. 2º da Lei nº 9.784/99, sob o argumento de que a decisão violou os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da conservação dos atos administrativos, ao não considerar a possibilidade de convalidação do negócio jurídico diante da boa-fé dos embargantes. No entanto, observa-se que o acórdão recorrido se limitou a analisar o descumprimento dos requisitos legais para alienação de bem público, sem adentrar especificamente nas hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 24, X, da Lei de Licitações, tampouco nos princípios administrativos consagrados na Lei nº 9.784/99. Verifica-se que as questões federais foram oportunamente suscitadas, sem que o Tribunal tenha manifestado a seu respeito. Embora tenham opostos Embargos de Declaração, os recorrentes deixaram de apontar, nas razões do Recurso Especial, violação expressa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, circunstância que obsta a análise da admissibilidade recursal. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. PREQUESTIONAMENTO FICTO NÃO CONFIGURADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. “A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei” (REsp 1.639.314/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 4-4-2017, DJe 10-4-2017). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AgInt no AREsp 2145317/SP – Min. Maria Isabel Gallotti – Quarta Turma – j. 12-6-2023 – DJe 15-6-2023 – sem destaque no original). Dessa forma, impõe-se o reconhecimento da inadmissibilidade do Recurso Especial, neste ponto. Dialeticidade recursal. Na interposição dos recursos, as respectivas razões devem ser redigidas de forma precisa e completa, de modo a impugnar todos os fundamentos do acórdão recorrido, pois o apontamento incompleto dos supostos equívocos do decisum justifica a sua integral manutenção, já que a parte não questionada pode ser suficiente como fundamentação e não permitir a reforma do julgado. Se não há impugnação completa, subsistindo, assim, fundamento inatacado, com a apresentação de razões dissociadas desse fundamento, ocorre ofensa ao princípio da dialeticidade, incidindo os óbices das Súmulas 283 e 284 do STF. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. JUIZ CLASSISTA. PARIDADE COM OS JUÍZES TOGADOS. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA DE PARIDADE. AUMENTO DE VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS SOB O FUNDAMENTO DA ISONOMIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO E DEFICIÊNCIA NA ARGUMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284 DO STF. ACÓRDÃO ASSENTADO EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA DO STF. (...). 2. As razões recursais apresentadas no apelo nobre, além de não serem suficientes para infirmar os fundamentos do acórdão recorrido, encontram-se dissociadas daquilo que restou decidido pelo tribunal de origem, o que caracteriza deficiência na fundamentação do recurso especial e atrai, por analogia, os óbices das Súmulas 283 e 284 do STF. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.678.341/ES, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 8/5/2019; e AgInt no AREsp 1.775.664/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 10/06/2021. (...). 4. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.006.025/CE, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 5/12/2022, DJe de 9/12/2022). Com efeito, observa-se que o acórdão recorrido se fundamentou em diversos dispositivos da Lei nº 8.666/93, especialmente nos arts. 17 e 26, consignando: [...] Ademais, não houve efetiva licitação concluída e adjudicação com base no edital Concorrência nº 003/2012. Como mencionado, o Município de Juína, mesmo após a publicação do edital, optou por realizar a alienação por meio de acordo judicial, sem concluir o certame licitatório, o que contraria frontalmente o disposto no art. 17, I, da Lei nº 8.666/1993 (vigente à época) e também no art. 2º da Lei municipal nº 1.284/2011, que exigem a alienação por concorrência, salvo hipóteses expressas de dispensa ou inexigibilidade, que não se verificam na espécie. Somente para ilustrar, transcrevem-se os referidos dispositivos legais. “Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I - Quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada está nos seguintes casos:” “Art. 2º A alienação realizar-se-á através de procedimento licitatório, observada a modalidade da Concorrência Pública como disposto na Lei Federal nº 8.666/93 e valor constante da Avaliação realizada por Comissão designada por Decreto do Executivo”. Destarte, uma vez que não se atendeu o prazo de 20 anos para a regularização fundiária e a realização de licitação mediante concorrência pública exigidos pela Lei nº 1.284/2011, a alienação do imóvel litigioso não poderia ser validamente realizada com fundamento nesta norma jurídica, como expressamente se afirmou no acordo celebrado entre as o Município de Juína e a TV Mundial Ltda. Não bastasse, sequer foi instaurado procedimento administrativo prévio para justificar a dispensa de licitação, conforme exige o art. 26 da Lei nº 8.666/93 (vide Ofício nº 309/PGM/JUINA/2018, de 02/10/2018, no Id 255976151) e também não houve demonstração de interesse público hábil a justificar a alienação direta de bem público [...]. O recurso não impugnou especificamente estes fundamentos suficientes para manter a decisão, subsistindo fundamento inatacado apto a sustentar o acórdão, o que impede a admissão do recurso. Da ausência de matéria exclusivamente de direito. Nos termos do art. 105, inciso III, da Constituição Federal, o Recurso Especial é cabível para impugnar decisões que contrariem tratado ou lei federal, ou que divirjam de interpretação de lei federal adotada por outro tribunal. Os recorrentes alegam violação: (a) ao art. 24, X, da Lei nº 8.666/93, por ter o acórdão afastado a dispensa de licitação para alienação de imóvel, apesar do interesse público e dos investimentos da empresa; (b) ao art. 2º da Lei nº 9.784/99, por desconsiderar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e conservação dos atos administrativos; e (c) ao art. 966, § 4º, do CPC, ao admitir ação civil pública para anular negócio jurídico, quando cabível seria a ação anulatória, por se tratar de matéria de ordem pública. A controvérsia recursal demanda, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, notadamente: (i) a análise da ocupação do imóvel desde 1997; (ii) a verificação da regularidade da Concorrência nº 003/2012; (iii) a avaliação dos investimentos realizados pela empresa; (iv) a interpretação das cláusulas do acordo judicial celebrado; e (v) a aplicação concreta da Lei Municipal nº 1.284/2011. Tais circunstâncias atraem a incidência da Súmula nº 7 do STJ, segundo a qual: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Nesse sentido, o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPRA DE INGRESSOS. REEXAME DE PROVA. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 1. Conforme determinado no acórdão recorrido, "não configura ato de improbidade administrativa passível de enquadramento no artigo 10, inciso VIII, da Lei 8.429/1992, a aquisição de ingressos pela TERRACAP para o jogo de abertura da Copa das Confederações fundado em procedimento administrativo no qual se justificou a inexigibilidade de licitação e que atende aos fins legais e estatutários da empresa pública". 2. Da atenta análise recursal, bem como do acórdão recorrido, entendo "que seria necessário do revolvimento fático-probatório dos autos para dirimir a questão, além de apreciação dos termos do convênio firmado entre a Terracap, a Secretaria de Estado de Comunicação Social e a Secretaria de Estado Extraordinário da Copa, e do Estatuto Interno da Terracap, providências obstadas nesta Corte de Justiça, consoante o teor das Súmulas n. 5 e 7 do STJ". 3. Agravo conhecido para não conhecer do recurso especial. (STJ - AREsp: 1694255 DF 2020/0095676-8, Data de Julgamento: 02/08/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2022). Não se trata, portanto, de matéria exclusivamente de direito, razão pela qual o Recurso Especial revela-se inadmissível. Por se tratar de pretensão de reanálise de fatos e provas, o exame do aventado dissídio jurisprudencial fica prejudicado, em virtude da incidência da Súmula 7/STJ. A propósito: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO. MAJORAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO PREJUDICADO. DECISÃO MANTIDA. (...) 3. A incidência da Súmula 7 do STJ prejudica a análise do dissídio jurisprudencial pretendido. Precedentes desta Corte. 4. Agravo interno não provido”. (AgInt no AREsp n. 2.173.808/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/12/2022, DJe de 14/12/2022). (g.n.) Do efeito suspensivo. O caso dos autos enseja a inadmissão do Recurso Especial, conforme demonstrado na fundamentação. A inadmissão recursal afasta o primeiro requisito necessário ao deferimento do efeito suspensivo, qual seja a probabilidade de provimento do recurso. Conclui-se, portanto, que, inadmitido o recurso, resta prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo. Dispositivo. Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, inc. V, do Código de Processo Civil, inadmito o Recurso Especial e, como consequência, resta prejudicado o pedido para atribuição de efeito suspensivo. Intime-se. Cumpra-se. Cuiabá/MT, data registrada no sistema. Desa. Nilza Maria Pôssas de Carvalho Vice-Presidente

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Processo nº 1005395-85.2025.8.11.0037

ID: 280971315

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL Nº Processo: 1005395-85.2025.8.11.0037

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

FFP FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

FLAVIO MENDES BENINCASA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE SENTENÇA Processo nº 1005395-85.2025.8.11.0037. IMPETRANTE: FFP FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA IMPETRADO: CHEFE DO SETOR DE VI… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE SENTENÇA Processo nº 1005395-85.2025.8.11.0037. IMPETRANTE: FFP FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA IMPETRADO: CHEFE DO SETOR DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE PRIMAVERA DO LESTE Vistos. Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por FFP FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA contra ato do CHEFE DO SETOR DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE PRIMAVERA DO LESTE/MT, devidamente qualificados nos autos. Narra a inicial, em síntese, que a parte impetrante é farmácia de manipulação, podendo dispensar produtos manipulados isentos de prescrição médica como permite a legislação e garante as normas técnicas do Conselho Federal de Farmácia, para a livre manipulação, exposição e venda de produtos manipulados e medicamentos isentos de prescrição, em respeito aos Princípios da Livre Iniciativa, o Livre Exercício da Profissão e a Livre Concorrência. Aduz que a RDC 67/2007 proíbe a exposição ao público de produtos manipulados, com o objetivo de propaganda, publicidade ou promoção. Alega que depende do comércio eletrônico para continuar em atividade, inclusive para a manutenção de emprego de seus colaboradores diretos e indiretos, pois a proibição prejudicará a impetrante frente aos seus concorrentes que já realizam tais vendas de forma livre. Assim, requer a concessão de liminar, para que seja determinado à autoridade coatora que se abstenha de efetuar qualquer tipo de sanção à impetrante e suas filiais por manipular, expor, entregar, realizar estoque gerencial em pequena quantidade e comercializar, em sua empresa e através de site e-commerce, redes sociais e marketplace, os produtos e medicamentos manipulados contendo insumos/fármacos isentos de prescrição, sem a necessidade de apresentação de prescrição, mantendo-se inalterado os procedimentos de controles de qualidade que já são realizados. É o relatório. Fundamento e decido. De início, consigno que o mandado de segurança se constitui em remédio constitucional, no qual o direito invocado deve ser demonstrado de plano, não sendo possível a realização de dilação probatória, pois o direito deve ser demonstrado já na impetração. Sobre tal matéria, Eduardo Arruda Alvim assevera nos seguintes termos: Por não admitir dilação probatória, os fatos alegados pelo impetrante devem estar devidamente documentos através de prova pré-constituída na própria inicial do mandado de segurança. Se, em contrapartida, houver esta necessidade, sequer se chega à análise do mérito do mandado de segurança, devendo o mesmo ser extinto com base no art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, restando abertas, ao impetrante, as vias ordinárias para a solução de seu conflito com a Administração Pública. (Perfil atual do mandado de segurança. In Direito Processual Público. Carlos Ari Sundfeld e Cassio Scarpinella Bueno (coord.) 1ª edição, 2ª triagem. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 121). Nesse sentido, veja-se: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ALEGADA QUITAÇÃO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – EXTINÇÃO DA AÇÃO MANDAMENTAL – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Para a comprovação de violação a direito líquido e certo, mister a existência de prova pré-constituída no momento da impetração, ou seja, o direito deve ser comprovado de plano. 2. A matéria de fundo do mandamus é a demonstração de plano do direito líquido e certo evidenciado pelas documentações necessárias a fim de comprovar a ilegalidade do ato da autoridade tida como coatora. Caso contrário, o indeferimento da inicial é medida que se torna necessária. (N.U 1037796-09.2017.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 11/06/2019, Publicado no DJE 14/06/2019). No caso dos autos, a parte impetrante pleiteia, preventivamente, que a autoridade coatora seja impedida de aplicar a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 67, de 8 de outubro de 2007, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Para Hely Lopes Meirelles, “O mandado de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante. Não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa pôr em risco direito do postulante” (Mandado de Segurança. 31ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 28). Segundo o Supremo Tribunal Federal, “o mandado de segurança preventivo exige efetiva ameaça decorrente de atos concretos ou preparatórios por parte da autoridade indigitada coatora, não bastando o risco de lesão a direito líquido e certo, baseado em conjecturas por parte do impetrante, que, subjetivamente, entende encontrar-se na iminência de sofrer o dano” (RMS 19.217/PR. Rel. Min. Luiz Fux. 1ª Turma. DJe 26.03.2009). Da análise dos autos, constata-se que a parte impetrante não acostou aos autos qualquer elemento probatório capaz de demonstrar a existência de justo receio de lesão a direito líquido e certo, notadamente no que se refere à suposta iminência de impedimento para expor “ao público de produtos manipulados, com o objetivo de propaganda, publicidade ou promoção”. Ausente, portanto, comprovação mínima da ameaça concreta e atual, não se evidencia a presença dos requisitos autorizadores para a concessão da segurança em sede preventiva. Diante do exposto, entendo que o pleito formulado pela parte impetrante não comporta acolhimento, uma vez que o mandado de segurança preventivo exige a demonstração de ato concreto, ainda que potencial, praticado ou iminente por parte da autoridade apontada como coatora, capaz de ameaçar direito líquido e certo. Não se admite, portanto, a utilização da via mandamental com caráter meramente especulativo ou preventivo-genérico, tampouco se presta o mandado de segurança a conferir salvo-conduto para resguardar a parte de eventual atuação estatal futura, incerta e hipotética. Veja-se o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. AUSÊNCIA DE JUSTO RECEIO DE LESÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. IMPOSSIBILIDADE DE SALVO-CONDUTO PARA EVENTOS FUTUROS E INCERTOS. DESPROVIMENTO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou provimento a apelação, mantendo a sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu mandado de segurança preventivo. O pedido buscava assegurar à impetrante o direito de fornecer serviço de bronzeamento artificial sem sofrer autuações ou interdição do estabelecimento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se há justo receio de lesão a direito líquido e certo a justificar a impetração de mandado de segurança preventivo, diante da alegação de possível fiscalização baseada na Resolução RDC nº 56/2009 da ANVISA, declarada nula em ação judicial. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A impetração de mandado de segurança preventivo exige prova concreta e objetiva da existência de ameaça iminente a direito líquido e certo. 4. Não há comprovação de que o Município de Guiratinga tenha autuado a impetrante ou realizado qualquer ato preparatório concreto que indique ameaça real ao exercício da atividade econômica. 5. O mandado de segurança preventivo não pode ser utilizado como salvo-conduto para evitar fiscalizações futuras e incertas. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: “A impetração de mandado de segurança preventivo exige prova concreta e objetiva de ameaça iminente a direito líquido e certo, não se admitindo a concessão de salvo-conduto para evitar fiscalizações futuras e incertas.” Dispositivos relevantes citados: Lei nº 12.016/2009, art. 1º. Jurisprudência relevante citada: TJ/MT, Apelação Cível n 1011250-55.2022.8.11.0003, Rel. Des. Maria Erotides Kneip, j. 4/3/2024, Apelação Cível n. 1009083-34.2023.8.11.0002, Rel. Des. Mário Roberto Kono de Oliveira, j. 10/102023. (TJ-MT - N.U 1000596-36.2024.8.11.0036, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 28/02/2025) grifo e destaque nosso. DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ATIVIDADE DE BRONZEAMENTO ARTIFICIAL. RESOLUÇÃO RDC Nº 56/2009 DA ANVISA. AUSÊNCIA DE ATO COATOR CONCRETO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo interno interposto visando à reforma de decisão monocrática que denegou a segurança pleiteada em mandado de segurança preventivo contra ato do Município de Rondonópolis. A agravante busca proteger sua atividade de bronzeamento artificial de possíveis sanções administrativas fundamentadas na Resolução RDC nº 56/2009 da ANVISA, a qual proíbe o uso de equipamentos de bronzeamento artificial para fins estéticos. A agravante alega risco de prejuízo à sua atividade econômica e sustenta a nulidade da resolução, com base em decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se existe prova de ato coator concreto ou iminente que justifique a concessão de mandado de segurança preventivo; (ii) avaliar a aplicabilidade da decisão declaratória de nulidade da Resolução RDC nº 56/2009 ao caso em questão. III. RAZÕES DE DECIDIR O mandado de segurança preventivo exige prova pré-constituída de ameaça concreta ao direito alegado, sendo insuficiente a mera expectativa de fiscalização futura. A ausência de documentos que demonstrem ato administrativo concreto ou iminente de interdição ou autuação pelo Município de Rondonópolis enfraquece o requisito de justo receio necessário para concessão da segurança. A decisão judicial proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que declarou a nulidade da Resolução RDC nº 56/2009, possui eficácia restrita às partes do processo, não se aplicando de forma geral e automática ao caso da agravante. O recurso preventivo exige a demonstração de ameaça objetiva e real, sendo inadequado para situações baseadas apenas em normativas regulatórias sem ato coator concreto e imediato. IV. DISPOSITIVO E TESE Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: A concessão de mandado de segurança preventivo requer prova pré-constituída de ato coator concreto ou iminente, sendo insuficiente a mera possibilidade de fiscalização futura. Decisão judicial com eficácia limitada às partes não confere direito subjetivo para afastar normativo regulatório em benefício de terceiros. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inciso LXIX. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 266; TRF 3ª Região, processo nº 0006475-34.2010.403.6100. (TJ-MT - N.U 1012123-21.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, Vice-Presidência, Julgado em 03/12/2024, Publicado no DJE 12/12/2024) grifo e destaque nosso. APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – ESTETICISTA – RDC ANVISA N. 56/2009 – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE JUSTO RECEIO DE LESÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SENTENÇA MANTIDA – APELO DESPROVIDO. Nos termos da jurisprudência assentada neste Sodalício, a impetração de Mandado de Segurança na modalidade preventiva, exige que o Impetrante demonstre, de forma concreta e objetiva, a existência de justo receio de sofrer violação a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, nos termos do artigo 1º da Lei n. 12.016/2009. “Impõe-se a extinção da ação mandamental, sem resolução do mérito, quando ausente a comprovação do justo receio, pela prática, ao menos, de atos preparatórios que caracterizem ameaça a direito líquido e certo”. (N.U 1038402-03.2018.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA EROTIDES KNEIP BARANJAK, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/07/2021, Publicado no DJE 22/07/2021)’. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJ-MT - N.U 1007117-64.2022.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 30/05/2023, Publicado no DJE 12/06/2023) destaque nosso. EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO – REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – ORDEM GENÉRICA – SALVO CONDUTO QUE RESULTA EM VEDAÇÃO À ATUAÇÃO DO FISCO – SEGURANÇA DENEGADA – RECURSO DESPROVIDO. 1- Para a impetração de mandado de segurança preventivo é necessário que o impetrante demonstre, de forma concreta e objetiva, a existência de justo receio de sofrer violação a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, nos termos do art. 1º da Lei n. 12.016/2009. 2- Não existindo objetividade na ameaça alegada, a pretensão do Impetrante se assemelha a um verdadeiro salvo-conduto, medida que se mostra inviável nesta seara. (TJ-MT 10297580320208110041 MT, Relator: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de Julgamento: 22/11/2021, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 15/12/2021) destaque nosso. Portanto, considerando que não restou comprovado o justo receio de violação a direito líquido e certo, bem como pela vedação da dilação probatória no mandado de segurança, incabível o recebimento da inicial, uma vez que o art. 10 da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, dispõe que “a inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração”. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ILEGALIDADE DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – INDEFERIMENTO DA INICIAL – EXTINÇÃO DA AÇÃO MANDAMENTAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Para a comprovação de violação a direito líquido e certo, mister a existência, no momento da impetração, de prova pré-constituída, ou seja, apta a comprovar de plano o direito alegado pelo impetrante. 2. Ausente essa prova, o indeferimento da inicial é medida necessária, devendo ser mantida a sentença proferida neste sentido na ação mandamental. (TJ-MT - N.U 1001391-03.2019.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 19/05/2020, Publicado no DJE 02/06/2020) grifo e destaque nosso. Ante o exposto, INDEFIRO A INICIAL e JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução do mérito, nos termos do art. 10 da Lei nº 12.016/2009 e art. 485, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem custas processuais e honorários advocatícios. Após o trânsito em julgado, certifique-se e arquivem-se os autos com as baixas e anotações necessárias. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo o necessário, com as cautelas de estilo. Primavera do Leste/MT, data da assinatura eletrônica. Lidiane de Almeida Anastácio Pampado Juíza de Direito

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Processo nº 1004115-93.2025.8.11.0000

ID: 256244723

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara Criminal Classe: AGRAVO DE EXECUçãO PENAL Nº Processo: 1004115-93.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 14/04/2025

Polo Ativo:

GABRIELA CARNEIRO LIMA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

KATIANE SILVA SANTOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

JOAO MARLON GIMENEZ BARBOSA

OAB/RO XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1004115-93.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Assunto: [Pena Privativa de Liberdade] Relator: Des(a). … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1004115-93.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Assunto: [Pena Privativa de Liberdade] Relator: Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JONES GATTASS DIAS] Parte(s): [GABRIELA CARNEIRO LIMA - CPF: 062.572.031-80 (AGRAVANTE), JOAO MARLON GIMENEZ BARBOSA - CPF: 025.671.792-32 (ADVOGADO), KATIANE SILVA SANTOS - CPF: 059.267.081-33 (ADVOGADO), AUTORIDADE JUDICIÁRIA DA 3ª VARA DA COMARCA DE COLIDER ESTADO DE MATO GROSSO (AGRAVADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (AGRAVADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito penal. Agravo em Execução. Detração penal. Utilização do mesmo período de prisão provisória para fins de progressão de regime. Recurso desprovido. I. Caso em exame 1. Trata-se de agravo em execução interposto pela agravante contra decisão da 3ª Vara da Comarca de Colíder/MT, que indeferiu o pedido de detração do período de prisão provisória (18 de agosto de 2017 a 4 de maio de 2018) diretamente na fração de pena exigida para nova progressão de regime. II. Questão em discussão 2. Há 1 (uma) questão em discussão: verificar a possibilidade de se utilizar o período de prisão preventiva cumprido pela agravante, entre 18 de agosto de 2017 e 4 de maio de 2018, para fins de progressão de regime. III. Razões de decidir 3. A análise dos registros da execução penal demonstra que o período de prisão provisória alegado pela agravante (18.08.2017 a 04.05.2018) já foi utilizado anteriormente para fins de detração, tendo sido computado como pena cumprida e empregado para concessão de progressão. 4. Ainda que a agravante sustente que tal lapso temporal “jamais foi utilizado” na fração exigida para progressão, os documentos extraídos do SEEU confirmam expressamente que esse período foi considerado em momento anterior na execução penal. 5. A legislação penal brasileira, embora não detalhe expressamente como deve ocorrer a detração, não admite que um mesmo período de prisão provisória seja utilizado mais de uma vez para fins de concessão de benefícios, sob pena de violação ao princípio do non bis in idem. 6. A reiteração da utilização do mesmo tempo de prisão compromete a coerência da execução penal, cria um crédito fictício de pena e distorce o sistema progressivo baseado no mérito e no cumprimento efetivo da pena. 7. A detração, nos termos do art. 42 do Código Penal, deve ser interpretada de forma sistemática, respeitando os princípios da legalidade, proporcionalidade, segurança jurídica e individualização progressiva da pena, o que impede o reaproveitamento de período já computado como pena cumprida. 8. A execução penal não pode ser flexibilizada com base em alegações isoladas da defesa, quando os dados objetivos da execução demonstram o efetivo uso anterior do período de prisão como redutor do tempo necessário à progressão, o que afasta qualquer omissão ou injustiça na contagem atual. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O período de prisão provisória já considerado como pena cumprida em momento anterior da execução penal não pode ser novamente utilizado para fins de detração na fração exigida para nova progressão de regime.” Dispositivos relevantes citados: CP, art. 42. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA: Ilustres membros da Terceira Câmara Criminal: Trata-se de recurso de agravo em execução manejado por Gabriela Carneiro Lima, contra a decisão prolatada pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Colíder/MT, nos autos do Processo Executivo de Pena n. 2000003-04.2020.8.11.0109, indeferindo o pedido de detração do período em que permaneceu presa provisoriamente diretamente na fração para o cálculo de progressão prisional. A agravante, nas razões encontradiças no ID 268187291, p. 1078-1088, almeja a reforma da aludida decisão, para que o período da sua prisão provisória seja abatido da fração a ser cumprida no regime fechado para a progressão de regime. Nas contrarrazões que se veem no ID 268185775, p. 13-18, o Ministério Público postula o desprovimento do presente recurso sustentando que o período de prisão provisória da agravante já foi detraído da pena total antes de estabelecer as frações para a progressão de regime. Em juízo de retratação exteriorizado no ID 26185775, p. 19, foi mantido o aludido decisum e determinada a remessa do presente agravo a este Tribunal de Justiça. Nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do parecer acostado no ID 270387393, manifesta-se pelo desprovimento do presente agravo em execução. É o relatório. Inclua-se em pauta para julgamento virtual. V O T O R E L A T O R Conforme consta do relatório, a agravante postula a reforma da decisão agravada para que o período da sua prisão provisória seja abatido da fração a ser cumprida no regime fechado para a progressão de regime. A agravante cumpre a pena privativa de liberdade unificada, em regime fechado, por conta das seguintes condenações: 1. Ação Penal n. 0001459-28.2017.8.11.0109, delito: tráfico privilegiado de drogas (art. § 4°, da Lei n. 11.343/06), data do fato: 18.08.2017, sentença condenatória: 07.05.2016, data do trânsito em julgado: 15.07.2019 e pena: 1 ano e 8 meses de reclusão (ID 268187291, p. 1101) 2. Ação Penal n. 1000596-06.2020.8.11.0019, delito: tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06), data do fato: 21.08.2020, sentença condenatória: 23.02.2021, data do trânsito em julgado: 04.10.2021 e pena: 5 anos e 10 meses de reclusão (ID 268187291, p. 1099-1100) 3. Ação Penal n. 1000608-64.2020.8.11.0109, delito: associação para o tráfico (art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06), data do fato: 02.05.2020, sentença condenatória: 15.09.2021, data do trânsito em julgado: 03.05.2023 e pena: 4 anos e 1 mês de reclusão (ID 268187291, p. 1102) A prolatora da decisão invectivada, encontradiça no ID 268187291, p. 1057-1065, levou em consideração os seguintes motivos para indeferir a pretensão da agravante: [...] Definido este ponto, outro merece ser debatido: a detração. Pedido da Defesa. Primeiramente, esclarece-se que os argumentos da Defesa são compreensíveis por este Juízo, pois, de fato, em algumas situações, as anotações incidentes sobre o cálculo no SEEU, não puxam o período da detração para reduzir o tempo resultado da fração para fins de progressão de regime. No caso dos autos, como se ver da aba “eventos”, conforme já mencionado linhas acima, as detrações estão devidamente anotadas e reduzindo-se da pena imposta. E, com efeito, não estão sendo deduzidas do período resultado da fração aplicável que se exige para progressão de regime. Na verdade, nem poderia ser. O período de detração indicado pela defesa já foi utilizado para dedução da fração de progressão em momento anterior nesta execução penal. Vejam-se que em 22/08/2022 a reeducanda foi promovida ao regime semiaberto utilizando-se toda a detração indicada pela Defesa como redutor do período exigido pela fração de progressão, naquela época. Diante disso, não é possível receber o mesmo benefício neste momento, pois o mesmo período de prisão cautelar não pode ser utilizado em duplicidade. Assim, registra-se que, após a concessão do benefício executório anterior, que se utilizou do período da detração anterior, deve-se realizar as alterações devidas nas anotações do apenado para fins de concessão dos benefícios da execução, sob pena de ocorrência de bis in idem, em que o apenado se beneficiaria duas vezes pela mesma circunstância. [...] Ademais, esclarece-se que a prisão da reeducanda se deu pela condenação, em regime fechado, nos autos n. 1000608-64.2020.811.0109. Nessa ação penal não há detração a ser anotada para influir na progressão de regime. Portanto, INDEFIRO o pedido do Ministério Público de aplicação do percentual de 20% sobre a condenação da guia 1, bem como o pedido da Defesa de considerar novamente os períodos de detração para fins de nova progressão de regime. [...] Destacamos No entanto, embora a agravante sustente que “a apenada permaneceu presa provisoriamente durante a instrução criminal no período de 18/08/2017 a 04/05/2018 (fls. 02 do evento 1.1), o qual não estão sendo abatido da fração para a progressão de regime”, bem como “que o referido período JAMAIS foi utilizado na fração a ser considerada para o cumprimento da pena no regime fechado”, é forçoso reconhecer que a pretensão visando a utilização do referido marco temporal para promover desconto da fração para a progressão de regime não deve ser acolhida. Isso porque, embora o art. 42 do Código Penal – que trata da detração –, não seja claro, eis que simplesmente dispõe que “computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro”, não delimitando de que maneira esse período deve ser descontado por ocasião do cumprimento da pena, fica evidente que a intenção do legislador foi considerar como pena cumprida e, portanto, extinta, desde o início da persecução penal, para que a execução se dê em sua exata e justa medida. Além do mais, o dispositivo legal citado no parágrafo anterior também não prevê qualquer restrição no tocante à possibilidade de utilização do período no qual o reeducando foi submetido à prisão provisória como detração no cálculo do prazo para benefícios de progressão de regime. No entanto, no caso destes autos, diferentemente do afirmado pela agravante, o tempo de prisão provisória cumprido por ela foi considerado para todos os efeitos legais, uma vez que foi computado para fins de usufruto dos benefícios executórios, na medida em que foi considerado como pena cumprida. Deveras, depreende-se do relatório da situação processual executória abaixo reproduzido, extraído do SEEU, que o período de 18 de agosto de 2017 a 4 de maio de 2018 consta como pena efetivamente cumprida, a saber: Sendo assim, a reiteração da utilização desse mesmo lapso temporal para nova detração, como pretende a agravante, encontra óbice jurídico intransponível, por implicar violação ao princípio non bis in idem, o qual veda, de maneira absoluta, a duplicidade de consideração de um mesmo fato ou circunstância dentro da persecução penal. Trata-se de princípio implícito no ordenamento jurídico brasileiro, de natureza constitucional e penal, que assegura a justa medida da pena imposta, impedindo que um mesmo marco fático produza efeitos múltiplos e cumulativos em prejuízo ou benefício do sentenciado. É cediço que o instituto da detração, nos termos do art. 42 do Código Penal, tem por finalidade assegurar que o tempo de prisão provisória — cumprido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória — seja legitimamente reconhecido e aproveitado no cômputo da pena privativa de liberdade imposta, a fim de se evitar o cumprimento de sanção superior àquela efetivamente declarada na sentença. Contudo, tal previsão deve ser interpretada de forma sistemática e harmônica com os demais princípios que regem a execução penal, especialmente aqueles relacionados à legalidade, proporcionalidade, vedação à reformatio in pejus e, no presente caso, ao já referido non bis in idem. Admitir, como pretende a agravante, a revaloração do mesmo período de prisão já anteriormente aproveitado, representaria verdadeira duplicidade de contagem, criando um crédito fictício de pena que distorce a própria lógica da execução e compromete a fidedignidade do sistema progressivo. Isso porque, o reconhecimento de tempo de pena cumprida deve operar-se de modo linear e consequencial, não sendo possível fracionar, repartir ou multiplicar efeitos jurídicos de um mesmo intervalo de reclusão. É imperioso reconhecer, ainda nesse diapasão, que a execução penal não pode ser manejada como instrumento de elisão da legalidade ou de reinterpretação casuística de institutos consolidados. A progressão de regime, como se sabe, exige o cumprimento de fração específica da pena no regime anterior; e a contagem dessa fração deve levar em consideração apenas os períodos efetivamente não utilizados para fins anteriores, caso contrário, o reaproveitamento de tempo já computado fulmina a lógica da individualização progressiva da pena e afronta o próprio conceito de mérito executório, pilar estruturante da política de reinserção social adotada pelo sistema penal brasileiro. Cumpre ressaltar, outrossim, que não se trata de mera formalidade ou rigor excessivo, mas de exigência essencial à preservação da coerência, estabilidade e isonomia da execução penal. A concessão de benefícios penais deve observar critérios objetivos e uniformes, de modo a garantir que todos os reeducandos sejam tratados com base em parâmetros idênticos, vedando-se, por conseguinte, a concessão de vantagens indevidas que resultem de interpretações subjetivas ou benevolentes das normas de regência. E, no caso destes autos, o período de 18 de agosto de 2017 a 4 de maio de 2018 já cumpriu integralmente sua função no curso da execução, tendo sido utilizado para fins de redução da fração necessária à progressão anteriormente concedida. Destarte, permitir nova utilização do mesmo intervalo temporal representaria inequívoca duplicidade de efeito jurídico, em afronta direta aos princípios norteadores da execução penal, razão pela qual é imperativo o não acolhimento do pleito recursal por ausência de respaldo legal e por manifesta incompatibilidade com a racionalidade do sistema progressivo. Posto isso, em consonância com o parecer ministerial, nego provimento ao agravo de execução penal interposto por Gabriela Carneiro Lima, mantendo inalterada a decisão recorrida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/04/2025

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Processo nº 1000596-11.2020.8.11.0025

ID: 261014411

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000596-11.2020.8.11.0025

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

CLODIS ANTONIO MENEGAZ TV MUNDIAL JUINA LTDA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

NADER THOME NETO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000596-11.2020.8.11.0025 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Dano… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000596-11.2020.8.11.0025 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Dano ao Erário] Relator: Des(a). MARIA APARECIDA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA RIBEIRO, DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). MARCOS AURELIO DOS REIS FERREIRA] Parte(s): [MUNICIPIO DE JUINA (APELANTE), ESPOLIO DE HERMES LOURENCO BERGAMIM registrado(a) civilmente como HERMES LOURENCO BERGAMIM - CPF: 340.434.891-53 (APELANTE), TV MUNDIAL JUINA LTDA - CNPJ: 02.175.042/0001-99 (APELANTE), NADER THOME NETO - CPF: 574.639.309-63 (ADVOGADO), CLODIS ANTONIO MENEGAZ - CPF: 346.143.461-20 (APELANTE), ELISANDRA LUSSE - CPF: 021.620.291-46 (APELANTE), ALCIONE ADAME - CPF: 283.700.428-64 (APELANTE), NADER THOME NETO - CPF: 574.639.309-63 (APELANTE), MUNICIPIO DE JUINA - CNPJ: 15.359.201/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ESPOLIO DE HERMES LOURENCO BERGAMIM registrado(a) civilmente como HERMES LOURENCO BERGAMIM - CPF: 340.434.891-53 (TERCEIRO INTERESSADO), MUNICIPIO DE JUINA - CNPJ: 15.359.201/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), ELISANDRA LUSSE - CPF: 021.620.291-46 (TERCEIRO INTERESSADO), CLODIS ANTONIO MENEGAZ - CPF: 346.143.461-20 (TERCEIRO INTERESSADO), ALCIONE ADAME - CPF: 283.700.428-64 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCIO VIDAL, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO. E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ALIENAÇÃO DE BEM PÚBLICO – ACORDO JUDICIAL – PRETENSÃO ANULATÓRIA – PRESCRIÇÃO AFASTADA – APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 20.910/1932 – VIA ADEQUADA – SENTENÇA MERAMENTE HOMOLOGATÓRIA – INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL – DESCUMPRIMENTO DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS DE ALIENAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO DEMONSTRADO – NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – BOA-FÉ DO PARTICULAR QUE NÃO CONVALIDA A ILEGALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Não se configura a prescrição da pretensão anulatória em demandas que envolvem a validade de atos administrativos praticados com fundamento em direito público. Aplica-se à espécie o prazo quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/1932, cujo termo inicial, na hipótese, é o trânsito em julgado da sentença homologatória (09/02/2017), não ultrapassado até o ajuizamento da ação (28/04/2020). 2. Ainda que se considerasse como termo inicial a data da celebração do acordo (10/12/2015), a ação também teria sido ajuizada dentro do quinquênio legal. Além disso, tratando-se de negócio jurídico eivado de nulidade e lesivo ao patrimônio público, prevalece o entendimento jurisprudencial de que a pretensão de anulação e ressarcimento é imprescritível. 3. A ação civil pública é via processual adequada para o controle de legalidade de atos administrativos, inclusive para desconstituir acordos homologados judicialmente, desde que presentes vícios de ordem pública. A cumulação com pedido de responsabilização por ato de improbidade não inviabiliza o prosseguimento do feito apenas quanto à pretensão anulatória. 4. A sentença homologatória, quando se limita a referendar o acordo sem adentrar no mérito da lide ou na legalidade do ajuste, possui natureza meramente homologatória, não fazendo coisa julgada material, sendo passível de desconstituição por ação anulatória, nos termos do art. 966, § 4º, do CPC. 5. A alienação direta de bem público, sem observância do procedimento licitatório previsto no art. 17 da Lei nº 8.666/1993 (vigente à época), sem justificativa formal de dispensa, e sem demonstração concreta de interesse público específico, afronta os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa. 6. A norma municipal invocada (Lei nº 1.284/2011) autorizava alienações apenas em hipóteses de ocupações consolidadas há mais de 20 anos, o que não se verificava no caso concreto, pois a ocupação se iniciou em 1997 e o acordo foi celebrado em 2015, antes do decurso do prazo legal. 7. A retirada do imóvel do certame licitatório (Concorrência nº 003/2012) e sua posterior alienação direta, mediante acordo judicial, configura desvio da finalidade pública e burla ao procedimento exigido por lei. 8. A invocação genérica de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atuação da empresa não supre a demonstração formal de interesse público para justificar a alienação sem licitação. A boa-fé do particular, embora juridicamente relevante em outras esferas, não convalida negócio jurídico nulo nem afasta a obrigatoriedade do cumprimento do regime jurídico-administrativo. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação cível interposta por TV Mundial Juína LTDA e Clódis Antônio Menegaz contra a sentença proferida nos autos da Ação Anulatória cumulada com Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa nº 1000596-11.2020.8.11.0025, proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, que julgou procedente o pedido inicial para declarar a nulidade do acordo celebrado entre o Município de Juína, Hermes Lourenço Bergamim, TV Mundial Juína LTDA e Clódis Antônio Menegaz, ao fundamento de que o negócio jurídico desrespeitou os pressupostos legais de validade da alienação de bens públicos, e condenou os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa (Id 255976331). Nas razões recursais os apelantes alegam que o negócio jurídico decorreu de procedimento licitatório regular, na modalidade concorrência pública, nos moldes do edital nº 003/2012, o qual teria sido instaurado com base na Lei municipal nº 1.284/2011. Rejeitam, portanto, a premissa de que tenha havido dispensa indevida de licitação, afirmando que os atos administrativos praticados foram revestidos de legalidade e respaldados em normas vigentes à época dos fatos. Ainda nas razões de apelo, afirmam que a alienação do imóvel atendeu ao interesse público, nos termos do art. 7º da Lei municipal nº 1.284/2011, pois a área vinha sendo ocupada pela empresa desde 1997 com autorização do Município, que permitiu a instalação de antenas e a construção de sede administrativa. Segundo os apelantes, tal ocupação foi legítima e amplamente conhecida, sendo que a empresa prestava relevante serviço público de comunicação à população local, com geração de empregos e arrecadação de tributos, o que configuraria interesse público concreto e justificaria a transação efetivada. Ressaltam, ainda, que o Município demonstrou anuência com a venda e que a alienação foi quitada em sua totalidade, mediante o pagamento parcelado de R$ 233.329,80, o que reforça a boa-fé da adquirente e a concretização do ajuste, bem como que sua anulação acarretará sérios prejuízos à empresa-apelante, que se veria privada de sua sede e dos investimentos então realizados. Argumentam, ademais, que a sentença homologatória que validou o acordo celebrado no processo possessório transitou em julgado com resolução de mérito, à luz do artigo 487, III, “b”, do CPC, e, portanto, não poderia ser desconstituída por ação anulatória, mas apenas por ação rescisória, em hipóteses legais expressas. Alegam, neste contexto, que o negócio jurídico alcançou estabilidade e produziu efeitos concretos, com transferência da posse e uso pleno do imóvel pela empresa apelante, a qual investiu recursos e utilizou a área para desenvolvimento de suas atividades, motivo pelo qual não se poderia admitir sua invalidação com base em alegações meramente formais ou sob fundamentos diversos daqueles examinados no processo originário. Os apelantes sustentam também que agiram de boa-fé, confiando na validade do ato administrativo e da homologação judicial que confirmou o negócio. Afirmam que qualquer eventual vício no procedimento deveria ser imputado à Administração, jamais ao particular, que cumpriu integralmente suas obrigações contratuais. Sob essa ótica, invocam os princípios da segurança jurídica, proteção à confiança legítima, e função social da propriedade, postulando a preservação do acordo firmado. Apontam, ainda, como causa impeditiva da ação, a prescrição da pretensão anulatória, tendo em vista que o acordo judicial foi celebrado em 2012 e a presente ação foi ajuizada apenas em 2018, extrapolando, segundo argumentam, o prazo de quatro anos previsto no artigo 178 do Código Civil para a anulação de atos jurídicos. Defendem que o Ministério Público utilizou indevidamente a via da ação civil pública para contornar o decurso do prazo legal, configurando verdadeiro desvio processual. Sustentam, na mesma esteira, a inadequação da via eleita, alegando que a ação civil pública não seria instrumento hábil para desconstituir sentença judicial transitada em julgado, muito menos para invalidar negócios jurídicos com efeitos patrimoniais concretos, que demandariam ação própria, como a rescisória ou a anulatória autônoma. Ao final, requerem o provimento da apelação, com a consequente reforma integral da sentença recorrida, para que seja reconhecida a legalidade do negócio jurídico, mantida a validade do acordo homologado e determinada a transferência definitiva do imóvel à empresa TV Mundial Juína Ltda, com a extinção do feito em relação aos apelantes (Id 255976336). O Ministério Público apresentou contrarrazões rebatendo uma a uma as teses recursais. Sustentou que não houve licitação válida, pois o acordo judicial celebrado em 2015 não teve como fundamento o resultado da concorrência nº 003/2012, mas sim a suposta regularização de posse com base na Lei municipal nº 1.284/2011, a qual exigia ocupação superior a 20 anos – o que não se comprovou. Argumentou que o acordo foi utilizado como meio de burlar o procedimento licitatório e beneficiar indevidamente a empresa de comunicação local, que mantinha evidente influência política. Reafirmou que a sentença homologatória foi meramente formal e que a anulação do negócio jurídico não encontra obstáculo na coisa julgada, sendo perfeitamente possível pela via da ação anulatória, conforme previsão do §4º do artigo 966 do CPC e pacífica jurisprudência do STJ (Id 255976341). A Procuradoria-Geral de Justiça apresentou parecer pelo desprovimento do recurso. No entendimento do órgão ministerial, a alienação direta do bem público violou frontalmente os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade, uma vez que não houve demonstração de interesse público específico, tampouco a observância dos requisitos formais da Lei nº 8.666/1993. Rechaçou os argumentos recursais quanto à existência de procedimento licitatório válido, à suposta boa-fé dos apelantes e à impossibilidade de anulação da sentença homologatória, reafirmando que esta se limitou a convalidar formalmente o acordo, sem análise de mérito. Apontou, ainda, que o Município de Juína sequer instaurou processo administrativo prévio à alienação, em afronta ao art. 26 da Lei de Licitações, o que compromete a validade do ato. Por fim, destacou que a venda ocorreu por valor inferior ao da avaliação oficial do imóvel, gerando lesão ao erário, e que não há falar em prescrição, tendo em vista o interesse público envolvido e a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário em hipóteses de má-fé (Id 262153787). É o relatório. V O T O R E L A T O R (Preliminares e mérito) Na origem, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa em desfavor de Hermes Lourenço Bergamin, Município de Juína, Elisandra Lusse, TV Mundial Juína Ltda. – ME, Clódis Antônio Menegaz e Alcione Adame, objetivando a anulação de acordo judicial homologado nos autos de nº 5271-15.2012.8.11.0025, que resultou na alienação direta de bem público pertencente ao Município de Juína à empresa apelante, sem a observância dos requisitos legais exigidos pela Lei de Licitações e pela legislação municipal de regência, bem como a condenação dos requeridos nas penas previstas no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92. Sustentou o Parquet, na petição inicial, que o imóvel público objeto da alienação, consistente em uma área de 882,85 m², pertencente ao Município de Juína e desmembrada da matrícula nº 4.241, foi vendido à TV Mundial Juína Ltda. mediante acordo judicial celebrado e homologado nos autos da ação possessória movida pela própria empresa em face do Município. A alienação, contudo, não teria observado o procedimento licitatório exigido pela Lei nº 8.666/1993, tampouco os requisitos autorizadores da dispensa de licitação. Além disso, a norma municipal invocada no ajuste, Lei nº 1.284/2011, autorizava a alienação apenas de imóveis ocupados há mais de 20 anos, requisito que não se fazia presente na hipótese dos autos, já que a ocupação pela empresa teve início em agosto de 1997 e o acordo foi firmado e homologado em dezembro de 2015, ou seja, antes do decurso do prazo mínimo legalmente exigido. Alegou, ainda, que a venda direta foi realizada por valor inferior à avaliação oficial do imóvel, causando prejuízo ao erário público, além de configurar ato de improbidade administrativa. Após regular processamento, foi proferida sentença pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Juína julgando procedente o pedido inicial para declarar a nulidade do acordo celebrado entre o Município de Juína, Hermes Lourenço Bergamim, TV Mundial Juína LTDA e Clódis Antônio Menegaz, por reconhecer que o negócio jurídico desrespeitou os pressupostos legais de validade da alienação de bens públicos, notadamente a inobservância da Lei nº 8.666/1993, da Lei municipal nº 1.284/2011 e dos princípios constitucionais da Administração Pública. O juízo a quo reconheceu que a sentença que homologou o acordo nos autos da ação possessória tinha natureza meramente homologatória, o que não impediria sua anulação por meio da ação civil pública, nos termos do artigo 966, §4º, do CPC. Por consequência, condenou os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. Contra essa sentença a TV Mundial Juína Ltda. e Clódis Antônio Menegaz interpuseram recurso de apelação alegando que o imóvel foi adquirido por meio de procedimento licitatório regular; que o negócio jurídico homologado atendeu ao interesse público e foram quitadas integralmente as parcelas; que a sentença homologatória proferida nos autos da ação possessória tem natureza de decisão com força de coisa julgada material, o que impediria sua desconstituição por ação anulatória; que ocorreu a prescrição da pretensão anulatória e, por fim, que houve inadequação da via eleita, visto que a ação civil pública não seria meio idôneo para o fim pretendido. Passo à análise das preliminares de mérito arguidas pelos apelantes. A primeira delas refere-se à alegação de prescrição da pretensão anulatória, com base no artigo 178 do Código Civil, que estabelece o prazo de quatro anos para a anulação de atos jurídicos. Sustentam os apelantes que o negócio jurídico foi celebrado em 2012 e que a presente ação somente foi ajuizada em 2018, o que caracterizaria o decurso do prazo prescricional. Tal alegação, contudo, não merece acolhimento. A presente demanda versa sobre validade de ato jurídico praticado no âmbito da Administração Pública, com fundamento em norma de direito público, tendo como finalidade a tutela do interesse coletivo e a proteção do patrimônio público. Nessas hipóteses, não se aplicam os prazos prescricionais previstos no Código Civil, mas sim a regra específica do Decreto nº 20.910/1932, cuja aplicação ao direito público é pacificamente reconhecida pela jurisprudência nacional. Assim, o prazo prescricional aplicável é de cinco anos. Quanto ao termo inicial da contagem, destaca-se que a pretensão deduzida tem como objeto a anulação da sentença homologatória proferida nos autos do processo nº 5271-15.2012.8.11.0025 (Id 255975196), cuja eficácia e definitividade se consolidaram com o trânsito em julgado, ocorrido em 09 de fevereiro de 2017 (Id 255976253, p. 18). É, portanto, a partir desse marco que se inicia a contagem do prazo prescricional, por se tratar do momento em que a sentença passou a produzir efeitos plenos e vinculantes, consolidando-se o ato judicial cuja validade se questiona na presente ação. Destarte, tendo em vista que a presente demanda foi ajuizada em 28 de abril de 2020 (Id 255975192) e não em 15 de março de 2018, como alegado nas razões recursais, é forçoso reconhecer que não transcorreu o prazo de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/1932, razão pela qual não há que se falar em prescrição. Ressalte-se, ainda, que mesmo que se adote como marco inicial o momento da celebração do acordo judicial, em 10 de dezembro de 2015 – data do negócio jurídico tido como nulo pelo Ministério Público (Id 255975195) –, a pretensão igualmente não estaria prescrita, uma vez que entre tal data e o ajuizamento da ação também não transcorreu lapso superior a cinco anos. Reafirma-se, assim, que a demanda foi proposta dentro do prazo legal aplicável à espécie, afastando-se com segurança a alegação de prescrição da pretensão anulatória. De todo modo, sabe-se que não há que se falar em prescrição no caso de ato administrativo nulo e lesivo ao patrimônio público. Em se tratando de alienação de bem público realizada com vício de legalidade e potencial lesivo ao erário, subsiste a imprescritibilidade da pretensão de anulação e ressarcimento, nos moldes do que estabelece a jurisprudência consolidada, especialmente em casos que envolvam má-fé ou simulação de legalidade por parte dos beneficiários do negócio. A segunda preliminar de mérito refere-se à suposta inadequação da via eleita, sob o argumento de que a ação civil pública não seria meio processual adequado para desconstituir sentença homologatória, tampouco para discutir validade de negócio jurídico celebrado entre o Poder Público e particular. A argumentação também não merece acolhida. A ação civil pública constitui instrumento legítimo para tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa, nos termos do art. 129, III, da Constituição Federal, do art. 1º da Lei nº 7.347/1985 e da Lei nº 8.429/1992 (vigente à época dos fatos). No caso, o Ministério Público ingressou com ação civil pública visando ao reconhecimento da prática de improbidade administrativa pelos réus e, também, a declaração de nulidade do acordo firmado entre o Município de Juína e a TV Mundial Ltda., porém, em razão da celebração de acordos de não persecução cível, a demanda prosseguiu apenas com a pretensão anulatória, o que é permitido, pois a cumulação de pedidos declaratórios, constitutivos e condenatórios neste tipo de ação é expressamente admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive nos casos em que se busca a nulidade de atos administrativos eivados de ilegalidade. Logo, o fato de o pedido remanescente ter como objeto a anulação de acordo homologado por sentença não afasta a legitimidade da ação anulatória manejada via ação civil pública, sobretudo porque fundada em vício objetivo de legalidade, que é de interesse público primário. Por outro lado, ainda que não tenham nominado como preliminar, os apelantes defenderam a configuração de coisa julgada material no caso concreto, ao fundamento de que a sentença homologatória que validou o acordo celebrado no processo possessório transitou em julgado com resolução de mérito, à luz do artigo 487, III, “b”, do CPC, e, portanto, não poderia ser desconstituída por ação anulatória, mas apenas por ação rescisória. Não lhes assiste razão, contudo. A partir da própria estrutura e conteúdo da sentença homologatória em questão, verifica-se que se trata de decisão meramente homologatória, limitada à ratificação formal da manifestação de vontade das partes, nos termos do artigo 487, III, “b”, do Código de Processo Civil. Em decisões dessa natureza, o juízo não ingressa no exame do conteúdo obrigacional do ajuste, tampouco aprecia sua conformidade com normas de ordem pública ou a legalidade da avença à luz do interesse público, restringindo-se a verificar os requisitos formais da transação, como capacidade das partes, regularidade do procedimento e inexistência de vício formal. Ainda que, na decisão que homologou o acordo, o magistrado tenha consignado que, “Com efeito, verifico que os requisitos de validade, existência e eficácia do negócio jurídico encontram-se presentes no acordo firmado entre as partes” (Id 255976257), tal afirmação não traduz um juízo de mérito sobre o conteúdo do negócio jurídico, mas apenas uma constatação formal da regularidade externa do ato processual de transação. Não houve, no contexto da homologação, qualquer análise sobre a legalidade da alienação do bem público, tampouco avaliação substancial das cláusulas ajustadas ou das implicações patrimoniais e administrativas do acordo celebrado. Ademais, é entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência que a sentença meramente homologatória não faz coisa julgada material em relação ao conteúdo da transação, sendo plenamente possível sua desconstituição por ação própria, inclusive por meio de ação anulatória, conforme prevê o §4º do artigo 966 do CPC. A existência de vícios objetivos e de nulidades absolutas no negócio jurídico, sobretudo quando envolvem bens públicos e interesse coletivo, afasta a proteção da coisa julgada material, justamente porque tais vícios não foram nem poderiam ter sido enfrentados no momento da homologação judicial, por ausência de cognição exauriente. Assim, restando claro que a decisão que homologou o acordo foi meramente formal e não apreciou o mérito da causa nem a legalidade do ato administrativo de alienação, revela-se incabível a invocação da coisa julgada como óbice à pretensão anulatória deduzida pelo Ministério Público. Neste sentido, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA QUE HOMOLOGA ACORDO EM AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. ATO MERAMENTE HOMOLOGATÓRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. DESCABIMENTO. ATO PASSÍVEL DE DESCONSTITUIÇÃO POR AÇÃO ANULATÓRIA. CPC, ART. 486. DECISÃO MANTIDA. 1. A sentença judicial que, sem adentrar o mérito do acordo entabulado entre as partes, limita-se a aferir a regularidade formal da avença e a homologá-la, caracteriza-se como ato meramente homologatório e, nessas condições, deve ser desconstituída por meio da ação anulatória prevista no art. 486 do CPC, sendo descabida a Ação Rescisória para tal fim. 2. Agravo regimental improvido”. (AgRg no REsp n. 1.440.037/RN, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 9/9/2014, DJe de 18/9/2014.) “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. 1. SENDO A SENTENÇA MERAMENTE HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO E ADSTRITA AOS ASPECTOS FORMAIS DA TRANSAÇÃO, INCABÍVEL A AÇÃO RESCISÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DO STJ. 2. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Sendo a sentença meramente homologatória de acordo e adstrita aos aspectos formais da transação, incabível a ação rescisória. Precedentes. Incidência da Súmula 83 do STJ. 2. Agravo interno improvido”. (AgInt no AREsp n. 1.049.313/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe de 3/8/2017.) Rejeitadas, assim, as preliminares de mérito, passo à análise do mérito propriamente dito. Inicialmente, importa esclarecer que não se controverte no presente feito sobre a validade do edital de licitação Concorrência nº 003/2012 em si, mas sobre o negócio jurídico efetivado por meio de acordo judicial homologado, cujo fundamento legal foi a Lei municipal nº 1.284/2011, que autorizava a alienação de áreas públicas apenas para regularização de ocupações consolidadas há mais de 20 anos. Pois bem. Consta dos autos que a empresa TV Mundial Juína Ltda. por meio de autorização concedida pelo Município de Juína, ato administrativo precário (Id 255975198), passou a ocupar o imóvel público denominado de “Projeto de Expansão Comercial AR-01”, com área de 882,85m², em 29 de agosto de 1997. O imóvel em questão chegou a ser oferecido à alienação pelo Município de Juína por meio da Concorrência Pública nº 003/2012, que incluiu expressamente, em seu Anexo I, o lote nº 23 – área de 882,85 m². Todavia, o então Prefeito Hermes Lourenço Bergamim optou por retirar o referido imóvel do certame licitatório, não prosseguindo com a alienação por meio do procedimento de concorrência pública. Em vez disso, no bojo da ação declaratória de eficácia de licitação c/c consignação em pagamento com pedido de antecipação parcial de tutela nº 5271-15.2012.8.11.0025, proposta pela própria empresa apelante em face do Município, foi celebrado acordo judicial com a finalidade de realizar a venda direta da área ocupada, com fundamento na Lei municipal nº 1.284/2011. Ocorre que o acordo judicial que resultou na alienação direta do imóvel foi firmado em 10 de dezembro de 2015, quando ainda não havia transcorrido o prazo de 20 anos exigido pelos arts. 1º e 4º da referida legislação municipal, veja-se: “Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a promover a alienação dos imóveis do Patrimônio Municipal relacionados no ANEXO ÚNICO, da presente Lei que dessa passa a ser parte integrante”. “Art. 4º. Fica autorizada o Poder Executivo a promover na área descrita no inciso I, art. 1º, da presente Lei, perante o Registro Imobiliário Competente, os desmembramentos, anexações, desafetações para o patrimônio disponível do Município assim como para área de uso especial, que se fizerem necessárias, após aprovado pelo Órgão Competente Municipal, visando regularizar a situação fática existente nestas áreas há mais de 20 (vinte) anos”. Ademais, não houve efetiva licitação concluída e adjudicação com base no edital Concorrência nº 003/2012. Como mencionado, o Município de Juína, mesmo após a publicação do edital, optou por realizar a alienação por meio de acordo judicial, sem concluir o certame licitatório, o que contraria frontalmente o disposto no art. 17, I, da Lei nº 8.666/1993 (vigente à época) e também no art. 2º da Lei municipal nº 1.284/2011, que exigem a alienação por concorrência, salvo hipóteses expressas de dispensa ou inexigibilidade, que não se verificam na espécie. Somente para ilustrar, transcreve-se os referidos dispositivos legais “Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:” “Art. 2º A alienação realizar-se-á através de procedimento licitatório, observada a modalidade da Concorrência Pública como disposto na Lei Federal nº 8.666/93 e valor constante da Avaliação realizada por Comissão designada por Decreto do Executivo”. Destarte, uma vez que não se atendeu o prazo de 20 anos para a regularização fundiária e a realização de licitação mediante concorrência pública exigidos pela Lei nº 1.284/2011, a alienação do imóvel litigioso não poderia ser validamente realizada com fundamento nesta norma jurídica, como expressamente se afirmou no acordo celebrado entre as o Município de Juína e a TV Mundial Ltda. Não bastasse, sequer foi instaurado procedimento administrativo prévio para justificar a dispensa de licitação, conforme exige o art. 26 da Lei nº 8.666/93 (vide Ofício nº 309/PGM/JUINA/2018, de 02/10/2018, no Id 255976151) e também não houve demonstração de interesse público hábil a justificar a alienação direta de bem público. Com efeito, no que se refere à alegação dos apelantes de que a alienação direta do bem público atendeu ao interesse público, não se sustenta essa assertiva diante dos elementos dos autos e dos parâmetros normativos que regulam a atuação administrativa. Ocorre que, apesar de os recorrentes afirmarem que a alienação do bem para a instalação da TV Mundial Juína Ltda. representa inegável benefício à coletividade, por fomentar a comunicação, o acesso à informação e contribuir para o desenvolvimento econômico e social da região por meio da geração de empregos e arrecadação de tributos, é certo que estes interesses, considerando os elementos dos autos, revelam-se muito mais particulares do que efetivamente públicos, nos moldes exigidos pelo regime jurídico-administrativo. A atuação da Administração Pública, notadamente quando envolve a disposição de bens públicos, exige que o interesse público esteja devidamente demonstrado, justificado e formalizado, com suporte em motivação idônea, transparente e compatível com os princípios da legalidade, finalidade e supremacia do interesse público sobre o privado. A simples alegação de que determinada atividade empresarial presta serviços relevantes ou produz efeitos positivos para a economia local não exime o Poder Público de observar os requisitos legais exigidos para a alienação de seu patrimônio, especialmente os previstos no art. 17 da Lei nº 8.666/1993. A invocação genérica de benefícios sociais ou econômicos decorrentes da atuação da empresa não constitui motivação suficiente para dispensar a licitação ou justificar a alienação direta, sobretudo quando não instruída por procedimento administrativo prévio que comprove de forma concreta, objetiva e imparcial a existência de utilidade pública específica na transferência do bem, tampouco demonstrada a impossibilidade de atingir os mesmos fins por meio de procedimento competitivo. Como bem se manifestou o culto Procurador de Justiça que oficiou neste feito: “Não há comprovação do interesse público em questão, autorizando a alienação. O mero interesse do particular na propriedade de bem que possui a posse não caracteriza interesse público, mas sim interesse privado que não pode ser confundido com o interesse coletivo ou geral. Para que se justifique a alienação de um bem público, é necessário a demonstração clara que essa transação será benéfica à coletividade, atendendo a princípios constitucionais como a função social da propriedade e a eficácia da administração pública”. (Id 262153787) A jurisprudência pátria já pacificou o entendimento de que a mera conveniência administrativa não pode substituir a exigência legal de licitação, tampouco justificar transações patrimoniais sem a observância rigorosa das regras de controle e de motivação pública. A ausência de um processo transparente e a substituição da licitação por acordo judicial não demonstram qualquer excepcionalidade ou urgência que legitimasse a alienação sem o devido procedimento competitivo. Por tais razões, a tese recursal de atendimento ao interesse público não se sustenta e deve ser rejeitada. Neste contexto, também não merece prosperar a tese da apelante de que a própria Lei nº 1.284/2011 teria justificado o interesse público na alienação do imóvel litigioso ao prever, no seu art. 7º, que “A aplicação da receita proveniente da alienação, observado o art. 44, da Lei Complementar Federal nº 101/2000, deverá ser destinada a despesas de capital, em especial, para serviços e obras de engenharia e/ou para desapropriações de áreas de interesse social destinadas a regularização fundiária urbana, de interesse da Municipalidade”. Referido dispositivo legal apenas trata da destinação genérica da renda obtida com a alienação dos bens imóveis, incluído o que é objeto deste feito, não suprindo a demonstração inequívoca de interesse público para justificar a disposição de bem público sem licitação ou procedimento de dispensa ou inexigibilidade. Evidente, assim, que a alienação direta realizada sem prévio procedimento licitatório, sem processo administrativo de dispensa e sem demonstração de interesse público devidamente motivado, afronta os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, tornando o negócio jurídico nulo de pleno direito, à luz do artigo 166, incisos IV, V e VI, do Código Civil. Por fim, quanto à boa-fé invocada pelos apelantes, é importante salientar que esta não prevalece diante da flagrante inobservância da norma legal de regência da alienação de bens públicos. O ordenamento jurídico exige do particular, sobretudo quando se trata de empresa estabelecida e com atuação local relevante, o conhecimento da necessidade de licitação e das condições legais para aquisição de patrimônio público. Além disso, a alegação de que a empresa realizou investimentos no imóvel não é suficiente para convalidar um negócio juridicamente nulo, tampouco para afastar a aplicação do regime legal de licitações, que é de ordem pública e cogente. Assim, por qualquer ângulo que se analise a pretensão recursal, verifica-se que ela não merece acolhimento, devendo ser mantida a sentença que bem decidiu a controvérsia judicial. Diante de todo o exposto, rejeito as preliminares suscitadas e, no mérito, nego provimento ao recurso de apelação interposto por TV Mundial Juína LTDA e Clódis Antônio Menegaz, mantendo incólume a sentença proferida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Efeito do desprovimento do recurso, elevo os honorários advocatícios fixados em primeiro grau de jurisdição em 1%, nos termos do art. 85, §11, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025

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Processo nº 1000596-30.2023.8.11.0017

ID: 333643383

Tribunal: TJMT Órgão: 2ª VARA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1000596-30.2023.8.11.0017

Data de Disponibilização: 24/07/2025

Polo Ativo:

DEUZIMAR RODRIGUES LUZ

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

LAURA RENATA CARDOSO ARAUJO

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ELIZIANE SANTOS LOPES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA SENTENÇA Processo: 1000596-30.2023.8.11.0017. REQUERENTE: DEUZIMAR RODRIGUES LUZ REQUERIDO: ESTADO DE MATO GROSSO Vistos, etc. … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA SENTENÇA Processo: 1000596-30.2023.8.11.0017. REQUERENTE: DEUZIMAR RODRIGUES LUZ REQUERIDO: ESTADO DE MATO GROSSO Vistos, etc. I. RELATÓRIO: Trata-se de Ação Indenizatória por Danos Extrapatrimoniais ajuizada por DEUZIMAR RODRIGUES LUZ em face do ESTADO DE MATO GROSSO, visando a reparação de danos morais alegadamente sofridos em virtude de atos de violência e excesso no uso da força praticados por agentes da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso durante uma abordagem policial. Na petição inicial, o Requerente narrou que, em 03 de maio de 2022, por volta das 21h30min, enquanto se encontrava em um bar no Distrito de Espigão do Leste, neste Estado, teve sua dignidade física violada e sofreu lesões corporais decorrentes de excessos no exercício regular de direito por parte de uma guarnição de serviço da Polícia Militar. A guarnição, composta pelos militares 3º Sgt PM Ronisson Alves Herculano e SD PM Marcelo Reges Soares, teria cometido abuso de força durante o procedimento de abordagem e busca pessoal, desferindo "tapas" no rosto do autor, conforme vídeo anexado aos autos. O Requerente informou que fora lavrado o Boletim de Ocorrência nº 2022.118733 contra os policiais responsáveis pela sua prisão. Uma sindicância acusatória foi instaurada, com a citação dos policiais e a coleta de seus depoimentos, além de relatório médico e provas testemunhais, concluindo que houve excessos por parte dos policiais em face do autor, culminando na aplicação de penalidade de advertência aos infratores. A petição inicial detalhou as lesões sofridas pelo autor, mencionando laudo de corpo de delito que apontou lesões na região posterior do terço médio do braço direito, uma área de equimose de coloração avermelhada localizada na região posterior do terço inferior da coxa esquerda, e os diversos "tapas" em sua face. Ademais, foi ressaltado que um dos policiais envolvidos, o SD PM Marcelo Reges Soares, sequer estaria uniformizado no dia do ocorrido, aparecendo no vídeo de "short e regata", e que teria aplicado um "golpe de mata-leão" no autor, golpe considerado perigoso e que pode causar danos neurológicos ou até mesmo a morte. A inicial também fez menção ao histórico de comportamento agressivo do referido policial, indicando que este já estaria envolvido em outras ocasiões de violência contra cidadãos, permanecendo impune, o que teria intensificado suas ações. Diante dos fatos, o Requerente pleiteou a condenação do Estado de Mato Grosso ao pagamento de indenização por danos morais no importe de 30 salários mínimos, bem como a concessão dos benefícios da justiça gratuita, a dispensa da audiência de conciliação e a inversão do ônus da prova. Inicialmente, a petição foi recebida e a justiça gratuita foi deferida pelo Juízo, que, diante da manifestação de desinteresse na realização de audiência de conciliação por parte da Requerente, deixou de designá-la, determinando a citação da parte Requerida para apresentar sua contestação (ID 114423125). Devidamente citado, o ESTADO DE MATO GROSSO apresentou contestação (ID 119035919). Em sua defesa, reconheceu que os militares incorreram em transgressão disciplinar, com fulcro no artigo 9º, item 5, combinado com o artigo 33º, item 1, alínea "a", do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso (RDPMMT), aprovado pelo Decreto nº 1.329/78, sendo-lhes aplicada a penalidade de advertência. Entretanto, argumentou pela ausência de dano moral, aduzindo que o autor estava em notório estado de embriaguez e se negando às ordens de busca pessoal, e que teria desferido chutes e pontapés contra os policiais, o que teria tornado necessário o uso da força física em "estrito cumprimento do dever legal". O Estado defendeu a improcedência total dos pedidos formulados pelo autor, requerendo sua condenação ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Houve réplica (ID 121214639). Em despacho subsequente, foi determinada a intimação das partes para especificarem as provas que pretendiam produzir (ID 136775627). A parte autora, por sua vez, peticionou ratificando as provas documentais já apresentadas e requerendo a produção de prova testemunhal (ID 137036093). O Ministério Público, na qualidade de custos legis, manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção no feito, considerando que as partes eram maiores e capazes e que a demanda versava sobre direito individual e disponível (ID 137159610). Em 16 de julho de 2024, foi proferida decisão que deferiu a produção de provas orais (oitiva de testemunhas) e designou audiência de instrução para o dia 11 de novembro de 2024 (ID 162469889). Contudo, em 31 de julho de 2024, a parte autora peticionou novamente, requerendo o julgamento antecipado da lide, justificando a dificuldade em localizar e contatar as testemunhas que haviam sido ouvidas no Processo Administrativo Disciplinar (PAD), e argumentando que as oitivas já haviam sido devidamente transcritas nos autos da sindicância, acompanhado de uma vasta documentação comprobatória, incluindo vídeo e matéria jornalística (ID 164080626). Diante do pedido da parte autora, o Juízo, por decisão datada de 07 de agosto de 2024, cancelou a audiência instrutória anteriormente designada e determinou a conclusão dos autos para julgamento (ID 164335457). É o relatório. Decido: II. FUNDAMENTAÇÃO O cerne da presente demanda reside na apuração da responsabilidade civil do Estado de Mato Grosso por alegados danos morais decorrentes de excesso na atuação de seus agentes policiais. A análise da questão demanda a compreensão da responsabilidade objetiva da Administração Pública, bem como a ponderação das provas produzidas e dos argumentos apresentados por ambas as partes. Da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado A responsabilidade civil do Estado, no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se estabelecida de forma clara no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que preceitua: "Art. 37. […] § 6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Este dispositivo consagra a teoria do risco administrativo, segundo a qual o Estado tem o dever de indenizar os danos causados a terceiros por seus agentes, no exercício de suas funções, independentemente da comprovação de dolo ou culpa do servidor público. Para a configuração da responsabilidade civil objetiva, basta a demonstração da ocorrência do dano, da conduta do agente estatal (comissiva ou omissiva) e do nexo de causalidade entre esta conduta e o dano suportado. A prova da ilicitude ou da culpa do agente se torna, em princípio, prescindível para a responsabilização do ente público, ressalvado o direito de regresso da Administração contra o servidor que agiu com dolo ou culpa. Dos fatos propriamente ditos: No caso vertente, a documentação acostada aos autos, comprova que os policiais desbordaram o mero cumprimento do dever legal durante a abordagem do autor, agindo, pois, fora dos limites e formalidades que a lei lhe impõe para uma situação específica e correta. Nestes termos o boletim de ocorrência nº 2022.118733 (ID 113714136, pg. 6/8) efetuado pelo irmão do ofendido, Sr. Reginaldo Rodrigues, noticiou que a vítima teria sido agredida pelos policiais e que teria encontrado seu irmão reclamando de dores no corpo em razão das agressões sofridas: “...que foram no local um policial fardado e outro sem farda, porém antes da condução agrediram fisicamente seu irmão utilizando o bastão policial. O comunicante relata que as pessoas presentes no local informaram que os policiais militares passaram uma vez no local e agrediram seu irmão com um tapa na cara e saíram. Depois retornaram, que na segunda vinda foi que aconteceu a nova abordagem e a situação evoluiu ao ponto de pegarem o cacetete e usar contra o seu irmão. Informa que em seguida se dirigiu ao quartel da polícia militar e encontrou seu irmão detido e clamando de dores pelo corpo resultado das possíveis agressões sofridas”. O laudo médico exarado quando do atendimento na data dos fatos (03/05/2022), demonstrou que a vítima apresentava lesões em decorrência das agressões (ID 119035930, pg. 24) “Pct da entrada nesta unidade relatando suposta agressão. Apresenta lesões escoriações em região de ombro direito e esquerdo, posterior de perna esquerda com edema local. Realizado analgesia com uso paracetamol + anti-inflamatório diclofenaco (…)” Da mesma forma, o “laudo de exame de corpo de delito” realizado no dia seguinte, em 04/05/2022 (ID 119035930, pg. 72/74), também referiu a existência de lesões, narrando: “Ao exame das fotografias: área de equimose de coloração avermelhada, localizada em região posterior do terço médio do braço direito; área de equimose de coloração avermelhada, localizada em região posterior do terço inferior da coxa esquerda” A conclusão da Sindicância Acusatória (Portaria n.º 04/SIND-ACUS/10º CR/2022) instaurada pela Polícia Militar (ID 113715525), foi categórica ao reconhecer que os policiais envolvidos cometeram "excesso de força" e "transgressão disciplinar", quando da abordagem policial. O “relatório final” detalhou que, segundo prova testemunhal e documental a vítima (ora autor) foi agredida com diversos tapas no rosto, com golpe de “mata-leão”, e que o ofendido foi entregue na Delegacia com lesões localizadas em região posterior do terço médio do braço direito; área de equimose de coloração avermelhada, localizada em região posterior do terço inferior da coxa esquerda, conforme auto de exame de corpo de delito de nº 320.1.02.2022.011624-01, realizado em 04/05/2022 (ID 113715525, pg. 12/14). E, ademais, expressamente concluiu que, embora não houvesse indícios de crime comum ou militar, a conduta dos militares não foi condizente com a função pública, por terem transgredido os itens 7 e 20 do RDPM/MT. Em seguida, a “Solução de Sindicância” (ID 119035932, pg. 99/102 e ID 119035934, pg. 1/31), concluiu a punição destacando o excesso dos policiais durante a contenda referindo (ID 119035934, pg. 27): “(…) Entretanto, quando os policiais desferiram alguns tapas no rosto do infrator, mesmo em momento de resistência empregada e no frenesi da ocorrência, tal atitude se evidenciou desnecessária (…)” e, por consequência aplicou-lhes penalidade de advertência por terem incidido em transgressão disciplinar. Este reconhecimento administrativo, por si só, é um forte indicativo do comportamento lesivo por parte dos agentes estatais e estabelece o nexo causal entre a conduta dos policiais e as alegadas lesões e danos sofridos pelo Requerente. As próprias imagens de vídeo anexadas (VID20230316-WA0008), demonstram o exato momento em que o policial (sem o uso de farda), desfere um golpe “mata-leão” e a seguir larga a vítima ao solo, quando esta grita “larga eu” (00:01 aos 00:06) e, na sequência o policial (trajando farda) desfere cerca de dois golpes de cacetete nas nádegas do ofendido (ora autor) (00:09 a 00:10) e, em seguida, cada um dos policiais desfere um empurrão na vítima (00:12 a 00:13). Em prosseguimento, o policial (trajando farda) desfere outro golpe de cacete contra o braço do ofendido (00:21 a 00:22) e ambos os policiais desferem, cada um deles, um tapa no rosto da vítima (00:23: 00:24) e se afastam do local (ID 113715539). Dito isso, consigna-se que a conduta dos agentes públicos, em sua essência, deve ser pautada pela estrita legalidade, pela necessidade e pela proporcionalidade, especialmente quando envolve o uso da força. O poder de polícia, conferido ao Estado para a manutenção da ordem e segurança, não autoriza a prática de atos de violência desmedida, desproporcional ou desnecessária, sob pena de caracterizar abuso de autoridade e desvio de finalidade. No presente caso, as agressões noticiadas pelo autor, corroboradas pelos elementos de prova, consistentes no registro de ocorrência, imagens captadas do exato momento da ocorrência, relatório médico e auto de exame de corpo de delito, coadunadas com o relatório final da sindicância e a solução de punição, indicam um nítido excesso na abordagem policial, distanciando-se dos limites legais e morais impostos à atuação dos servidores públicos. O Estado Requerido buscou eximir-se da responsabilidade, alegando que o autor estava em estado de embriaguez e teria resistido à abordagem, o que justificaria o uso da força. Contudo, mesmo em situações de resistência, o uso da força policial deve ser graduado e estritamente necessário para conter a conduta, sem desbordar para a violência gratuita ou humilhação. Deste modo, restou evidenciado que a abordagem feita ao autor fora realizada fora dos parâmetros esperados de um agente público, restando caracterizado o excesso de sua conduta. Assim, uma vez constatado o nexo causal entre a ação dos policiais e o resultado lesivo sofrido pelo autor, impõe-se que o ente público responda pelos danos causados ao recorrido, indenizando os danos sofridos. Da Configuração do Dano Moral O dano moral se configura pela violação de direitos da personalidade, como a honra, a imagem, a intimidade, a vida privada e a dignidade humana. A indenização, nesse contexto, visa compensar o sofrimento, a humilhação, a dor e a angústia experimentados pela vítima, além de possuir um caráter punitivo-pedagógico para desestimular a reiteração de condutas lesivas. No caso em tela, embora seja desnecessária a comprovação efetiva do dano moral sofrido, posto ser considerado in re ipsa, por decorrer do próprio fato, não restam dúvidas de que a situação ao qual o autor fora exposto causou-lhe danos que ultrapassaram a esfera do mero dissabor. Quanto ao dano moral, na espécie, ser aferível in re ipsa, dispensando a prova material de sua caracterização, colaciono o seguinte julgado: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ABORDAGEM POLICIAL EXCESSIVA - ABUSO DE PODER - AGRESSÃO E USO DE ALGEMAS - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - COMPENSAÇÃO DO SOFRIMENTO - VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO - CONSECTÁRIOS LEGAIS - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. - A responsabilidade civil do Estado é objetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da CRFB/88, o que vale dizer que, na ação de reparação de dano em face dele ajuizada, basta a comprovação do nexo de causalidade entre o fato lesivo e o dano injusto. O constrangimento daquele que sofre agressões públicas em abordagem policial, sem ter cometido ilícito algum, ultrapassa em muito os simples aborrecimentos inerentes à vida em comunidade . Logo, a caracterização da lesão de ordem imaterial dispensa a ocorrência de maiores infortúnios ao cidadão. Cuida-se, assim, de dano in re ipsa - (…) (TJ-MG - AC: 10384150061024001 Leopoldina, Relator.: Wilson Benevides, Data de Julgamento: 02/12/2022, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/12/2022) (suprimi e grifei). No caso em análise, as lesões documentadas em laudo de corpo de delito, as manobras truculentas como o "mata-leão" e os "tapas" na face, bem como a situação de impotência e vergonha vivenciadas pelo Requerente, que foi agredido na presença de testemunhas, além do fato ter sido amplamente noticiado em canais de comunicação (ID 119035934, pg. 40/43), são elementos suficientes para configurar o abalo moral. A conduta policial, que deveria ser de proteção ao cidadão, resultou em agressão física e ofensa à honra, sendo inadmissível em um Estado Democrático de Direito. O Requerido, ao alegar que o autor se mostra "excessivamente sensível", demonstra uma incompreensão da natureza do dano moral, que atinge a esfera íntima da pessoa, independentemente de sua predisposição a "sensibilidade". A dor, o desespero e a vergonha descritos pelo autor são reações humanas esperadas diante de uma agressão injustificada, especialmente quando perpetrada por agentes do Estado, que detêm o monopólio da força e deveriam agir com exemplaridade. Do Quantum Indenizatório: A fixação do quantum indenizatório a título de danos morais deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, buscando uma dupla finalidade: compensar a vítima pelo sofrimento imposto e punir o ofensor, desestimulando a prática de novos atos ilícitos. Deve-se ponderar a gravidade do dano, a extensão do sofrimento, a capacidade econômica das partes, e o caráter pedagógico da medida. Nesse sentido, em observância aos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, e com suficiência punitiva pedagógica, entendo que o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), se mostra adequado à reparação dos danos, sem que importe em enriquecimento ilícito do Recorrente e com suficiente carga punitiva pedagógica para evitar nova ocorrência de atos desta natureza. III. DISPOSITIVO Diante do exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para CONDENAR o ESTADO DE MATO GROSSO a pagar a DEUZIMAR RODRIGUES LUZ a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais. Sobre o valor da condenação, deverá incidir correção monetária pelo índice IPCA-E a partir da data de prolação desta sentença (Súmula 362 do STJ) e juros de mora equivalentes aos juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o Artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, a partir do evento danoso (03/05/2022 – Súmula 54 do STJ). A partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 113/2021, em 09 de dezembro de 2021, o valor será acrescido unicamente pela taxa SELIC, que já engloba tanto a correção monetária quanto os juros de mora. CONDENO a demandada ao pagamento de custas judiciais, devendo ser observado que referida autarquia federal não possui mais isenção legal de custas no Estado de Mato Grosso, consoante art. 3º, I, da Lei Estadual 7.603/2001, na redação dada pela Lei Estadual 11.077/2020, com vigência desde 14/04/2020. CONDENO a demandada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (valores devidos até a data desta sentença), nos termos da Súmula 111, do STJ e artigo 85, § 2º, do CPC. Por não exceder a condenação o valor de 1.000 (mil) salários-mínimos, DEIXO de determinar a remessa à instância superior, nos termos do artigo 496, § 3.º, inciso I, do CPC. Havendo recurso: Na hipótese de interposição do recurso de apelação, certifique-se acerca da tempestividade e, em seguida, intime-se a parte recorrida para, no prazo 15 (quinze) dias, apresentar suas contrarrazões de apelação, na forma do artigo 1.010, §1º do CPC. Após, com ou sem contrarrazões recursais, voltem para análise do recurso. Havendo pedido de cumprimento de sentença: a) Intime-se o devedor para pagamento no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa de 10% sobre o valor da condenação. No mandado deverá, ainda, constar a faculdade de, querendo, o executado impugnar o cumprimento de sentença, nos termos do art. 535, do CPC/15; b) Transcorrido o prazo para pagamento voluntário, intime-se a parte exequente para que apresente, no prazo de 05 (cinco) dias, memória atualizada e discriminada do débito, incluídas as sanções constantes do art. 523, §1º, do CPC; c) Apresentada impugnação, intime-se a parte contrária para manifestação em 15 dias; após, conclusos para decisão. e arquive-se com as baixas e cautelas de estilo. Preclusa a via recursal, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se com as baixas e cautelas de estilo. Publique-se. Registre-se. Cumpra-se, providenciando e expedindo o necessário, servindo a presente decisão como mandado/ofício/requisição. Às providências. São Félix do Araguaia-MT, data da assinatura eletrônica. LUÍS OTÁVIO TONELLO DOS SANTOS Juiz de Direito Substituto

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Processo nº 1036213-93.2023.8.11.0003

ID: 316717901

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1036213-93.2023.8.11.0003

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1036213-93.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1036213-93.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Fornecimento de Energia Elétrica, Efeitos] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [EDUARDO MOREIRA DA SILVA - CPF: 033.712.581-30 (APELADO), VINICIUS CARLLOS CRUVINEL - CPF: 739.749.191-04 (ADVOGADO), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (APELANTE), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. COBRANÇA POR RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REALIZADO PELA CONCESSIONÁRIA. REGULARIDADE DAS COBRANÇAS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL CONFIGURADO. PARCIAL PROVIMENTO. I. Caso em exame Apelação cível interposta pela concessionária de energia elétrica Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S/A, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, que declarou a inexistência de débitos oriundos de cinco faturas e condenou a ré ao pagamento de danos morais no valor de R$ 4.000,00, além das verbas sucumbenciais. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é legítima a cobrança de consumo de energia elétrica decorrente de procedimento administrativo de recuperação de consumo realizado pela concessionária; (ii) saber se há responsabilidade civil por dano moral decorrente de inscrição indevida do nome do autor em cadastro de inadimplentes quanto a faturas não impugnadas no recurso. III. Razões de decidir 3. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, atraindo a incidência das normas do CDC, inclusive a inversão do ônus da prova. 4. Comprovada a irregularidade no fornecimento de energia mediante ligação direta sem medidor, a concessionária possui o direito de recuperar o consumo não faturado, desde que observado o devido procedimento administrativo, conforme Resolução Normativa ANEEL nº 1000/2021. 5. No caso concreto, restou demonstrada a realização da vistoria com lavratura de Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, acompanhado do consumidor, com documentação probatória suficiente (relatório técnico e imagens da inspeção). 6. A cobrança das faturas nos valores de R$ 1.179,63 e R$ 498,60, ambas com vencimento em 27/06/2023, mostrou-se legítima, conforme critérios regulatórios e ausência de impugnação administrativa pelo consumidor. 7. Contudo, a concessionária não impugnou a cobrança referente às demais faturas reconhecidas como indevidas na sentença, relativas aos valores de R$ 4.030,97 e duas faturas de R$ 177,30, o que culminou na inscrição indevida do nome do autor em cadastros restritivos. 8. A jurisprudência consolidada do STJ reconhece o dano moral presumido (in re ipsa) nos casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. É legítima a cobrança por recuperação de consumo de energia elétrica quando constatada irregularidade na unidade consumidora, desde que observado o procedimento administrativo previsto na Resolução ANEEL nº 1000/2021. 2. A inscrição indevida em cadastro de inadimplentes enseja o dever de indenizar por dano moral, independentemente de prova do prejuízo.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X, e 6º; CC, art. 944; CDC, arts. 6º, VIII, e 14; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.501.927/GO, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 12.11.2019; TJMT, Apelação Cível 1021503-39.2021.8.11.0003, Rel.ª Des.ª Antônia Siqueira Gonçalves, j. 25.05.2022; TJMT, N.U 1028369-64.2024.8.11.0001, Rel. Juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, j. 21.10.2024. R E L A T Ó R I O Recurso de Apelação Cível interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, contra a r. sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Morais (N.º 1036213-93.2023.8.11.0003) ajuizada por EDUARDO MOREIRA DA SILVA, que JULGOU PROCEDENTE a presente a ação para o fim de declarar a inexistência do débito caracterizado pelas faturas nos valores de R$ 4.030,97 (quatro mil, trinta reais, noventa e sete centavos), R$ 1.179,63 (um mil, cento e setenta e nove reais, sessenta e três centavos), R$ 498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais, sessenta centavos), R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos) e R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos); condenar a ré no pagamento da importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais), devendo ser corrigido: juros de 1% ao mês e correção monetária INPC a partir da decisão, ratificando a decisão Id 133425815; condenou a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação. Inconformada, em suas razões a Apelante alega em síntese, da regularidade da cobrança, da vistoria e da regularidade na unidade consumidora. Alega que a parte recorrida narrou que se mostra insatisfeito quanto às cobranças perpetradas em seu desfavor, pois os considera exorbitantes diante do histórico de consumo da sua Unidade Consumidora. Contudo, assevera que “houve inspeção onde foi possível verificar que sua unidade consumidora estava funcionando SEM MEDIDOR E COM LIGAÇÃO DIRETA, o que por si só já se verifica manipulação por ação humana”. Alega que “a inspeção foi acompanhada pela titular da UC, que ao final se recusou a assinar o TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO (TOI), sendo o mesmo encaminhado para o seu endereço nos termos do artigo 129, § 7º da Resolução 414/10 da ANEEL”. Assevera que a concessionária apelante atuou em conformidade com a legislação em vigor no exercício regular de seus direitos e deveres, haja vista que o autor, ora recorrido, utilizou os serviços da distribuidora em questão. Ressalta que “a parte fora devidamente notificada do procedimento realizado, sendo informada sobre as irregularidades encontradas no padrão de energia, o que justifica a recuperação de consumo realizada, bem como do prazo para apresentar o recurso administrativo, fato este que afasta qualquer alegação de UNILATERALIDADE ou PREJUÍZO AO CONTRADITÓRIO quanto ao procedimento seguido pela empresa”. Afirma que restou comprovado que as cobranças efetuadas pela concessionária estão corretas, uma vez que os débitos correspondem à unidade a qual a recorrente é titular, tendo em vista a irregularidade confirmada na inspeção. Sustenta a ausência do dever de indenizar e da inexistência de ato ilícito, vez que não se evidenciou responsabilidade da recorrida, bem como não comprovou ato ilícito capaz de gerar abalos psíquicos ou capazes de ensejar direito a indenização. Requer o conhecimento e provimento do presente recuso, no sentido de reformar a r. Sentença julgando-se totalmente improcedente a demanda. Contrarrazões (id.183436689). É o relatório. V O T O R E L A T O R Conforme relatado, cuida-se de Recurso de Apelação Cível interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, contra a r. sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Morais (N.º 1036213-93.2023.8.11.0003) ajuizada por EDUARDO MOREIRA DA SILVA, que JULGOU PROCEDENTE a presente a ação para o fim de declarar a inexistência do débito caracterizado pelas faturas nos valores de R$ 4.030,97 (quatro mil, trinta reais, noventa e sete centavos), R$ 1.179,63 (um mil, cento e setenta e nove reais, sessenta e três centavos), R$ 498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais, sessenta centavos), R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos) e R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos); condenar a ré no pagamento da importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais), devendo ser corrigido: juros de 1% ao mês e correção monetária INPC a partir da decisão, ratificando a decisão Id 133425815; condenou a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação. Pois bem. De início verifico que a Concessionária apelante em suas razões tão somente se defendeu quanto a “REGULARIDADE DA COBRANÇA – DA VISTORIA EM CAMPO E DA REGULARIDADE NA UNIDADE CONSUMIDORA (UC)”, referindo-se a inspeção realizada pela requerida na unidade consumidora da parte autora em 08/03/2023 que, conforme relata “estava funcionando sem medidor e com ligação direta”, id. Num. 268494822 - Pág. 3, bem, ainda, quanto ao valor arbitrado a título de danos morais, não impugnando a sentença na parte em que reconheceu e declarou a inexistência dos débitos caracterizado pelas faturas nos valores de R$ 4.030,97 (quatro mil, trinta reais, noventa e sete centavos) e as faturas nos valores R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos) também objetos da presente demanda. Destarte, forte no princípio da dialeticidade, o recurso da empresa apelante será analisado tão somente no que se refere ao que impugnou de forma específica. Desta feita, a questão trazida cinge-se quanto à possibilidade de cobrança realizada pela empresa Apelante, em decorrência de inspeção realizada na UC nº 6/2959708-5 em 08/03/2023, na qual, segundo a Apelante foi constatada irregularidade no aparelho medidor utilizado no imóvel da Apelada. Da análise dos autos entendo que o recurso merece parcial provimento. A Apelante sustenta tratar-se de recuperação de consumo decorrente de irregularidade constatada no equipamento de medição da unidade consumidora n.º 6/2169204-1. Prefacialmente, importa destacar que a relação existente entre as partes aqui em litígio é de consumo, devendo, ao caso, ser aplicada regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova previsto no inciso VIII do artigo 6.º do código consumerista. Partindo dessa premissa, cabe a concessionária de energia ré demonstrar por meio de provas hábeis, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do inciso II do artigo 373 do Código de Processo Civil. Tratando o fornecimento de energia elétrica como serviço público, se há constatação de irregularidade, imprecisão ou falha na medição do consumo, a concessionária não só pode, mas tem o dever de apurar e cobrar o consumo não faturado ou faturado a menor, devendo fazê-lo por meio de procedimento administrativo adequado, conforme disciplinado pelas resoluções editadas pelo órgão regulatório competente (ANEEL), que, em todo caso, independente de previsão expressa nesse sentido, deverá contar com a ciência e partição ativa do consumidor, tendo em vista que o contrário e a ampla defesa são garantias contorcionais a todo e qualquer processo administrativo ou judicial. O artigo 590 da Resolução Normativa ANEEL n.º 1000 de 2021 é o responsável por disciplinar o procedimento a ser observado na ocorrência de indício de procedimento irregular, estipulando que a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização, compondo um conjunto de evidências por meio dos seguintes procedimentos, in verbis: I - emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, em formulário próprio, elaborado conforme instruções da ANEEL; II - solicitar a verificação ou a perícia metrológica, a seu critério ou quando requerida pelo consumidor; III - elaborar relatório de avaliação técnica quando constatada a violação do medidor ou demais equipamentos de medição, contendo as informações técnicas e a descrição das condições físicas de suas partes, peças e dispositivos, exceto quando for solicitada a perícia metrológica do inciso II; IV - avaliar o histórico de consumo e das grandezas elétricas; e V - implementar, quando julgar necessário: a) medição fiscalizadora, com registros em memória de massa de pelo menos 15 dias consecutivos; e b) recursos visuais, tais como fotografias e vídeos. Dessa forma, no caso em apreço, a constatação da irregularidade foi registrada no Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI n. 114688036 (Num. 268495282 - Pág. 1), que, conforme consta do referido documento, foi acompanhado pelo proprietário Eduardo Moreira da Silva, restando consignado que “Consumidor recusou-se a assinar”. Foi constatado no ato da inspeção que “LIGAÇÃO DIRETA SEM MEDIDOR; LIGACAO DIRETA SEM MEDIDOR. UC REGULARIZADO NO ATO DA INSPECAO”, o que pode ser visto “a olho nu” pelas fotografias trazidas do dia da inspeção (Num. 268495272 - Pág. 1/5). Ademais, urge destacar que o autor/apelado recebeu e trouxe aos autos a “carta ao cliente” (id.268494773) encaminhada pela Concessionária apelante, dando ciência da anormalidade e dos meses de recuperação, bem como de que tinha o direito de solicitar esclarecimentos, apresentar recurso administrativo, no prazo de 30 dias, contudo, não exerceu seu direito. Ademais, a realização de perícia, fica a critério da Concessionária, em casos mais complexos, ou quando há requerimento, o que não foi solicitado. Assim, restando comprovada a falha no registro de consumo, deve ser reconhecido o direito da apelada à cobrança da diferença, sob pena de enriquecimento sem causa do usuário do serviço, que se beneficiou da irregularidade, devendo ser responsabilizado pelo débito constatado pela concessionária de serviço público. A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DÍVIDA C/C DANOS MORAIS – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADE NO MEDIDOR – TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO (TOI) – RECUSA NA ASSINATURA PELA PARTE CONSUMIDORA – DIREITO DE DEFESA GARANTIDO – OBSERVÂNCIA DOS PROCEDIMENTOS DESCRITOS NA RESOLUÇÃO NORMATIVA ANEEL Nº 414/2010 – EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO – RECUPERAÇÃO DE CONSUMO DEVIDO – SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS DA INICIAL – RECURSO PROVIDO. Constatada a irregularidade na medição de energia e a licitude na apuração, evidenciando-se a possível ocorrência de fraude, a concessionária de serviços de energia elétrica tem direito à revisão do faturamento segundo os critérios previstos em norma da ANEEL. Comprovado o desvio de energia pelo Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI), regularmente emitido com a participação da parte consumidora, ainda que haja recusa na assinatura, e em sendo apurado o valor devido, com indicação do critério adotado na revisão do faturamento, é lícita cobrança dos valores.” (TJ-MT 10215033920218110003 MT, Relator: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 25/05/2022, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/05/2022) RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM DANOS MORAIS. RECUPERAÇÃO DE ENERGIA COM TOI APRESENTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE DA UC. PARTE AUTORA QUE NÃO ATENDEU AOS REQUISITOS DO ART. 373, I DO CPC. IRREGULARIDADE EXTERNA (LIGAÇÃO DIRETA). ELABORAÇÃO DO TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO TOI. RECUPERAÇÃO DO CONSUMO. COBRANÇA DEVIDA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito de R$ 19.873,69 (dezenove mil oitocentos e setenta e três reais e sessenta e nove centavos) c/c danos morais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), decorrente de suposta recuperação de consumo por irregularidade no medidor. 2. Não há nos autos qualquer comprovação de irregularidade no TOI realizado pela empresa Recorrente, essencialmente, quando há discrepância no consumo antes e após a fiscalização, eis que nos meses cobrados pela Recorrente decorreu de baixo consumo na leitura do Recorrido, conforme se infere do documento de ID n. 239154696, no período de 04/2020 a 01/2023. 3. A concessionária de energia elétrica, ao constatar ligação direta sem medidor, possui o direito de proceder com a recuperação do consumo não faturado, conforme previsto nas normas da ANEEL, sendo legítima a cobrança decorrente da regularização do fornecimento. 4. Danos morais não configurados. 5. Exercício regular de direito Recorrente pela Energisa em proceder com a cobrança do débito do Recorrido. 6. Sentença reformada. 7. Recurso conhecido e provido. (N.U 1028369-64.2024.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, JORGE ALEXANDRE MARTINS FERREIRA, Primeira Turma Recursal, Julgado em 21/10/2024, Publicado no DJE 24/10/2024) Legítimo, portanto, o procedimento administrativo realizado pela ré na inspeção realizada na unidade consumidora da parte autora em 08/03/2023, no qual restou constatada a irregularidade no medidor, restando legitima a recuperação do consumo não faturado referente as faturas no valor de R$ 498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais e sessenta centavos) e R$ 1.179,63 (mil, cento e setenta e nove reais e sessenta e três centavos) ambas com vencimento em 27/06/2023, decorrente da regularização do fornecimento, conforme previsto nas normas da ANEEL. Desta feita, constatada a regularidade das cobranças com vencimento em 27/06/2023, conforme acima exposto, extrai-se ainda que o nome da parte autora foi inserido nos órgãos de restrição ao crédito referente à 02 (duas) faturas nos valores de R$ 177,30, ambas com vencimento em 02/08/2023 e, ainda, da fatura no valor de R$ 4.030,97 com vencimento em 16/05/2023 (id. Num. 268494773 - Pág. 1), quais não foram objeto deste apelo pela concessionária apelante. Mister destacar que o dano moral é presumido nos casos de inscrição indevida junto aos órgãos restritivos de crédito, bastando apenas ter provado a inscrição. Trata-se de dano in re ipsa, ou seja, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio STJ já consolidou o entendimento de que “o dano moral, oriundo de inscrição ou manutenção indevida em cadastro de inadimplentes, prescinde de prova, configurando-se in re ipa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato.” (AgInt no AREsp n. 1.501.927/GO, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/11/2019). A esse propósito, importante destacarmos o entendimento jurisprudencial externado por este Tribunal de Justiça, a seguir transcrita (grifos nossos): AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COBRANÇA - DÉBITO APURADO UNILATERALMENTE PELA CONCESSIONÁRIA - IRREGULARIDADE NO MEDIDOR NÃO COMPROVADA - ILEGALIDADE DA COBRANÇA - INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO - NEGATIVAÇÃO DO NOME DA CONSUMIDORA - DANO MORAL CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM ADEQUADO - SENTENÇA MANTIDA - HONORÁRIO RECURSAL - RECURSO DESPROVIDO. Ao elaborar o laudo pericial do medidor de energia elétrica, ou mesmo realizar a vistoria e adotar procedimento na unidade consumidora, devem ser respeitadas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sob pena de nulidade, sobretudo quando gerador de fatura com cobrança excessiva. A cobrança indevida, acrescida de inscrição do nome do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito, configura o dano moral. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes. Em razão do trabalho adicional empregado pelo advogado, da natureza e da importância da causa, majoram-se os honorários advocatícios, nos moldes do art. 85, §11, do CPC. (TJMT - N.U 1000596-54.2019.8.11.0022, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/10/2021, Publicado no DJE 17/10/2021) Posto isso, certo é que a conduta da concessionária de energia elétrica merece censura a ponto de fazer incidir dano moral indenizável. Na reparação do dano moral, não há uma indenização propriamente dita, mas uma compensação ou satisfação moral ao ofendido e, paralelamente, a reprovação do ato do ofensor, de modo a desestimulá-lo a reincidir. O arbitramento deve pautar-se por critérios que não impliquem enriquecimento do lesado, nem ser tão ínfimo que se torne irrisório para o ofensor. No tocante ao quantum, não há critérios pré-determinados para a sua aferição. Contudo, este deve ser estipulado de forma a proporcionar ao ofendido a satisfação do abalo sofrido, levando-se em conta a extensão da dor, as condições sociais e econômicas da vítima e da pessoa obrigada, sem, no entanto, ensejar obtenção de vantagem excessiva, segundo orientação jurisprudencial e doutrinária dominante. Assim, tenho que o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais mostra-se compatível, considerando as particularidades do pleito e dos fatos assentados, porquanto ajustado comando disposto no artigo 944 do Código Civil bem como observados os princípios da moderação, razoabilidade, equidade e proporcionalidade na fixação do quantum indenizatório, respeitado ainda o duplo caráter punitivo e pedagógico da condenação. Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso de Apelação interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A para reformar a sentença de origem e julgar parcialmente procedente o feito, apenas para o fim de DECLARAR lícita a cobrança pela concessionária dos débitos caracterizados pelas faturas nos valores de R$1.179,63 (um mil, cento e setenta e nove reais, sessenta e três centavos) e R$498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais, sessenta centavos) ambas com vencimento em 27/06/2023, mantendo a sentença nos demais termos. Ao caso não se aplica o disposto no artigo 85, § 11, do CPC, porque de acordo com o STJ, “não cabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios recursais de sucumbência no caso de parcial provimento ao recurso”. (AgInt no AREsp 1451789/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019). Ao arremate, visando evitar a oposição de embargos declaratórios e, desde logo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observado o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18.205/SP, Eminente Ministro Felix Fischer, DJ 08/05/2006, p. 240). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

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Processo nº 1036213-93.2023.8.11.0003

ID: 316717910

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1036213-93.2023.8.11.0003

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

EDUARDO MOREIRA DA SILVA

Acórdão

Advogados:

VINICIUS CARLLOS CRUVINEL

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1036213-93.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1036213-93.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes, Fornecimento de Energia Elétrica, Efeitos] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). TATIANE COLOMBO] Parte(s): [EDUARDO MOREIRA DA SILVA - CPF: 033.712.581-30 (APELADO), VINICIUS CARLLOS CRUVINEL - CPF: 739.749.191-04 (ADVOGADO), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (APELANTE), DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. COBRANÇA POR RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REALIZADO PELA CONCESSIONÁRIA. REGULARIDADE DAS COBRANÇAS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORAL CONFIGURADO. PARCIAL PROVIMENTO. I. Caso em exame Apelação cível interposta pela concessionária de energia elétrica Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia S/A, contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, que declarou a inexistência de débitos oriundos de cinco faturas e condenou a ré ao pagamento de danos morais no valor de R$ 4.000,00, além das verbas sucumbenciais. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é legítima a cobrança de consumo de energia elétrica decorrente de procedimento administrativo de recuperação de consumo realizado pela concessionária; (ii) saber se há responsabilidade civil por dano moral decorrente de inscrição indevida do nome do autor em cadastro de inadimplentes quanto a faturas não impugnadas no recurso. III. Razões de decidir 3. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, atraindo a incidência das normas do CDC, inclusive a inversão do ônus da prova. 4. Comprovada a irregularidade no fornecimento de energia mediante ligação direta sem medidor, a concessionária possui o direito de recuperar o consumo não faturado, desde que observado o devido procedimento administrativo, conforme Resolução Normativa ANEEL nº 1000/2021. 5. No caso concreto, restou demonstrada a realização da vistoria com lavratura de Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, acompanhado do consumidor, com documentação probatória suficiente (relatório técnico e imagens da inspeção). 6. A cobrança das faturas nos valores de R$ 1.179,63 e R$ 498,60, ambas com vencimento em 27/06/2023, mostrou-se legítima, conforme critérios regulatórios e ausência de impugnação administrativa pelo consumidor. 7. Contudo, a concessionária não impugnou a cobrança referente às demais faturas reconhecidas como indevidas na sentença, relativas aos valores de R$ 4.030,97 e duas faturas de R$ 177,30, o que culminou na inscrição indevida do nome do autor em cadastros restritivos. 8. A jurisprudência consolidada do STJ reconhece o dano moral presumido (in re ipsa) nos casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: “1. É legítima a cobrança por recuperação de consumo de energia elétrica quando constatada irregularidade na unidade consumidora, desde que observado o procedimento administrativo previsto na Resolução ANEEL nº 1000/2021. 2. A inscrição indevida em cadastro de inadimplentes enseja o dever de indenizar por dano moral, independentemente de prova do prejuízo.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X, e 6º; CC, art. 944; CDC, arts. 6º, VIII, e 14; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.501.927/GO, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 12.11.2019; TJMT, Apelação Cível 1021503-39.2021.8.11.0003, Rel.ª Des.ª Antônia Siqueira Gonçalves, j. 25.05.2022; TJMT, N.U 1028369-64.2024.8.11.0001, Rel. Juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, j. 21.10.2024. R E L A T Ó R I O Recurso de Apelação Cível interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, contra a r. sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Morais (N.º 1036213-93.2023.8.11.0003) ajuizada por EDUARDO MOREIRA DA SILVA, que JULGOU PROCEDENTE a presente a ação para o fim de declarar a inexistência do débito caracterizado pelas faturas nos valores de R$ 4.030,97 (quatro mil, trinta reais, noventa e sete centavos), R$ 1.179,63 (um mil, cento e setenta e nove reais, sessenta e três centavos), R$ 498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais, sessenta centavos), R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos) e R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos); condenar a ré no pagamento da importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais), devendo ser corrigido: juros de 1% ao mês e correção monetária INPC a partir da decisão, ratificando a decisão Id 133425815; condenou a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação. Inconformada, em suas razões a Apelante alega em síntese, da regularidade da cobrança, da vistoria e da regularidade na unidade consumidora. Alega que a parte recorrida narrou que se mostra insatisfeito quanto às cobranças perpetradas em seu desfavor, pois os considera exorbitantes diante do histórico de consumo da sua Unidade Consumidora. Contudo, assevera que “houve inspeção onde foi possível verificar que sua unidade consumidora estava funcionando SEM MEDIDOR E COM LIGAÇÃO DIRETA, o que por si só já se verifica manipulação por ação humana”. Alega que “a inspeção foi acompanhada pela titular da UC, que ao final se recusou a assinar o TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO (TOI), sendo o mesmo encaminhado para o seu endereço nos termos do artigo 129, § 7º da Resolução 414/10 da ANEEL”. Assevera que a concessionária apelante atuou em conformidade com a legislação em vigor no exercício regular de seus direitos e deveres, haja vista que o autor, ora recorrido, utilizou os serviços da distribuidora em questão. Ressalta que “a parte fora devidamente notificada do procedimento realizado, sendo informada sobre as irregularidades encontradas no padrão de energia, o que justifica a recuperação de consumo realizada, bem como do prazo para apresentar o recurso administrativo, fato este que afasta qualquer alegação de UNILATERALIDADE ou PREJUÍZO AO CONTRADITÓRIO quanto ao procedimento seguido pela empresa”. Afirma que restou comprovado que as cobranças efetuadas pela concessionária estão corretas, uma vez que os débitos correspondem à unidade a qual a recorrente é titular, tendo em vista a irregularidade confirmada na inspeção. Sustenta a ausência do dever de indenizar e da inexistência de ato ilícito, vez que não se evidenciou responsabilidade da recorrida, bem como não comprovou ato ilícito capaz de gerar abalos psíquicos ou capazes de ensejar direito a indenização. Requer o conhecimento e provimento do presente recuso, no sentido de reformar a r. Sentença julgando-se totalmente improcedente a demanda. Contrarrazões (id.183436689). É o relatório. V O T O R E L A T O R Conforme relatado, cuida-se de Recurso de Apelação Cível interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, contra a r. sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Morais (N.º 1036213-93.2023.8.11.0003) ajuizada por EDUARDO MOREIRA DA SILVA, que JULGOU PROCEDENTE a presente a ação para o fim de declarar a inexistência do débito caracterizado pelas faturas nos valores de R$ 4.030,97 (quatro mil, trinta reais, noventa e sete centavos), R$ 1.179,63 (um mil, cento e setenta e nove reais, sessenta e três centavos), R$ 498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais, sessenta centavos), R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos) e R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos); condenar a ré no pagamento da importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de danos morais), devendo ser corrigido: juros de 1% ao mês e correção monetária INPC a partir da decisão, ratificando a decisão Id 133425815; condenou a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação. Pois bem. De início verifico que a Concessionária apelante em suas razões tão somente se defendeu quanto a “REGULARIDADE DA COBRANÇA – DA VISTORIA EM CAMPO E DA REGULARIDADE NA UNIDADE CONSUMIDORA (UC)”, referindo-se a inspeção realizada pela requerida na unidade consumidora da parte autora em 08/03/2023 que, conforme relata “estava funcionando sem medidor e com ligação direta”, id. Num. 268494822 - Pág. 3, bem, ainda, quanto ao valor arbitrado a título de danos morais, não impugnando a sentença na parte em que reconheceu e declarou a inexistência dos débitos caracterizado pelas faturas nos valores de R$ 4.030,97 (quatro mil, trinta reais, noventa e sete centavos) e as faturas nos valores R$ 177,30 (cento e setenta e sete reais, trinta centavos) também objetos da presente demanda. Destarte, forte no princípio da dialeticidade, o recurso da empresa apelante será analisado tão somente no que se refere ao que impugnou de forma específica. Desta feita, a questão trazida cinge-se quanto à possibilidade de cobrança realizada pela empresa Apelante, em decorrência de inspeção realizada na UC nº 6/2959708-5 em 08/03/2023, na qual, segundo a Apelante foi constatada irregularidade no aparelho medidor utilizado no imóvel da Apelada. Da análise dos autos entendo que o recurso merece parcial provimento. A Apelante sustenta tratar-se de recuperação de consumo decorrente de irregularidade constatada no equipamento de medição da unidade consumidora n.º 6/2169204-1. Prefacialmente, importa destacar que a relação existente entre as partes aqui em litígio é de consumo, devendo, ao caso, ser aplicada regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova previsto no inciso VIII do artigo 6.º do código consumerista. Partindo dessa premissa, cabe a concessionária de energia ré demonstrar por meio de provas hábeis, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do inciso II do artigo 373 do Código de Processo Civil. Tratando o fornecimento de energia elétrica como serviço público, se há constatação de irregularidade, imprecisão ou falha na medição do consumo, a concessionária não só pode, mas tem o dever de apurar e cobrar o consumo não faturado ou faturado a menor, devendo fazê-lo por meio de procedimento administrativo adequado, conforme disciplinado pelas resoluções editadas pelo órgão regulatório competente (ANEEL), que, em todo caso, independente de previsão expressa nesse sentido, deverá contar com a ciência e partição ativa do consumidor, tendo em vista que o contrário e a ampla defesa são garantias contorcionais a todo e qualquer processo administrativo ou judicial. O artigo 590 da Resolução Normativa ANEEL n.º 1000 de 2021 é o responsável por disciplinar o procedimento a ser observado na ocorrência de indício de procedimento irregular, estipulando que a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização, compondo um conjunto de evidências por meio dos seguintes procedimentos, in verbis: I - emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, em formulário próprio, elaborado conforme instruções da ANEEL; II - solicitar a verificação ou a perícia metrológica, a seu critério ou quando requerida pelo consumidor; III - elaborar relatório de avaliação técnica quando constatada a violação do medidor ou demais equipamentos de medição, contendo as informações técnicas e a descrição das condições físicas de suas partes, peças e dispositivos, exceto quando for solicitada a perícia metrológica do inciso II; IV - avaliar o histórico de consumo e das grandezas elétricas; e V - implementar, quando julgar necessário: a) medição fiscalizadora, com registros em memória de massa de pelo menos 15 dias consecutivos; e b) recursos visuais, tais como fotografias e vídeos. Dessa forma, no caso em apreço, a constatação da irregularidade foi registrada no Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI n. 114688036 (Num. 268495282 - Pág. 1), que, conforme consta do referido documento, foi acompanhado pelo proprietário Eduardo Moreira da Silva, restando consignado que “Consumidor recusou-se a assinar”. Foi constatado no ato da inspeção que “LIGAÇÃO DIRETA SEM MEDIDOR; LIGACAO DIRETA SEM MEDIDOR. UC REGULARIZADO NO ATO DA INSPECAO”, o que pode ser visto “a olho nu” pelas fotografias trazidas do dia da inspeção (Num. 268495272 - Pág. 1/5). Ademais, urge destacar que o autor/apelado recebeu e trouxe aos autos a “carta ao cliente” (id.268494773) encaminhada pela Concessionária apelante, dando ciência da anormalidade e dos meses de recuperação, bem como de que tinha o direito de solicitar esclarecimentos, apresentar recurso administrativo, no prazo de 30 dias, contudo, não exerceu seu direito. Ademais, a realização de perícia, fica a critério da Concessionária, em casos mais complexos, ou quando há requerimento, o que não foi solicitado. Assim, restando comprovada a falha no registro de consumo, deve ser reconhecido o direito da apelada à cobrança da diferença, sob pena de enriquecimento sem causa do usuário do serviço, que se beneficiou da irregularidade, devendo ser responsabilizado pelo débito constatado pela concessionária de serviço público. A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DÍVIDA C/C DANOS MORAIS – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – CONSTATAÇÃO DE IRREGULARIDADE NO MEDIDOR – TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO (TOI) – RECUSA NA ASSINATURA PELA PARTE CONSUMIDORA – DIREITO DE DEFESA GARANTIDO – OBSERVÂNCIA DOS PROCEDIMENTOS DESCRITOS NA RESOLUÇÃO NORMATIVA ANEEL Nº 414/2010 – EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO – RECUPERAÇÃO DE CONSUMO DEVIDO – SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS DA INICIAL – RECURSO PROVIDO. Constatada a irregularidade na medição de energia e a licitude na apuração, evidenciando-se a possível ocorrência de fraude, a concessionária de serviços de energia elétrica tem direito à revisão do faturamento segundo os critérios previstos em norma da ANEEL. Comprovado o desvio de energia pelo Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI), regularmente emitido com a participação da parte consumidora, ainda que haja recusa na assinatura, e em sendo apurado o valor devido, com indicação do critério adotado na revisão do faturamento, é lícita cobrança dos valores.” (TJ-MT 10215033920218110003 MT, Relator: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 25/05/2022, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/05/2022) RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM DANOS MORAIS. RECUPERAÇÃO DE ENERGIA COM TOI APRESENTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE DA UC. PARTE AUTORA QUE NÃO ATENDEU AOS REQUISITOS DO ART. 373, I DO CPC. IRREGULARIDADE EXTERNA (LIGAÇÃO DIRETA). ELABORAÇÃO DO TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO TOI. RECUPERAÇÃO DO CONSUMO. COBRANÇA DEVIDA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito de R$ 19.873,69 (dezenove mil oitocentos e setenta e três reais e sessenta e nove centavos) c/c danos morais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), decorrente de suposta recuperação de consumo por irregularidade no medidor. 2. Não há nos autos qualquer comprovação de irregularidade no TOI realizado pela empresa Recorrente, essencialmente, quando há discrepância no consumo antes e após a fiscalização, eis que nos meses cobrados pela Recorrente decorreu de baixo consumo na leitura do Recorrido, conforme se infere do documento de ID n. 239154696, no período de 04/2020 a 01/2023. 3. A concessionária de energia elétrica, ao constatar ligação direta sem medidor, possui o direito de proceder com a recuperação do consumo não faturado, conforme previsto nas normas da ANEEL, sendo legítima a cobrança decorrente da regularização do fornecimento. 4. Danos morais não configurados. 5. Exercício regular de direito Recorrente pela Energisa em proceder com a cobrança do débito do Recorrido. 6. Sentença reformada. 7. Recurso conhecido e provido. (N.U 1028369-64.2024.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, JORGE ALEXANDRE MARTINS FERREIRA, Primeira Turma Recursal, Julgado em 21/10/2024, Publicado no DJE 24/10/2024) Legítimo, portanto, o procedimento administrativo realizado pela ré na inspeção realizada na unidade consumidora da parte autora em 08/03/2023, no qual restou constatada a irregularidade no medidor, restando legitima a recuperação do consumo não faturado referente as faturas no valor de R$ 498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais e sessenta centavos) e R$ 1.179,63 (mil, cento e setenta e nove reais e sessenta e três centavos) ambas com vencimento em 27/06/2023, decorrente da regularização do fornecimento, conforme previsto nas normas da ANEEL. Desta feita, constatada a regularidade das cobranças com vencimento em 27/06/2023, conforme acima exposto, extrai-se ainda que o nome da parte autora foi inserido nos órgãos de restrição ao crédito referente à 02 (duas) faturas nos valores de R$ 177,30, ambas com vencimento em 02/08/2023 e, ainda, da fatura no valor de R$ 4.030,97 com vencimento em 16/05/2023 (id. Num. 268494773 - Pág. 1), quais não foram objeto deste apelo pela concessionária apelante. Mister destacar que o dano moral é presumido nos casos de inscrição indevida junto aos órgãos restritivos de crédito, bastando apenas ter provado a inscrição. Trata-se de dano in re ipsa, ou seja, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio STJ já consolidou o entendimento de que “o dano moral, oriundo de inscrição ou manutenção indevida em cadastro de inadimplentes, prescinde de prova, configurando-se in re ipa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato.” (AgInt no AREsp n. 1.501.927/GO, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/11/2019). A esse propósito, importante destacarmos o entendimento jurisprudencial externado por este Tribunal de Justiça, a seguir transcrita (grifos nossos): AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COBRANÇA - DÉBITO APURADO UNILATERALMENTE PELA CONCESSIONÁRIA - IRREGULARIDADE NO MEDIDOR NÃO COMPROVADA - ILEGALIDADE DA COBRANÇA - INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO - NEGATIVAÇÃO DO NOME DA CONSUMIDORA - DANO MORAL CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM ADEQUADO - SENTENÇA MANTIDA - HONORÁRIO RECURSAL - RECURSO DESPROVIDO. Ao elaborar o laudo pericial do medidor de energia elétrica, ou mesmo realizar a vistoria e adotar procedimento na unidade consumidora, devem ser respeitadas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sob pena de nulidade, sobretudo quando gerador de fatura com cobrança excessiva. A cobrança indevida, acrescida de inscrição do nome do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito, configura o dano moral. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes. Em razão do trabalho adicional empregado pelo advogado, da natureza e da importância da causa, majoram-se os honorários advocatícios, nos moldes do art. 85, §11, do CPC. (TJMT - N.U 1000596-54.2019.8.11.0022, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/10/2021, Publicado no DJE 17/10/2021) Posto isso, certo é que a conduta da concessionária de energia elétrica merece censura a ponto de fazer incidir dano moral indenizável. Na reparação do dano moral, não há uma indenização propriamente dita, mas uma compensação ou satisfação moral ao ofendido e, paralelamente, a reprovação do ato do ofensor, de modo a desestimulá-lo a reincidir. O arbitramento deve pautar-se por critérios que não impliquem enriquecimento do lesado, nem ser tão ínfimo que se torne irrisório para o ofensor. No tocante ao quantum, não há critérios pré-determinados para a sua aferição. Contudo, este deve ser estipulado de forma a proporcionar ao ofendido a satisfação do abalo sofrido, levando-se em conta a extensão da dor, as condições sociais e econômicas da vítima e da pessoa obrigada, sem, no entanto, ensejar obtenção de vantagem excessiva, segundo orientação jurisprudencial e doutrinária dominante. Assim, tenho que o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais mostra-se compatível, considerando as particularidades do pleito e dos fatos assentados, porquanto ajustado comando disposto no artigo 944 do Código Civil bem como observados os princípios da moderação, razoabilidade, equidade e proporcionalidade na fixação do quantum indenizatório, respeitado ainda o duplo caráter punitivo e pedagógico da condenação. Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso de Apelação interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A para reformar a sentença de origem e julgar parcialmente procedente o feito, apenas para o fim de DECLARAR lícita a cobrança pela concessionária dos débitos caracterizados pelas faturas nos valores de R$1.179,63 (um mil, cento e setenta e nove reais, sessenta e três centavos) e R$498,60 (quatrocentos e noventa e oito reais, sessenta centavos) ambas com vencimento em 27/06/2023, mantendo a sentença nos demais termos. Ao caso não se aplica o disposto no artigo 85, § 11, do CPC, porque de acordo com o STJ, “não cabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios recursais de sucumbência no caso de parcial provimento ao recurso”. (AgInt no AREsp 1451789/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019). Ao arremate, visando evitar a oposição de embargos declaratórios e, desde logo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observado o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18.205/SP, Eminente Ministro Felix Fischer, DJ 08/05/2006, p. 240). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

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