Processo nº 0800424-38.2024.8.14.0087
ID: 261855226
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de Limoeiro do Ajurú
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0800424-38.2024.8.14.0087
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DE LIMOEIRO DO AJURU AUTOS: 0800424-38.2024.8.14.0087 ASSUNTO: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DE LIMOEIRO DO AJURU AUTOS: 0800424-38.2024.8.14.0087 ASSUNTO: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARÁ RÉU (S): MATEUS LEAO FERREIRA CPF: 053.233.152-45 SENTENÇA I. RELATÓRIO MATEUS LEÃO FERREIRA, já qualificado, foi denunciado como incurso na pena do art. 129, §13, do Código Penal Brasileiro c/c art. 7º, incisos I, da Lei Maria da Penha. Narra a peça acusatória que no dia 03/08/2024, por volta de 00h20min, na rua João Bamba, nesta comarca, o denunciado ofendeu a integridade física da sua companheira, a vítima E. S. D. J.. Conforme relatado nos autos, a guarnição da polícia recebeu uma ligação, via celular funcional, do nacional Alan Jhosheph Trindade Borges, informando que Liandra foi vítima de violência doméstica. Diante do ocorrido, os policiais realizaram diligências pela cidade e encontraram o agressor, que foi conduzido para a delegacia de polícia. A vítima, em sede policial, relatou que estava em sua residência com seu companheiro, que estava visivelmente bêbado, momento que tiveram um desentendimento em razão da vítima ter pedido para que ele executasse algumas tarefas domésticas. Nessa ocasião, o acusado ficou agressivo e passou a ofender a vítima com xingamentos obscenos, momento em que partiu para cima da vítima e lhe empurrou, tendo ainda desferido um soco na região do nariz da vítima, que começou a sangrar. Nesse contexto, a vítima se desesperou e ligou para seu primo Alan Jhoseph, e se trancou no quarto, com o intuito de se proteger contra as agressões do companheiro, que se evadiu do local. O acusado foi preso em flagrante e, em 03/08/2024, a prisão foi convertida em preventiva (ID 122201521). Por ocasião da audiência de custódia, em 05/08/2024, foi concedida ao acusado liberdade provisória com imposição de cautelares diversas da prisão (ID 122301491). A vítima interpôs recurso em sentido estrito em face da decisão que concedeu liberdade provisória ao acusado (ID 122525748), que foi autuado sob o nº 0814578-31.2024.8.14.0000, no segundo grau (ID 125104810). O recurso não foi provido, mantendo o Tribunal a decisão em sua íntegra (ID 136478181). Trânsito em julgado (ID 136479741). A denúncia foi recebida em 11/11/2024 (ID 130454074). Devidamente citado (ID 131385588), o acusado apresentou resposta à acusação (ID 132229338). Não sendo o caso de absolvição sumária, designou-se audiência de instrução e julgamento, ocorrida em 10/03/2025. Na ocasião, procedeu-se à oitiva das testemunhas, vítima e, após, passou-se ao interrogatório do réu (ID 138000434). O Ministério Público, em alegações finais orais, requereu a condenação do acusado nos termos da denúncia. A assistência de acusação manifestou-se pela ocorrência da revogação tácita das medidas protetivas em razão da aproximação entre vítima e agressor. No entanto, pugnou pela condenação do acusado, haja vista a comprovação da autoria e materialidade delitivas. A defesa, a seu turno, requereu benesses relativas à dosimetria da pena, especialmente no que tange à confissão, além da aplicação ao caso da norma penal mais benéfica vigente à época dos fatos. Certidão de antecedentes criminais juntada aos autos (ID 138468924). Vieram os autos conclusos. É o que importa relatar. Passo a fundamentar e a decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO Cuida-se de ação penal pública incondicionada intentada pela prática do crime de lesão corporal e violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 129, §13º, do Código Penal c/c art. 7º, II, da Lei nº 11.340/06). Inicialmente, registro que o fato criminoso ocorreu em 03/08/2024 e que, em 09/10/2024, entrou em vigor a Lei nº 14.994/2024, a qual, dentre outras alterações, aumentou a pena em abstrato para o delito previsto no art. 129, §13, do Código Penal, fixando-a entre 02 (dois) e 05 (cinco) anos de reclusão. Trata-se, portanto, de alteração mais gravosa. No entanto, considerando que a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu (CRFB, art. 5º, XL, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal), a tipificação deverá seguir a redação anterior, qual seja: Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: §13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Ao exame dos autos, verifico estarem presentes os pressupostos processuais e as condições da ação penal. Não foram arguidas questões preliminares ou prejudiciais, nem vislumbro qualquer nulidade que deva ser pronunciada de ofício. Deste modo, passo a análise do mérito no que se refere ao crime supracitado. II.I. Da autoria e materialidade delitivas A materialidade do crime imputado ao acusado está comprovada através de: i) boletim de ocorrência policial (ID 122202939, pág. 05); ii) depoimentos colhidos em sede inquisitorial (ID 122202939, págs. 06/09 e 11); iii) exame de corpo de delito, que atesta a agressão física perpetrada pelo acusado em desfavor da vítima (ID 122202939, pág. 13), bem como o depoimento da vítima e provas testemunhais produzidas ao longo da instrução. A autoria, por sua vez, é certa e recai sobre a pessoa do acusado e está comprovada pelas provas produzidas no inquérito policial e confirmadas durante a instrução processual. Senão, vejamos: A vítima E. S. D. J., inquirida, narrou que, no dia do crime, por volta de 1h, o acusado estava alterado, aparentemente bêbado. Relatou que saiu do quarto e, ao retornar do banheiro, encontrou o acusado na cozinha bagunçando. Ao questioná-lo sobre a desordem, ele partiu para cima dela, empurrando-a e dizendo para entrar no quarto. Em seguida, sentiu um soco no nariz, deu um passo para trás e caiu no chão. Correu para o quarto e ligou para sua mãe e, posteriormente, para seu primo Alan. Afirmou que o acusado tem problemas com bebida, mas não costumava ser agressivo. Relatou que a guarnição da polícia foi acionada. Informou que foi agredida apenas no nariz, resultando em sangramento intenso, mas sem hematomas. Acrescentou que, posteriormente aos fatos, entrou em contato com o acusado para entender o ocorrido, ocasião em que ele lhe pediu desculpas. Esclareceu que houve uma reaproximação física entre eles. A testemunha ALAN JHOSEPH NERY LIMA, inquirida, afirmou que, por volta de 00h20min, recebeu uma videochamada da vítima, que disse “Alan, me salva”. Relatou que chegou ao local rapidamente e encontrou a vítima toda ensanguentada, enquanto o acusado saía da residência. Declarou que a vítima apresentava uma lesão no nariz e lhe afirmou que o acusado a agrediu com um soco. Disse que acionou a polícia e acompanhou a prisão do acusado. Mencionou que essa não foi a primeira vez que a vítima lhe relatou agressões por parte do acusado, que, segundo ela, chegava em casa embriagado e a agredia. A testemunha GABRIEL CARDOSO DOS SANTOS, policial militar, inquirido, declarou que, ao chegar à residência, encontrou a vítima com o nariz sangrando. Relatou que efetuaram a prisão do acusado e o encaminharam à delegacia, destacando que ele aparentava estar embriagado no momento da abordagem. Informou que também conduziram a vítima ao hospital para atendimento. O acusado MATEUS LEÃO FERREIRA, interrogado, afirmou que estava bebendo e, ao chegar em casa, foi esquentar comida. Disse que a vítima saiu do banheiro e começou a reclamar sobre a bagunça, iniciando-se uma discussão verbal. Alegou que a vítima ficou irritada, ainda mais porque ele não a acompanhou ao aniversário do sobrinho. Declarou que a vítima foi para cima dele e, por estar embriagado, não mediu forças ao empurrá-la, momento em que ela bateu o nariz na parede. Afirmou que a vítima ligou para o primo. Negou ter fugido do local, esclarecendo que se dirigiu para a casa de um tio. Disse que se lembra apenas do empurrão, mas não do soco. Afirmou que, em dez anos de relacionamento, nunca havia ocorrido situação semelhante, tratando-se de um fato isolado. Relatou que, posteriormente, a vítima o procurou e reataram o relacionamento, porém sem residirem juntos, apenas se visitando. Por fim, afirmou estar arrependido do ocorrido. Das provas produzidas ao longo da instrução processual, constata-se que estão presentes os elementos que configuram o fato típico do crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica, porquanto, com animus laedendi, o acusado socou no nariz a companheira E. S. D. J., nos termos do exame de corpo de delito de ID 122202939, pág. 13, causando trauma na região nasal com edema e presença de sangramento. Demais disto, coaduna com o corpo de delito as declarações da vítima e das testemunhas, corroboradas em juízo. Denota-se, portanto, que as provas produzidas ao longo da instrução processual apresentam-se harmoniosas, de modo que, tanto a palavra da vítima, quanto as declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas nos autos, e a prova documental, convergem pela prática dos crimes imputados ao acusado. O acusado, a seu turno, confessou parcialmente a agressão física perpetrada em desfavor da vítima, afirmando que chegou a empurrá-la e que esta, em razão disso, esta se feriu no nariz ao bater na parede, em que pese tenha dito não se recordar de contra ela desferir um soco. Insta consignar que, no caso de crimes cometidos no âmbito da violência doméstico-familiar, a palavra da vítima ganha especial relevância, consoante entendimento já repisado pelo STJ e reproduzido pelos demais Tribunais pátrios. No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça, ao versar acerca do valor probatório da palavra da vítima, assinalou no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021 (disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf): Faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando de desequilíbrio processual. O peso probatório diferenciado se legitima pela vulnerabilidade e hipossuficiência da ofendida na relação jurídica processual, qualificando-se a atividade jurisdicional, desenvolvida nesses moldes, como imparcial e de acordo com o aspecto material do princípio da igualdade (art. 5º, inciso I, da Constituição Federal). Nesse sentido, os seguintes julgados: AÇÃO PENAL. DESEMBARGADOR. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. ART. 147 DO CÓDIGO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. NORTE INTERPRETATIVO. PRESUMIDA A VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. BUSCA DA IGUALDADE MATERIAL DE GÊNEROS. ADOÇÃO DO PROTOCOLO DE JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. FATOS ANTERIORES ÀS LEIS N. 14.132/2021 E 14.188/2021. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROVAS SUFICIENTES DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE EM RELAÇÃO A UM DOS FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA. CONDENAÇÃO. {...}. PRECEDENTES DO STJ. 1. {...} 2. O delito imputado ao réu deve ser analisado tendo como norte interpretativo a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), pois trata-se de marco normativo de proteção à mulher em circunstância de violência doméstica e familiar. 3. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firmada no sentido de ser presumida a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em situação de violência doméstica familiar, pois busca a concretização da igualdade material de gêneros. Precedentes: AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022. AgRg no REsp n. 1.861.995/GO, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 30/6/2020, DJe de 7/8/2020, . AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe de 5/8/2019. 4. Adoção do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ n. 492/2023), relevância da palavra da vítima no contexto de violência familiar contra a mulher, crimes praticados às escondidas dentro do ambiente doméstico, longe dos olhares públicos. Precedentes: AgRg no AREsp n. 2.285.584/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 18/8/2023, AgRg no REsp n. 2.062.933/PR, relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023, HC 615.661/MS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe 30/11/2020, AgRg no AREsp n. 1.945.220/DF, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022, AgRg no HC n. 834.729/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023, AgRg no AREsp n. 2.262.678/DF, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023. 5. Fatos descritos na inicial acusatória ocorridos antes das Leis n. 14.132/2021 e 14.188/2021, que introduziram os artigos 147-A e 147-B ao Código Penal, incidência do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal. 6. A prova oral produzida sob o manto do contraditório e da ampla defesa, conjugada com a análise das gravações feitas pela vítima juntadas aos autos, comprovam a materialidade e a autoria delitivas de uma das condutas descritas na inicial acusatória. 7. Em relação aos demais fatos, a denúncia não traz a descrição precisa das datas da consumação, considerando-se, assim, a data mais benéfica ao réu para fins de contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva estatal. Precedentes: EDcl no AgRg no AREsp n. 1.378.944/RJ, relator Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 3/2/2020, EDcl no AgRg no AREsp n. 915.174/RN, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 16/8/2018, RHC n. 65.785/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 27/04/2018, HC 52.329/RS, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 15/12/2000. Incidência da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos dos artigos 107, inciso IV, e 109, inciso VI, ambos do Código Penal, fatos praticados, em tese, até 20/04/2019 (marco temporal mais benéfico). 8{...}. 9. Não se pode aceitar a responsabilização da vítima pela prática do crime, sob pena de se reforçar os estereótipos de gênero. Afasta-se a tese defensiva de que a vítima teria interesse patrimonial e de que buscava vantagem econômica. 10. {...} 15. Ação penal julgada parcialmente procedente. (APn n. 943/DF, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Corte Especial, julgado em 10/6/2024, DJe de 26/6/2024.). PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 21 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS. CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR DIFERENCIADO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO PACIENTE A DEMANDAR REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. QUANTUM DE AUMENTO APLICADO NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I – {...} III - Nos delitos perpetrados contra a mulher, em contexto de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação da condição feminina, a palavra da vítima recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por outros elementos probatórios. Isso porque em tais casos os delitos são praticados à clandestinidade, sem a presença de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais. Precedente. IV - In casu, a Corte local asseverou que os "dizeres [da vítima] não apresentam distorção de conteúdo capaz de maculá-los. Ao contrário, foram reproduzidos de forma harmônica, de modo a representar componentes significativos no contexto processual". Além disso, o Tribunal de origem assegurou que "o conjunto probatório não deixa incertezas acerca das condutas perpetradas pelo réu". Desta feita, o acolhimento da pretensão defensiva, segundo as alegações vertidas na exordial, demanda reexame de provas, medida interditada na via estreita do habeas corpus. V - Pleito de de aplicação da fração de 1/6 (um sexto) na segunda fase da dosimetria da pena. Tese não enfrentada pela Corte de origem. Nesse compasso, considerando que a Corte de origem não se pronunciou sobre o referido tema exposto na presente impetração, este Tribunal Superior fica impedido de se debruçar sobre a matéria, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 842.971/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.) Da palavra da vítima, em harmonia com as demais provas produzidas nos autos, notadamente o exame de corpo de delito, restou efetivamente comprovada a ofensa a sua integridade física, em contexto de violência doméstica, restando evidenciado todos os elementos da figura típica descrita na inicial acusatória, qual seja, o crime descrito no art. 129, §13º do CP. Vejamos a redação legal: Art. 129 {...} § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa: Art. 121 {...] § 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Desse modo, o § 13 do art. 129 do CP, inserido pela Lei nº 14.188/2021, volta-se a punição de lesões corporais em contexto de violência doméstica. Em interpretação sistemática, deve-se buscar a definição de “violência doméstica e familiar” no art. 5º da Lei n.° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assim a conceitua: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015) I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. No mesmo liame, a Lei 11.340/06, em seu art. 7º estabelece formas de violência doméstica, entre as quais, a violência física: Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. No caso em comento, resta comprovado que a agressão física decorreu de conflito doméstico, após a vítima reclamar com o acusado acerca da bagunça causada, em nítido contexto de relação afetiva, evidenciando-se a motivação de gênero, portanto, a adequação da descrição típica, que reflete os fatos delitivos apurados nos autos. Nesse sentido, os seguintes julgados: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DOMÉSTICO - ABSOLVIÇÃO - FRAGILIDADE PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - ESPECIAL RELEVÂNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA VIAS DE FATO - IMPOSSIBILIDADE - LESÕES CONSTATADAS - DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SIMPLES - IMPOSSIBILIDADE - CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONSTATADO. - Incabível a absolvição quando fartamente comprovadas a autoria e materialidade delitiva, tanto pelas provas orais colhidas, quanto pelo contexto probatório que as corrobora - A palavra da vítima possui especial relevância probatória nos crimes praticados no contexto de violência doméstica, sobretudo quando corroborada pelos demais elementos colhidos durante a fase policial e judicial - Comprovada ofensa à integridade física da vítima, incabível a desclassificação da lesão corporal para a contravenção penal prevista no art. 21 da LCP - Aplica-se a Lei Maria da Penha ao caso em concreto, uma vez que constatada a ocorrência das vias de fato em "relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida" (art. 5º, inciso III da Lei 11.340/2006). (TJ-MG - Apelação Criminal: 0066615-29.2015.8.13.0512, Relator: Des.(a) Maria das Graças Rocha Santos, Data de Julgamento: 24/01/2024, 9ª Câmara Criminal Especializa, Data de Publicação: 24/01/2024). APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL. DESCLASSIFICAÇÃO. VIAS DE FATO. INVIABILIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. A contravenção de vias de fato é subsidiária ao crime de lesão corporal, posto que se caracteriza quando da agressão não resulta lesão. Sendo as lesões comprovadas por laudo de exame de corpo de delito, não se desclassifica para a contravenção de vias de fato. Recurso não provido. (TJ-DF 07626904320198070016 DF 0762690-43.2019.8.07.0016, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 24/02/2022, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe : 11/03/2022 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Evidenciando-se a responsabilidade penal, deve-se considerar que incide no caso concreto o a agravante prevista no art. 61, II, alínea “f”, do CP, pois resta inconteste nos autos que: a) o crime foi perpetrado prevalecendo-se das relações domésticas e de coabitação, quadro que não se consolida em bis in idem, com a imputação típica descrita nos autos, nos termos firmados pelo STJ no Tema Repetitivo 1.197 “A aplicação da agravante do art. 61, inc. II, alínea 'f', do Código Penal (CP), em conjunto com as disposições da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), não configura 'bis in idem'” (REsp 2026129 / MS, julgado em 12/06/2024). Por fim, é assente ao Juízo fazer um cotejo fático probatório a fim de analisar a existência de provas suficientes a embasar o decreto condenatório, ou ensejar a absolvição, sendo certo que este Juízo apreciou detalhadamente as provas produzidas nos autos, concluindo estarem presentes elementos suficientes para embasar o édito condenatório. III. DISPOSITIVO Diante do exposto, e por tudo que consta dos autos, com base no art. 387 do CPP, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na DENÚNCIA para CONDENAR o acusado MATEUS LEÃO FERREIRA, já qualificado nos autos, nas sanções punitivas do art. 129, §13º, do Código Penal c/c art. 61, II, alínea “f” do CP c/c art. 7º, II, da Lei nº 11.340/06. IV. DOSIMETRIA DA PENA Nos termos do art. 59 e 68 do Código Penal, passo a dosar a pena do condenado. Culpabilidade: é negativa, pois o crime foi cometido sob a influência de bebida alcoólica, elevando sobremaneira o perigo da conduta, o que ultrapassa a moldura normativa e autoriza a exasperação da pena. Antecedentes: não registra antecedentes criminais. Conduta social: poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social, razão pela qual deixo de valorá-la. Personalidade do agente: poucos elementos foram coletados a respeito da personalidade do agente, razão pela qual deixo de valorá-la. Motivo do crime: normal à espécie. Circunstâncias: normal à espécie. Consequências: normal à espécie. Comportamento da vítima: em nada influenciou na prática do delito. À vista da análise feita individualmente, considerando a existência de circunstância judicial negativa, fixo a pena base em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase da dosimetria da pena, incide a circunstância agravante prevista no art. 61, II, “f”, do CP, pois o crime foi perpetrado em condição de coabitação e relações domésticas. Também presente a circunstância atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, “d”, do CP. Assim, em face da compensação admitida pela jurisprudência do STJ (AgRg no HC: 638926 SP 2021/0003743-0) fixo a pena intermediária em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão. Na terceira fase, não há causas de aumento ou de diminuição de pena a serem consideradas. Dessa forma, fixo a pena definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão. DETERMINAÇÃO DO REGIME PRISIONAL INICIAL O acusado foi condenado a pena privativa de liberdade inferior a 04 (quatro) anos e não é reincidente, pois ausentes condenações transitadas em julgado que possam ser consideradas para tais fins, observo que houve apenas 1 valorativa de circunstância judicial, assim, em atenção ao art. 33, §2º, “c”, e §3º, do CP, deve o réu começar a cumprir a pena no REGIME ABERTO. DETRAÇÃO Por força do artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, não verifico alteração no regime inicial de cumprimento de pena a ser fixado. DA SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS E DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA Incabível a substituição da pena, em razão de se tratar de infrações penais que trazem como elementos da conduta ameaça e violência contra a pessoa, o que é vedado pelo artigo 44, inciso I, do Código Penal. Contudo, o réu faz jus à suspensão condicional da pena, uma vez que a pena total não supera o máximo de 02 (dois) anos, a teor do que expressa o art. 77, caput, CPB. Por ser primário, entendo que o réu merece uma nova chance e, assim, nos termos do art. 77 do CP, concedo-lhe o benefício da Suspensão Condicional da Pena pelo período de 02 (dois) anos, a contar da audiência admonitória, desde que o réu compareça e nela declare aceitar e cumprir as seguintes condições: 1 - Não portar instrumento ofensivo; 2 - Recolher-se à sua habitação até, no máximo, às 22:00 horas, salvo se estudar ou trabalhar nesse horário, devendo, nesta hipótese, comprovar estas circunstâncias; 3 - Não mudar de residência sem antes avisar ao Juízo; 4 - Não ingerir bebidas alcoólicas em público; 5 - Não se ausentar desta comarca por mais de 15 (quinze) dias sem comunicar a este Juízo; 6 - Não frequentar bares, boates ou estabelecimentos congêneres; 7 - Comparecer, pessoal e bimestralmente, na data designada pelo Juízo, para informar e justificar as suas ocupações. No caso de não aceitação das condições impostas, o réu irá cumprir a pena privativa de liberdade imposta, no local e no regime acima fixados. DA FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO DE INDENIZAÇÃO (ART. 387, IV DO CPP) Deixo de fixar um valor mínimo de reparação dos possíveis danos causados pela infração (CPP, art. 387, IV), na medida em que não houve pedido formulado nesse sentido, sendo defeso ao julgador determinar de ofício qualquer cifra, sob pena de violação dos princípios da inércia de jurisdição e da congruência entre a sentença e a demanda (regra da adstrição da sentença). DA DESNECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA O réu está atualmente em liberdade, não havendo nenhuma informação nos presentes autos de fatos novos que restem configurados os requisitos da decretação da prisão preventiva, além de ter sido fixado regime inicial semiaberto para cumprimento de pena, pelo que entendo desnecessária à decretação da prisão preventiva do condenado. DA REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS EM FAVOR DA VÍTIMA Observo que, nos presentes autos, foram impostas medidas protetivas em favor da vítima por ocasião da concessão de liberdade provisória ao acusado (ID 122301491). Ademais, medidas da mesma natureza, relativas ao mesmo fato, foram deferidas nos autos nº 0800425-23.2024.8.14.0087. Não obstante, durante a instrução processual, a vítima afirmou ter se reaproximado do acusado e retomado o relacionamento, fato corroborado pelo próprio réu. Assim, considerando que essa reaproximação contraria a finalidade das medidas protetivas, julgo pertinente revogá-las. Posto isso, REVOGO as medidas protetivas deferidas no presente processo e nos autos nº 0800425-23.2024.8.14.0087, determinando-se a juntada de cópia desta decisão àqueles autos e o respectivo cadastro no BNMP. DISPOSIÇÕES FINAIS 1. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais; 2. Havendo interposição de recurso, certifique-se a respeito da tempestividade da interposição; 3. Após o trânsito em julgado: 3.1. Lance-se o nome do réu no rol dos culpados; 3.2. Expeça-se guia de execução definitiva e proceda-se à migração para o SEEU, após o que será pautada audiência admonitória para o estabelecimento das condições da pena restritiva de direitos; 3.2. Ficam suspensos os direitos políticos do apenado enquanto durarem todos os efeitos desta sentença, como disposto no art. 15, inciso III, da Constituição Federal, devendo ser comunicada esta sentença ao Tribunal Regional Eleitoral. 3.3. Comunique-se à Justiça Eleitoral e ao Instituto de Identificação de Belém/PA (CF/1988, art. 15, III e CPP, art. 809, § 3º); 3.4. Dê-se baixa e arquive-se via PJE. 4. Intime-se, pessoalmente, o representante do Ministério Público (art. 370, §4º, do Código de Processo Penal), o réu (artigo 360 c/c 370, ambos do Código de Processo Penal) e a defesa nomeada (CPP, art. 370, § 4º). 5. Intime-se a vítima, consoante art. 201, §2º, do CPP. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Limoeiro do Ajuru, data registrada no sistema. LUANA ASSUNÇÃO PINHEIRO Juíza de Direito Titular da Vara Única da Comarca de Limoeiro do Ajuru SE NECESSÁRIO SERVIRÁ CÓPIA DESTA DECISÃO COMO MANDADO conforme autorizado pelo PROVIMENTO CJ/CI 003/2009, devendo o Sr. Diretor Observar o disposto em seus artigos 3º e 4º.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear