Processo nº 0800402-80.2021.8.14.0023
ID: 331368574
Tribunal: TJPA
Órgão: 2ª Turma de Direito Público - Desembargador LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0800402-80.2021.8.14.0023
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLAUDIO RONALDO BARROS BORDALO
OAB/PA XXXXXX
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PROCESSO Nº 0800402-80.2021.8.14.0023 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª Turma de Direito Público RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE IRITUIA JUÍZO VARA ÚNICA DA COMARCA DE IRITUIA APELANTE: MUNICÍPIO DE IRITUIA – AD…
PROCESSO Nº 0800402-80.2021.8.14.0023 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª Turma de Direito Público RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE IRITUIA JUÍZO VARA ÚNICA DA COMARCA DE IRITUIA APELANTE: MUNICÍPIO DE IRITUIA – ADVG: CEZAR AUGUSTO REZENDE RODRIGUES - OAB PA18060-A APELADA: CARMELINA DE NAZARE MONTEIRO DA COSTA – ADVG.: CLAUDIO RONALDO BARROS BORDALO - OAB PA8601-A PROCURADOR DE JUSTIÇA: JOÃO GUALBERTO DOS SANTOS SILVA RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITA MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES AO SIOPE. NECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO. INAPLICABILIDADE DO DOLO GENÉRICO. RETROATIVIDADE DA LEI 14.230/2021. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Município de Irituia/PA, que imputava à ex-prefeita Carmelina de Nazaré Monteiro da Costa a prática de ato de improbidade por deixar de repassar informações ao SIOPE no exercício de 2020, conduta tipificada no art. 11, II, da Lei nº 8.429/92, com fundamento na violação de princípios administrativos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a omissão em repassar informações ao SIOPE configura ato de improbidade administrativa na ausência de demonstração de dolo específico; (ii) saber se a Lei nº 14.230/2021 pode ser aplicada retroativamente ao caso concreto, para afastar a responsabilização fundada em dolo genérico. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1199 da repercussão geral, fixou a necessidade de comprovação de dolo específico para a caracterização de atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, com aplicação retroativa aos processos sem coisa julgada. 4. A omissão atribuída à ex-prefeita, consistente na não alimentação do sistema SIOPE, não foi acompanhada de prova de intenção deliberada de ocultar irregularidades ou prejudicar o controle da Administração. 5. A Lei nº 14.230/2021, ao revogar a modalidade culposa e exigir dolo específico, impede a responsabilização por improbidade quando ausente tal elemento subjetivo, ainda que se reconheça a ocorrência de descumprimento formal. 6. A sentença de improcedência está em conformidade com a jurisprudência vinculante do STF e deve ser integralmente mantida. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Apelação cível conhecida e desprovida. Tese de julgamento: 1. A LEI Nº 14.230/2021 APLICA-SE RETROATIVAMENTE ÀS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM CURSO, DESDE QUE INEXISTENTE COISA JULGADA. 2. PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTO NO ART. 11 DA LIA, É INDISPENSÁVEL A DEMONSTRAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO. 3. A MERA OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES AO SIOPE, SEM PROVA DE INTENÇÃO DELIBERADA DE OCULTAÇÃO OU PREJUÍZO, NÃO CONFIGURA ATO ÍMPROBO. itálico Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; art. 37, § 4º; Lei nº 8.429/1992, art. 11, II; Lei nº 14.230/2021. itálico Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989 (Tema 1199), rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 18/08/2022; STJ, REsp 2.107.601/MG, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 23/04/2024. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE IRITUIA contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação de CARMELINA DE NAZARE MONTEIRO DA COSTA, ex-prefeita municipal, nas sanções cominadas ao ato de improbidade administrativa que ofende os princípios administrativos, tipificado no art. 11, inciso II da Lei nº. 8.429/92 (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício), pois teria deixado de repassar informações ao SIOPE (SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE ORÇAMENTOS PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO), relativamente ao exercício financeiro de 2020, in verbis (ID. 14966934): SENTENÇA O MUNICÍPIO DE IRITUIA - PA, ajuizou a presente Ação de Improbidade Administrativa, contra CARMELINA DE NAZARÉ MONTEIRO DA COSTA , aduzindo que a ex-prefeita não procedeu ao devido bimestral REPASSE DE INFORMAÇÕES ao Sistema do governo Federal SIOPE-– SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE ORÇAMENTOS PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO, programa eletrônico de processamento e acesso público às informações referentes aos orçamentos de educação dos entes da Federação. Despacho determinando a citação do réu em id.50727732. Certidão do OJA de fls. 61793115 onde o réu foi devidamente citado para apresentar resposta contestação. Em Contestação, o réu alegou, em preliminar a incompetência do juízo em razão de haver interesse da união na causa e alegou que o ato não teve dolo específico, como requer a nova lei de improbidade. Instigados a apresentarem provas, as partes quedaram inertes. O Ministério público requer julgamento antecipado do mérito. Após os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. Fundamento e Decido. Da Preliminar de Incompetência. A preliminar alegada não deve prosperar, conforme entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça que mitigou a compreensão das súmulas 208 e 209. Nesse sentido. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA POR ENTE MUNICIPAL EM RAZÃO DE IRREGULARIDADES EM PRESTAÇÃO DE CONTAS DE VERBAS FEDERAIS. MITIGAÇÃO DAS SÚMULAS 208/STJ E 209/STJ. COMPETÊNCIA CÍVEL DA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, I, DA CF) ABSOLUTA EM RAZÃO DA PESSOA. AUSÊNCIA DE ENTE FEDERAL EM QUALQUER DOS POLOS DA RELAÇÃO PROCESSUAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. No caso dos autos, o Município de Água Doce do Maranhão/MA ajuizou ação de improbidade administrativa contra José Eliomar da Costa Dias, em razão de irregularidades na prestação de contas de verbas federais decorrentes de convênio firmado com o PRONAT. 2. A competência para processar e julgar ações de ressarcimento ao erário e de improbidade administrativa, relacionadas à eventuais irregularidades na utilização ou prestação de contas de repasses de verbas federais aos demais entes federativos, estava sendo dirimida por esta Corte Superior sob o enfoque das Súmulas 208/STJ ("Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal") e 209/STJ ("Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal"). 3. O art. 109, I, da Constituição Federal prevê, de maneira geral, a competência cível da Justiça Federal, delimitada objetivamente em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. Estabelece, portanto, competência absoluta em razão da pessoa (ratione personae), configurada pela presença dos entes elencados no dispositivo constitucional na relação processual, independentemente da natureza da relação jurídica litigiosa. 4. Por outro lado, o art. 109, VI, da Constituição Federal dispõe sobre a competência penal da Justiça Federal, especificamente para os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim, para reconhecer a competência, em regra, bastaria o simples interesse da União, inexistindo a necessidade da efetiva presença em qualquer dos polos da demanda. 5. Nesse contexto, a aplicação dos referidos enunciados sumulares, em processos de natureza cível, tem sido mitigada no âmbito deste Tribunal Superior. A Segunda Turma afirmou a necessidade de uma distinção (distinguishing) na aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, no âmbito cível, pois tais enunciados provêm da Terceira Seção deste Superior Tribunal, e versam hipóteses de fixação da competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal, nos termos do inciso IV do art. 109 da CF. Logo adiante concluiu que a competência da Justiça Federal, em matéria cível, é aquela prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, que tem por base critério objetivo, sendo fixada tão só em razão dos figurantes da relação processual, prescindindo da análise da matéria discutida na lide (excertos da ementa do REsp 1.325.491/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 25/06/2014). 6. Assim, nas ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa ajuizadas em face de eventuais irregularidades praticadas na utilização ou prestação de contas de valores decorrentes de convênio federal, o simples fato das verbas estarem sujeitas à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal. 7. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o fato dos valores envolvidos transferidos pela União para os demais entes federativos estarem eventualmente sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União não é capaz de alterar a competência, pois a competência cível da Justiça Federal exige o efetivo cumprimento da regra prevista no art. 109, I, da Constituição Federal. 8. Igualmente, a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito civil, não pode impor de maneira absoluta a competência da Justiça Estadual. Se houver manifestação de interesse jurídico por ente federal que justifique a presença no processo, (v.g. União ou Ministério Público Federal) regularmente reconhecido pelo Juízo Federal nos termos da Súmula 150/STJ, a competência para processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa será da Justiça Federal. 9. Em síntese, é possível afirmar que a competência cível da Justiça Federal, especialmente nos casos similares à hipótese dos autos, é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual, seja como autora, ré, assistente ou oponente e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Corte de Contas da União. Precedentes: AgInt no CC 167.313/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 16/03/2020; AgInt no CC 157.365/PI, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2020, DJe 21/02/2020; AgInt nos EDcl no CC 163.382/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 07/05/2020; AgRg no CC 133.619/PA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 16/05/2018. 10. No caso dos autos, não figura em nenhum dos pólos da relação processual ente federal indicado no art. 109, I, da Constituição Federal, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a referida ação. Ademais, não existe nenhuma manifestação de interesse em integrar o processo por parte de ente federal e o Juízo Federal consignou que o interesse que prevalece restringe-se à órbita do Município autor, o que atrai a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda. 11. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no CC: 174764 MA 2020/0234871-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 09/02/2022, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/02/2022) O caso em tela, comporta julgamento em conformidade com o entendimento de julgado de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral (ARE 843.989), em que se tratava da (im)possibilidade de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, que promoveu alterações substanciais na Lei nº 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa. Em linhas gerais, a questão posta era se os agentes acusados e/ou condenados pela prática de atos ímprobos anteriores à promulgação da Lei nº 14.230/2021 poderiam ser beneficiados pelo novo regime legal, especialmente pelas disposições sobre a necessidade do elemento subjetivo – dolo – para configuração de todas as espécies de improbidade administrativa, inclusive aquela descrita no artigo 10 da Lei; e os novos prazos de prescrição geral e intercorrente. Por maioria, o STF adotou uma postura intermediária, estabelecendo limites à retroatividade da Nova Lei de Improbidade. Nessa linha, fixou-se a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Considerando que a instrução processual não foi capaz de comprovar indubitavelmente a ocorrência de dolo específico, pois, em casos de improbidade, conforme os mais recentes julgados do Supremo Tribunal Federal e a alteração promovida pela lei nº 14.230/2021, não é cabível sequer a aplicação de dolo genérico. O que restou comprovado foi uma conduta de natureza culposa, fato que impossibilita a condenação por ato de improbidade no atual ordenamento jurídico pátrio. Portando, diante do exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC, julgo improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, com resolução de mérito. Sem em custas processuais e honorários advocatícios. Dê-se ciência ao autor e réu. Após, o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive. Irituia, Pará, 1 de março de 2023 ERICHSON ALVES PINTO Juiz de Direito Em suas razões recursais, o Município apelante sustenta, em síntese (ID 120404160): a) Que a ex-prefeita deixou de prestar contas do convênio nº 012/2008, mesmo após ter sido reiteradamente notificada; b) Que a conduta da requerida atenta contra os princípios da administração pública, sobretudo os da legalidade e moralidade; c) Que, mesmo diante da ciência inequívoca da obrigação, a gestora permaneceu inerte, o que caracterizaria, por si só, o dolo necessário à configuração da improbidade administrativa; d) Ao final, requer a reforma da sentença para que seja julgada procedente a demanda, reconhecendo-se a prática de ato de improbidade e aplicando-se as penalidades legais cabíveis. A recorrida ofereceu contrarrazões em Id. 14966945. Processo distribuído a minha relatoria e recebido nos efeitos legais (ID. 16347256). A Procuradoria de Justiça Cível se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso, considerando, principalmente, que não foi demonstrado o dolo específico na conduta imputada na inicial. Sabido que a Lei nº. 14.230/2021 retroage nesse caso, é indispensável a demonstração do dolo específico. É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso. A controvérsia cinge-se à possibilidade de responsabilização de agente público por ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, com base em fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, e à verificação da existência de dolo nas condutas atribuídas à requerida, ex-Prefeito Municipal. Compulsando os autos, entendo que o apelo comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 133, XI, “b” e “d”, do RITJPA, e art. 932, IV, “b”, do CPC/15, por se encontrarem as razões recursais em confronto com julgado de efeitos vinculantes, proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no tema 1199, da Repercussão Geral, conforme passo a demonstrar. Dispensadas maiores digressões, observo que a sentença apelada foi escorreita ao afastar qualquer condenação pautada no dolo genérico, que se mostrava suficiente sob o regramento anterior à Lei nº. 14.230/2021. Com a Reforma provida pela Lei de 2021, exsurge a necessidade de se comprovar o dolo específico para a caracterização da conduta descrita no art. 11, inciso VI da LIA. Ao julgar o Tema 1199 da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal delimitou que a Lei nº. 14.230/2021, relativamente à exigência de dolo específico para a caracterização de todas as condutas da lei de combate à improbidade administrativa, retroage para alcançar os atos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. Por oportuno, colaciono a ementa do ARE 843989, caso representativo da controvérsia: Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. [...] "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022). Em conformidade com a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, que deve ser seguida por esta Corte Estadual, em observância à hierarquia das decisões judiciais e aos princípios da uniformidade, da estabilidade e coerência, consagrados pelo Código de Processo Civil de 2015, bem como o disposto no art. 927, inciso III do diploma processual civil, é evidente que a nova exegese deve ser aplicada ao caso em questão, de modo a incidir o novo regramento quanto à necessidade de ser demonstrado o dolo específico na atuação do agente público, para ser configurada a conduta ímproba. Acompanhando a tese já firmada pela Suprema Corte, o Superior Tribunal de Justiça assentou sua jurisprudência, nestes termos: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.230/2021. RESPONSABILIZAÇÃO POR DOLO GENÉRICO. REVOGAÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA. 1. A questão jurídica referente à aplicação da Lei n. 14.230/2021 - em especial, no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente - teve a repercussão geral julgada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 1.199 do STF). 2. A despeito de ser reconhecida a irretroatividade da norma mais benéfica advinda da Lei n. 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, o STF autorizou a aplicação da lei nova, quanto a tal aspecto, aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada. 3. A Primeira Turma desta Corte Superior, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, em 9/5/2023, firmou a orientação de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da LIA (com a redação da Lei n. 14.230/2021), adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199 do STF. 4. Acontece que o STF, posteriormente, ampliou a abrangência do Tema 1.199/STF, a exemplo do que ocorreu no ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, admitindo que a norma mais benéfica prevista na Lei n. 14.230/2021, decorrente da revogação (naquele caso, tratava-se de discussão sobre o art. 11 da LIA), poderia ser aplicada aos processos em curso. 5. Tal como aconteceu com a modalidade culposa e com os incisos I e II do art. 11 da LIA (questões diretamente examinadas pelo STF), a conduta ímproba escorada em dolo genérico (tema ainda não examinado pelo Supremo) também foi revogada pela Lei n. 14.230/2021, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento. 6. Hipótese em que há outros pontos relevantes do processo em exame: i) não se está a rever matéria fática para concluir pela existência ou não do dolo específico; ii) na espécie, o Tribunal de origem categoricamente entendeu não existir tal modalidade (dolo específico) de elemento subjetivo e, por isso, concluiu estar ausente o ato ímprobo; iii): não se está diante de hipótese em que houve condenação por dolo sem se especificar qual tipo (se genérico ou específico), mas sim diante da afirmação expressa da instância ordinária de que não houve dolo específico, não podendo haver condenação. 7. Recurso especial não provido. (REsp n. 2.107.601/MG, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 2/5/2024.) Na mesma linha, este Tribunal de Justiça tem ancorado seu entendimento: Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESTAÇÃO DE CONTAS. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI Nº 14.230/2021. NECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME1. Agravo interno interposto pelo Município de Gurupá contra decisão monocrática que negou provimento à apelação cível, mantendo o entendimento de que não foi demonstrado proveito obtido pelos requeridos na ausência de prestação de contas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) referente ao Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE-ESTRUTURA) do exercício de 2015, no valor de R$ 25.000,00, em ação de improbidade administrativa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, pode ser aplicada retroativamente; e (ii) estabelecer se a ausência de prestação de contas, sem comprovação de dolo específico, configura ato de improbidade administrativa. III. RAZÕES DE DECIDIR3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199, consolidou o entendimento de que as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 são aplicáveis retroativamente aos atos de improbidade administrativa ainda em curso, desde que não acobertados pela coisa julgada.4. A nova redação do art. 11, inciso VI, da Lei nº 8.429/1992 exige dolo específico na omissão de prestação de contas, ou seja, que a conduta tenha sido praticada com o intuito de ocultar irregularidades.5. Não há nos autos prova da má-fé dos requeridos ou da intenção deliberada de ocultar ilicitudes, sendo insuficiente a mera ausência de prestação de contas para caracterizar improbidade administrativa.6. A aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 deve ser adotada, pois o direito administrativo sancionador se rege pelo princípio da retroatividade da norma mais benéfica. IV. DISPOSITIVO E TESE7. Recurso desprovido. Tese de julgamento:1. A Lei nº 14.230/2021 aplica-se retroativamente às ações de improbidade administrativa em curso, desde que não atingidas pela coisa julgada.2. Para a configuração do ato de improbidade administrativa por ausência de prestação de contas, é necessária a comprovação de dolo específico, ou seja, a intenção de ocultar irregularidades.3. A simples omissão na prestação de contas, sem prova de má-fé ou dano ao erário, não caracteriza improbidade administrativa. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; Lei nº 8.429/1992, arts. 1º, § 4º, e 11, VI; Lei nº 14.230/2021..Jurisprudência relevante citada: STF, ARE nº 843.989 (Tema 1.199); STJ, REsp nº 1.370.992/MT, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 23/08/2016. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0004463-31.2018.8.14.0020 – Relator(a): MAIRTON MARQUES CARNEIRO – 2ª Turma de Direito Público – Julgado em 10/03/2025) Orientado pela interpretação conferida pelos Tribunais Superiores e pela iterativa jurisprudência desta Corte Estadual, reafirmo a exigência de dolo específico para a caracterização do ato de improbidade administrativa consistente na omissão de prestação de contas, pelo gestor público municipal (art. 11, inciso VI da LIA). Como na hipótese dos autos, a municipalidade não demonstrou que, efetivamente, a então Prefeita do Município de Irituia/PA deixou de justificar os gastos públicos referentes ao exercício financeiro de 2020, com a finalidade de ocultar ilegalidades durante a sua gestão, não há como presumir que tal conduta se encontrava revestida de intenção deliberada em prejudicar os cofres públicos. Não comprovado o dolo específico que a Lei nº. 14.230/2021 passou a exigir, com efeitos retroativos ao caso sem condenação com trânsito em julgado, a medida que se impõe é a manutenção da sentença recorrida, in totum. Diante da fundamentação exposta e da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo do Tema 1199 da Repercussão Geral e, em consonância, ainda, com o artigo 133, XI, “b” e “d”, do RITJPA, e art. 932, IV, “b”, do CPC/15, por se encontrarem as razões recursais em confronto com julgado de efeitos vinculantes, CONHEÇO do recurso de apelação e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, a fim de manter, na íntegra, a sentença de ID. 14966934, que julgou improcedente o pedido de condenação da requerida CARMELINA DE NAZARE MONTEIRO DA COSTA. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado, devolvam-se os autos ao juízo a quo e dê-se a baixa no sistema. Belém, data de registro no sistema. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
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