A Coletividade O Estado e outros x Benedito Vaz Barros e outros
ID: 280627352
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de Cachoeira do Arari
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0001605-54.2018.8.14.0011
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Advogados:
FELIPE JALES RODRIGUES
OAB/PA XXXXXX
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BARBARA LARISSA ROSTAND ROLIN
OAB/PA XXXXXX
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ANGELO PEDRO NUNES DE MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ COMARCA DE CACHOEIRA DO ARARI E TERMO JUDICIÁRIO DE SANTA CRUZ DO ARARI PROCESSO nº0001605-54.2018.8.14.0011 CLASSE:AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO OR…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ COMARCA DE CACHOEIRA DO ARARI E TERMO JUDICIÁRIO DE SANTA CRUZ DO ARARI PROCESSO nº0001605-54.2018.8.14.0011 CLASSE:AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Sentença Vistos etc., Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público do Estado do Pará inicialmente em desfavor de SOCORRO DE FÁTIMA FIGUEIREDO ATHAR, por suposta prática dos crimes previstos nos art. 90 e art. 89 da Lei n. 8.666/1993 c/c art. 168-A e art. 312, ambos do Código Penal. Em aditamento da denúncia, o Ministério Público promoveu a ação penal também em desfavor de BENEDITO VAZ BARROS, por suposta prática do crime previsto no art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993, e em desfavor de JOSE NAZARENO SARAIVA SOUZA, por suposta prática do crime previsto art. 90 da Lei n. 8.666/1993 (id 67048962 - Pág. 2). Aditamento da denúncia recebido em 27/02/2019 (id 67049466 - Pág. 1) Citada (id 67049487 - Pág. 2), a acusada SOCORRO DE FÁTIMA FIGUEIREDO ATHAR apresentou resposta à acusação em id 67049516 - Pág. 2. Citado (id 67049488 - Pág. 1), o acusado JOSE NAZARENO SARAIVA SOUZA apresentou resposta à acusação em id 67049569 - Pág. 3. Citado (id 67049488 - Pág. 3), o acusado BENEDITO VAZ BARROS apresentou resposta à acusação em id 67049518 - Pág. 1. Em audiência de instrução realizada em 21/05/2019, foram ouvidas as testemunhas MARIA DO SOCORRO PESSOA DA SILVA e BRUNO DE MEIRA LEITE (id 67049584 - Pág. 1). Em audiência de instrução realizada em 17/11/2022, procedeu-se à qualificação e interrogatório dos acusados JOSE NAZARENO SARAIVA SOUZA e BENEDITO VAZ BARROS (id 82267342). Certidão de Óbito da acusada SOCORRO DE FÁTIMA FIGUEIREDO ATHAR em id 85367661. Sentença de declaração de extinção da punibilidade da acusada SOCORRO DE FÁTIMA FIGUEIREDO ATHAR relativamente à imputação dos crimes previstos nos art. 90 e art. 89 da Lei n. 8.666/1993 c/c art. 168-A e art. 312, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 107, inciso I, do Código Penal (id 89865309). Alegações finais da acusação em id 91983008, rogando pela condenação dos acusados nos termos da denúncia. Alegações finais da defesa do acusado BENEDITO VAZ BARROS em id 105001485. Alegações finais da defesa do acusado JOSE NAZARENO SARAIVA SOUZA em id 107844735. Certidão de antecedentes criminais em id 113741975 e id 113741977. É o relatório. Passo ao julgamento. À guisa de minudenciar os depoimentos prestados em sede judicial, nesse primeiro momento, colaciono logo abaixo, resumidamente, excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas. A testemunha arrolada pela acusação MARIA DO SOCORRO PESSOA DA SILVA (analista de controle externo do TCM) afirmou: “Que as análises anuais das prestações de contas de todos os gestores eram realizadas por meio do E-Contas (Sistema de Prestação de Contas); Que, à época dos fatos, a depoente não teria se deslocado até o município de Cachoeira do Arari, sendo que as análises foram feitas com base nos dados declarados pela gestora no E-Contas; Que a irregularidade, em tese, teria ocorrido dentro da Secretaria Municipal de Saúde, especificamente na prestação de contas do Fundo Municipal de Saúde; Que, à época, foram realizadas atuações do TCM/PA, procedendo-se à análise das contas e apuração dos processos licitatórios; Que, na ocasião, foi identificado que duas empresas teriam obtido contratos por dispensa de licitação, porém, o respectivo processo não teria sido encaminhado ao TCM/PA para análise; Que a Sra. SOCORRO ATHAR teria sido citada para apresentar suas considerações ou defesas, porém não se manifestou nos autos; Que, diante da ausência de manifestação, prevaleceram as irregularidades apuradas pelo TCM/PA, sendo encerrada a instrução processual e encaminhado o caso ao Ministério Público junto ao referido Tribunal, com posterior julgamento das contas pelo Plenário da Corte; Que foi concedido prazo para manifestação da Sra. SOCORRO ATHAR, tendo sido citada pelo Diário Oficial, porém sem qualquer resposta; Que foi apurado que os valores pagos às empresas constavam na análise da prestação de contas, com registros das datas e valores, sendo contratadas por dispensa de licitação; Que, em relação aos valores recolhidos dos contribuintes, foi identificado que os descontos referentes ao INSS retidos dos servidores não foram integralmente repassados; Que a análise foi feita com base na folha de pagamento, onde constavam retenções de valores que deveriam ser repassadas ao INSS pela chefia competente, sendo constatado que parte dos valores retidos não foi repassada, caracterizando o descumprimento do artigo 68 do Código de Processo; Que não tinha conhecimento se a acusada se manifestou posteriormente, pois o processo seguiu para o Plenário e foi julgado pela Controladoria, momento a partir do qual a depoente não teve mais acesso aos autos, podendo apenas relatar o que consta nos dois relatórios analisados”. A testemunha arrolada pela acusação BRUNO DE MEIRA LEITE (auxiliar administrativo do TCM) declarou: “Que todas as análises foram realizadas com base na documentação disponível no Tribunal; Que não saberia informar se as referidas documentações já teriam sido devolvidas, sendo estas referentes ao exercício de 2010; Que, à época, as documentações estavam em formato físico, porém, com a transição para o sistema E-Contas, passaram a ser analisadas de forma digital; Que o processo físico foi integralmente examinado, tendo sido encaminhado pelo próprio município por meio da Secretaria Municipal de Saúde; Que, à época, a secretária responsável era a Sra. SOCORRO DE FÁTIMA, a quem foi concedida a oportunidade de defesa, contudo, a mesma foi considerada revel; Que o depoente ratificou todas as informações constantes no processo, incluindo os respectivos valores apurados; Que, em relação aos valores retidos dos contribuintes, a constatação das irregularidades também foi feita com base na documentação analisada”. Finalizada a oitiva de testemunhas, passou-se ao interrogatório do acusado BENEDITO VAZ BARROS que, respondendo às formulações do Ministério Público e da defesa, alegou: “Que trabalhava com postos de combustíveis nas cidades de Breves e Portel, os quais pertenciam à sua família, enquanto os postos localizados em Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari eram de propriedade do acusado juntamente com sua esposa; Que, em 2010, não possuíam posto instalado em Cachoeira do Arari, pois, à época, ainda estavam providenciando a documentação necessária; Que, nesse período, houve uma licitação entre quatro postos de combustíveis, sendo dois de Belém e dois de Salvaterra; Que o vencedor do processo licitatório foi um posto de Belém chamado Maguary, contudo, em razão da dificuldade logística para entrega do combustível em Cachoeira do Arari, o referido posto desistiu da licitação; Que, posteriormente, um escritório realizou uma nova licitação, na qual o posto do acusado sagrou-se vencedor, passando a fornecer combustíveis para o município de Cachoeira do Arari; Que, à época, como ainda não possuíam um posto na cidade, o município buscava o combustível por meio de caminhões, sendo armazenado em boias e tambores de 200 litros; Que, em 2010, além do posto do acusado, outros postos de Salvaterra e Soure participaram do processo licitatório, porém perderam em razão da diferença de preços ofertados; Que a modalidade do certame foi pregão, e não carta-convite; Que não recordava o valor do contrato, mas confirmou que cumpriu todo o período contratual, fornecendo gasolina, óleo diesel e lubrificantes; Que todas as notas fiscais eram emitidas com os valores respectivos; Que, à época dos fatos, o prefeito do município de Cachoeira do Arari era o Sr. JAIME DA SILVA BARBOSA e a secretária de saúde era a Sra. SOCORRO ATHAR; Que o contrato de fornecimento de combustíveis foi assinado por uma empresa escolhida pela prefeitura, porém o acusado não tinha certeza sobre quem, dentro da administração municipal, firmou o contrato com sua empresa; Que, pelo que recordava, o documento teria sido assinado pelo prefeito e pela secretária de saúde, sendo essa parte resolvida pelo setor jurídico da empresa e do escritório de contratos do acusado; Que o contrato foi firmado regularmente, com parecer jurídico da prefeitura; Que o transporte do combustível era realizado pela prefeitura em boias de 200 e 1.000 litros dentro de caminhões, fazendo o trajeto do posto de Salvaterra até Cachoeira do Arari; Que tomou conhecimento do processo licitatório por meio de seu escritório de contabilidade, na pessoa da Dra. NAZARÉ PANTOJA; Que, à época, a prefeitura procurou empresas interessadas, sendo duas de Belém e duas de Salvaterra; Que o escritório de contabilidade que prestava serviço para o acusado participou do processo e foi responsável por fazer o convite às empresas; Que esse escritório atuava de forma terceirizada para sua empresa e para outras do ramo de combustíveis, sendo o responsável pelo acompanhamento dos pregões e compras públicas; Que o escritório de contabilidade realizava a verificação dos editais licitatórios e, posteriormente, apresentava ao acusado para análise e decisão sobre a participação; Que compareceu à prefeitura de Cachoeira do Arari apenas após o início do fornecimento do combustível, para apresentar notas fiscais e receber os pagamentos; Que sua assinatura foi aposta no contrato administrativo, representando sua empresa; Que não sabia informar quem assinou o contrato pela prefeitura, pois essa questão era tratada diretamente pelos contadores do escritório de contabilidade; Que o escritório da prefeitura de Cachoeira do Arari estava localizado em Belém, sendo que, no momento da assinatura do contrato, o acusado fazia a revisão do documento e, somente após a confirmação da contadora de que tudo estava correto, realizava a assinatura”. O acusado JOSÉ NAZARENO SARAIVA SOUZA declarou: “Que, no ano de 2010, trabalhava no ramo de fornecimento de medicamentos, sendo representante e proprietário da empresa J N S Souza – Saúde Médica; Que, à época, teria fornecido medicamentos para o Fundo Municipal de Saúde de Cachoeira do Arari; Que não recordava qual processo licitatório teria participado; Que, anualmente, sua empresa realizava cadastros em prefeituras, enviando documentações, o que possibilitava contatos frequentes com administrações municipais; Que, em razão desse contato, a prefeitura teria entrado em contato com sua empresa para solicitar preços, ocasião em que tomou conhecimento da abertura do certame; Que a pessoa que teria feito contato com a empresa do acusado foi a Sra. SOCORRO ATHAR, então secretária de saúde do município de Cachoeira do Arari; Que não recordava se outras empresas também foram convidadas a participar do certame; Que a Sra. SOCORRO ATHAR teria solicitado cotações de preços, mas não teria solicitado contratos, apenas os medicamentos; Que, sempre que a Sra. SOCORRO pedia cotações, o acusado enviava junto as notas fiscais; Que não recordava o valor empenhado pelo Fundo Municipal de Saúde, tampouco a quantia total repassada à sua empresa; Que não recordava a somatória de R$ 279.111,69 (duzentos e setenta e nove mil, cento e onze reais e sessenta e nove centavos) referente ao fornecimento realizado; Que enviava os medicamentos juntamente com as notas fiscais, mas não se preocupava em somá-las, pois não imaginava que a situação lhe traria transtornos posteriormente; Que a sede da sua empresa ficava localizada em Ananindeua, na Passagem Olinto Meira, nº 119; Que teve conhecimento da investigação sobre a lisura do processo por meio da internet; Que não sabia o que estava sendo questionado quanto à legalidade do contrato, tomando conhecimento apenas posteriormente; Que, no ano de 2010, quando iniciou o contrato com a Prefeitura de Cachoeira do Arari, foi contatado diretamente pela Sra. SOCORRO ATHAR; Que, ao fazer contato, a Sra. SOCORRO teria solicitado a cotação dos medicamentos; Que, após o envio das cotações, foi informado que sua empresa havia sido selecionada por apresentar preços mais acessíveis em comparação aos concorrentes; Que a entrega dos medicamentos era realizada por um funcionário da empresa, o qual se encarregava de despachar os produtos em um barco que fazia viagens para Cachoeira do Arari a partir do Porto do Ver-o-Peso, em Belém; Que não recordava o nome da embarcação utilizada para o transporte; Que os medicamentos eram entregues acompanhados das respectivas notas fiscais; Que, no primeiro momento, um responsável pelo transporte assinava o recebimento da mercadoria na embarcação e, posteriormente, entregava ao destinatário no município, o qual assinava o canhoto da nota fiscal e o devolvia à empresa; Que sabia da participação de duas outras empresas na cotação de preços, mas nunca teve contato com as referidas concorrentes; Que, à época, sua empresa prestava serviços semelhantes em outros municípios do estado do Pará; Que a conferência dos medicamentos antes do embarque era feita por um funcionário da empresa de transporte, que não era vinculado à prefeitura; Que, ao chegar no município, os medicamentos passavam por nova conferência antes da entrega ao destinatário; Que mantinha um controle próprio dos produtos enviados e, caso houvesse falta de algum item, sua empresa realizaria o ressarcimento, embora nunca tivesse ocorrido tal problema; Que não recordava por quanto tempo prestou serviços ao município de Cachoeira do Arari; Que não conhecia o fiscal do contrato ou qualquer representante da prefeitura responsável pela conferência da quantidade de medicamentos fornecidos; Que, em média, o processo entre solicitação de cotação e início do fornecimento de medicamentos levava de uma a duas semanas”. Pois bem. DO CRIME DE FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DE LICITAÇÃO O crime imputado ao acusado JOSÉ NAZARENO SARAIVA SOUZA é o descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993: Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: (Revogado pela Lei nº 14.133, de 2021) Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Revogado pela Lei nº 14.133, de 2021) Inicialmente, impende destacar que, não obstante o advento da Lei nº 14.133/2021, que revogou formalmente o art. 90 da Lei nº 8.666/93, verifica-se, de forma absolutamente incontestável, que houve mera continuidade normativo-típica, ou seja, a conduta de permanece devidamente tipificada no ordenamento jurídico, agora sob a égide do art. 337-F do Código Penal. Ressalte-se, contudo, que em se tratando de fatos pretéritos, ocorridos antes da vigência da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), impõe-se, por força dos princípios da irretroatividade da lei penal mais gravosa, a aplicação da norma revogada mais benéfica, conferindo-se, portanto, caráter de ultratividade ao art. 90 da Lei nº 8.666/93, para fins de apuração da responsabilidade penal dos envolvidos. Superado esse ponto de ordem jurídico-penal, passa-se à rigorosa análise fático-jurídica dos elementos constantes dos autos, os quais conduzem, de forma absolutamente segura, à subsunção da conduta do acusado JOSÉ NAZARENO SARAIVA SOUZA, sócio-proprietário da empresa J.N.S. SOUZA, ao tipo penal em exame. O crime em questão prevê pena àquele que frustra ou frauda o caráter competitivo do procedimento licitatório mediante ajuste, combinação ou outro expediente, tudo isso com a intenção de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Dessa forma, a configuração do tipo penal em questão exige, para sua perfeita subsunção, a presença de um elemento subjetivo específico, consistente na finalidade especial de agir, qual seja, o claro propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. É precisamente sob essa perspectiva que se passa, a partir de então, a analisar a conduta do agente. A leitura acurada dos autos permite afirmar, sem qualquer margem para dúvida, que os procedimentos licitatórios formalizados sob os números 002/2010-PMCA, 003/2010-PMCA, 0015/2010-PMCA e 0016/2010-PMCA, apesar de revestidos de aparente formalidade, não passaram de instrumentos fraudulentos, absolutamente simulados e confeccionados a posteriori, com o exclusivo escopo de atender às cobranças e exigências do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCM/PA). Com efeito, é de clareza solar que tais procedimentos foram apenas formalizados no papel, muito tempo após a efetiva realização das despesas públicas, não tendo passado de um exercício de montagem documental artificial, estruturado para conferir aparência de legalidade a contratações que, em sua origem, eram flagrantemente ilícitas, porquanto realizadas à margem de qualquer rito licitatório. Essa assertiva não decorre de ilações, suposições ou conjecturas, mas sim de provas documentais robustas, objetivas e incontornáveis, amplamente colacionadas aos autos, que demonstram, de forma cabal, que diversos documentos fundamentais para a regularidade dos certames — como certidões fiscais, fichas cadastrais, alterações contratuais e registros empresariais — foram emitidos em datas posteriores à realização das supostas sessões públicas de abertura dos envelopes, posteriores à adjudicação, à homologação dos certames e até mesmo à assinatura dos contratos administrativos. Examinando-se detidamente os autos, observa-se que foram realizados, formalmente, 04 (quatro) procedimentos licitatórios na modalidade Carta Convite — Convites nº 002/2010-PMCA, 003/2010-PMCA, 0015/2010-PMCA e 0016/2010-PMCA, todos com objetos absolutamente idênticos ou, no mínimo, de mesma natureza — aquisição de medicamentos e materiais hospitalares —, totalizando vultoso montante de R$ 279.111,69. O que se verifica, todavia, é que referidos procedimentos não passaram de mera simulação, revestidos de aparência de legalidade, com o único e exclusivo propósito de conferir aspecto formal às contratações previamente ajustadas entre os denunciados, sendo cristalino que não houve qualquer competição real, mas tão somente a fabricação documental posterior à realização das despesas. A fraude estruturada nos referidos certames revela-se de forma absolutamente evidente, a começar pela constatação de que diversos documentos essenciais à habilitação das empresas participantes — notadamente as certidões de regularidade fiscal, alterações contratuais e registros na Junta Comercial — foram emitidos apenas meses ou até mais de um ano após a data de abertura das licitações e até após a assinatura dos contratos administrativos. De maneira ainda mais elucidativa, observa-se que os procedimentos Convite nº 0015/2010 e nº 0016/2010 foram formalizados na mesma data e horário — 14/06/2010, às 08h —, assim como os Convites nº 002/2010 e nº 003/2010, ambos em 15/01/2010, em horários subsequentes. Ainda que, isoladamente, tal coincidência possa não ser suficiente, por si só, para comprovar a fraude, quando examinada no contexto global das demais irregularidades — como a utilização de documentos produzidos a posteriori, a ausência de qualquer comprovação do envio dos convites e a notória montagem dos certames —, essa circunstância assume especial relevância como mais um elo robusto na cadeia probatória. Mais do que isso, a realização de dois procedimentos separados, no mesmo dia e horário, evidencia, de forma cristalina, a prática dolosa e consciente de fracionamento de despesas, já que, se efetivamente havia necessidade de aquisição dos mesmos tipos de produtos, no mesmo período e para o mesmo órgão, não há qualquer justificativa plausível para que não se tenha procedido à unificação em um único certame. Portanto, a fragmentação artificial, além de reforçar a absoluta simulação dos procedimentos, foi utilizada como expediente ardiloso para fugir das exigências legais que impunham, diante do valor total das contratações, a adoção de modalidade licitatória mais rigorosa, como a tomada de preços ou, até mesmo, a concorrência pública. Ademais, constata-se que as empresas convidadas para tais certames eram, invariavelmente, as mesmas e, não por mera coincidência — mas sim, de forma claramente orquestrada —, também foram as responsáveis por fornecer as cotações de preços que embasaram as licitações. É certo que, em tese, a obtenção de cotações junto a fornecedores interessados não configuraria, por si só, qualquer ilícito. Contudo, o que se verifica, no caso concreto, é que sequer houve qualquer verdadeira pesquisa de mercado, tampouco consulta a bancos de dados governamentais, como sistemas oficiais de preços ou atas de registros públicos, que poderiam oferecer parâmetros objetivos e transparentes para a formação dos valores de referência. Ao contrário, os próprios participantes da fase supostamente competitiva foram aqueles previamente responsáveis pela definição dos preços, o que, além de comprometer totalmente a isonomia e a lisura dos certames, revela, de forma absolutamente escancarada, a existência de ajuste prévio e conluio entre os envolvidos, tornando inequívoco que jamais existiu competição real. A análise dos autos revela que tais certames foram, na realidade, montados posteriormente, como mecanismo ardiloso para tentar regularizar despesas que haviam sido realizadas sem qualquer procedimento licitatório prévio. Tal constatação não é fruto de mera suposição, mas de prova documental inequívoca, especialmente diante do fato de que o próprio Tribunal de Contas dos Municípios constatou a ausência dos procedimentos nas prestações de contas regulares. Somente após os apontamentos do órgão de controle externo é que os envolvidos, de forma absolutamente dolosa, arquitetaram os procedimentos licitatórios fictícios, com inserção de documentos falsos, assinados retroativamente. No que tange ao procedimento licitatório referente à Carta Convite nº 0015/2010-PMCA, cujo objeto consistia na aquisição de medicamentos destinados a suprir as necessidades do Programa Farmácia Básica, verifica-se, igualmente, de forma cristalina, a completa desconformidade com os ditames legais que regem a matéria, restando cabalmente demonstrado que o referido certame foi inteiramente montado com o nítido propósito de conferir aparência de legalidade a um processo viciado desde sua origem. Inicialmente, consta dos autos que a suposta solicitação para levantamento de preços teria sido formulada pela então Secretária de Saúde, Sra. Socorro de Fátima Figueiredo Oliveira, em 19/05/2010, tendo o Prefeito, no mesmo dia, autorizado a realização da pesquisa de preços. Entretanto, o que se observa, na sequência, é uma sequência de atos administrativos praticados em tempo recorde, absolutamente incompatível com a regular tramitação de um procedimento licitatório sério, transparente e minimamente aderente aos princípios da Administração Pública. A alegada pesquisa de preços foi realizada no dia 25/05/2010, com a coleta de orçamentos das empresas JNS SOUZA EPP, no valor de R$ 73.308,39 (“setenta e três mil, trezentos e oito reais e trinta e nove centavos”), e BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, no valor de R$ 79.445,11 (“setenta e nove mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e onze centavos”). Na sequência, em 26/05/2010, já constava despacho atestando a suposta adequação orçamentária e financeira e, no dia 28/05/2010, foi autorizada a abertura do procedimento licitatório, formalizado na modalidade Carta Convite. O parecer jurídico favorável foi emitido em 02/06/2010, e a sessão do certame foi agendada para o dia 14/06/2010, às 08 horas, oportunidade em que participaram as empresas DIGEMAN, BRASFARMA e JNS SOUZA EPP, tendo esta última saído vencedora, com proposta no valor de R$ 64.251,15 (sessenta e quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e quinze centavos). Todavia, salta aos olhos que sequer há prova concreta de que os convites tenham sido efetivamente enviados às empresas participantes, posto que os autos trazem apenas meras assinaturas lançadas no próprio instrumento convocatório, sem qualquer documento que comprove o envio formal dos referidos convites, seja por protocolo, seja por qualquer outro meio idôneo. Trata-se, portanto, de evidente vício de publicidade do certame, que compromete a lisura e a competitividade do procedimento. O que, contudo, se revela absolutamente escandaloso, e que, por si só, revela a fraude estrutural do procedimento, é o fato de que foi juntado aos autos um instrumento de alteração contratual da empresa vencedora – JNS SOUZA EPP – datado de 28/07/2010, cuja autenticação cartorária somente ocorreu em 28/02/2011, ou seja, não apenas após a sessão pública do certame, realizada em 14/06/2010, mas também posterior à assinatura do contrato administrativo, formalizado em 22/06/2010, bem como à adjudicação do objeto, ocorrida em 24/06/2010. Ora, é absolutamente inconcebível que um procedimento licitatório seja considerado válido quando um dos documentos essenciais da empresa adjudicatária sequer existia, formalmente, à época da realização da sessão de julgamento das propostas e da celebração do contrato. Essa circunstância, por sua gravidade, evidencia que o procedimento não passou de uma montagem deliberada, destinada tão somente a simular a regularidade formal do certame, quando, na verdade, todo o iter procedimental foi estruturado com vícios insanáveis e direcionamento ilícito. Em relação ao procedimento licitatório formalizado por meio da Carta Convite nº 003/2010-PMCA, cujo objeto também consistia na “aquisição de medicamentos e material técnico para atender às necessidades do Fundo Municipal de Saúde”, constata-se, sem qualquer margem para dúvida, que se trata de mais um procedimento licitatório inteiramente montado, conduzido de forma a simular uma competitividade que, de fato, jamais existiu. O suposto procedimento teria se iniciado com uma solicitação da Secretaria Municipal de Saúde em 04/01/2010, visando à realização de pesquisa prévia de preços de 180 itens, seguida, no mesmo dia, da autorização do Prefeito Municipal. Na sequência, foram formalmente colhidas cotações das empresas BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, no valor de R$ 79.690,57 (“setenta e nove mil, seiscentos e noventa reais e cinquenta e sete centavos”), e JNS SOUZA EPP, no valor de R$ 79.785,25 (“setenta e nove mil, setecentos e oitenta e cinco reais e vinte e cinco centavos”). No dia seguinte, em 07/01/2010, foi declarado, sem qualquer rigor, que existia adequação orçamentária e financeira para a contratação pretendida, e já no dia 08/01/2010, com uma velocidade absolutamente incompatível com os trâmites administrativos regulares, foi autorizada a abertura do certame, autuado na modalidade Carta Convite. De maneira absolutamente atípica — e que, por si só, evidencia a montagem processual —, todos os atos subsequentes foram igualmente praticados no mesmo dia (08/01/2010), quais sejam, emissão de parecer jurídico prévio, expedição dos convites, e até mesmo o recebimento dos referidos convites pelas empresas DIGEMAN, BRASFARMA e JNS SOUZA, marcando-se a abertura do certame para o dia 15/01/2010, às 10h. Na sessão, compareceram as três empresas previamente determinadas, as quais apresentaram as seguintes propostas, ocasião em que a empresa BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA ofertou o valor de R$ 78.206,57 (setenta e oito mil, duzentos e seis reais e cinquenta e sete centavos), enquanto a empresa JNS SOUZA EPP apresentou proposta no valor de R$ 77.127,47 (setenta e sete mil, cento e vinte e sete reais e quarenta e sete centavos), e, por fim, a empresa DIGEMAN DISTRIBUIDORA GERAL DE MEDICAMENTOS ANANINDEUA LTDA ofertou o valor de R$ 79.832,99 (setenta e nove mil, oitocentos e trinta e dois reais e noventa e nove centavos). Conforme o roteiro previamente desenhado, no dia 18/01/2010, foi emitido parecer jurídico final, opinando pela legalidade do procedimento, culminando na adjudicação e homologação do certame em 25/01/2010, com a subsequente assinatura da Carta Contrato nº 003/2010, no dia 26/01/2010, no valor de R$ 77.127,47 (setenta e sete mil, cento e vinte e sete reais e quarenta e sete centavos), em favor da empresa JNS SOUZA EPP. Entretanto, assim como verificado em outros procedimentos conduzidos no mesmo período, não há nos autos qualquer comprovação efetiva do envio dos convites às empresas supostamente participantes, constando, tão somente, assinaturas lançadas no próprio instrumento convocatório, sem qualquer protocolo, aviso de recebimento ou meio idôneo que comprove que houve, de fato, a devida convocação, comprometendo gravemente a publicidade, a competitividade e, por conseguinte, a validade do certame. Não bastasse, a fraude processual revela-se, igualmente, de forma ainda mais contundente diante da constatação de que, entre os documentos de habilitação da empresa BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA, foi juntada uma alteração societária datada de 28/07/2010, cuja autenticação cartorária somente ocorreu em 28/02/2011, ou seja, posterior não apenas à sessão de abertura do certame, realizada em 15/01/2010, como também posterior à assinatura do contrato administrativo, ocorrido em 26/01/2010. Em outras palavras, constata-se, de forma inequívoca, que a documentação apresentada pela empresa, que deveria refletir a sua situação jurídica e fiscal à época da licitação, sequer existia formalmente quando da realização do certame, o que, por si só, aniquila qualquer possibilidade de se reconhecer a higidez do procedimento. Como se não bastasse esse fato gravíssimo, também foi apresentada certidão de regularidade do CNPJ da empresa BRASFARMA com data posterior à realização da licitação, o que agrava ainda mais a situação e evidencia, sem margem para dúvidas, que o procedimento foi deliberadamente estruturado de forma fraudulenta, com a inserção de documentos absolutamente anacrônicos, confeccionados a posteriori, tudo com o nítido propósito de mascarar a verdadeira realidade dos fatos. Portanto, resta absolutamente claro que o procedimento licitatório formalizado por meio da Carta Convite nº 003/2010-PMCA não passou de uma simulação grosseira, um teatro administrativo montado para conferir aparência de legalidade a um certame flagrantemente direcionado. As mesmas evidências de fraude e montagem processual identificadas nos procedimentos anteriores também se fazem presentes de maneira contundente no certame formalizado pela Carta Convite nº 0016/2010-PMCA, cujo objeto também consistia na “aquisição de medicamentos e material técnico para atender às necessidades do Fundo Municipal de Saúde”. O referido procedimento teria se iniciado a partir de solicitação da Secretaria Municipal de Saúde, datada de 19 de maio de 2010, visando à realização de pesquisa prévia de preços para 112 (cento e doze) itens. De forma absolutamente atípica, o Prefeito Municipal, no mesmo dia, autorizou a abertura da pesquisa de preços, tendo sido colhidas, em 28 de maio de 2010, cotações das empresas JNS SOUZA EPP, no valor de R$ 79.772,13 (setenta e nove mil, setecentos e setenta e dois reais e treze centavos), e DIGEMAN DISTRIBUIDORA GERAL DE MEDICAMENTOS ANANINDEUA LTDA, no valor de R$ 81.775,14 (oitenta e um mil, setecentos e setenta e cinco reais e quatorze centavos). No mesmo dia, ou seja, em 28 de maio de 2010, já foi declarado, de maneira extremamente célere e sem qualquer rigor técnico, que havia adequação orçamentária e financeira para a contratação pretendida. De imediato, também foi autorizada a abertura do certame, autuado pela Comissão de Licitação como Carta Convite nº 0016/2010-PMCA. Em sequência, foi exarado parecer jurídico prévio em 02 de junho de 2010, manifestando-se favoravelmente à realização da licitação na modalidade convite. Posteriormente, em 07 de junho de 2010, foram expedidos os convites para as empresas DIGEMAN DISTRIBUIDORA GERAL DE MEDICAMENTOS ANANINDEUA LTDA, BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA e JNS SOUZA EPP, com abertura do certame marcada para o dia 14 de junho de 2010, às 10h. Na sessão de abertura, todas as empresas convidadas compareceram e apresentaram suas propostas. A empresa BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA ofertou o valor de R$ 79.395,60 (setenta e nove mil, trezentos e noventa e cinco reais e sessenta centavos), enquanto a JNS SOUZA EPP apresentou proposta no valor de R$ 78.943,95 (setenta e oito mil, novecentos e quarenta e três reais e noventa e cinco centavos). Por sua vez, a empresa DIGEMAN DISTRIBUIDORA GERAL DE MEDICAMENTOS ANANINDEUA LTDA apresentou proposta no valor de R$ 79.112,37 (setenta e nove mil, cento e doze reais e trinta e sete centavos). Conforme já se tornara praxe no modus operandi adotado pela gestão, sagrou-se vencedora a empresa JNS SOUZA EPP, sendo que, no dia 16 de junho de 2010, foi emitido parecer jurídico final favorável à contratação. Na sequência, o certame foi homologado e adjudicado em favor da referida empresa em 22 de junho de 2010, culminando na assinatura da Carta Contrato nº 0016/2010, no dia 24 de junho de 2010, no valor de R$ 78.943,95 (setenta e oito mil, novecentos e quarenta e três reais e noventa e cinco centavos). Contudo, mesmo sem uma análise exaustiva, salta aos olhos que os documentos de habilitação da empresa vencedora, JNS SOUZA EPP, já são suficientes para revelar, de forma incontestável, a montagem grosseira do certame. Com efeito, verifica-se, novamente, que a certidão de regularidade do CNPJ da empresa foi emitida somente em 28 de março de 2011, ou seja, um ano após a realização da sessão pública de abertura do certame, fato que, por si só, compromete absolutamente a validade do procedimento. Não bastasse, também foi juntada aos autos, como parte dos documentos de habilitação da mesma empresa, uma ficha resumida de instrução da JUCEPA, igualmente emitida em 28 de março de 2011, evidenciando, mais uma vez, que se trata de documentação produzida artificialmente, a posteriori, com o claro e único intuito de simular a regularidade formal do processo licitatório. Portanto, é irrefutável que os certames licitatórios apresentados pela defesa não passaram de uma montagem deliberada e grosseira, cujo único propósito era iludir a fiscalização do Tribunal de Contas e ludibriar o crivo do Poder Judiciário, conferindo aparência de legalidade a contratações que, de fato, foram realizadas sem qualquer prévio procedimento licitatório válido, em absoluta afronta aos princípios mais elementares da Administração Pública. Ainda que, em tese, fossem desconsideradas — o que se admite apenas por argumentação — as robustas e incontestáveis evidências de montagem dos procedimentos licitatórios analisados, há outro elemento que reforça de forma cristalina a existência de fraude no presente caso, no caso, trata-se do notório fracionamento de despesas, expediente este utilizado de forma ardilosa para burlar a obrigatoriedade de adoção de modalidade licitatória mais rigorosa, como a tomada de preços ou a concorrência. Com efeito, verifica-se que, durante o exercício de 2010, foram realizados diversos procedimentos licitatórios, todos na modalidade Carta Convite, e todos voltados para o mesmo objeto, qual seja, a aquisição de medicamentos e material técnico destinado a suprir as necessidades do Fundo Municipal de Saúde e do Programa Farmácia Básica. O que se observa, contudo, é que esses procedimentos foram artificialmente segmentados, sem qualquer justificativa técnica plausível, com o único e claro propósito de simular a legalidade dos processos e permitir contratações por meio de uma modalidade menos rigorosa, de menor publicidade e com exigências formais bastante reduzidas. O que agrava sobremaneira essa constatação é o fato de que as mesmas empresas participaram de todos os certames. As empresas JNS SOUZA EPP, DIGEMAN DISTRIBUIDORA GERAL DE MEDICAMENTOS ANANINDEUA LTDA e BRASFARMA COMÉRCIO DE MEDICAMENTOS LTDA figuraram, de forma recorrente ou alternada, em todos os procedimentos, demonstrando, de forma inequívoca, que tinham pleno conhecimento da fragmentação dolosa dos objetos, posto que eram diretamente beneficiadas por tal prática. Trata-se, portanto, de fracionamento deliberado e absolutamente consciente, não apenas pela Administração, mas também pelas empresas participantes, que, cientes da divisão artificial dos objetos licitados, aderiram ao esquema, configurando-se, assim, a existência de conluio entre os licitantes e o ente contratante, com a finalidade de frustrar a competitividade, burlar os princípios da isonomia e da legalidade, e conferir aparência de legalidade a procedimentos formalmente viciados desde a origem. Convém destacar que, embora o fracionamento de despesas, isoladamente considerado, não configure, por si só, crime, ele se apresenta, no caso concreto, como um indício gravíssimo e incontestável da prática de atos fraudulentos, sobretudo quando analisado em conjunto com as demais irregularidades já sobejamente demonstradas, como a montagem dos procedimentos, a utilização de documentos com datas posteriores aos certames e a ausência de qualquer comprovação efetiva de envio dos convites. Portanto, é absolutamente inequívoco que, além da montagem documental já exaustivamente demonstrada, o fracionamento das contratações configura mais uma robusta evidência de que os procedimentos licitatórios aqui analisados não passaram de simulações grosseiras, absolutamente destituídas de qualquer respaldo jurídico ou moral. Não há, portanto, qualquer dúvida de que a adoção reiterada e sucessiva da modalidade carta convite, com objetos absolutamente idênticos ou de natureza correlata, foi deliberadamente arquitetada como expediente fraudulento para conferir aparência de legalidade a contratações flagrantemente ilícitas e direcionadas. O que se constata, ao fim e ao cabo, é que o acusado JOSÉ NAZARENO SARAIVA SOUZA, na qualidade de sócio-proprietário da empresa J.N.S. SOUZA, não apenas tinha pleno conhecimento de todo o esquema fraudulento que envolveu a montagem dos procedimentos licitatórios, como também participou ativamente de sua construção, desde a fase de levantamento de preços até as tratativas que antecederam a formalização dos contratos. Aliás, esse grau de participação não decorre de mera dedução ou presunção, mas sim resta absolutamente confirmado a partir das declarações prestadas pelo próprio acusado em sede de interrogatório judicial, ocasião em que, de forma expressa, admitiu que era ele quem fornecia as cotações de preços que serviam de parâmetro para os certames, além de participar pessoalmente das negociações junto à Prefeitura Municipal de Cachoeira do Arari. Portanto, não há dúvida de que a conduta do acusado se amolda de forma precisa e perfeita ao tipo penal previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93, que assim dispunha à época dos fatos: “Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.” É exatamente isso que revelam os autos. O acusado, consciente e voluntariamente, aderiu ao pacto criminoso firmado com agentes públicos, de modo a frustrar o caráter competitivo dos certames, mediante ajuste prévio, com a simulação de concorrência e a montagem de processos absolutamente artificiais, tendo, inclusive, se beneficiado diretamente da adjudicação dos objetos licitados. Portanto, restam absolutamente preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal descrito no art. 90 da Lei nº 8.666/93, impondo-se, como medida de rigor, o reconhecimento da materialidade e da autoria delitiva, com a consequente responsabilização penal do acusado. DO CRIME DE DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO Dispunha o revogado art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, o seguinte preceito: “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.” Com o advento da Lei nº 14.133/2021, que revogou integralmente a antiga Lei nº 8.666/93, operou-se uma abolitio criminis parcial em relação ao tipo penal anteriormente descrito no caput do art. 89. Isso porque o legislador, na nova legislação, optou por não mais criminalizar a conduta de “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”. O atual tipo penal encontra-se agora inserido no Código Penal, com a seguinte redação: Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei.” Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Não constitui mais crime a conduta de “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, que, inclusive, estava prevista na proposição originária do projeto de lei, sendo posteriormente suprimida esta parte do tipo penal. No mais, quanto a outra parte do revogado art. 89, caput, da lei nº 8.666/93, houve a chamada continuidade normativa típica, já que o preceito penal primário, ou seja, a norma mandamental proibitiva continua sendo a mesma, no caso, veda-se a dispensa ou inexigibilidade de licitação para fins de contratação direta fora das hipóteses permitidas pela legislação. Observa-se, ainda, que houve novatio legis in pejus no que se refere ao preceito penal secundário, já que as penas mínima e máxima do delito sofreram significativo aumento, de sorte que, nesta parte, deve-se reconhecer a ultratividade da lei penal revogada, posto que mais benéfica ao denunciado. Superadas essas considerações preliminares e encerrada a instrução processual, encontra-se o feito em condições de ser submetido a julgamento, impondo-se, nesta fase, o exame acurado do conjunto probatório carreado aos autos. Cumpre, pois, proceder à devida valoração das provas, confrontando, de um lado, a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público e, de outro, as teses defensivas articuladas, a fim de que se promova a correta subsunção dos fatos ao direito aplicável, extraindo-se, com segurança e rigor técnico, a solução jurisdicional que o caso concretamente exige. Dito isso, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que o crime de dispensa indevida de licitação exige para a sua caracterização a presença de especial finalidade de agir na conduta do agente, consistente na intenção deliberada de causar lesão ao erário, bem como a efetiva lesão ao Erário: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993). PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE LESAR O ERÁRIO E DO PREJUÍZO OCASIONADO PELA CONTRATAÇÃO DIRETA. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CORRÉUS EM SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL IDÊNTICA. EXTENSÃO QUE SE IMPÕE. 1. É cediço neste Superior Tribunal o entendimento de que somente é cabível o trancamento de inquérito policial ou ação penal por meio da via eleita quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja pela ausência de indícios de autoria e da materialidade delitiva ou, ainda, pela incidência de causa de extinção da punibilidade. 2. Hipótese em que se trata do crime de dispensa indevida de licitação, mas a denúncia não logra demonstrar ou narrar o especial fim de lesar o erário e o eventual prejuízo da contratação direta, e a sentença, por sua vez, dispensa a comprovação desses requisitos, presumindo o especial fim de agir por meio do fracionamento das contratações. Tal modo de proceder vai contra o entendimento deste Superior Tribunal, firme no sentido da imprescindibilidade de demonstração do dolo específico e do prejuízo ao erário. Precedente. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 734375/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 28/11/2022, DJe 02/12/2022) Debruçando-me sobre o caderno processual, não vislumbro provas suficientes da prática do crime pelo qual fora o réu denunciado. Explico. No processo de prestação de contas do Fundo Municipal de Saúde de Cachoeira do Arari referente ao exercício financeiro de 2010, o Tribunal de Contas dos Municípios identificou a dispensa indevida de licitações em aquisições de combustíveis e lubrificantes junto à empresa VAZ BARROS E PENA LTDA, em fracionamento de despesas com valor inferior a R$ 8.000,00 (oito mil reais), que somados perfazem o montante de R$ 124.063,51 (cento e vinte e quatro mil, sessenta e três reais e cinquenta e um centavos). Restou demonstrado nos autos do Processo nº 203982010-00 que para tais contratações a ré SOCORRO DE FÁTIMA FIGUEIREDO ATHAR, ora não observou as formalidades legais exigidas pela Lei n. 8.666/1993 no que tange à contratação direta, ora utilizou a contratação direta quando era não permitido pela lei. Nesse sentido, narra a denúncia que a dispensa ilegal da licitação se deu única e exclusivamente para beneficiar o acusado BENEDITO VAZ BARROS, sócio administrador da empresa VAZ BARROS E PENA LTDA. Sem dúvidas, a conduta da acusada SOCORRO DE FÁTIMA FIGUEIREDO ATHAR, enquanto ordenadora de despesas, contraria a Lei de Licitações e configura ilícito administrativo, porém para que se amolde aos tipos penais dos art. 89 da Lei nº 8.666/1993 e art. 337-E do Código Penal é necessário que se comprove o dolo específico e o efetivo prejuízo aos cofres públicos. De igual modo, a comprovação da participação do réu BENEDITO VAZ BARROS perpassa pela demonstração do dolo específico de lesar o Erário e pelo efetivo benefício com a dispensa ilegal da licitação. Ocorre que, no caso sob análise, não há nos autos prova robusta e suficiente capaz de amparar a prolação de um édito condenatório, sobretudo porque a defesa logrou êxito em suscitar dúvida razoável quanto à presença do elemento subjetivo específico do tipo penal, consistente no dolo direcionado à obtenção de vantagem indevida, essencial à configuração da conduta típica. Com efeito, embora o Ministério Público tenha se esforçado na tentativa de demonstrar a existência de suposto superfaturamento, não se desincumbiu do ônus de comprovar, de forma inconteste, a efetiva ocorrência de prejuízo ao erário, elemento que, na espécie, se revela indispensável para a correta aferição da existência do dolo específico. A título de exemplo, o parquet destaca, em relação ao item Ácido Acetilsalicílico 100mg, na quantidade de 20.000 (vinte mil) unidades, que o valor de mercado, segundo tabela da ANVISA, seria de R$ 171,80 (cento e setenta e um reais e oitenta centavos), enquanto o valor contratado foi de R$ 820,00 (oitocentos e vinte reais), representando, de fato, uma discrepância considerável, com custo aproximadamente cinco vezes superior ao preço de referência. No entanto, essa é a única demonstração pontual apresentada pelo órgão acusatório, pois, em relação à totalidade dos demais itens — que, registre-se, são centenas —, não foi trazida qualquer análise técnica capaz de evidenciar sobrepreço, superfaturamento ou efetivo dano ao erário. O mesmo se observa quanto ao item Diclofenaco de Potássio 15mg/mL, na quantidade de 300 (trezentas) unidades, cujo valor de mercado, também segundo a ANVISA, seria de R$ 449,58 (quatrocentos e quarenta e nove reais e cinquenta e oito centavos), ao passo que o valor contratado foi de R$ 606,30 (seiscentos e seis reais e trinta centavos). Ainda que se identifique aparente majoração, a diferença, isoladamente considerada, não se revela, por si só, apta a evidenciar um prejuízo concreto e expressivo ao erário, tampouco permite inferir a existência de um dolo específico direcionado à prática de ilícito penal. Assim, embora o Ministério Público aponte indícios de irregularidades em determinados itens, não logra êxito em demonstrar, de forma ampla, técnica e consistente, que houve efetivo prejuízo ao erário público no contexto global da contratação. E, sem essa demonstração, não se sustenta a tese acusatória no tocante ao elemento subjetivo específico do tipo penal, qual seja, a vontade consciente e dirigida à obtenção de vantagem ilícita. Portanto, a fragilidade probatória no que se refere ao efetivo dano ao patrimônio público conduz, inexoravelmente, ao reconhecimento de que não restou comprovado o dolo específico exigido pela norma penal, impondo-se, assim, a absolvição do acusado, por ausência de provas capazes de sustentar juízo condenatório. A prova é, pois, duvidosa, não se podendo concluir de forma inconteste que o acusado praticou o crime que lhe fora imputado na denúncia. O caso dos autos traz à baila a questão da presunção de inocência como regra de julgamento. O Princípio da Presunção de Inocência possui diversas acepções, fixando alguns doutrinadores duas acepções básicas - regra de tratamento e regra de juízo - e outros, três acepções, a duas mencionadas mais a garantia política do Estado de Inocência. A acepção de garantia política vincula-se à relação entre indivíduo e Estado. O processo penal consolida um conjunto de normas-princípio e normas-regra, que têm por escopo disciplinar o exercício daquele poder-dever estatal, limitando-o, para que não existam excessos e firmando direitos e garantias em prol dos acusados em geral. “Como verdadeiro princípio-garantia, a presunção de inocência implica a predisposição de certos mecanismos pelo ordenamento jurídico, cujo objetivo é tornar seguros os direitos do cidadão diante do poder punitivo estatal e também diante de outros cidadãos. Trata-se, enfim, de estabelecer verdadeiros limites à atividade repressiva, demarcando uma espécie de terreno proibido no qual o legislador ordinário (e até mesmo o poder constituinte derivado) não podem penetrar, de forma a possibilitar a máxima eficácia dos direitos fundamentais envolvidos“. (GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência: princípios e garantias. In: Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 130-131). Outro sentido pode ser nominado com a regra de julgamento. Significa dizer que a pessoa deve ser considerada inocente, caberá ao acusador propor e produzir provas de sua culpabilidade, e não àquela a demonstração de sua inocência. Desta feita, no processo penal, compete somente à acusação o ônus da prova, estando o acusado livre da necessidade de comprovar sua inocência sendo assegurado ao mesmo o contraditório e da ampla defesa. A mesma regra de julgamento apresenta outro desdobramento, confundindo-se com o princípio in dubio pro reo: a inocência preestabelecida do acusado não somente impõe ao acusador a incumbência de comprovar suas alegações, como também a de efetuar tal comprovação de modo cabal, ou seja, com embasamento probatório suficiente e acima de qualquer dúvida razoável. Caso não seja possível, impõe-se a absolvição. Assim sendo, pelas razões acima elencadas, não se sente este Magistrado firme em exarar um decreto condenatório do acusado. Cediço na doutrina e na jurisprudência que, na INCERTEZA, trazida pelos argumentos acima explicitados, impõe-se a invocação do princípio “in dubio pro reo”, não podendo, tal incerteza, ser carregada em prejuízo do acusado. DISPOSITIVO Ante o exposto, e, de posse das provas e elementos de informação existentes nos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o acusado JOSE NAZARENO SARAIVA SOUZA ao crime do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, e ABSOLVO o acusado BENEDITO VAZ BARROS das penas previstas no art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993. Por imperativo legal, passo à dosimetria da pena considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal e obedecendo ao sistema trifásico do art. 68, do CP. DOSIMETRIA DA PENA 1ª. FASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (art. 59 do Código Penal) Culpabilidade. A culpabilidade deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade, ou seja, o juízo de censura que incide o responsável pela prática da infração penal, razão por que, para análise desta circunstância judicial, a reprovabilidade a ser considerada é aquela que excede a normalidade do tipo penal. A meu sentir, tomando por referência a demonstração de maior reprovabilidade ou censurabilidade da conduta praticada, entendo que, no caso dos autos, suplantou-se o que fora abstratamente considerado pelo legislador, na medida em que o acusado, na condição de empresário, detentor de pleno conhecimento não apenas dos procedimentos administrativos, mas também dos princípios que regem a Administração Pública, se valeu conscientemente desse conhecimento especializado, não para cumprir as normas que regem as contratações públicas, mas, ao contrário, para estruturar uma cadeia de atos fraudulentos, direcionados ao esvaziamento do dever de lisura, competitividade e isonomia que orienta o regime licitatório. Não se está aqui diante de um agir motivado por necessidade, ignorância ou erro, mas sim de conduta altamente reprovável, que revela um desvalor da ação intensificado, na medida em que o acusado, de forma livre e deliberada, transformou uma ferramenta de fomento ao interesse público — a licitação — em instrumento de satisfação de interesse pessoal, frustrando a livre concorrência e violando frontalmente os deveres éticos que regem não apenas o mundo dos negócios, mas a própria convivência social. A culpabilidade, portanto, se mostra particularmente agravada não apenas pela violação formal da lei, mas sobretudo pela intensidade da ruptura com os valores de probidade, lealdade e ética que devem informar tanto a atividade empresarial quanto a relação com o poder público. Trata-se de desvio de conduta que revela profundo desprezo pelo regime jurídico de proteção ao patrimônio público e pela própria coletividade, cujo interesse foi direta e conscientemente sacrificado em prol do benefício próprio. Nessas circunstâncias, a censurabilidade do comportamento supera em muito o grau ordinário de reprovação inerente à simples subsunção da conduta ao tipo penal, legitimando, assim, a exasperação da pena-base. Antecedentes Criminais: nada a valorar Conduta Social: nada a valorar; Personalidade: não há dados técnicos nos autos para aferi-la; Motivos do crime: são os comuns ao tipo; Circunstâncias do crime. São os dados acidentais, secundários, relativos à infração penal, mas que não integram sua estrutura, tais como o modo de execução do crime, os instrumentos empregados em sua prática, as condições de tempo e local em que ocorreu o ilícito penal, o relacionamento entre o agente e o ofendido etc. Não há lugar para a gravidade abstrata do crime, pois essa circunstância já foi levada em consideração pelo legislador para a cominação das penas mínima e máxima. STF - HC 92.274/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1.ª Turma, j. 19.02.2008. Considerando essas premissas, entendo desfavoráveis as circunstâncias do crime, notadamente em razão do modus operandi empregado, que evidencia um elevado grau de sofisticação, planejamento e organização na prática delitiva. O crime não foi cometido de forma impulsiva, isolada ou rudimentar, mas sim por meio de estratégias cuidadosamente articuladas, que envolveram a montagem de procedimentos licitatórios inteiramente simulados, a utilização de documentos produzidos a posteriori, a ausência de comprovação formal do envio de convites e, ainda, a prática reiterada e dolosa de fracionamento de despesas, tudo com o nítido propósito de criar uma aparência de legalidade para contratações que, desde sua origem, eram absolutamente viciadas e ilícitas. O modus operandi adotado demonstra, de forma cristalina, que não se tratou de simples tentativa de burlar um ou outro requisito formal do procedimento licitatório, mas sim de um verdadeiro esquema fraudulento, estruturado, planejado e executado com elevado grau de dissimulação, voltado à frustração do caráter competitivo dos certames, ao direcionamento das contratações e, por conseguinte, à obtenção de vantagem ilícita. Consequências extrapenais. Estas se mostram extremamente gravosas, na medida em que a conduta perpetrada pelo acusado, na condição de empresário, consciente de seus deveres legais e da relevância social dos contratos administrativos, resultou na completa subversão do sistema licitatório, frustrando, de maneira dolosa, o caráter competitivo do certame, com inegável comprometimento à isonomia, à moralidade e à probidade que devem reger a Administração Pública. Não se tratou, portanto, de episódio isolado, de erro ou de falha circunstancial, mas sim de conduta meticulosamente planejada, voltada ao aniquilamento da transparência, da competitividade e da lisura que legitimam o uso dos recursos públicos. As consequências são extremamente danosas, pois a prática adotada fragiliza as estruturas da Administração Pública, rompe a confiança da coletividade na correta aplicação dos recursos públicos, gera insegurança institucional e promove verdadeira erosão dos princípios constitucionais que regem a gestão pública. Além disso, contribui para a perpetuação de práticas ilícitas que, ao longo do tempo, comprometem não apenas os cofres públicos, mas também o acesso da população a políticas públicas eficientes, igualitárias e transparentes. Comportamento da vítima: normal à espécie. Tendo em vista, pois, as circunstâncias judiciais acima valoradas, e nos termos da melhor jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no HC 596327 SC 2020/0169742-1) - que garante ao julgador, desde que devidamente fundamentada a dosimetria, como no caso em apreço, a escolha da sanção a ser estabelecida, nesta primeira etapa de dosimetria da pena, desvinculada de critérios aritméticos -, exaspero a pena base, fixando-a em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias multas. 2ª FASE - CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS Não concorrem circunstâncias agravantes e atenuantes. 3ª. FASE - CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO E/OU DIMINUIÇO DE PENA Não concorrem causas especiais de diminuição de pena. PENA DEFINITIVA Vencidas as etapas do artigo 68 do Código Penal e verificadas as regras de concurso de delitos, por entender como necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, fica o acusado definitivamente condenado à pena de 03 (TRÊS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE DETENÇÃO E 100 (CEM) DIAS MULTAS. Fixo cada dia multa em um trigésimo do salário-mínimo, em razão da ausência de elementos nos autos que possam atestar a capacidade econômica do acusado REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA Embora a pena aplicada permita, em tese, o regime aberto, a existência de três circunstâncias judiciais desfavoráveis — culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências — impõe a fixação do regime inicial SEMIABERTO, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. SUBSTITUIÇO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, quais sejam: a) Prestação pecuniária no valor equivalente a 10 (dez) salários-mínimos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser indicada na fase de execução da pena; b) Prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade aplicada, em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, devendo as atividades atender às aptidões do condenado e às necessidades da entidade beneficiada. DA LIBERDADE PARA RECORRER. Ausentes os requisitos autorizadores do art. 312, do CPP, concedo ao acusado o direito de recorrer em liberdade. CUSTAS PROCESSUAIS Custa na forma da lei PROVIDÊNCIAS A SEREM TOMADAS PELA SECRETARIA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO Após o trânsito em julgado da presente decisão, tomem-se as seguintes providências: I. Lance-se o nome dos apenados no Livro de Rol dos Culpados desta Comarca; II. Caso o condenado já se encontre preso, ou após sua captura, extraiam-se guias de recolhimento definitivo, com fiel observância do disposto nos arts. 105 a 107 da Lei n. 7.210/84, para o acompanhamento da execução da pena imposta; III. Informe ao TRE/PA, por meio do sistema INFODIP, comunicando a condenação do réu, com sua identificação, para o cumprimento do quanto disposto pelo art. 15, III, da Constituição Federal, e pelo art. 71, § 2º, do Código Eleitoral; IV. Por fim, cumpridas as providências acima, no que se refere à pena de multa, deverão ser formados autos próprios de execução, em caso de requerimento expresso do Ministério Público, do contrário, arquivem-se com baixa na distribuição. PROVIDÊNCIA IMEDITAS A SEREM TOMADAS PELA SECRETARIA Publique. Registre-se. Intime-se. Expedientes necessários. Cachoeira do Arari, data registrada no sistema. __________________________________ ITHIEL VICTOR ARAUJO PORTELA Juiz de Direito
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