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Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL" – Página 791 de 824
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Gloria A Maria Prado Sobrin…
OAB/RJ 158.966
GLORIA A MARIA PRADO SOBRINHO consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 331324730
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Criminal da Comarca de Dom Eliseu
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0001841-72.2019.8.14.0107
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Advogados:
JAIAME PONTES LUZ
OAB/PA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ Vara Criminal de Dom Eliseu _____________________________________________________________ PROCESSO Nº: 0001841-72.2019.8.14.0107 NOME: JUCELINO …
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Processo nº 0800194-84.2021.8.14.0124
ID: 317116155
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800194-84.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS ARRUDA ESPINDOLA
OAB/TO XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800194-84.2021.8.14.0124
ID: 317112976
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800194-84.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS ARRUDA ESPINDOLA
OAB/TO XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800194-84.2021.8.14.0124
ID: 317117682
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800194-84.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS ARRUDA ESPINDOLA
OAB/TO XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800167-04.2021.8.14.0124
ID: 320020510
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800167-04.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HEIDE PATRICIA NUNES DE CASTRO
OAB/PA XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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ALLAN AUGUSTO LEMOS DIAS
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800167-04.2021.8.14.0124
ID: 320022305
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800167-04.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HEIDE PATRICIA NUNES DE CASTRO
OAB/PA XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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ALLAN AUGUSTO LEMOS DIAS
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800167-04.2021.8.14.0124
ID: 320023290
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800167-04.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HEIDE PATRICIA NUNES DE CASTRO
OAB/PA XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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ALLAN AUGUSTO LEMOS DIAS
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800167-04.2021.8.14.0124
ID: 320024149
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800167-04.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HEIDE PATRICIA NUNES DE CASTRO
OAB/PA XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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ALLAN AUGUSTO LEMOS DIAS
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800179-18.2021.8.14.0124
ID: 320093859
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800179-18.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALLAN AUGUSTO LEMOS DIAS
OAB/PA XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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Processo nº 0800179-18.2021.8.14.0124
ID: 320095240
Tribunal: TJPA
Órgão: Vara Única de São Domingos do Araguaia
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0800179-18.2021.8.14.0124
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALLAN AUGUSTO LEMOS DIAS
OAB/PA XXXXXX
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EDILANE ANDRADE DA COSTA MIRANDA
OAB/PA XXXXXX
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SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 p…
SENTENÇA Trata-se de ação de improbidade originalmente ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, cujo polo ativo foi assumido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. No polo passivo constaram 50 partes e, com o desmembramento do feito, formaram-se os presentes autos, tendo como réus Jaime Modesto e outros. Grosso modo, foi alegado que teria sido montada uma estrutura ilícita na unidade correspondente ao setor de licitações do município, com o único objetivo de prospectar e projetar simulações tradutoras de sobrepreços e direcionamentos. Segundo a inicial, essa estrutura operativa era coordenada pelo antigo gestor, Jaime Modesto, conforme conclusões da Polícia Federal e da CGU - Controladoria Geral da União. Ainda pela inicial, foi informado que haveria vários denunciantes desse esquema ilícito, cujas versões foram colhidas por testemunho. Contextualizou-se, dessa forma, como tais esquemas operavam, notabilizando-se o alinhamento intencional entre as empresas licitantes. Ampliando o nicho das visualizações ilícitas, a CGU apontou uma série de máculas em diversos procedimentos licitatórios e pregões, com sinalização de sobrepreços e direcionamentos. Também foi narrada a existência de vários erros e omissões sobre o controle do estoque e do fluxo dos insumos médico-hospitalares. Foi alegado que teria sido constatado pagamento por serviços e produtos não realizados e entregues, respectivamente. Outro ponto vislumbrado tocou na performance disfuncional da Secretaria de Saúde, que adquiria insumos medicamentosos com prazo de validade vencido, expedição de ordens de pagamento sem licitações, autorizava a execução de bens e serviços com sobrepreço. Por conta desses fatos, foi manejada a presente ação de improbidade administrativa. O feito foi declinado à Justiça Estadual. Em decisão proferida em 10.02.2022, facultou-se ao MPPA a fazer os ajustes necessários à nova redação da LIA. Em síntese, foi determinado que "(...) a petição inicial deverá individualizar a conduta do(s) réu(s) e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência do ato ímprobo e de sua autoria, além de ser instruída com as provas ou indícios suficientes da existência do ato de improbidade, sob pena do seu indeferimento de ofício pelo magistrado e/ou condenação em litigância de má-fé." Em petição subscrita a partir do evento 56777596 - Pág. 1, o MPPA pormenorizou a conduta dos réus, sobretudo fazendo destaque ao relatório da CGU, oportunizado no feito. Em 20 de maio de 2025, o feito foi organizado e saneado. Na oportunidade, conclamou-se que todos indicassem as provas que deveriam ser produzidas. Em sua manifestação, o MPPA pugnou pela oitiva das testemunhas arroladas anteriormente. Sobreveio decisão em que foi oportunizado que todos se manifestassem sobre possível questão prejudicial, atinente à insatisfação aos pressupostos processuais positivos. O MPPA, em sua manifestação, refutou essa leitura, requerendo a consecução do feito. É o relatório. Decido. 1. DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE O instituto da prescrição intercorrente só pode viger, segundo o deliberado pelo STF no Tema 1.199, a partir da edição da Lei 14.230/21. Nesse contexto, como os feitos foram ajuizados em data anterior, inviável que se pretenda aproveitar desse instituto processual. 2. DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO – REFLEXOS NO JULGAMENTO O presente feito iniciou sua tramitação na Justiça Federal sob o n. 3058-84.2017.4.01.3901, distribuído à 1ª vara da seção judiciária de Marabá aos 13 de setembro de 2017 (em dependência com a ação 87313420124013901). Como no polo passivo foram incluídos 50 réus, decidiu-se pelo desmembramento em 08 processos distintos, todos contendo os mesmos documentos. Com o declínio da competência à Justiça Estadual, referidas ações receberam as seguintes numerações: 0800081-33.2021.8.14.0124; 0800160-12.2021.8.14.0124, 0800179-18.2021.8.14.0124, 0800187-92.2021.8.14.0124, 0800194-84.2021.8.14.0124, 0800167-04.2021.8.14.0124, 0800113-38.2021.8.14.0124 e 0800066-64.2021.8.14.0124. O problema é que ao fazer a formação de novos autos, determinados réus passaram a compor o polo passivo de todos os feitos, como o ex-prefeito Jaime Modesto da Silva. Nesse sentido, percebo que há litispendência em relação ao ex-prefeito Jaime, já que sua situação já fora objeto de análise na sentença proferida na ação 0800160-12.2021.8.14.0124. 3. QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO Com o advento da alteração da Lei de Improbidade Administrativa - LIA pela Lei 14.230/21, compreende-se que o feito deve ter seus fundamentos de tramitação - pressupostos processuais e condições de ação - novamente reanalisados. Com esse objetivo, não podemos nos esquecer que ao presente feito foi atribuída a estrutura de um Direito Administrativo Sancionador, o que interfere não só na condução sob um novo rito processual, como também introduz uma nova dogmática diretiva a todos os atores processuais. Isso é significativo, na medida em que alguns vetores devem nortear o recebimento e o processamento do presente feito. Percebe-se que foram instituídos, pelo parágrafo 6º-B, artigo 17 da LIA, pressupostos processuais positivos, cujas insatisfações seriam impeditivas ao ajuizamento ou à consecução da ação. Esse advento do Direito Administrativo Sancionador trouxe importantes planos analíticos. Ao se instituir uma nova dogmática jurídica, com princípios específicos e exercícios hermenêuticos singulares, aproximando-se daquela que vigora na condução das ações penais, vários e novos eixos diretivos foram inaugurados, a saber: (a) Limitação ao Controle de Gestão A AIA não pode ser utilizada para fazer controle de atos de gestão, ou mesmo de ineficiência gerencial. Pela 2ª parte do artigo 17-D da LIA, é "(...) vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos." O parágrafo único desse artigo, em alinhamento com a redação do artigo 28 da Lei 13.655/18, deixou claro que a "(...) responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985". (b) Divergência Interpretativa Interpretações jurídicas sobre fenômenos administrativos, por expressa deliberação do parágrafo 8º, artigo 1º da LIA, não ensejam o ajuizamento da ação de improbidade, a saber: "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário." (c) Lastro Probatório Mínimo A inicial deverá ser instruída com o lastro probatório mínimo, sendo inviável qualquer flerte com o fenômeno da fishing expedition e sua possível projeção, numa reestilização do instituto, à fase de dilação probatória. Por possuir caráter repressivo, a conduta dolosa atribuída ao servidor público deverá ser contextualizada, e não presumida, na causa de pedir, consoante se infere da 1ª parte do artigo 17-D da LIA. (d) Tipificação da Conduta Deverá a conduta atribuída ao(s) réu(s) estar tipificada, não sendo autorizada a invocação, como substitutivo, dos princípios e sua inerente plasticidade de empuxo e ajuste para toda sorte de evento desconforme e lesivo. (e) Subsunção Fato-Norma Deve haver perfeita subsunção entre os fatos eleitos pelo legislador como ímprobos e a norma sancionadora. Não pode o intérprete utilizar da hermenêutica criativa, seduzido pela mutação semântica patrocinada pelas experiências pessoais e desconectadas do sistema jurídico (artigos 926 e 927 do CPC), algo que pode ser avançado se explorado a partir dos princípios, querer forçar artificialmente o encaixe fato-norma. Por ostentar como resposta um cardápio de sanções extremamente contundentes, permitir que os princípios jurídicos, figuras deveras abertas, ou mesmo operações subsuntivas criativas e extensivas, consigam prospectar e sancionar condutas administrativas irregulares, por certo que geraríamos uma insegurança sem precedentes àqueles que se dispõem a exercer a capacidade eleitoral passiva, ou mesmo àqueles que integram o serviço público. (f) Elemento Subjetivo Doloso O elemento subjetivo doloso (modalidade dolo específico) deverá contar, para sua evidenciação, com capítulos específicos na petição inicial. Mas como estamos diante de pressuposto processual de validade, por expressa determinação do legislador, a inicial deverá ser acompanhada da justa causa/lastro probatório mínimo. O dolo apto a atrair a responsabilização por improbidade exige fim específico, como pode ser extraído do parágrafo 2º, artigo 1º da LIA, como também do parágrafo 5º, artigo 11 da LIA. (g) Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Se a pessoa jurídica for incluída no polo passivo da AIA, isso não significa que igual sorte deverá ser acompanhada por aqueles que compõem seu quadro societário. O parágrafo 1º, artigo 3º da LIA, claramente impõe uma condição para que ocorra esse avanço de responsabilização, a saber: "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." 3.1. ANÁLISE DA DOCUMENTAÇÃO Restrito à margem de movimentação permitida por essas molduras, observo que a documentação que se qualifica como lastro probatório mínimo se limitou ao Relatório produzido pela CGU. Contendo 16 páginas, reportaria a situações envolvendo diversos procedimentos licitatórios. Mas não só, já que há indicativos de que haveria sido criada uma suposta estrutura administrativa "paralela", erigida à margem da institucional, com o objetivo de drenar dinheiro público mediante abuso de fórmulas e omissões intencionais. A questão é que todo o acervo documental que teria dado origem às conclusões da CGU não foi aportado ao feito. E o estilo desse relatório se mostrou altamente insuficiente, sobretudo para garantir o exercício da ampla defesa. Permeadas de locuções sintéticas e com fins conclusivos, impediu-se aos envolvidos compreender e investigar quais teriam sido as premissas fáticas utilizadas para a formação do juízo de desvalor vazado nesse relatório da Controladoria da UF. Esse perfil estático de compreender os fatos, nulificou a todos entender as dinâmicas factuais que estariam a operar na Administração Pública municipal. Dessa forma, igualmente se impediu compreender e sistematizar a performance individual de cada um dos réus, como também adicionou camadas impeditivas para se interpretar a presença do elemento subjetivo doloso, pelo menos no que se refere aos sócios das empresas licitantes. Em que pese haver testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na fase das investigações, não se descartando sua replicação na fase de instrução probatória, não se nega que todas essas narrativas só poderiam ser visualizadas, confirmadas, infirmadas e interpretadas a partir dos documentos que foram objeto de busca e apreensão e os quais teriam dado ensejo ao mencionado relatório. Este acervo documental corresponderia ao lastro probatório mínimo (justa causa). Sem eles, narrativas testemunhais que não podem ser visualizadas a partir de estratos físicos dos eventos tidos como ímprobos, no mínimo têm baixíssimo potencial de convencimento. Não custa frisar que atos administrativos, e aqui se incluem os simulados, devem ter sua leitura inferencial a partir de substratos materiais. Afinal, como estaríamos diante de várias simulações, a prova testemunhal só teria aptidão e força para descamar as camadas daquilo que se fez como aparência de "legalidade". Seria pelas provas testemunhais que os ilícitos poderiam ser evidenciados, ser trazidos à claridade. Mas isso só seria viável se estivéssemos diante de um substrato material-probatório à partida, como a disponibilização de todos os procedimentos licitatórios sobre os quais os órgãos de controle inferiram suas leituras sugestivas de uma engenharia "criminosa". A prova testemunhal jamais teria aptidão de substituir os documentos públicos, sobretudo se ficaram todos eles resguardados com a acusação. O que se observa é que todos os eventos referidos na petição inicial, como resultados de busca e apreensão, perícias e laudos produzidos, cópias de diversos documentos públicos, como aqueles que conteriam os diversos procedimentos de licitações e leilões referidos na inicial, foram sintetizados e geraram o Relatório, de 16 páginas, produzido pela CGU - Controladoria Geral da União, a partir do evento 23640152 - Pág. 39. 3.2. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR AQUELE QUE OPERA POR ATO ILÍCITO E AQUELE QUE AGE OU SE OMITE POR ATO DE IMPROBIDADE Não há dúvidas de que existem indícios de que uma estrutura operativa de ilícito tenha sido erigida às margens da institucional. O que não se pode concluir é que todos os servidores públicos tenham agido com alinhamento de elemento subjetivo. Poderiam até estar conscientes de que coparticipavam de um arranjo bem distante do que seria lícito e esperado, mas não há como garantir que todos estivessem cientes e inteirados dos propósitos ímprobos. Somente a partir da leitura e da interpretação desse acervo documental, que outrora foi utilizado pela CGU, é que tais inferências poderiam ocorrer. Privados desses documentos, tenderíamos a fazer presunções ou suposições para avançar. Acontece que não se pode presumir que alguns comportamentos tenham sido animados com o objetivo de patrocinar a extração de dinheiro público, favorecendo terceiros. Isso é significativo, já que o avanço que se reclama no feito acabaria nos colocando, segundo as novas parametrizações normativas, na correição ou valoração de atos tipicamente de gestão. Enquanto o sistema de responsabilização gerenciado pelos Tribunais de Contas, ou pelas Controladorias Internas e Externas, permite o acionamento institucional a partir de elementos subjetivos mais amplos - como a culpa e a desídia -, o processamento da AIA exige-se um calibre mais fino, notabilizado pela evidenciação do elemento subjetivo doloso, na modalidade específica. Atos gerenciais inadequados, desconformes e reveladores ou indicativos de dano patrimonial, não autorizam, por si só, o manejo da ação de improbidade administrativa. Segundo o parágrafo 3º, artigo 1º da nova redação da LIA, "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa." Não há nos autos indicação clara sobre as performances gerenciais ilegais patrocinadas pelos réus, sendo apenas presuntiva uma subsunção aos tipos veiculados pela LIA. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Figuras próximas, mas que exigem reflexos institucionais distintos, cada qual com sua singular dogmática. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade, já que esta deve ser compreendida como sendo outra camada daquela disfuncionalidade. Ambas se revelam como deformidades em relação ao sistema jurídico. Todavia, têm distintas repercussões e respostas institucionais. Os atos narrados na causa de pedir são sérios, desalinhados do sistema jurídico, e por isso mesmo atraem uma resposta institucional, mas certamente em searas distintas daquelas disponibilizadas na ação de improbidade administrativa - AIA. Gestores municipais - aqueles que integram os órgãos autônomos - não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Essa é uma questão importante, pois se não tivermos a cópia integral do processo licitatório, sobretudo aquela que revelaria suas fases internas, não há como fazer a correta identificação de quem teria agido com desídia. Mas não só, já que não há como presumir que do ilícito tenha se projetado uma invariável improbidade. O que se pretende afirmar, não obstante as patentes leituras fortemente indicativas de que houve uma estruturação operativa de ilícitos, é que não se torna possível, por ora, visualizar, com exatidão, os elementos subjetivos de algumas partes processuais. Estes elementos subjetivos, ao que parece, foram presumidos a partir de um constructo de ilícito em curso, como se esse fenômeno fosse capaz, por si só, de revelar o perfil de comportamento e performance. Isso é importante até mesmo para caracterizar o status em que o ex-prefeito seria incluído no polo passivo da AIA. Gestores municipais não podem ser atraídos à AIA por atribuições e deficiências que, a princípio, seriam atribuídas a servidores públicos, já que não possuem eles deveres de correição e validação sobre todas as deformidades operadas na Administração Pública. Se não são os Ordenadores de Despesas - algo que não se sabe até então -, exigiria outro perfil de adesão à AIA. O fato de estarem no ápice da estrutura gerencial não lhes é atribuído, por construção intuitiva e pressuposta pelo senso comum, o dever de se apresentar como garante universal de tudo aquilo que ocorre nas estruturas administrativas que são diluídas abaixo de seu comando. Se foi o próprio gestor o responsável pelo ilícito, nada se sabe, por falta de documentação relativa às fases que se desdobraram após a subscrição do Contrato Administrativo. Dada a singularidade do elemento subjetivo doloso exigido ao processamento da AIA, por certo que esse suposto dever universal de controle, uma ficção que não resiste às práticas gerenciais, não poderia se contentar com a culpa in eligendo e/ou culpa in vigilando. Já na inicial deveria haver, além do substrato mínimo qualificado como justa causa, os documentos que poderiam e podem ser acessados e extraídos da Contabilidade Pública, acessível a todos pelo artigo 48 da LC 101/00. Mesmo para que se pudesse legitimar a invocação de alguma variante da ótica da teoria da cegueira deliberada, seria necessário descrever, em capítulo próprio, como o comportamento omissivo doloso, para funcionalizar o ilícito, teria contado com o apoio gerencial do gestor municipal. Com a devida vênia, não há claridade na participação dos réus, como se verifica da seguinte passagem, pelo menos no que se refere ao réu Márcio Rabelo da Silva, como veremos à frente. Nesse aspecto, convém observar que o único documento utilizado para instruir o feito, o Relatório da CGU, ao esclarecer os eixos de sua atuação no 4º parágrafo, de sua 1ª página, informou que seus trabalhos se limitaram a identificar as irregularidades, não avançando se forma direta no modus operandi e na particularização da performance de cada um dos réus. Esse cenário foi aberto pelos testemunhos colhidos na fase de investigações, junto ao MPF. Tal como apresentado, sequer se mostra possível, exceto por leituras inseguras e calibradas pelo senso comum, mas vedadas pela presunção, identificar os responsáveis pelos atos desconformes, como a efetiva dimensão do dano. Igualmente prejudicada, tal como apresentado, a visualização do elemento anímico que estaria por trás de cada agente público cuja participação teria sido reclamada a partir do início das execuções do Contrato Administrativo em tela. Com relação aos sócios das empresas rés, todos incluídos no feito, seria exigido capítulo específico. De fato, a presunção é que não podem ser atraídos à AIA, já que pelo artigo 3º, parágrafo 1º da LIA, "os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação." Em síntese, a prestabilidade e a pertinência do relatório da CGU deve ser interpretada com cautela, como se exige pelo inciso II, artigo 21 da LIA. Afinal, não custa lembrar que pelo parágrafo 2º desse artigo, "os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". 3.3. DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO PELA DEFICIÊNCIA NAS BUSCAS E APREENSÕES Embora não se possa rejeitar a existência de uma estrutura operativa disfuncional, artificial e voluntariamente instalada na Administração Pública municipal, com o objetivo de desviar dinheiro público, colocando a população à mingua do mínimo existencial, algo que se mostra altamente censurável, alguns pontos devem ser esclarecidos. Não é porque havia uma estrutura operativa em ação, apta e idônea para gerar drenagem de dinheiro público, com roteiros que tipificariam várias nuances de crime, que estaríamos autorizados a presumir que todos os empresários que ofertavam bens e serviços à Administração Pública possam ser atraídos e vaticinados pela mesma sorte dos agentes deletérios e disfuncionais que voluntariamente aderiram a essas engrenagens. Essa premissa é importante, já que se observou que muitos teriam sido atraídos à lide de improbidade como resultado ineficiente ou insatisfatório das buscas e apreensões realizadas. Explico. A não localização, pelos atos de buscas e apreensões, de determinados processos administrativos, supostamente instaurados a partir da Lei 8.666/93 ou da Lei 10.520/02, não autoriza a presumir que se estivesse invariavelmente diante de atos de improbidade. Embora se reconheça que haja elementos concretos, críveis e altamente defensáveis de que no município operava uma estrutura com faces criminosas para desviar dinheiro público, não se pode presumir e generalizar que esse fenômeno teria se expandido para abarcar toda e qualquer contratação. Podemos até admitir que essa seria uma leitura inferencial crível e intuitiva. Todavia, não podemos nos esquecer que se está diante da dogmática que perfaz o Direito Administrativo Sancionador, em que fenômenos como as presunções comuns não podem ser buscadas para a formação do juízo de convencimento. No caso concreto só poderíamos avançar para as leituras pressupostas pelo MPF se houvesse ocorrido específica Tomada de Contas Especial pelos Tribunais de Contas, ou se fosse possível vislumbrar claras e indistintas conclusões a partir dos documentos recolhidos e dos contextos recriados a partir desse acervo. Mas se isso veio a acontecer, nada há nos autos, inviabilizando-se, sobretudo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. 3.4. DA ALEGAÇÃO DE INEFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ineficiência administrativa, por si só, não pode se traduzir como atos de improbidade. Tal ilação, para ser defensável, exigiria o avanço aos distintos planos probatórios que deveriam ter sido juntados à partida, na petição inicial, a saber: (a) Procedimentos Licitatórios No caso dos ilícitos relativos aos procedimentos licitatórios, seria necessário não só a fase interna desses procedimentos, como os documentos que poderiam consubstanciar 4 distintas fases da execução: 1. Medição e fiscalização do Contrato pelo Fiscal; 2. Geração de relatórios e atestes a serem enviados ao ordenador de despesas; 3. Realização da liquidação das despesas; e 4. Expedição da ordem de pagamento. Nenhum dos agentes públicos que intervieram nessas fases foram identificados, exceto por presunção. Nem mesmo essas fases foram evidenciadas, não se sabendo em que ponto teriam originado as irregularidades apontadas como ímprobas. (b) Estudos de Controle Associar qualquer tipo de disfunção institucional, ainda que deliberada, às práticas ilícitas tidas como improbidade, exigiria, antes, estudos típicos dos Controles Internos ou Externos, notadamente sobre o aspecto operacional, consoante previsto pelo artigo 70 da CRFB/88. Culpa e omissão gravíssima (artigo 28 da Lei 14.230/21), por si só, têm potencial de deflagrar outro sistema de responsabilização, cujo escopo seria o ressarcitório. Não há como divisar duas situações contempladas na LIA. Isso porque pelo parágrafo 3º, artigo 1º desse diploma "o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa", não se sabendo se no caso concreto haveria alinhamento anímico passível de ser enquadrado no dolo específico, ou seja, se estaríamos diante de uma deformidade institucional com o objetivo de gerar contextos para facilitar e viabilizar a materialização de sucessivos atos de improbidade. 3.5. ANÁLISE SINTÉTICA DO NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS POSITIVOS À AIA Diante da dogmática inaugurada, que se revela pela locução Direito Administrativo Sancionador, é incabível que ações que se revistam e consigam atrair imputações sérias possam ser ajuizadas, legando-se para frente - leia-se, fase de instrução -, a demonstração da justa causa. Assim permitir seria autorizar, com criativo esforço hermenêutico, o fenômeno da fishing expedition, com reestilização para o universo processual. Quadro Comparativo dos Pressupostos Pressupostos positivos - Lei 14.230/21 Situação verificada concretamente Dolo específico (parágrafo 2º, artigo 1º c/c art. 3º, LIA) Sem documentos, há presunção a partir de ilícito. Embora o ilícito tenha ganhado matriz operativa sistêmica e supostamente em escala fordista, o mero fato de participar de processos licitatórios, ao que parece, foi tido como suficiente para tutelar a tese de dolo direto. Todavia, não como aferir tais presunções, por falta de acervo material para inferências. Lastro probatório mínimo (2ª parte do inciso I c/c inciso II, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Todos os fatos narrados na inicial, embora oriundos de atos, processos e procedimentos administrativos, ficaram pendentes de ratificação. Desprovido desses cadernos, a inicial se limitou num relatório da CGU, cujo conteúdo não pode ser expandido ou interpretado, a partir de suas fontes primárias. Individualização da conduta (1ª parte do inciso I, parágrafo 6º, artigo 17 da LIA) Se por um lado ficou clara a performance dos agentes públicos incluídos no feito, havendo inclusive destaque para alguns empresários, tal situação não poderia ser generalizada como óbvia. Em muitos casos não ficou claro como os sócios das empresas rés teriam participado e empreendido no contexto da improbidade. A presunção legal é que somente a pessoa jurídica deva ser responsabilizada, necessitando de capítulo específico para se entronizar no feito seus sócios. Igualmente deveria ter sido contextualizadas as particularidades dos ajustes entre as pessoas jurídicas. O mero fato de haver sobrepreço, por exemplo, deve ser interpretado como ilegalidade, havendo distância com a improbidade. A falta de documentos relativa à fase de fiscalização dos contratos, bem como os procedimentos de liquidação (artigo 63, Lei 4320/64), como as manifestações dos ordenadores de despesas, igualmente dificulta compreender como cada agente público teria atuado na realidade. Tipicidade "fechada” tradutora de tipicidade perfeita, sem apoio de normas para ajuste subsuntivo (inciso I, parágrafo 10-F, artigo 17 c/c inciso I, artigo 17-C, ambos da LIA) A falta de evidenciação dos danos, ou mesmo seus indicativos mínimos, não permitem presumir que houve tipificação aos tipos normativos. Como a dogmática inaugurada pela Lei 14.230/21, todos os tipos sancionatórios são classificados como delitos materiais; aqueles em que o dano integra o tipo. Ou seja, o dano é elementar, e por isso mesmo necessária à consumação, não sendo mero exauriente do delito administrativo. A petição inicial e o acervo documental juntado não avançaram para segregar e minimamente indicar em quais nichos de deformação institucional estaríamos. Não houve pormenorização e evidenciação daqueles documentos que teriam sido enviados à fase de liquidação de despesas; não houve indicação de quem teria sido o ordenador de despesas; não há cópia dos diários derivados das fiscalizações dos contratos administrativos. Não há tomada de contas especial; como igualmente não há demonstração de que sobreveio julgamento definitivo dos recursos enviados. De qualquer forma, deveria ter sido juntada cópia de cada um dos procedimentos licitatórios sobre os quais pairam dúvidas, já que não se pode presumir, por arrastamento e generalização, que todos os procedimentos instaurados pela CPL já nasceram eivados da mácula do ímprobo. Nesse aspecto, se observarmos a 2ª página do feito, é possível intuir que haveria, antes, mais de 2.400 de documentos não oportunizados às partes, e os quais serviram de apoio à formação do juízo ministerial. 3.6. QUESTÃO RELATIVA AO SOBREPEÇO – ELEMENTAR DO TIPO SANCIONADOR Embora seja intuitivo e igualmente pressuposto, já que assim sinaliza o Relatório produzido pela CGU, a inicial da AIA não poderia deixar de evidenciar as parametrizações utilizadas para eventual leitura de sobrepreço. Não seria algo que poderia ser prospectado a posteriori. No mínimo deveria haver substrato material sugestivo desse fenômeno. O fato de haver atos que podem ser inicialmente categorizados como sendo ímprobos, até por carência de apoio legislativo, não significa que possamos presumir o consequencial fenômeno danoso. Não se descarta a tese de que estaríamos diante de uma estrutura montada para trazer textura de falsa aparência de legalidade a licitações montadas e produzidas em escala. Mas não se pode presumir que todas as dezenas de empresas colocadas no polo passivo dessas ações seguiram pela mesma sorte. Como dito, sem o lastro probatório mínimo, somente pela presunção se segrega a ilegalidade da improbidade. De toda forma, só se poderia tutelar a tese de improbidade se houvesse, sinalização de dano; dimensão a ser apoiada a partir de laudos técnicos ou substratos similares. Importante esclarecer que esse é elemento essencial à configuração dos tipos sancionatórios veiculados pelos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. Tal como a dogmática penal, aqui estaríamos diante de delitos materiais, que exigem o resultado naturalístico dano para a consumação. Algo diferente se estivéssemos diante de delitos formais ou de mera conduta, como era previsto na antiga redação do artigo 11, antes da edição da Lei 14.230/21. O dano aqui poderia ser compreendido como mero exaurimento do ato ilícito. Deve ser pontuado que o STJ, mesmo sem essa "elementar" vir expressa ou ser extraída imediatamente de leituras apressadas das atuais composições normativas contidas no artigo 11, entendeu que nesse rol sancionatório o dano seria elementar necessária à consumação delitiva. E ao fazer essa ponderação, deixa claro que sequer se trataria de revisitar os parâmetros fixados no Tema 1.199 pelo STF, mas tão só de valorizar, uma vez mais, o eixo jurisprudencial há muito pacificado, com reflexos imediatos ao 1º grau de jurisdição, já que é vedado ao juízo monocrático qualquer desalinhamento desses planos hermenêuticos, nos termos dos artigos 927 e seguintes do CPC. Jurisprudência do STJ sobre Dano Efetivo "ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.230/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.230/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7. Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados." 4. DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO INERENTE AOS FATOS De qualquer modo, afirmo: não se isentam de quaisquer responsabilidades os réus, mas apenas que não se legitima, pelas parametrizações legais, a consecução do feito. Isso não quer dizer que o(s) réu(s) não tenha(m) que ser condenado(s) ao ressarcimento do erário, se for a hipótese. É que, mesmo não sendo hipótese de improbidade administrativa, a nova redação veiculada pela Lei 14.230/21 permite a conversão automática da LIA em ação civil pública, senão vejamos: "Art. 17 (...) § 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública" De fato, nesta questão não se exige o dolo específico, mas apenas o genérico, já que nos termos do Tema 897 do STJ: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". Mas não só, já que os fatos narrados sinalizam a existência de delitos que podem ser enquadrados, em tese, como crimes tipificados pelo Decreto-lei 201/67; ainda pelos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93, crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato, dentre outras figuras. Não obstante, remanesce ao Ministério Público, enquanto sujeito ativo no presente feito, e igualmente titular das possíveis ações penais, exercer a leitura dessas possíveis repercussões processuais. “Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; VI - deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município a Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos; VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo; VIII - Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; IX - Conceder empréstimo, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; X - Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei; XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário; XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei; XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente; XV - Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei. XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei 10.028, de 2000) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.” (Destaquei). Assim, considerando que os fatos narrados na inicial, em tese, configuram crime pelo Decreto-lei 201/67, com possibilidade de atração de terceiros, servidores públicos ou privados (artigos 29 e 31 do CPB), cabe ao MPPA, lastreado do lastro probatório mínimo, verificar se é hipótese do exercício da ação penal, na adequada seara. 5. CONCLUSÕES Não há dúvidas de que na Administração Pública municipal fora instituída uma estrutura operativa “paralela” à institucional, hábil a funcionalizar a extração de dinheiro público de forma fraudulenta e com a aparência de legalidade. Há indicativos sérios e evidentes de que muitos teriam aderido voluntariamente a esse arranjo disfuncional, altamente lesivo à população, já tão carente de recursos mínimos para garantia do exercício da dignidade. Não obstante, percebe-se que muitos elementos necessários ao processamento da AIA, segundo a nova configuração entronizada pela Lei 14.230/21, se mostraram insatisfeitos. Ao se verificar que no mínimo mais de 2.400 páginas de documentos, acervo que consubstanciaria documentos públicos hauridos das buscas e apreensões, laudos técnicos, pareceres conclusos, v.g., foram privados dos réus, não há dúvidas de que o contraditório e a ampla defesa acabaram sendo altamente comprometidos. Ainda que existam testemunhas que ratificam a tese ministerial, perspectiva que não se descarta, não podemos deixar de frisar que a questão em análise é outra. Afinal, tal como feito restou impossível de os réus se defenderem adequadamente. Esse inacesso à documentação igualmente comprometeu a identificação dos elementos subjetivos dolosos. Isso ficou claro em duas situações específicas. De fato, impossível compreender o verdadeiro elemento anímico do então componente da C.P.L, o réu Márcio Rabelo da Silva. Esse disse que tudo lhe era apresentado “pronto”, para “validação” a posteriori. Mesmo que sua participação tenha sido crucial à consecução dos ilícitos, não significa que tenha agido com o dolo específico à improbidade. Enquanto servidor-meio, mesmo agindo com ilegalidade, não foi possível compreender com exatidão se fora cooptado ou lhe impostas tarefas sob pena de represália interna. O interessante é que os demais membros da Comissão não foram incluídos na lide, o que de certo modo gerou dúvidas sobre o seu real elemento subjetivo. Ou seja, não se sabe se ele agia patrocinando o erro grosseiro (artigo 28 da Lei 13.655/21), ou se conscientemente aderira ao elemento subjetivo daqueles que se alinharam à essa estrutura ilícita criada na Administração local. Não se compreendeu, ainda, como específicas pessoas jurídicas foram atraídas à AIA, como se isso fosse possível pela não se localização dos procedimentos licitatórios. E, mesmo que isso pudesse gerar uma responsabilização da pessoa jurídica, desde que houvesse comprovação de sua participação no desaparecimento desses documentos ou tenha se beneficiado disso para encobrir atos verdadeiramente de improbidade, incompreensível, ainda, os motivos de se incluírem, no polo passivo do feito, sócios que compunham o quadro societário. Percebe-se que essa composição do polo passivo derivou de exercícios presuntivos. Uma perspectiva que sequer conseguiria ser confrontada, já que o inacesso ao lastro probatório mínimo (no mínimo 2.400 páginas que ficaram resguardadas supostamente com a AGU ou com o MPF), acabou mutilando não só a formação do convencimento judicial, mas antes o próprio exercício do contraditório e da ampla defesa. 6. PARTE DISPOSITIVA Diante do exposto, com fundamento no inciso I, parágrafo 10-B, artigo 17 da LIA, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS, remanescendo à parte autora, diante da alteração do rito/tipo de ação, prosseguir o feito sob outra dogmática. Assim, após ser estabilizada a decisão: a) Constata a litispendência, excluo da lide o réus Jaime Modesto. b) Intimem-se as partes para requererem o que de direito, já que o feito deverá seguir como ação civil pública de ressarcimento, nos termos do parágrafo 5º, artigo 37 da CF c/c o enunciado do tema 897 do STJ. c) Intime-se o município, já que possui interesse patrimonial a ser discutido no feito, diante da presente conversão de rito. d) Fica o MPPA ciente das possíveis repercussões derivadas do feito, já que, em tese, podem autorizar a deflagrações de apurações de crime, na seara correta. e) O presente feito, por ser mera ação civil pública, segundo decisão retro, não se enquadra aos temas processados e julgados pelo Núcleo 04 do TJPA. Logo, determino a exclusão do feito desse perfil de cooperação, devendo, de imediato, ser comunicada à Coordenadoria do Grupo, bem como ao juízo titular da unidade judicial, acerca da presente decisão judicial. P.R.I.C. Parauapebas, data do sistema. LAURO FONTES JUNIOR JUIZ E DIREITO (Cooperador – META 04)
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