Processo nº 0000006-62.2023.8.17.2520
ID: 298807159
Tribunal: TJPE
Órgão: Vara Única da Comarca de Correntes
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0000006-62.2023.8.17.2520
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DO AGRESTE Pç Agamenom Magalhães, S/N, Centro, CORRENTES - PE - CEP: 55315-000 Vara Única da Comarca de Correntes Processo nº 000…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário DIRETORIA REGIONAL DO AGRESTE Pç Agamenom Magalhães, S/N, Centro, CORRENTES - PE - CEP: 55315-000 Vara Única da Comarca de Correntes Processo nº 0000006-62.2023.8.17.2520 ACUSADO(A): M. P. D. E. D. P. ACUSADO(A): J. A. F. R. INTIMAÇÃO DE ATO JUDICIAL - ADVOGADOS DO RÉU Por ordem do(a) Exmo(a). Dr(a). Juiz(a) de Direito do Vara Única da Comarca de Correntes, fica(m) a(s) parte(s) intimada(s) do inteiro teor do Ato Judicial de ID 206888464, conforme segue transcrito abaixo: "SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco contra José André Ferreira Rodrigues, imputando-lhe, em tese, a prática do crime de homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º, incisos II (motivo torpe) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), c/c art. 29, todos do Código Penal. Segundo a denúncia, no dia 13 de dezembro de 2022, por volta das 07h, no povoado de Poço Cumprido, zona rural do município de Correntes/PE, a vítima A. D. M. A. foi assassinada mediante disparos de arma de fogo. A peça acusatória atribui ao acusado a autoria intelectual do crime, atuando em conluio com o corréu Odair José Barros dos Santos, atualmente em situação de fuga e com processo desmembrado. O réu foi preso temporariamente, posteriormente teve decretada sua prisão preventiva e, por fim, foi-lhe concedida liberdade provisória com cautelares diversas. A denúncia foi regularmente recebida por este Juízo, e o acusado JOSÉ ANDRÉ FERREIRA RODRIGUES foi devidamente citado, apresentando sua resposta à acusação em conformidade com a legislação processual penal. Durante a instrução, foram ouvidas testemunhas de acusação e realizado o interrogatório do réu. Ao final da fase probatória, o Ministério Público, em suas alegações finais, reconheceu a insuficiência de provas de autoria e requereu a impronúncia do acusado. A defesa aderiu integralmente a tal requerimento. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO A decisão a ser proferida nesta fase processual exige uma análise criteriosa do conjunto probatório, à luz dos princípios constitucionais e das normas processuais penais que regem o Tribunal do Júri. O Tribunal do Júri, previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, é o órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos. O procedimento é bifásico, dividido em judicium accusationis (ou sumário da culpa) e judicium causae. A primeira fase, o judicium accusationis, tem como escopo principal a formação de um juízo de admissibilidade da acusação. Neste momento processual, o magistrado atua como um filtro, avaliando se existem elementos mínimos de prova que justifiquem a submissão do acusado ao julgamento pelos jurados leigos. Não se trata de um juízo de certeza sobre a culpa ou inocência, mas sim de uma verificação da plausibilidade da imputação. As possíveis decisões ao final desta fase são a pronúncia, a impronúncia, a absolvição sumária ou a desclassificação. A função do juiz, nesta etapa, é essencial para prevenir que acusações desprovidas de suporte probatório adequado cheguem ao Tribunal Popular, onde os jurados não são obrigados a fundamentar suas decisões. Pois bem. Passo à análise do mérito. 2.1 Materialidade A materialidade delitiva está comprovada pelo laudo traumatológico e demais documentos que atestam o óbito da vítima por disparos de arma de fogo. Assim, resta evidenciado o crime de homicídio consumado. 2.2 Autoria e Participação Contudo, a prova da autoria — elemento indispensável para a pronúncia — não se mostra presente com a certeza mínima exigida, conforme art. 413 do CPP. A análise do conjunto probatório, incluindo os depoimentos das testemunhas de acusação, conforme o que foi produzido na fase de instrução e sintetizado nas legações finais, revela a ausência de indícios suficientes de autoria por parte de JOSÉ ANDRÉ FERREIRA RODRIGUES, vejamos: A testemunha CARLOS VALENTIM DE OLIVEIRA, PMPE, disse que estava de serviço em Correntes e, ao passar próximo ao local, foi informado que havia um corpo na rodovia. Ao chegar, encontrou populares e a pessoa morta, permanecendo no local até a chegada da perícia. Após, o delegado solicitou diligências, pois foi informado que o réu seria inimigo da vítima e que já haviam ocorrido disparos anteriores. Dirigiu-se à casa dos pais do acusado, mas não localizaram ninguém. Não se recorda do acusado em outras ocorrências e não participou da busca e apreensão que apreendeu a arma. Não se recorda do nome da pessoa dita pela família da vítima como sendo a que brigou com a vítima anteriormente, mas a diligência foi feita na casa desta pessoa. A testemunha ERIVAN MELO DOS SANTOS disse que não tem conhecimento do fato. Foi chamado pelo delegado porque Odair disse ao delegado que ele era gerente da fazenda e que no dia estava no trabalho. No entanto, ele não estava trabalhando no dia, não estava na fazenda. Conversou com o patrão, que disse que no dia não havia contratado Odair. Odair não é trabalhador da fazenda. A testemunha ADRIANO DE MELO AMORIM disse que no dia dos fatos ligaram para ele pela manhã e o avisaram da morte do irmão. Foi até o local e a vítima estava morta. No dia anterior, a vítima (seu irmão) deu um soco no rosto de outro irmão em um rodeio. No sábado, foi com outros irmãos na casa do acusado para resolver o problema. Começou uma discussão generalizada entre eles. Deixaram para lá e deram as costas para ir embora. O acusado, o tempo todo, os ameaçava dizendo que pegaria um deles. Quando estavam indo embora e viraram as costas, o acusado começou a disparar. Não conhece o acusado José André e nunca teve contato com ele. Ficou sabendo pelo povo que quem estava comentando que dirigia a moto usada no crime e que Odair atirou. Não sabe informar o nome de uma pessoa que falou para ele. Ele dizia em tom de brincadeira que estava pilotando a moto. Odair sempre brigava com seu irmão e Odair dizia que ia matar ele. Odair já havia atacado seu irmão duas ou três vezes. A briga de seus irmãos com os tiros se deu no sábado, e a morte da vítima se deu na terça, e a briga do rodeio na sexta. A testemunha Lidiany disse que duas pessoas estavam numa moto vermelha. A moto pertence ao acusado Odair, que tem uma moto vermelha. A testemunha LIDIANNY TOMÁZ DA SILVA afirmou que não sabe por que foi convocada. Mora próximo ao local dos fatos e, pelo horário, estava saindo para trabalhar. Lembrou que tinha esquecido o carregador e resolveu voltar para casa. Quando estava no trajeto de volta, ouviu os disparos e achou que eram fogos. Ao passar em frente ao local, o crime já havia ocorrido. Quando estava indo para o trabalho, passou por uma pessoa de moto com tambor de leite. Não viu nenhuma outra motocicleta atrás da motocicleta da vítima. Não falou com seu irmão que viu uma moto vermelha dirigida por duas pessoas. Nunca falou isso com seu irmão, pois não conversa com ele. Contou apenas o que viu para sua irmã e que, se ela falou algo diferente do que acabou de dizer, não ratifica. A testemunha ADEILSON MELO AMORIM esclareceu que foi no rodeio e uma pessoa disse que Odair queria falar com ele. Odair foi avisado e foi até ele. Odair perguntou o que a testemunha estava falando da vida dela. Plínio chegou atrás dele e a testemunha disse que o problema dele não era Odair, e sim Plínio. No sábado, foram à casa de Odair conversar com ele, pois ele havia dito que ia pegá-los. Antes de chegar lá, ele havia ligado para o irmão. Um pouco depois que estavam lá, o irmão de Odair chegou com uma arma. Odair pegou a arma do irmão e começou a dar tiro para cima. Sábado à noite, fizeram ronda na casa do irmão e de Adriano, em duas motos e três pessoas. No domingo, também a mesma coisa. Na segunda, pediu para o irmão não ir. Na terça, foi buscar o leite e viu seu irmão morto. Odair e André e um terceiro passaram na casa de Pretinho e o chamaram para ir fazer a ronda, mas ele se negou. E que ficou sabendo que estes três eram André, Odair e um terceiro. Na verdade, a briga entre Odair e seu irmão já havia acontecido umas cinco vezes. Odair e José são amigos. Após o crime, os dois fugiram. A arma usada e apreendida por Odair foi usada para matar seu irmão. Na vila, André é conhecido como ladrão. Seu irmão foi morto com seis tiros. Todos os dias encontrava seu irmão no caminho. Como sabe que era Odair fazendo ronda? Que parearam a moto com a moto da vítima e atiraram. Que a vítima disse que viu os acusados fazendo ronda na casa dele no sábado e domingo. Que a vítima reconheceu André e Odair, mas não reconheceu o terceiro motoqueiro. Que Luciano estava no local do fato quando chegou onde seu irmão estava morto e que, ao perguntar, Luciano disse que viu uma moto vermelha dirigida por duas pessoas e mataram seu irmão. Que seu irmão disse que os acusados estavam rondando sua casa. Que conheceu os acusados pela moto vermelha. Que o acusado André andava falando nos bares que era o motoqueiro que dirigia a moto. Que não era tom de brincadeira, não, que o acusado fala isso nos bares. NATALÍCIO DE MELO AMORIM disse que no dia do rodeio, viu seu irmão conversando com Odair. Ouviu Odair dizendo que se mexessem com Plínio, mexia com ele. André deu dois toques em seu ombro esquerdo, nesse momento Odair deu um soco em seu rosto. Foi embora e no dia seguinte deu de cara com Odair. Conversou com ele e disse que Odair disse que o problema era com seus irmãos. À tarde, seus irmãos que morreram disseram que iam na casa de Odair para conversar e que ele foi também. Conversaram com Odair e que, depois que estavam indo embora, chegou André e o irmão de Odair. Não se recorda se André disse alguma coisa. Odair atirou contra ele com a arma do irmão. Foram embora. A briga entre os dois era antiga, vítima e acusado. Odair fugiu, André ficou na cidade. Nunca teve nenhum desentendimento com André ou seus irmãos. O toque que André deu em seu ombro no rodeio foi para distrair e Odair deu um soco em seu rosto. Foi André que disse que ele estava dirigindo a moto. Foi o André mesmo que disse isso. Os acusados estavam com capacete. ADEILDO DE MELO AMORIM disse que não foi ao rodeio. No outro dia, ficou sabendo da confusão entre Odair, Plínio e seus irmãos. Odair já tinha problema com a vítima anteriormente. No sábado, foi junto com seus irmãos para a casa de Odair. Depois chegou o irmão do Odair sozinho. Que com ele não chegou ninguém. Que pegou a arma e disparou contra eles. Que depois voltou ao sítio de Odair com seu filho de 09 anos para conversar novamente com Odair, já que não tinha problemas com ele. Que Odair disse que não tinha nada a ver com o depoente, que era problema com outros irmãos. Foi embora com seu filho. Que depois, na terça, aconteceu o crime. Mora na cidade. Em seu interrogatório, o réu negou expressamente qualquer participação no crime. Embora algumas testemunhas de acusação tenham mencionado o nome do acusado em contextos de inimizade prévia, brigas ou supostas declarações sobre a autoria, a prova oral como um todo não se mostrou coesa ou robusta o suficiente para estabelecer indícios suficientes de que o denunciado teve qualquer participação direta na execução do crime. O Código de Processo Penal estabelece os requisitos para a pronúncia e a impronúncia. A pronúncia, nos termos do artigo 413 do CPP, exige que o juiz esteja convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Este é um juízo de admissibilidade, que não demanda certeza, mas sim um lastro probatório mínimo que torne a acusação plausível para ser debatida perante o Júri. Por outro lado, o artigo 414 do CPP preceitua que, "não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado". No presente caso, a prova produzida não atingiu o patamar de "indícios suficientes" de autoria, conforme reconhecido pelo Ministério Público em suas alegações finais. A ausência de provas robustas que sustentem a autoria do delito é um fato que se impõe, não havendo sequer indícios mínimos que justifiquem a submissão do acusado ao Tribunal do Júri. A inexistência de um "lastro probatório" mínimo para a autoria intelectual significa que a acusação não conseguiu cumprir o ônus que lhe é imposto, levando à necessidade de uma decisão em favor do acusado. Nesse sentido, o STJ: RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. NÃO APLICAÇÃO. STANDARD PROBATÓRIO. ELEVADA PROBABILIDADE. NÃO ATINGIMENTO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. DESPRONÚNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1 . A Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos. Entretanto, a fim de reduzir o erro judiciário (art. 5º, LXXV, CF), seja para absolver, seja para condenar, exige-se uma prévia instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado, que encerra a primeira etapa do procedimento previsto no Código de Processo Penal, com a finalidade de submeter a julgamento no Tribunal do Júri somente os casos em que se verifiquem a comprovação da materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413, caput e § 1º, do CPP . 2. Assim, tem essa fase inicial do procedimento bifásico do Tribunal do Júri o objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (judicium accusationis) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae). A pronúncia consubstancia, dessa forma, um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art . 413, caput, do CPP). 3. A leitura do referido dispositivo legal permite extrair dois standards probatórios distintos: um para a materialidade, outro para a autoria e a participação. Ao usar a expressão "convencido da materialidade", o legislador impôs, nesse ponto, a certeza de que o fato existiu; já em relação à autoria e à participação, esse convencimento diz respeito apenas à presença de indícios suficientes, não à sua demonstração plena, exame que competirá somente aos jurados. 4. A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina - acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência - a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate - que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro - e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Aliás, o próprio nome do suposto princípio parte de premissa equivocada, uma vez que nenhuma sociedade democrática se favorece pela possível condenação duvidosa e injusta de inocentes. 5. O in dubio pro societate, "na verdade, não constitui princípio algum, tratando-se de critério que se mostra compatível com regimes de perfil autocrático que absurdamente preconizam, como acima referido, o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário (!?!?), em absoluta desconformidade com a presunção de inocência [...]" (Voto do Ministro Celso de Mello no ARE n. 1.067.392/AC, Rel . Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 2/7/2020). Não pode o juiz, na pronúncia, "lavar as mãos" - tal qual Pôncio Pilatos - e invocar o "in dubio pro societate" como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva. 6 . Não há falar que a negativa de aplicação do in dubio pro societate na pronúncia implicaria violação da soberania dos vereditos ou usurpação da competência dos jurados, a qual só se inaugura na segunda etapa do procedimento bifásico. Trata-se, apenas, de analisar os requisitos para a submissão do acusado ao tribunal popular sob o prisma dos standards probatórios, os quais representam, em breve síntese, "regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve ter, a partir das provas, para poder ser considerada provada para os fins de se adotar uma determinada decisão" (FERRER BELTRÁN, Jordi. Prueba sin convicción:estándares de prueba y debido proceso. Madrid: Marcial Pons, 2021, p . 24) ou, nas palavras de Gustavo Badaró, "critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador considere um enunciado fático como provado, sendo aceito como verdadeiro" (BADARÓ, Gustavo H. Epistemologia judiciária e prova penal. 2 ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p . 241).7. Segundo Ferrer-Beltrán, "o grau de exigência probatória dos distintos standards de prova para distintas fases do procedimento deve seguir uma tendência ascendente" (op. cit ., p. 102), isto é, progressiva, pois, como explica Caio Massena, "não seria razoável, a título de exemplo, para o recebimento da denúncia - antes, portanto, da própria instrução probatória, realizada em contraditório - exigir um standard de prova tão alto quanto aquele exigido para a condenação" (MASSENA, Caio Badaró. Prisão preventiva e standards de prova: propostas para o processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v . 7, n. 3, p.1.631-1 .668, set./dez. 2021). 8. Essa tendência geral ascendente e progressiva decorre, também, de uma importante função política dos standards probatórios, qual seja, a de distribuir os riscos de erro entre as partes (acusação e defesa), erros estes que podem ser tanto falsos positivos (considerar provada uma hipótese falsa, por exemplo: condenação de um inocente) quanto falsos negativos (considerar não provada uma hipótese verdadeira, por exemplo: absolvição de um culpado) (FERRER-BELTRÁN, op. cit., p. 115-137). Deveras, quanto mais embrionária a etapa da persecução penal e menos invasiva, restritiva e severa a medida ou decisão a ser adotada, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo (atingir um inocente) e, portanto, é mais atribuível à defesa suportar o risco desse erro; por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro. 9. É preciso, assim, levar em conta a gravidade do erro que pode decorrer de cada tipo de decisão; ser alvo da abertura de uma investigação é menos grave para o indivíduo do que ter uma denúncia recebida contra si, o que, por sua vez, é menos grave do que ser pronunciado e, por fim, do que ser condenado. Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado - que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos -, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri. 10. Deve-se distinguir a dúvida que recai sobre a autoria - a qual, se existentes indícios suficientes contra o acusado, só será dirimida ao final pelos jurados, porque é deles a competência para o derradeiro juízo de fato da causa - da dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria (metadúvida, dúvida de segundo grau ou de segunda ordem), que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia. Vale dizer, também na pronúncia - ainda que com contornos em certa medida distintos - tem aplicação o in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção de inocência, pedra angular do devido processo legal. 11 . Assim, o standard probatório para a decisão de pronúncia, quanto à autoria e a participação, situa-se entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva) - típico do recebimento da denúncia - e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente) - necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado. 12. A adoção desse standard desponta como solução possível para conciliar os interesses em disputa dentro das balizas do ordenamento. Resguarda-se, assim, a função primordial de controle prévio da pronúncia sem invadir a competência dos jurados e sem permitir que o réu seja condenado pelo simples fato de a hipótese acusatória ser mais provável do que a sua negativa. 13. Na hipótese dos autos, segundo o policial Eduardo, no dia dos fatos, ele ouviu disparos de arma de fogo e, em seguida, uma moradora do bairro, onde ele também residia, bateu à sua porta e informou que os atiradores estavam em um veículo Siena de cor preta. O policial, então, saiu com um colega de farda para acompanhar e abordar o veículo, o que foi feito. Na ocasião, estavam no carro o recorrente (condutor) e os corréus (passageiros). Em revista, foram encontradas armas de fogo com os corréus e, na delegacia, eles confessaram o crime e confirmaram a versão do recorrente de que ele havia sido apenas solicitado como motorista para levá-los até o local, esperar em uma farmácia por alguns minutos e trazê-los de volta, e não tinha relação com os fatos. Uma testemunha sigilosa e o irmão do recorrente foram ouvidos e afirmaram que ele trabalhava há cerca de cinco anos com transporte de passageiros. 14. Não há nenhum indício robusto de que o recorrente haja participado conscientemente do crime, porque: a) nenhum objeto ilícito foi apreendido com ele; b) nenhum elemento indicativo de que ele conhecesse ou tivesse relação com os corréus nem com a vítima foi apresentado; c) não consta que ele haja tentado empreender fuga dos policiais na condução do veículo quando determinada a sua abordagem d) os corréus negaram conhecer o acusado e afirmaram que ele era apenas motorista; e) as testemunhas de defesa confirmaram que o acusado trabalhava com transporte de passageiros. Ademais, a confirmar a fragilidade dos indícios existentes contra ele, o recorrente - ao contrário dos corréus - foi solto na audiência de custódia e o Ministério Público inicialmente nem sequer ofereceu denúncia em seu desfavor porque entendeu que ainda não tinha elementos suficientes para tanto. Só depois da instrução e da pronúncia dos corréus é que, mesmo sem nenhuma prova nova, decidiu denunciá-lo quando instado pelo Magistrado a se manifestar sobre a situação do acusado. 15. Uma vez que não foi apontada a presença de indícios suficientes de participação do recorrente no delito que pudessem demonstrar, com elevada probabilidade, o seu envolvimento no crime, a despronúncia é medida de rigor. 16. Recurso especial provido para despronunciar o acusado. (STJ - REsp: 2091647 DF 2022/0203223-1, Relator.: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 26/09/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/10/2023) III. DISPOSITIVO Diante do exposto e de tudo o que consta nos autos, considerando a ausência de indícios suficientes de autoria, e em consonância com o parecer do Ministério Público e o pedido da Defesa, DECIDO IMPRONUNCIAR o acusado JOSÉ ANDRÉ FERREIRA RODRIGUES, já qualificado nos autos, com fundamento no artigo 414 do Código de Processo Penal. Revogo eventuais cautelares impostas ao acusado, em especial o monitoramento eletrônico. Expeça-se alvará, se for o caso. Sem custas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após, arquivem-se os autos. CORRENTES, 10 de junho de 2025." CORRENTES, 13 de junho de 2025. GESSICA LUSTOSA ALVES Diretoria Regional do Agreste
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