Processo nº 0013239-31.2024.8.17.3090
ID: 315450044
Tribunal: TJPE
Órgão: Gabinete da Desa. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 0013239-31.2024.8.17.3090
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALEXANDRE MANOEL DOS SANTOS
OAB/PE XXXXXX
Desbloquear
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 3ª Câmara Criminal - Recife Praça da República, s/n, Santo Antônio, RECIFE - PE - CEP: 50010-040 - F:( ) Processo nº 0013239-31.2024.8.17.3090 RECOR…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 3ª Câmara Criminal - Recife Praça da República, s/n, Santo Antônio, RECIFE - PE - CEP: 50010-040 - F:( ) Processo nº 0013239-31.2024.8.17.3090 RECORRENTE: EDILSON JOSE DE ARAUJO RECORRIDO(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO INTEIRO TEOR Relatora: DESA. DAISY MARIA DE ANDRADE COSTA PEREIRA Relatório: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Gabinete Desembargadora Daisy Maria de Andrade Costa Pereira Terceira Câmara Criminal RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: NPU 0013239-31.2024.8.17.3090 ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Criminal PROCESSO ORIGINÁRIO: NPU 0013239-31.2024.8.17.3090 JUÍZO ORIGINÁRIO: 1ª Vara Criminal da Comarca de Paulista/PE RECORRENTE: EDILSON JOSE DE ARAUJO RECORRIDO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROC. JUSTIÇA: Dr. José Lopes de Oliveira Filho RELATORA: Desa. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira RELATÓRIO Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por EDILSON JOSE DE ARAUJO (ID 48127612), em face da Decisão de Pronúncia proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Paulista/PE (ID 48127607), que o submeteu a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas penas do artigo 121, §2º, I, IV e VI, e §2°-A, II, c/c art. 14, II, do Código Penal. Em suas razões recursais, a defesa de EDILSON JOSE DE ARAUJO pugna pela desclassificação do tipo penal da Denúncia para o tipo penal de lesão corporal de natureza leve, pois não houve a intenção do Réu de matar a vítima, desistindo voluntariamente como relatada pela mesma em sede de instrução processual (ID 48127617). Nas contrarrazões recursais, a 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Paulista/PE rechaça as alegações defensivas e pugna que seja negado provimento ao recurso em sentido estrito, mantendo-se a decisão de pronúncia em todos os seus termos, eis que “a materialidade do delito está devidamente comprovada pelo laudo pericial, o qual descreve de forma detalhada as lesões sofridas pela vítima. De acordo com o exame, a ofendida apresentou ferimento cervical antero-lateral direito, extenso com cerca de 110 milímetros de comprimento, bordas suturadas, regulares. O exame médico-legal evidencia a violência exercida contra a vítima e corrobora sua versão dos fatos” (ID 48127617). Em juízo de retratação, manteve-se a Decisão de Pronúncia (ID 48127618). A douta Procuradoria de Justiça em Matéria Criminal, na pessoa Dr. José Lopes de Oliveira Filho, manifestou-se pelo não provimento do presente recurso em sentido estrito (ID 48999430). É o Relatório. Inclua-se em Pauta de Julgamento ex vi do art. 610 do CPP e art. 388 do RITJPE. Cumpra-se. Data registrada pelo sistema. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira Desembargadora Relatora Voto vencedor: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Gabinete Desembargadora Daisy Maria de Andrade Costa Pereira Terceira Câmara Criminal RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: NPU 0013239-31.2024.8.17.3090 ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Criminal PROCESSO ORIGINÁRIO: NPU 0013239-31.2024.8.17.3090 JUÍZO ORIGINÁRIO: 1ª Vara Criminal da Comarca de Paulista/PE RECORRENTE: EDILSON JOSE DE ARAUJO RECORRIDO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROC. JUSTIÇA: Dr. José Lopes de Oliveira Filho RELATORA: Desa. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira VOTO Conforme relatado, a defesa pugna pela desclassificação do tipo penal da Denúncia para o tipo penal de lesão corporal de natureza leve, pois não houve a intenção do Réu de matar a vítima, desistindo voluntariamente como relatada pela mesma em sede de instrução processual. (ID 48127617). De proêmio, destaco o que descreve a Denúncia (ID 48127570): “(...) No dia 13 de julho de 2024, por volta das 17h30, na Rua Bom Conselho, Mirueira, nesta cidade, o denunciado, em contexto de violência doméstica e familiar, por motivo torpe e mediante recurso que impossibilitou a defesa da ofendida, efetuou golpe de faca contra a sua irmã ELIZANGELA MARIA DE ARAÚJO, com a intenção manifesta de ceifar-lhe a vida, não consumando o seu intento homicida por circunstâncias alheias a sua vontade. Consta dos autos que o denunciado é irmão da vítima e que esta recebeu do pai de ambos um sítio, localizado no bairro da Mirueira, nesta cidade. Acontece que o imputado nunca aceitou a doação feita pelo pai e passou a ameaçar sua irmã, enviando-lhe recados por meio dos seus outros irmãos, nos quais dizia que iria resolver a situação e se um dia a vítima morresse, cuidaria do seu filho, que é autista. Apesar das ameaças, a família nunca deu crédito às palavras do imputado. No dia dos fatos, a vítima estava no sítio com seu filho e seu companheiro, quando o denunciado chegou ao local, por volta das 08h00, e disse que passaria o dia com a irmã e lhe ajudaria nos afazeres do sítio. Ainda pela manhã, quando o companheiro da vítima estava saindo para trabalhar, o imputado perguntou de que horas o cunhado voltaria, tendo ele respondido que apenas à noite. O dia transcorreu sem atritos, tendo o denunciado ajudado nos serviços do sítio e almoçado com sua irmã e o sobrinho, além de ter ingerido bebida alcoólica. Por volta das 17h30, quando a ofendida estava limpando a piscina, o denunciado se aproximou por trás da sua irmã e a atacou, cortando o seu pescoço com uma faca, a fim de degolá-la. Ao cair no chão e perceber que seu pescoço estava jorrando sangue, a vítima correu e pediu ajuda ao vizinho IVANILDO SEVERO DA SILVA, o qual a socorreu para a UPA de Jardim Paulista, onde recebeu os primeiros socorros. Diante dos fatos, e considerando que o denunciado havia se evadido, estando em local incerto e não sabido, a Autoridade Policial representou pela sua prisão preventiva, a qual foi decretada e cumprida no dia 22.08.2024. Ouvido perante a Autoridade Policial, o denunciado negou todas as acusações, alegando que no dia dos fatos realmente se dirigiu ao sítio para ajudar sua irmã, e que, por ter ingerido bastante de bebida alcoólica, dormiu no sofá e despertou com a vítima dizendo que ele havia lhe cortado (...)”. DA ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE A PROVA DA MATERIALIDADE: Segundo a defesa, a decisão impugnada reflete manifesta contrariedade às evidências dos fatos, além de lhe faltar requisito essencial de validade: a prova da materialidade, nos termos do art. 158 do CPP. Alega faltar à instrução criminal o exame de corpo e delito necessária à conclusão da materialidade, apesar de não estar assinado tal documento por um perito que possamos atestar que a vítima foi examinada, o documento tem como respostas as indagações dos quesitos 3°e 4° repostas negativas “da lesão não resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função, perigo de vida, aceleração do parto, incapacidade para ocupações por mais de 30 dias e que da lesão não resultou deformidade permanente, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, enfermidade incurável, incapacidade permanente para o trabalho” concluindo-se que a vítima só sofreu ferimentos leves. De acordo com a determinação contida no art. 413, do Código de Processo Penal, o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Destaque-se, por oportuno, que a fase processual em que se encontra o feito caracteriza-se pela inversão do princípio in dubio pro reo pelo in dubio pro societate, deixando-se para o Júri Popular a decisão final, que, em caso de dúvidas, absolve o acusado. Por tal razão, a Decisão de Pronúncia, que veicula um juízo de admissibilidade para o julgamento pelo Tribunal Popular, deve estar calcada em prova da materialidade do crime e indícios de sua autoria. Sobre a questão, reza o art. 413 do Pergaminho Adjetivo Penal: “O juiz, fundamentalmente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios de autoria ou de participação.” De outra parte, o art. 414 do mesmo Diploma Legal também diz: “Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. ” In casu, analisando atentamente a Decisão de Pronúncia, verifica-se que a mesma está em total conformidade com a determinação contida no §1º, do art. 413, do CPP, eis que nela o douto magistrado indicou a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria, bem como o dispositivo legal em que julgou incursos os acusados, senão vejamos (ID 48127607): “(...) FUNDAMENTAÇÃO Causas Preliminares e Prejudiciais: Inicialmente, destaco a inexistência de nulidades e a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação. As preliminares arguidas pela defesa, serão analisadas conjuntamente com o mérito. Cuida-se de ação penal intentada pela prática de crime de homicídio qualificado tentado. Dispõe o art. 413, caput e § 1º, do Código de Processo Penal: Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. Exige a lei, portanto, que estejam presentes prova da materialidade e apenas indícios de autoria. A doutrina argumenta, então, que nessa fase vige o princípio in dubio pro societate, ou seja, o juiz somente deve impronunciar o réu caso não exista qualquer indício de sua participação, ou seja, quando não for possível extrair das provas produzidas qualquer elemento que traga uma suspeita recaindo sobre o réu. Existente essa suspeita, deve o juiz pronunciar o réu, deixando aos jurados a tarefa de julgá-lo. Assim fazendo, não diz o juiz que o réu é culpado, apenas reconhece a existência de indícios de um crime de homicídio e, dessa forma, o entrega ao Conselho de Sentença, que é o órgão competente, por disposição constitucional, para o julgamento. Assim, nessa fase, o juízo do Magistrado é feito de forma simples e superficial, sem grande revolvimento probatório, sob pena de imiscuir-se em juízo próprio dos jurados, exigindo-se ponderação nas colocações, evitando-se, sempre que possível, transcrições de depoimentos, bastando remissão aos reputados essenciais. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRONÚNCIA. CRIME CONEXO. USURPAÇÃO DA FUNÇÃO PÚBLICA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CONEXÃO OBJETIVA. ART. 408 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A sentença de pronúncia será nula quando extrapolar a demonstração de seus pressupostos legais e não deve realizar aprofundado exame do acervo probatório. II - A pronúncia exige, tão-somente, a demonstração da materialidade e de indícios suficientes de autoria. III - A conciliação do preceito constitucional que, de um lado, obriga a fundamentação das decisões judiciais, com aquele que, de outro, afirma a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, impõe que o magistrado se abstenha de realizar, na sentença de pronúncia, exame aprofundado do acervo probatório. IV - Ordem denegada. (STF, HC 89.833-PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski) Materialidade Delitiva: A materialidade do crime de homicídio tentado encontra-se demonstrada pelo laudo pericial traumatológico (id. 181565469), que descreve as lesões sofridas pela vítima, em especial o ferimento cervical antero-lateral direito, extenso com cerca de 110 milímetros de comprimento, bordas suturadas, regulares. A declaração de comparecimento da UPA (id. 175902899) corrobora a existência das lesões. Autoria do Delito: A autoria delitiva, neste momento processual, encontra-se suficientemente demonstrada pela prova testemunhal colhida durante a instrução processual. Elizangela Maria de Araújo, vítima, em seu depoimento prestado em juízo, afirmou: “(...) QUE, a declarante informa que o imputado EDILSON JOSÉ DE ARAÚJO é seu irmão; QUE, ao todo são seis irmãos; QUE, desde que seu genitor lhe doou uma casa no sítio, a vítima informa que vive sendo ameaçada pelo imputado, que não aceita a referida doação, pois tem interesse na venda da casa para divisão do valor referente ao bem; QUE, por volta de 17h, estava limpando a piscina quando foi atacada por EDILSON pelas costas, com uma facada no pescoço, tentando lhe degolar; QUE, ele se aproximou de repente e na covardia, lhe atacou; QUE, caiu no chão e percebeu que seu pescoço estava jorrando sangue; QUE, seu único filho foi a pessoa que presenciou o ocorrido; QUE, conseguiu chamar um vizinho e pediu ajuda, o qual lhe socorreu para a UPA de Jardim Paulista Baixo e precisou suturar o ferimento com doze pontos”. José Ivanildo Pereira da Silva Júnior, companheiro da vítima, afirmou em juízo: “(...) QUE, o depoente é esposo da vítima, ELIZANGELA MARIA DE ARAUJO há três anos; QUE, o imputado EDILSON JOSÉ DE ARAUJO é irmão dela, e ao todo, são seis irmãos; QUE, no dia do fato, 13/07/2024, estava com a vítima na casa do sítio dela, no bairro da Mirueira, Paulista-PE quando o imputado chegou cedinho, por volta de 8h, e disse que iria ajudar ELIZANGELA no que ela precisasse; QUE, o depoente então foi trabalhar, e antes de sair, o imputado lhe perguntou que horas iria voltar, tendo respondido que só retornaria à noite; QUE, a vítima lhe disse que passaram o dia juntos numa boa; QUE aproveitou que sozinho estava com a vítima como uma oportunidade de "pegar" a vítima na traição e sem ela ao menos esperar, a esfaqueou no pescoço; QUE, só tomou conhecimento do fato, à noite, quando ELIZANGELA lhe telefonou relatando o que ocorreu e que estava na UPA recebendo atendimento; QUE, o tempo todo, ELIZANGELA pedia ao depoente que cuidasse de Heitor, filho dela portador do espectro autista; QUE, ELIZANGELA informou ao depoente que estava de costas, limpando a piscina quando levou um golpe no pescoço, e que ele saiu rasgando como se quisesse mesmo degolá-la; QUE, a intenção de EDILSON era matar a vítima naquele momento; QUE, ela caiu no chão, mas conseguiu ainda levantar-se com o pescoço esvaindo em sangue, colocou uma roupa do filho dela e pediu ajuda de um vizinho, que a socorreu para a UPA; QUE a vítima levou treze pontos no pescoço e após doze horas em observação, ela foi liberada; QUE, o imputado se evadiu do local imediatamente; QUE, o imputado agiu de forma premeditada, pois esperou escurecer e ter a certeza que ninguém iria aparecer para ajudar a vítima; QUE, na verdade, ninguém acreditava que EDILSON seria capaz de cometer tal ato de traição com a própria irmã”. Ivanildo Severo da Silva, vizinho que socorreu a vítima, afirmou: “(...) QUE, foi verificar o que estava ocorrendo e avistou ELIZANGELA no portão de entrada do sítio dela, com o pescoço sangrando e pedindo ajuda, e disse: "me ajuda, me ajuda que meu irmão me esfaqueou"; QUE, o depoente mandou ela pegar um pano e fazer compressão no ferimento, colocou imediatamente ELIZANGELA dentro de seu carro e a conduziu até a UPA, do bairro de Jardim Paulista; (...)” Edilson José de Araújo, em seu interrogatório, negou a autoria delitiva. Disse não sabe que esfaqueou a vítima. Disse ainda ter se acordado com a vítima pedindo ajuda e foi embora. No caso em análise, restam demonstradas as circunstâncias que qualificam o delito de homicídio previsto no artigo 121, §2º, incisos I, IV e VI, bem como no §2º-A, todos do Código Penal: Qualificadora do motivo torpe (art. 121, §2º, I, do CP) O homicídio foi cometido em razão de uma desavença familiar relacionada à doação de um imóvel, evidenciando a torpeza do motivo. A jurisprudência pátria reconhece que crimes motivados por disputas patrimoniais, especialmente entre familiares, configuram motivo torpe, pois demonstram extrema vilania e desprezo pela vida humana em prol de interesses econômicos. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que homicídios praticados por disputas de herança, bens ou posses caracterizam motivação torpe, tornando imperiosa a submissão da questão ao Tribunal do Júri. Qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2º, IV, do CP) O ataque foi realizado pelas costas, com um golpe no pescoço da vítima, o que demonstra clara impossibilidade de defesa. O emprego desse meio ardiloso para surpreender a vítima, impedindo-a de reagir ou esboçar qualquer resistência, caracteriza o recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa. A doutrina e a jurisprudência consolidam o entendimento de que ataques fulminantes, de surpresa e direcionados a regiões vitais do corpo da vítima configuram essa qualificadora, sendo desnecessário que o ofendido tenha sido completamente impedido de reagir, bastando que sua defesa tenha sido substancialmente reduzida. Qualificadora do crime contra ascendente, descendente ou irmão (art. 121, §2º, VI, do CP) A vítima era irmão do acusado, o que atrai a qualificadora prevista no inciso VI do §2º do artigo 121 do Código Penal. O legislador agravou a pena nesses casos diante da especial reprovabilidade da conduta, uma vez que o homicídio cometido contra parente próximo evidencia violação dos laços de afeto e confiança que deveriam existir no âmbito familiar. Assim, sendo incontroverso o vínculo de irmandade entre autor e vítima, impõe-se o reconhecimento da qualificadora. Qualificadora do feminicídio (art. 121, §2º-A, do CP) Caso a vítima seja do sexo feminino e a conduta tenha ocorrido no contexto de violência doméstica, familiar ou menosprezo/discriminação à condição de mulher, incide a qualificadora do feminicídio. No presente caso, por se tratar de homicídio cometido no contexto de uma disputa familiar entre irmãos, e caso reste demonstrado que a violência decorreu de relações de menosprezo à condição feminina da vítima, faz-se cabível a incidência do artigo 121, §2º-A, do Código Penal. Conclusão: Diante do exposto, a pretensão punitiva revela-se viável. Há nos autos provas da materialidade e indícios suficientes da autoria do crime de homicídio qualificado tentado em relação ao réu Edilson José de Araújo, não sendo este o momento para a análise das teses desclassificatória apresentadas pela defesa, ante a prova colhida na instrução. DISPOSITIVO Pelo exposto, e por tudo mais que dos autos consta, PRONUNCIO EDILSON JOSÉ DE ARAÚJO, qualificado nos autos, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri desta comarca, como incurso nas penas do artigo 121, §2º, I, IV e VI, e §2°-A, II, c/c art. 14, II, do Código Penal. Mantenho a prisão preventiva do acusado, para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, haja vista a gravidade concreta do delito praticado, bem como o modus operandi empregado. Logo, mostram-se hígidos os argumentos pelos quais outrora foi decretada a prisão preventiva do acusado, de forma que deverá o réu aguardar preso seu julgamento em plenário. Aguarde-se a designação de julgamento pelo Tribunal do Júri. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Paulista, datado e assinado eletronicamente Juiz de Direito (...)”. Sabe-se que a Decisão de Pronúncia é mero juízo de admissibilidade, não sendo necessária, para tanto, a certeza absoluta indispensável nas decisões condenatórias, mas, tão somente, a existência de indícios suficientes de ter o acusado cometido o crime descrito na Denúncia, requisito este presente no caso dos autos. Infere-se da Decisão de Pronúncia que as provas que ensejaram o convencimento da materialidade do fato se subsomem ao Inquérito Policial 2024.0479,000540-80 (ID 48127568); Boletim de Ocorrência n°. 24E2119001993 (ID 48127569, fl. 22), Laudo Pericial Traumatológico (ID 48127569, fl. 09), que descreve as lesões sofridas pela vítima, em especial o ferimento cervical antero-lateral direito, extenso com cerca de 110 milímetros de comprimento, bordas suturadas, regulares; Documento fotográfico (ID 48127560); Documento fotográfico (ID 48127562); Documento fotográfico (ID 48127568) e depoimentos até então colhidos no curso da persecução criminal. Quanto à existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o douto magistrado ponderou que (ID 48127607) “autoria delitiva, neste momento processual, encontra-se suficientemente demonstrada pela prova testemunhal colhida durante a instrução processual”, e passa a transcrever os seguintes depoimentos: “(...) Elizangela Maria de Araújo, vítima, em seu depoimento prestado em juízo, afirmou: “(...) QUE, a declarante informa que o imputado EDILSON JOSÉ DE ARAÚJO é seu irmão; QUE, ao todo são seis irmãos; QUE, desde que seu genitor lhe doou uma casa no sítio, a vítima informa que vive sendo ameaçada pelo imputado, que não aceita a referida doação, pois tem interesse na venda da casa para divisão do valor referente ao bem; QUE, por volta de 17h, estava limpando a piscina quando foi atacada por EDILSON pelas costas, com uma facada no pescoço, tentando lhe degolar; QUE, ele se aproximou de repente e na covardia, lhe atacou; QUE, caiu no chão e percebeu que seu pescoço estava jorrando sangue; QUE, seu único filho foi a pessoa que presenciou o ocorrido; QUE, conseguiu chamar um vizinho e pediu ajuda, o qual lhe socorreu para a UPA de Jardim Paulista Baixo e precisou suturar o ferimento com doze pontos”. José Ivanildo Pereira da Silva Júnior, companheiro da vítima, afirmou em juízo: “(...) QUE, o depoente é esposo da vítima, ELIZANGELA MARIA DE ARAUJO há três anos; QUE, o imputado EDILSON JOSÉ DE ARAUJO é irmão dela, e ao todo, são seis irmãos; QUE, no dia do fato, 13/07/2024, estava com a vítima na casa do sítio dela, no bairro da Mirueira, Paulista-PE quando o imputado chegou cedinho, por volta de 8h, e disse que iria ajudar ELIZANGELA no que ela precisasse; QUE, o depoente então foi trabalhar, e antes de sair, o imputado lhe perguntou que horas iria voltar, tendo respondido que só retornaria à noite; QUE, a vítima lhe disse que passaram o dia juntos numa boa; QUE aproveitou que sozinho estava com a vítima como uma oportunidade de "pegar" a vítima na traição e sem ela ao menos esperar, a esfaqueou no pescoço; QUE, só tomou conhecimento do fato, à noite, quando ELIZANGELA lhe telefonou relatando o que ocorreu e que estava na UPA recebendo atendimento; QUE, o tempo todo, ELIZANGELA pedia ao depoente que cuidasse de Heitor, filho dela portador do espectro autista; QUE, ELIZANGELA informou ao depoente que estava de costas, limpando a piscina quando levou um golpe no pescoço, e que ele saiu rasgando como se quisesse mesmo degolá-la; QUE, a intenção de EDILSON era matar a vítima naquele momento; QUE, ela caiu no chão, mas conseguiu ainda levantar-se com o pescoço esvaindo em sangue, colocou uma roupa do filho dela e pediu ajuda de um vizinho, que a socorreu para a UPA; QUE a vítima levou treze pontos no pescoço e após doze horas em observação, ela foi liberada; QUE, o imputado se evadiu do local imediatamente; QUE, o imputado agiu de forma premeditada, pois esperou escurecer e ter a certeza que ninguém iria aparecer para ajudar a vítima; QUE, na verdade, ninguém acreditava que EDILSON seria capaz de cometer tal ato de traição com a própria irmã”. Ivanildo Severo da Silva, vizinho que socorreu a vítima, afirmou: “(...) QUE, foi verificar o que estava ocorrendo e avistou ELIZANGELA no portão de entrada do sítio dela, com o pescoço sangrando e pedindo ajuda, e disse: "me ajuda, me ajuda que meu irmão me esfaqueou"; QUE, o depoente mandou ela pegar um pano e fazer compressão no ferimento, colocou imediatamente ELIZANGELA dentro de seu carro e a conduziu até a UPA, do bairro de Jardim Paulista; (...)” Edilson José de Araújo, em seu interrogatório, negou a autoria delitiva. Disse não sabe que esfaqueou a vítima. Disse ainda ter se acordado com a vítima pedindo ajuda e foi embora (...)”. Quanto às qualificadoras, assim fundamentou o douto magistrado (): “(...) No caso em análise, restam demonstradas as circunstâncias que qualificam o delito de homicídio previsto no artigo 121, §2º, incisos I, IV e VI, bem como no §2º-A, todos do Código Penal: Qualificadora do motivo torpe (art. 121, §2º, I, do CP) O homicídio foi cometido em razão de uma desavença familiar relacionada à doação de um imóvel, evidenciando a torpeza do motivo. A jurisprudência pátria reconhece que crimes motivados por disputas patrimoniais, especialmente entre familiares, configuram motivo torpe, pois demonstram extrema vilania e desprezo pela vida humana em prol de interesses econômicos. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que homicídios praticados por disputas de herança, bens ou posses caracterizam motivação torpe, tornando imperiosa a submissão da questão ao Tribunal do Júri. Qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2º, IV, do CP) O ataque foi realizado pelas costas, com um golpe no pescoço da vítima, o que demonstra clara impossibilidade de defesa. O emprego desse meio ardiloso para surpreender a vítima, impedindo-a de reagir ou esboçar qualquer resistência, caracteriza o recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa. A doutrina e a jurisprudência consolidam o entendimento de que ataques fulminantes, de surpresa e direcionados a regiões vitais do corpo da vítima configuram essa qualificadora, sendo desnecessário que o ofendido tenha sido completamente impedido de reagir, bastando que sua defesa tenha sido substancialmente reduzida. Qualificadora do crime contra ascendente, descendente ou irmão (art. 121, §2º, VI, do CP) A vítima era irmão do acusado, o que atrai a qualificadora prevista no inciso VI do §2º do artigo 121 do Código Penal. O legislador agravou a pena nesses casos diante da especial reprovabilidade da conduta, uma vez que o homicídio cometido contra parente próximo evidencia violação dos laços de afeto e confiança que deveriam existir no âmbito familiar. Assim, sendo incontroverso o vínculo de irmandade entre autor e vítima, impõe-se o reconhecimento da qualificadora. Qualificadora do feminicídio (art. 121, §2º-A, do CP) Caso a vítima seja do sexo feminino e a conduta tenha ocorrido no contexto de violência doméstica, familiar ou menosprezo/discriminação à condição de mulher, incide a qualificadora do feminicídio. No presente caso, por se tratar de homicídio cometido no contexto de uma disputa familiar entre irmãos, e caso reste demonstrado que a violência decorreu de relações de menosprezo à condição feminina da vítima, faz-se cabível a incidência do artigo 121, §2º-A, do Código Penal (...)”. Verifica-se, assim, como bem destacado pelo Juízo a quo, pelo conjunto de provas produzidas em sede inquisitorial e em juízo, “a pretensão punitiva revela-se viável. Há nos autos provas da materialidade e indícios suficientes da autoria do crime de homicídio qualificado tentado em relação ao réu Edilson José de Araújo, não sendo este o momento para a análise das teses desclassificatória apresentadas pela defesa, ante a prova colhida na instrução”. Da análise das provas até então colacionadas aos autos, vislumbro indícios suficientes de animus necandi na conduta de EDILSON JOSE DE ARAUJO e não observo, nesse momento, demonstrada de forma inconteste nos autos a desistência voluntária alegada pela defesa. Não merece guarida, portanto, o pleito de desclassificação do tipo penal da Denúncia para o tipo penal de lesão corporal de natureza leve. Ante o expendido, em consonância com o parecer da douta Procuradoria, nego provimento ao Recurso em Sentido Estrito, mantendo a Decisão Pronúncia em todos os seus termos e pelos seus próprios fundamentos. É como voto. Data registrada pelo sistema. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira Desembargadora Relatora Demais votos: Ementa: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Gabinete Desembargadora Daisy Maria de Andrade Costa Pereira Terceira Câmara Criminal RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: NPU 0013239-31.2024.8.17.3090 ÓRGÃO JULGADOR: Terceira Câmara Criminal PROCESSO ORIGINÁRIO: NPU 0013239-31.2024.8.17.3090 JUÍZO ORIGINÁRIO: 1ª Vara Criminal da Comarca de Paulista/PE RECORRENTE: EDILSON JOSE DE ARAUJO RECORRIDO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROC. JUSTIÇA: Dr. José Lopes de Oliveira Filho RELATORA: Desa. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. MOTIVO TORPE. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. CRIME CONTRA IRMÃO. FEMINICÍDIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso em Sentido Estrito interposto por EDILSON JOSÉ DE ARAÚJO contra decisão que o pronunciou como incurso nas penas do art. 121, § 2º, I, IV e VI, e § 2º-A, II, c/c art. 14, II, do Código Penal, em razão de tentativa de homicídio praticada contra sua irmã, motivada por disputa patrimonial. A defesa pleiteia a desclassificação da imputação para lesão corporal leve, alegando ausência de animus necandi e desistência voluntária. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se há provas suficientes de materialidade e indícios de autoria para submissão do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri; (ii) definir se é cabível a desclassificação da imputação de tentativa de homicídio qualificado para o crime de lesão corporal de natureza leve. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A pronúncia exige apenas prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, conforme art. 413 do CPP, sendo desnecessário juízo de certeza, o qual é reservado ao Tribunal do Júri. 4. A materialidade do crime está demonstrada por laudo pericial traumatológico, que descreve ferimento profundo no pescoço da vítima, com 110 mm de extensão, além de documentos médicos e fotográficos. 5. Os depoimentos da vítima, de seu companheiro e do vizinho que a socorreu reforçam a existência de indícios de autoria e animus necandi, relatando ataque súbito, pelas costas, com faca no pescoço, com intenção de degolar. 6. A alegada desistência voluntária não se revela nos autos, pois a vítima sobreviveu por circunstâncias alheias à vontade do agente e buscou socorro imediatamente após o ataque. 7. Restam evidenciadas as qualificadoras do motivo torpe (disputa patrimonial entre irmãos), do recurso que dificultou a defesa da vítima (ataque pelas costas com faca), do crime praticado contra irmã e, em tese, do feminicídio (violência doméstica). 8. A decisão de pronúncia limita-se ao juízo de admissibilidade, cabendo ao Tribunal do Júri a apreciação das teses defensivas e das qualificadoras. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A decisão de pronúncia exige apenas prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, não sendo exigível juízo de certeza. 2. A presença de qualificadoras plausíveis e o animus necandi indicam a viabilidade da imputação de tentativa de homicídio, não cabendo desclassificação nesta fase. 3. Compete ao Tribunal do Júri o exame aprofundado dos fatos, das teses defensivas e da ocorrência ou não das qualificadoras. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 121, § 2º, I, IV e VI, § 2º-A, II; art. 14, II; CPP, arts. 413 e 414. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Recurso em Sentido Estrito nº 0013239-31.2024.8.17.3090, no qual figuram como partes as retronominadas, ACORDAM a Desembargadora e os Desembargadores componentes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e votos anexos, que passam a integrar este aresto. Data registrada pelo sistema. Desa. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira Relatora Proclamação da decisão: À unanimidade de votos, negou-se provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatoria. Magistrados: [CLAUDIO JEAN NOGUEIRA VIRGINIO, DAISY MARIA DE ANDRADE COSTA PEREIRA, EUDES DOS PRAZERES FRANCA] RECIFE, 2 de julho de 2025 Desembargadora
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear