Processo nº 0001126-67.2019.8.17.0100
ID: 297704293
Tribunal: TJPE
Órgão: Gabinete do Des. Evandro Sérgio Netto de Magalhães Melo 2ª CCRIM
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0001126-67.2019.8.17.0100
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CREUZA DE ALMEIDA COSTA
OAB/PE XXXXXX
Desbloquear
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 2ª Câmara Criminal - Recife - F:( ) Processo nº 0001126-67.2019.8.17.0100 APELANTE: G. G. D. S. APELADO(A): 1º PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL DE ABREU…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 2ª Câmara Criminal - Recife - F:( ) Processo nº 0001126-67.2019.8.17.0100 APELANTE: G. G. D. S. APELADO(A): 1º PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL DE ABREU E LIMA INTEIRO TEOR Relator: EVANDRO SERGIO NETTO DE MAGALHAES MELO Relatório: PODER JUDICIÁRIO ESTADO DE PERNAMBUCO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete Des. Evandro Magalhães Melo 2ª Câmara Criminal Embargos de Declaração na Apelação nº 0001126-67.2019.8.17.0100 Origem: Vara Criminal da Comarca de Abreu e Lima Embargante: G.G.D.S. Embargado: Ministério Público do Estado de Pernambuco Relator: Des. Evandro Magalhães Melo Procuradora de Justiça: Eleonora de Souza Luna RELATÓRIO Trata-se de Embargos de Declaração opostos por G.G.D.S., em face do acórdão proferido por esta colenda Câmara Criminal (ID 47021634), que, à unanimidade, negou provimento ao apelo por ele interposto, e, de ofício, retificou a capitulação jurídica para o crime de atentado violento ao pudor contra menor de 14 (catorze) anos, previsto no art. 214, parágrafo único, c/c art. 224, alínea “a”, ambos do Código Penal, em sua redação anterior à Lei nº 12.015/2009, redimensionando a pena aplicada de 16 (dezesseis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão para 12 (doze) anos e 3 (três) meses de reclusão, mantendo a sentença condenatória em seus demais termos. Em síntese, aduz a defesa (ID 47853875) que o acórdão é omisso, uma vez que não analisou as inconsistências existentes no depoimento da vítima. Alega ainda que o acórdão é contraditório, haja vista que elevou a pena-base com fundamento na culpabilidade do embargante, em razão do íntimo relacionamento entre ele e a família da vítima, no entanto, entende a defesa que tal relação de confiança, em vez de agravar, mitigaria a reprovabilidade. Por fim, sustenta que há obscuridade no aresto, uma vez que o acórdão, ao aplicar a causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do Código Penal, baseada na suposta "autoridade" do embargante sobre a vítima, não explicou de maneira clara em que consistiria essa autoridade, sendo certo que “a simples menção ao fato de o embargante ser padrinho da vítima não é suficiente para configurar a ascendência moral ou poder exigido pela norma penal”. Requer o acolhimento dos embargos a fim de que sejam sanadas a omissão, contradição e obscuridade apontadas, com os consequentes efeitos infringentes. A Procuradoria de Justiça apresentou as contrarrazões de ID 48781665, pugnando pela rejeição dos aclaratórios, sob o argumento de que a defesa apenas pretende que essa egrégia Câmara julgue novamente as razões do seu apelo ordinário, sendo nítida a intenção de revisitar matéria já devidamente apreciada por esse Tribunal de Justiça. É o relatório. Recife, data da assinatura eletrônica Des. Evandro Magalhães Melo Relator Voto vencedor: PODER JUDICIÁRIO ESTADO DE PERNAMBUCO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete Des. Evandro Magalhães Melo 2ª Câmara Criminal Embargos de Declaração na Apelação nº 0001126-67.2019.8.17.0100 Origem: Vara Criminal da Comarca de Abreu e Lima Embargante: G.G.D.S. Embargado: Ministério Público do Estado de Pernambuco Relator: Des. Evandro Magalhães Melo Procuradora de Justiça: Eleonora de Souza Luna VOTO Conforme relatado, os presentes Embargos de Declaração foram opostos em face do acórdão que, à unanimidade, negou provimento ao apelo interposto pelo ora embargante, e, de ofício, retificou a capitulação jurídica para o crime de atentado violento ao pudor contra menor de 14 (catorze) anos, previsto no art. 214, parágrafo único, c/c art. 224, alínea “a”, ambos do Código Penal, em sua redação anterior à Lei nº 12.015/2009, redimensionando a pena aplicada de 16 (dezesseis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão para 12 (doze) anos e 3 (três) meses de reclusão, mantendo a sentença condenatória em seus demais termos. Pois bem. Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração têm cabimento apenas para sanar eventual ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no julgado. Ao analisar o voto por mim proferido (ID 47021633) e o acórdão embargado (ID 47021634), não vislumbro qualquer ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Transcrevo excerto do meu voto no que pertine ao objeto dos presentes embargos: “Analisando os autos, constato que a autoria delitiva se encontra comprovada pelo pela palavra da vítima e das testemunhas inquiridas em juízo, que, inclusive, guardam harmonia com o afirmado na fase inquisitorial. A vítima V.R.G.S., tanto em sede policial quanto em juízo, narrou de forma minuciosa, coerente e firme os abusos sofridos, descrevendo com clareza atos de inequívoco conteúdo libidinoso, consumados mediante contato físico íntimo e reiterado, com claro propósito de satisfação da lascívia do agente. Conforme se extrai de sua declaração prestada na delegacia (ID 43531622): “Recorda que estava no terraço da casa dos seus avós [...] imputado aproveitou-se desse momento, pediu para declarante sentar-se na cadeira, ao lado da que ele estava sentado, enfiou dedo dele na sua vagina. [...] Pediu para imputado: 'PARE, TÁ ARDENDO, TÁ DOENDO, PARE', imputado NÃO PARAVA, dizia: 'VAI PASSAR, VAI DOER NÃO'. [...] imputado disse para declarante 'NÃO CONTAR NADA PARA NINGUÉM E IR LAVAR DEDO QUE ESTAVA MACHUCADO.’ [...] os adultos passavam na porta, olhavam saíam, enquanto que imputado entrava sentava num sofá que tinha, abria o zíper da calça, bermuda que estivesse usando no momento, cobria o PÊNIS com uma almofada, e ficava mostrando para a vítima, com uma expressão SAFADA, ao perceber o medo da vítima. QUE já tinha 13 anos de idade, quando pegou uma carona com sua tia e o imputado, sendo que sua tia precisou descer no meio do caminho, e assim que sua tia desceu do carro, o imputado pediu para declarante ir para banco de passageiro dianteiro e a declarante falou que “NÃO, IA FICAR NO BANCO DE TRÁS.” [...] QUE, é muito difícil para declarante abordar esse assunto (tanto que chorou durante as declarações); QUE, até hoje tem traumas, se mutila, arrancando as próprias cutículas, com os dentes; QUE não sabia que era MUTILAÇÃO, até sua terapeuta lhe alertar sobre esse fato.” Em juízo, a vítima V.R.G.S. que, no ano de 2019, ao tomar conhecimento pela televisão de um caso envolvendo uma menina chamada Giovana, que ganhou grande repercussão nacional, decidiu procurar a polícia, compreendendo que aquilo que vivenciou na infância não poderia continuar sendo silenciado. Explicou que, quando criança, não possuía o entendimento que tem hoje sobre a gravidade dos fatos. Recordou que, aos domingos, frequentava a casa de sua avó, cuja residência era também habitada pelo autor dos abusos G.G.D.S. Narrando os acontecimentos, afirmou que G.G.D.S se aproveitava do fato de ter um computador para atrair as crianças, que ficavam aguardando sua vez de jogar. Enquanto isso, ele segurava suas mãos e as forçava a tocar suas partes íntimas. Contou que, em uma ocasião, foi colocada no colo do acusado, que introduziu o dedo em sua genitália, causando-lhe dor. Disse lembrar-se de que tinha entre 8 e 9 anos de idade. Relatou ainda que, durante os jogos no computador, ele se aproximava, esfregava o pênis próximo ao seu ombro e forçava o fechamento de sua mão sobre seus órgãos genitais. Estima que os abusos tenham perdurado por aproximadamente cinco anos, entre os 8 e 13 anos de idade e que, ao longo do tempo, ao começar a perceber que aquelas condutas eram inapropriadas, passou a adotar comportamentos para se proteger, como sentar-se no banco de trás do carro, o que dificultava o contato. Afirmou que, após perceber que ela já compreendia a natureza da violência, G.G.D.S cessou os abusos. A consistência do relato é reforçada pela irmã da vítima, P.E.G.S., que também declarou ter sido abusada por G.G.D.S., afirmando perante a autoridade policial (ID 43531623, fls. 1/2): “(...) QUE, declarante se recorda que na época dos fatos GERALDO tinha um computador isso atraia todas as crianças da família: QUE, quando declarante estava no quarto jogando computador GERALDO costumava ficar com pênis ereto se esfregava na declarante, como também tocava nos seios da declarante; QUE, GERALDO também costumava colocar os sobrinhos no carro dele para dar uma volta: QUE, declarante com era mais velha era colocada no banco da frente do carro então GERALDO ficava se masturbando dentro do veículo ficava tocando na perna da, declarante: QUE, na época dos fatos irmã da declarante VANESSA passava pelas mesmas situação, mas declarante não sabia; QUE, declarante se recorda que há alguns anos chegou conversar com sua irmã, ocasião em que ficou sabendo dos abusos. (...)” Em juízo, confirmou os relatos, asseverando ser a sobrinha e neta mais velha da família, e que, à época, costumava brincar no computador da casa da avó juntamente com os demais primos, incluindo a vítima, sua irmã. Segundo seu relato, o acusado se aproveitava desses momentos para se encostar em suas costas e nas das outras crianças e, por ser a mais velha, costumava sentar no banco da frente do carro durante os passeios em família. Observou que, naquela época, não havia tanta informação ou conscientização sobre abuso sexual infantil como há atualmente, o que dificultava a compreensão sobre o que estava ocorrendo. Somente após a denúncia apresentada em 2019, teve coragem de conversar com Vanessa, ocasião em que ambas reconheceram que haviam sido vítimas dos mesmos abusos. Recorda que os episódios ocorreram quando tinham cerca de 9 anos de idade e que cessaram antes de ela iniciar seu primeiro relacionamento amoroso, aos 13 anos. A genitora da vítima Vania Regina Galvão Souza, na delegacia afirmou: (ID 43531623): “ (...) QUE, declarante ficou totalmente sem ação sem saber que fazer; QUE, depois a declarante foi ligando algumas situações que ocorriam quando as meninas eram pequenas ao comportamento de GERALDO; QUE, esses fatos foram relatados na presença do esposo da declarante; QUE, no mês de março do corrente ano GERALDO foi preso por estupro; QUE, a vítima de GERALDO foi uma jovem de 16 anos; QUE, após esse fato surgiram novas denúncias contra GERALDO; QUE, GERALDO mexeu com duas outras duas sobrinhas e uma amiga delas; QUE, esses fatos já estão sendo investigados na delegacia de Paulista-PE; QUE, após prisão de GERALDO e os outros casos virem à tona VANESSA se sentiu mais encorajada de denunciar os fatos; QUE, VANESSA recentemente vem se tratando com psicólogo, pois ficou com sequelas desses abusos; QUE, no início PRISCILA não quis se envolver no caso, mas hoje resolveu comparecer delegacia.(...).” Vejamos os trechos dos depoimentos consignados da sentença (Id nº 43532726): “VANESSA RAFAELLA GALVÃO SOUZA (VÍTIMA) Que em 2019 veio à tona o caso da menina Giovana que passou na TV e repercutiu muito. Que quando era pequena não tinha o conhecimento como se tem hoje. Que tomou a decisão de que isso não poderia acontecer com mais ninguém. Foi quando decidiu procurar a polícia. Que naquela época não era comum computador e ele se valia disso. Que as crianças ficavam esperando para jogar. Que ele se aproveitava disso e pegava a mão das crianças que ficavam esperando e ficava passando as mãos nas partes intimas dele. Que uma vez a colocou no colo e introduziu o dedo em sua vagina e lembra que doeu bastante. Que lembra que tinha 8 a 9 anos. Que ele percebeu que já estava na idade de perceber e estava sentada no banco de trás dele para ser mais difícil de ele passar a mão. Ai ele já percebeu que ela já sabia que aquilo não era legal e depois disso parou. Que durante o jogo de computador ele esfregava muito o pênis dele perto do ombro. Que recorda que ficava com a mão aberta e ele ficava fechava a mão dela no pênis dele. Que acredita que esses abusos duraram cerca de 5 anos, acredita que dos 08 aos 13 anos. Que ela ia sempre aos domingos para a casa da avó. Que a filha dele era a sua melhor amiga e sempre ficava perto dela, que ele se valia disso. P. E. G. S. Que é irmã da vítima. Que também foi vítima. Que é a sobrinha e neta mais velha. Na época tinha um computador grande e eram onde os netos iam brincar no computador e ele se encostava nas suas costas e as outras crianças. Inclusive a Vanessa. Que como era a mais velha sentava no banco da frente do carro quando iam passear. Que na época não tinha tanta informação como se te tem hoje. Que após a denúncia em 2019 que se teve coragem e foi falar com a vítima que também contou que sofreu os abusos. Que tinham cerca de 09 anos quando isso acontecia. Que lembra que teve seu primeiro namorado com 13 anos e isso já havia parado antes disso.” [...] Os atos narrados pela vítima, tanto em sede policial quanto em juízo, revelam a prática reiterada de atos libidinosos, como toques íntimos, masturbação forçada, introdução digital na genitália, exibição do órgão genital e outras condutas claramente voltadas à satisfação da lascívia do agente, perpetrados mediante o uso de subterfúgios e violência presumida, dada a tenra idade da vítima. A versão é firme, coerente e corroborada por diversos elementos testemunhais, inclusive de outra vítima, irmã da ofendida, que também narrou abusos semelhantes praticados pelo réu. [...] Os relatos da vítima, desde a fase policial até a instrução judicial, se mantiveram coerentes e foram minuciosos quanto aos detalhes dos abusos, o que reforça a sua credibilidade e a materialidade do delito. Dessa forma, todo o conjunto probatório se apresenta harmônico no sentido de que o réu praticou a conduta narrada na denúncia, não havendo que se falar em absolvição por fragilidade de provas. [...] Passo à análise do pleito subsidiário de redimensionamento da pena. Vejamos a dosimetria realizada pelo magistrado (ID 43532726): “Analisadas as circunstâncias previstas no artigo 59, do Código Penal, observo que: Culpabilidade: Comum à espécie. Neutra; Antecedentes: não consta dos autos registro de que o réu tenha sofrido condenação criminal com trânsito em julgado, em data anterior ao fato objeto da presente ação. Neutra; Conduta Social: Nada a valorar. Neutra; Personalidade do agente: não existe nos autos qualquer elemento plausível para aferição da personalidade do acusado, razão pela qual deixo de valorá-la. Neutra; Motivos do crime: normais à espécie. Neutra; Circunstâncias do crime: Não se extrai dos autos conjuntura extraordinária hábil agravar a reprimenda do demandado. Neutra; Consequências do crime: Apesar de crimes desta natureza deixar sequelas psíquicas nas vítimas como regra, para que seja possível o incremento da sanção penal é necessária a demonstração de sequela vigorosa, capaz de transcender o trauma típico causado pelo crime, o que não se enxerga no caso. Neutra; Comportamento da vítima: a vítima em nada influenciou a prática do delito. Neutra. À vista dessas circunstâncias é que fixo a pena-base em 8 (oito) anos de reclusão. [...] Inicialmente, observa-se que a pena-base foi fixada no patamar mínimo legal previsto para o crime de estupro de vulnerável, dessa forma, retifico a pena-base para o mínimo legal do crime de atentado violento ao pudor, fixando-a em 6 (seis) anos de reclusão. [...] Na terceira fase da dosimetria, o magistrado reconheceu a incidência da causa de aumento de pena prevista no artigo 226, inciso II, do Código Penal, em razão da relação de parentesco por afinidade entre o réu e a vítima, circunstância plenamente aplicável ao caso. Em razão disso, aumento a pena intermediária em 1/2 (metade), resultando em um acréscimo de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, fixando-a no patamar de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Nesse contexto, trago os seguintes precedentes: "É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o preceito contido no artigo 226, inciso II, do CP "abrange todo o agente que, por qualquer título, tenha autoridade sobre a vítima"(AgRg no REsp 1.716.592/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/2/2018, DJe 7/3/2018), o que inclui o parentesco socioafetivo e por afinidade" (AgRg no AREsp n. 2.210.477/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022.)” A majorante prevista no art. 226, II, do Código Penal incide sobre uma condição subjetiva e jurídica do autor do fato, qual seja, sua posição de tio por afinidade em relação à vítima, já que era casado com a tia paterna da menor. Tal vínculo formal confere à figura do réu uma autoridade presumida, socialmente reconhecida, com expectativas de proteção e responsabilidade para com a criança”. O acórdão ora impugnado foi ementado nos seguintes termos: “PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A, CAPUT, C/C ART. 71, CAPUT, E ART. 226, II, TODOS DO CP. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 232 DO ECA. IMPOSSIBILIDADE. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO COM MENOR DE 14 ANOS. DESNECESSIDADE DE CONJUNÇÃO CARNAL. PALAVRA DA VÍTIMA FIRME, COERENTE E CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. RETIFICAÇÃO DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA, DE OFÍCIO, PARA O ART. 214, PARÁGRAFO ÚNICO, C/C ART. 224, “A”, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS). DOSIMETRIA DA PENA CORRETAMENTE FUNDAMENTADA. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, F, E DA MAJORANTE DO ART. 226, II, DO CP. FUNDAMENTAÇÕES DISTINTAS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA E APLICADA FRAÇÃO MÍNIMA DE 1/6. REDIMENSIONAMENTO DA PENA DE ACORDO COM NOVA CAPITULAÇÃO. PEDIDO DE RECORRER EM LIBERDADE PREJUDICADO. RECURSO DESPROVIDO. ALTERAÇÃO, EX OFFICIO, DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA E DA PENA. DECISÃO UNÂNIME. 1. Autoria e materialidade. A tese de desclassificação para o art. 232 do ECA não encontra respaldo nos autos, tendo em vista a inequívoca prática reiterada de atos libidinosos por parte do réu contra sua sobrinha por afinidade, com idade entre 8 e 12 anos à época dos fatos, consistentes em toques íntimos, masturbação forçada, introdução do dedo na genitália da vítima, manipulação do órgão genital do réu, exibição da genitália e toques nas partes íntimas enquanto dormia. Tais condutas caracterizam o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), conforme consolidado na Súmula 593 do STJ, sendo irrelevante a ausência de conjunção carnal. A palavra da vítima em crimes sexuais detém especial valor probatório, sobretudo quando se apresenta firme, coerente e em consonância com os demais elementos de prova colhidos, inclusive relatos de outras vítimas, em que a narrativa é reforçada por testemunhos e demais provas constantes dos autos. Súmula 82 do TJPE e precedentes do STJ. 2. Princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Considerando que os fatos ocorreram entre os anos de 2001 e 2005, retificada, ex officio, a capitulação jurídica da conduta descrita na exordial e reconhecida na sentença, para o crime tipificado no art. 214, parágrafo único, c/c art. 224, “a”, ambos do Código Penal, em sua redação anterior à Lei nº 12.015/2009, por ser norma penal mais benéfica. 3. Dosimetria. Redimensionada a pena de acordo com a nova capitulação jurídica. A pena-base fixada no mínimo legal (6 anos). Na segunda fase, aplicada corretamente a agravante genérica do art. 61, II, “f,” do CP, pela utilização da relação doméstica e da coabitação para a prática dos delitos, elevando a pena para 7 anos. Na terceira fase, a pena foi majorada em metade, com fundamento no art. 226, II, do CP, em razão da relação de afinidade (tio), resultando em 10 anos e 6 meses de reclusão. A aplicação conjunta da agravante genérica do art. 61, II, “f”, e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, não configura bis in idem, por incidirem sobre fundamentos fáticos e jurídicos distintos. A agravante decorre do aproveitamento da convivência doméstica e da confiança intrínseca ao ambiente familiar para a facilitação do crime, enquanto a causa de aumento fundamenta-se na especial condição subjetiva do agente, por ser tio por afinidade da vítima, o que lhe conferia autoridade sobre esta. Precedentes do STJ. 4. Continuidade delitiva reconhecida em razão da reiteração dos abusos com idêntico modus operandi, em contexto temporal prolongado e nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, justificando o aumento de 1/6 nos termos do art. 71 do CP, culminando na pena definitiva de 12 anos e 3 meses de reclusão. Mantido o regime inicial fechado, conforme previsão do art. 33, §2º, "a", do CP. Pleito de recorrer em liberdade não conhecido, uma vez já expressamente concedido na sentença. 5. Apelo não provido. Retificação da capitulação jurídica e redimensionamento da pena, ex officio. Decisão unânime”. Como se vê, a matéria posta sob exame foi analisada e decidida por esta colenda Câmara, tendo este Órgão Colegiado, com base nas provas contidas nos autos, notadamente a palavra da vítima, concluído, por unanimidade, que o ora embargante cometeu o crime de atentado violento ao pudor contra menor de 14 (catorze) anos. Os depoimentos prestados pela vítima, tanto em sede policial quanto em Juízo, foram devidamente analisados, não se constatando, ao contrário do que alega a defesa, quaisquer inconsistências. Ao revés, a vítima narrou de forma minuciosa, coerente e firme os abusos sofridos, descrevendo com clareza atos de inequívoco conteúdo libidinoso. Tais relatos foram ainda corroborados pela prova testemunhal, sobretudo pelo depoimento da irmã da vítima, que também narrou abusos semelhantes praticados pelo réu. Portanto, não há que se falar em omissão no acórdão. A alegação de que o acórdão é contraditório, pois teria elevado a pena-base com fundamento na culpabilidade do embargante, é despropositada, uma vez que, como visto na transcrição acima, a culpabilidade, assim como as demais circunstâncias judiciais, foi considerada neutra, tendo a pena-base sido fixada no mínimo legal. Por fim, o argumento da defesa de que há obscuridade no aresto, uma vez que o acórdão, ao aplicar a causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do Código Penal, baseada na suposta autoridade do embargante sobre a vítima, não teria explicado de maneira clara em que consistiria essa autoridade, não merece prosperar. Como visto acima, restou expressamente consignado no meu voto e no acórdão que a incidência da referida causa de aumento decorreu da condição subjetiva do embargante de ser tio por afinidade da vítima, o que, a toda evidência, lhe conferia autoridade sobre esta, conforme entendimento do STJ acima transcrito (AgRg no AREsp n. 2.210.477/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022). Na verdade, pretende o embargante rediscutir matéria já apreciada e decidida, o que não se admite em sede de embargos de declaração. As alegações contidas nos presentes aclaratórios nada mais são do que mero inconformismo do embargante, que busca o reexame de matéria apreciada no julgamento da apelação. Por oportuno, colaciono os seguintes julgados desta egrégia Corte: “PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO POR NÃO ANÁLISE DE PEDIDO DE ADIAMENTO DA SESSÃO DO JULGAMENTO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO IMPEDIMENTO DE COMPARECER AO ATO. PRELIMINAR REJEITADA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO POR NÃO ANÁLISE DO PEDIDO DE HABILITAÇÃO DA OAB-PE COMO ASSISTENTE DE DEFESA. IMPOSSIBILIDADE. FALTA DE INTERESSE JURÍDICO. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS RELACIONADOS NO ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REDISCUSSÃO MERITÓRIA. INCABÍVEL. EMBARGOS REJEITADOS. DECISÃO UNÂNIME. I - O representante da defesa não fez prova da impossibilidade de comparecer à sessão de julgamento para a sustentação oral das razões, uma vez que juntou, apenas, cópia de movimentação processual extraída do sistema PJe - 1º Grau, que demonstra, tão somente, seu vínculo como advogado em outro processo, não fazendo prova no sentido de que o julgamento ocorreria na mesma data do julgamento do recurso de apelação. Preliminar rejeitada. II - O Superior Tribunal de Justiça já esposou entendimento no sentido de que, no processo penal, a figura do assistente da Defesa não encontra lugar, existindo apenas a figura do assistente da acusação, na forma do art. 268 do CPP. Ademais, inexiste interesse jurídico capaz de justificar a requerida intervenção de terceiros na condição de assistente da defesa, pois não houve ofensa às prerrogativas da advocacia. O argumento da defesa de violação ao direito do advogado de comunicar-se reservadamente com o réu antes da sessão do julgamento do Tribunal do Júri foi devidamente enfrentado, quando do julgamento da apelação. Preliminar rejeitada. III - Somente se justifica o manejo de embargos de declaração, com o escopo de expungir de decisão judicial ambigüidade, obscuridade, contradição ou para suprir omissão. Os embargos declaratórios não se prestam a rediscutir matéria julgada, logo não tendo ficado comprovada a presença de quaisquer dos vícios enunciados no art. 619 do CPP, não há como acolher os presentes embargos. IV - Embargos de declaração rejeitados. Decisão unânime”. (TJPE, Embargos de Declaração Criminal 567559-40023551-29.2018.8.17.0810, Rel. Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, 4ª Câmara Criminal, julgado em 20/12/2023, DJe 10/01/2024). “PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA ACÓRDÃO LAVRADO NO JULGAMENTO DE APELAÇÃO CRIMINAL. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. ALEGADA OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NO JULGAMENTO PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS DO ART. 619 DO CPP. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DOS PRESENTES EMBARGOS. REJEIÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Preliminar suscitada pela Procuradoria de Justiça. Não conhecimento do recurso interposto pela defesa da Weinert Soares Penha diante da intempestividade recursal. 2. Mérito. Os embargos de declaração destinam-se ao esclarecimento ou integração do julgado, em casos de obscuridade, contradição ou omissão, devendo o julgador ater-se tão somente a análise de eventual incidência de tais vícios na decisão impugnada, consoante preceitua o art. 619 do Código de Processo Penal. 3. No caso dos autos, todos os argumentos suscitados pela defesa foram devidamente analisados e rejeitados por esta Câmara, sem demonstrar qualquer vício capaz de autorizar o acolhimento do presente recurso. 4. Revelam-se improcedentes os embargos declaratórios em que a questão suscitada traduz mero inconformismo com o teor da decisão embargada, pretendendo rediscutir matérias já decididas. 5. Não conhecimento do recurso interposto pela defesa de Weinert Soares Penha. Rejeição dos demais Embargos de Declaração. Decisão unânime”. (TJPE, Embargos de Declaração Criminal 486864-00015442-04.2013.8.17.0001, Rel. Eduardo Guilliod Maranhão, 4ª Câmara Criminal, julgado em 12/12/2023, DJe 02/01/2024). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIME COM EFEITOS INFRINGENTES. ALEGADA OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO ACOLHIDOS. I - Na conformidade do previsto no art. 619 do CPP, os embargos de declaração se consubstanciam em instrumento processual destinado a expungir do julgamento ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, não se prestando para suscitar questão já analisada, nem para buscar esclarecimentos sobre o convencimento da Turma Julgadora, mormente quando tem o nítido propósito de obter o reexame da matéria. II - Não se admitem embargos opostos com o fim de rediscutir questão claramente decidida no acórdão, para modificá-la em sua essência, tampouco para buscar esclarecimentos sobre o convencimento da Turma Julgadora. III - Mesmo para fins de prequestionamento, o cabimento dos Embargos de Declaração deve se adequar ao disposto nos arts. 619 e 620, ambos do Código de Processo Penal”. (TJPE, Embargos de Declaração Criminal 563235-30000929-89.2017.8.17.0001, Rel. Isaías Andrade Lins Neto, 2ª Câmara Criminal, julgado em 22/11/2023, DJe 29/11/2023). Dessa forma, inexistindo ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no acórdão, não há como acolher os presentes embargos. Ante o exposto, em consonância com a manifestação da douta Procuradoria de Justiça, voto pela REJEIÇÃO dos presentes embargos declaratórios. É como voto. Recife, data da assinatura eletrônica Des. Evandro Magalhães Melo Relator Demais votos: Ementa: PODER JUDICIÁRIO ESTADO DE PERNAMBUCO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete Des. Evandro Magalhães Melo 2ª Câmara Criminal Embargos de Declaração na Apelação nº 0001126-67.2019.8.17.0100 Origem: Vara Criminal da Comarca de Abreu e Lima Embargante: G.G.D.S. Embargado: Ministério Público do Estado de Pernambuco Relator: Des. Evandro Magalhães Melo Procuradora de Justiça: Eleonora de Souza Luna EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONTRA MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO EMBARGADO. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. INVIABILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. DECISÃO UNÂNIME. 1. Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração têm cabimento apenas para sanar eventual ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no julgado. 2. Os depoimentos prestados pela vítima, tanto em sede policial quanto em Juízo, foram devidamente analisados, não se constatando, ao contrário do que alega a defesa, quaisquer inconsistências. Ao revés, a vítima narrou de forma minuciosa, coerente e firme os abusos sofridos, descrevendo com clareza atos de inequívoco conteúdo libidinoso. Tais relatos foram ainda corroborados pela prova testemunhal, sobretudo pelo depoimento da irmã da vítima, que também narrou abusos semelhantes praticados pelo réu. Portanto, não há que se falar em omissão no acórdão. 3. A alegação de que o acórdão é contraditório, pois teria elevado a pena-base com fundamento na culpabilidade do embargante, é despropositada, uma vez que a culpabilidade, assim como as demais circunstâncias judiciais, foi considerada neutra, tendo a pena-base sido fixada no mínimo legal. 4. O argumento da defesa de que há obscuridade no aresto, uma vez que o acórdão, ao aplicar a causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do Código Penal, baseada na suposta autoridade do embargante sobre a vítima, não teria explicado de maneira clara em que consistiria essa autoridade, não merece prosperar. Restou expressamente consignado no voto da Relatoria e no acórdão que a incidência da referida causa de aumento decorreu da condição subjetiva do embargante de ser tio por afinidade da vítima, o que, a toda evidência, lhe conferia autoridade sobre esta, conforme entendimento do STJ. 5. In casu, pretende o embargante a rediscussão de matéria apreciada no julgamento da apelação, o que é inviável em sede de aclaratórios. 6. Embargos rejeitados. Decisão unânime. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos dos Embargos de Declaração na Apelação nº 0001126-67.2019.8.17.0100, em que figuram como partes as acima nominadas, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal, à unanimidade, em REJEITAR os embargos, tudo conforme a ementa e os votos que fazem parte integrante da presente decisão. Recife, data da assinatura eletrônica Des. Evandro Magalhães Melo Relator Proclamação da decisão: À unanimidade de votos, foram rejeitados os Embargos de Declaração, nos termos do voto da Relatoria. Magistrados: [MAURO ALENCAR DE BARROS, ISAIAS ANDRADE LINS NETO, EVANDRO SERGIO NETTO DE MAGALHAES MELO] , 12 de junho de 2025 Magistrado
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear