Processo nº 0002058-50.2020.8.17.0640
ID: 295752310
Tribunal: TJPE
Órgão: Gabinete do Des. Evio Marques da Silva 2ª TCRC
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0002058-50.2020.8.17.0640
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Segunda Turma da Câmara Regional de Caruaru Rua Frei Caneca, s/n, Maurício de Nassau, CARUARU - PE - CEP: 55012-330 - F:( ) Processo nº 0002058-50.2…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Segunda Turma da Câmara Regional de Caruaru Rua Frei Caneca, s/n, Maurício de Nassau, CARUARU - PE - CEP: 55012-330 - F:( ) Processo nº 0002058-50.2020.8.17.0640 APELANTE: 1º PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL DE GARANHUNS APELADO(A): I. T. D. A., J. D. D. M. A., F. S. A. F. INTEIRO TEOR Relator: EVANILDO COELHO DE ARAUJO FILHO Relatório: 1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 2ª TURMA APELAÇÃO CRIMINAL nº 0002058-50.2020.8.17.0640 Juízo de origem: Primeira vara criminal da comarca de Garanhuns/PE Apelante: Ministério Público do Estado De Pernambuco Apelado: Ivaldo Teixeira de Araújo Relator em Substituição: Des. Evanildo Coelho de Araújo Filho RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco, com fundamento no artigo 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal, contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri da Primeira Vara Criminal da Comarca de Garanhuns, que absolveu o recorrido Ivaldo Teixeira de Araújo da acusação de homicídio qualificado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2º, incisos I e IV, do Código Penal). Segundo a denúncia, em 11 de janeiro de 2019, por volta das 17h, na Garagem do Monte Sinai, às margens da Rodovia BR-423, Km 58, em Garanhuns, o recorrido, em comunhão de ações e desígnios com Francisco Siqueira de Araújo Filho e José Diego de Melo Araújo, teria matado Álvaro de Souza Fernandes, mediante disparos de arma de fogo. Consta que o crime foi motivado por uma desavença entre a vítima e Francisco, decorrente de uma dívida referente à negociação de uma máquina retroescavadeira. Dias antes do crime, a vítima havia retirado a máquina de uma obra conduzida por Francisco. Segundo a acusação, Ivaldo seria o autor dos disparos, Francisco o mandante e José Diego o condutor do veículo utilizado na fuga. Em suas razões recursais, o Ministério Público sustenta que a decisão absolutória do Tribunal do Júri é manifestamente contrária à prova dos autos. Argumenta que os elementos probatórios são cristalinos em apontar o recorrido como autor do homicídio. Destaca os depoimentos testemunhais, especialmente o de Wilfred de Souza Coelho, irmão da vítima, que relatou a existência de uma dívida entre a vítima e Francisco, e que soube que Ivaldo, primo de Francisco, era "pistoleiro" e andava com este. O Parquet enfatiza, ainda, que o recorrido foi preso em flagrante portando armas de fogo, dentre as quais um revólver calibre .38 que, segundo laudo pericial balístico, foi a arma utilizada no crime. Ressalta que o apelado afirmou possuir armas de fogo desde que sofreu um atentado entre 2013 e 2014, comprovando que já as possuía na época do homicídio. Por fim, aponta que o crime ocorreu na mesma semana em que a vítima recuperou a máquina retroescavadeira. O Ministério Público requer o provimento do recurso para anular o julgamento e submeter o recorrido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. Em contrarrazões, a defesa do recorrido argumenta que as provas dos autos não autorizam um veredicto condenatório, visto que não há nenhuma prova robusta que demonstre sua participação no crime. Ressalta que o conjunto probatório se baseia em meras suposições e afirmações falsas. Enfatiza que as testemunhas oculares do crime, como Welton Batista Coelho (irmão da vítima) e José Erenildo Torres Nogueira, não identificaram o recorrido como autor dos disparos. Alega ainda que o apelado teria adquirido a arma de fogo apreendida em sua posse muito tempo após a data do fato, e que, no momento do crime, estaria em Caruaru com sua esposa, Mayara Vicente Siqueira, vendendo bolo. A defesa argumenta que a decisão do Conselho de Sentença encontra respaldo no conjunto probatório e merece ser mantida, em respeito ao princípio da soberania dos veredictos. Requer, por fim, o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença absolutória. Na sequência, os autos foram encaminhados à Procuradoria de Justiça que, em fundamentado Parecer, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, para anular o julgamento e submeter o recorrido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, por entender que a decisão dos jurados se encontra totalmente divorciada da prova dos autos. É o que importa relatar. À Revisão. Caruaru, data da assinatura eletrônica. Evanildo Coelho de Araújo Filho Desembargador em substituição Voto vencedor: 1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 2ª TURMA APELAÇÃO CRIMINAL nº 0002058-50.2020.8.17.0640 Juízo de origem: Primeira vara criminal da comarca de Garanhuns/PE Apelante: Ministério Público do Estado De Pernambuco Apelado: Ivaldo Teixeira de Araújo Relator em Substituição: Des. Evanildo Coelho de Araújo Filho VOTO DO RELATOR Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, razão pela qual passo ao exame do mérito. Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco, com fundamento no artigo 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal, contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri da Primeira Vara Criminal da Comarca de Garanhuns, que absolveu o recorrido Ivaldo Teixeira de Araújo da acusação de homicídio qualificado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, §2º, incisos I e IV, do Código Penal). Conforme se extrai dos autos, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público: Na noite do dia 11/01/2019, por volta das 17: 00h, no interior da Garagem do Monte Sinai, localizada às margens da Rodovia BR-423, Km 58, nesta cidade, os denunciados acima qualificados em comunhão de ações e desígnios, mataram mediante disparos de arma de fogo, por motivo torpe, e por meio de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa de ÁLVARO DE SOUZA FERNANDES. No dia, hora e local do fato, a vítima estava em seu estabelecimento empresarial, na presença de um amigo conhecido por "Nildo", quando IVALDO TEIXEIRA DE ARAÚJO chegou ao local e encontrou o irmão da vítima (WELTON) a quem indagou se Álvaro de Souza estava. Com a resposta afirmativa, IVALDO entrou no estabelecimento e efetuou diversos disparos de arma de fogo contra a vítima, que chegou a ser levada ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos e foi a óbito. Ato contínuo, IVALDO empreendeu fuga em um veículo identificado como sendo um CELTA da cor escura e de propriedade de FRANCISCO, e conduzido por seu irmão JOSÉ DIOGO DE MELO ARAUJO. Depreende-se dos autos que o veículo supracitado aproximou-se do estabelecimento da vítima e permaneceu parado durante um minuto, com os faróis ligados, no mesmo momento em que IVALDO executou a vítima, conforme demenstra as imagens acostadas no Relatório (fls. 200-201). Narra o caderno investigativo gue havia uma desavença entre a vítima e a pessoa de FRANCISCO SIQUEIRA FILHO, ora denunciado, e primo de IVALDO TEIXEIRA DE ARAÚJO, (autor dos disparos que resultaram na morte de ÁLVARO DE SOUZA FERNANDES) motivada por uma divida contraída por FRANCISCO, de aproximadamente R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em decorrência de uma negociação de uma máquina retroescavadeira. Narra, ainda, que devido ao atraso no pagamento da dívida, a vítima fez uma cobrança ao denunciado FRANCISCO SIQUEIRA FILHO há aproximadamente quatro meses e afirmou em sua cobrança que o débito já ultrapassava a soma R$ 180.000.00 (cento e oitenta mil reais). Assim, em decorrência do não pagamento da dívida, no dia 06/01/2019, a vítima dirigiu-se até uma construção conduzida por FRANCISCO, localizada na cidade de Caruaru-PE, e retirou do local a máquina objeto da negociação, ou seja, a máquina retroescavadeira. Fato que levou FRANCISCO a registrar um Boletim de Ocorrência contra a vítima (fls. 55). Conforme os autos, antes de retirar do local a máquina retroescavadeira, a vítima compartilhou por meio do whastapp um vídeo no qual se dirigia ao denunciado FRANCISCO, afirmando que pegaria de volta a máquina em decorrência da falta de pagamento por parte de FRANCISCO. Em sede de depoimento, uma testemunha de identidade preservada alegou que a senhora MARIA BEZERRA DE MELO ARAÚJO - mãe dos denunciados FRANCISCO e JOSÉ DIEGO - confidenciou ao depoente, se referindo à dívida contraída por FRANCISCO: "DEIXE AQUELE VELHO SAFADO QUIETO - se referindo à vítima - SE ELE FOR MEXER COM FRANCISCO, O QUE É DELE ESTÁ GUARDADO". Em depoimento, MARIA BEZERRA DE MELO ARAÚJO negou tais alegações. Contudo, afirmou que FRANCISCO já havia efetuado diversos pagamentos à vítima, somando cerca de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) e que a vítima cobrava juros exacerbados, configurando agiotagem. —Depreende-se dos autos que FRANCISCO chegou a dar como forma de pagamento a vítima: um caminhão VW 24250, uma caminhonete 1200 e alguns cheques. Todavia, os cheques oferecidos como forma de pagamento não foram compensados por insuficiência de fundos. Com relação ao caminhão VW 24250, ficou acordado que a vítima se responsabilizaria peio pagamento de 10 (dez) parcelas referentes ao financiamento do automóvel. No entanto, a vítima não o fez. Desta feita, o caminhão fora apreendido em dezembro de 2018, em razão de uma busca e apreensão determinada peia justiça. Fato que acirrou os ânimos entre a vítima e a família de FRANCISCO. Infere-se, ainda, que no dia 18/11/2019 foi registrada uma denúncia anônima na qual o declarante afirmou que a pessoa de FRANCISCO teria sido o mandante do crime e que quem executou os disparos foi IVALDO TEIXEIRA DE ARAÚJO, motivado pelas desavenças familiares existentes entre a vítima e FRANCISCO. Após diligências, foi constatado que JOSÉ DIEGO DE MELO ARAÚJO - irmão de FRANCISCO -— teria conduzido o carro que auxiliou IVALDO a chegar até o estabelecimento comercial da vítima, bem como empreender fuga após o crime, e que em face de IVALDO havia um mandado de prisão em aberto por homicídio ocorrido em 2012. Além disso, o mesmo está sendo investigado pela prática de um outro homicídio em face de um funcionário da empresa de FRANCISCO, ocorrido em setembro de 2018. No curso das investigações, a pessoa de IVALDO foi localizada na cidade de Caruaru-PE, ocasião em que fora dado cumprimento ao mandado de prisão supracitado. Sendo apreendido em sua posse dois revólveres calibre .38 e uma pistoia calibre .380, além de trinta munições calibre .38 e documentos falsos (um RG em nome de Valdeir Ribeiro de Oliveira, do Estado de São Paulo, e uma CNH em nome de Luciano Pereira de Oliveira, ambos com fotografia de IVALDO), tudo conforme o Auto de Apresentação e Apreensão (fis. 116). Em sede de interrogatório, IVALDO confirmou ser proprietário das armas de fogo apreendidas e alegou possuí-las para sua defesa pessoal, Além disso, negou ter qualquer envolvimento com o homicídio de ÁLVARO. Afirmou ter conhecimento do desentendimento ocorrido entre FRANCISCO e a vítima, e de manter contato com FRANCISCO, devido ao parentesco. Por fim, negou que tenha usado as armas de fogo apreendida na prática do homicídio que vitimou ÁLVARO DE SOUZA FERNANDES. Contudo, diante des indicativos de autoria que recaiam em face do denunciado IVALDO, e com apreensão das armas fogo, foi determinado o Exame de Comparação Balística (fls. 151-157), por meio do qual foi constatado que uma das armas de fogo apreendida, qual seja: o revólver calibre.38 SPECIAL, marca-Amadeo ROSSI, número de série D941249, e sob a posse de IVALDO, foi a mesma arma de fogo de onde partiram os projéteis que atingiram fatalmente a vítima ÁLVARO DE SOUZA FERNANDES. Assim, diante da prova técnica inconteste, foi representado pela prisão temporária, e no dia 28/09/2020 expedida a ordem de prisão dos denunciados, sendo cumprida no dia seguinte (29/09/2020) a prisão de IVALDO e JOSÉ DIEGO. Todavia, o denunciado FRANCISCO não fora localizado e encontra-se foragido. Após regular instrução processual, os três acusados foram pronunciados para julgamento perante o Tribunal do Júri. Em sessão plenária realizada em 06 de outubro de 2022, o Conselho de Sentença, por maioria, acolheu a tese defensiva e absolveu Ivaldo Teixeira de Araújo da imputação que lhe foi feita na denúncia. Na mesma sessão, os corréus Francisco Siqueira de Araújo Filho e José Diego De Melo Araújo também foram absolvidos. A sentença absolutória, proferida pelo Juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Garanhuns, limitou-se a declarar a absolvição dos réus, em estrita observância à soberana decisão do Conselho de Sentença, que reconheceu a materialidade do delito, mas rejeitou a autoria delitiva imputada ao recorrido. No que concerne à soberania dos veredictos no âmbito do Tribunal do Júri, impende salientar que tal princípio constitui um dos pilares fundamentais desta instituição secular, encontrando guarida expressa no art. 5º, inciso XXXVIII, alínea "c", da Carta Magna. Este preceito, de envergadura constitucional, visa assegurar que as decisões emanadas do Conselho de Sentença sejam revestidas de uma proteção especial contra reformas arbitrárias, salvaguardando a essência democrática do julgamento pelos pares. A jurisprudência dos Tribunais Superiores preconiza que a soberania dos veredictos não se confunde com a absoluta intangibilidade das decisões proferidas pelo Júri. Com efeito, o sistema processual penal pátrio, em sua complexidade, admite mecanismos de controle que, sem desnaturar a essência do instituto, permitem a correção de eventuais distorções manifestas. Neste diapasão, o Código de Processo Penal, em seu art. 593, inciso III, alíneas "a" a "d", prevê hipóteses taxativas de cabimento do recurso de apelação contra as decisões do Tribunal do Júri. Quando se trata da hipótese recursal prevista no art. 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal, a cassação da decisão do Júri somente é possível quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos, isto é, quando não houver qualquer elemento de convicção que dê suporte à tese acolhida pelo Conselho de Sentença. Sobre o assunto, reiteradamente decidiu o STJ: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. ABSOLVIÇÃO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. CASSAÇÃO. 1. O veredicto do Tribunal do Júri somente pode ser cassado quando se revelar manifestamente contrário à prova dos autos. Em outras palavras, apenas a decisão aberrante, que não encontra nenhum respaldo na prova produzida, poderá ser afastada pelo Tribunal de origem no julgamento do recurso de apelação. Ao contrário, quando a decisão estiver apoiada em elemento probatório legítimo, ainda que haja outras versões para o crime, não se admitirá sua cassação, em respeito à soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. (...) (STJ - AgRg no AREsp: 2377559 ES 2023/0192957-7, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 06/02/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/02/2024) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. APELAÇÃO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. É firme o entendimento desta Corte Superior de que, ao julgar apelação que pretende desconstituir o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri, sob o argumento de que a decisão fora manifestamente contrária à prova dos autos, à Corte de origem se permite, apenas, a realização de um juízo de constatação acerca da existência de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes da Corte Popular. Se o veredito estiver flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo, admite-se a sua cassação. Caso contrário, deve ser preservado o juízo feito pelos jurados no exercício da sua soberana função constitucional (AgRg no AgRg no AREsp 1866503/CE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma julgado em 15/03/2022, DJe 22/03/2022). 2. A quebra da soberania dos veredictos é apenas admitida em hipóteses excepcionais, em que a decisão do Júri for manifestamente dissociada do contexto probatório, hipótese em que o Tribunal de Justiça está autorizado a determinar novo julgamento. Diz-se manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando inquestionavelmente de todo o acervo probatório. (...) (STJ - AgRg no AREsp: 2263466 BA 2022/0386785-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 07/03/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/03/2023) Analisando detidamente os autos, observo que o Conselho de Sentença, no exercício de sua soberania constitucional (art. 5º, XXXVIII, alínea "c", da Constituição Federal), optou por acolher a tese defensiva de negativa de autoria, versão esta que encontra suporte nos elementos probatórios constantes nos autos, não podendo, assim, ser considerada manifestamente contrária à prova dos autos. A acusação sustenta sua tese com base em quatro elementos principais: (1) depoimento da testemunha Wifred de Souza Coelho; (2) prisão em flagrante do acusado em 27/07/2020 (meses após o crime) na posse e porte de armas de fogo e munições de uso permitido, porém sem autorização legal; e (3) laudo balístico que teria confirmado a compatibilidade de um dos projéteis com uma das armas apreendidas e (4) suposta motivação relacionada a uma dívida entre a vítima e Francisco, primo do recorrido. Quanto aos depoimentos testemunhais, é preciso destacar que nenhuma das testemunhas presenciais do crime foi capaz de identificar com certeza o recorrido como autor dos disparos. O próprio irmão da vítima, Welton Batista Coelho, que estava no local no momento do crime, afirmou em juízo: "Que não conseguiu identificar quem atirou no seu irmão, foi muito rápido". Da mesma forma, a testemunha José Erenildo Torres Nogueira declarou expressamente "que não tem como identificar a pessoa que atirou em Álvaro" e "que não ouviu ninguém falando que foi Ivaldo que matou o Álvaro". Em verdade, os depoimentos que apontam o recorrido como possível autor do crime são baseados em ouvir dizer e em conjecturas, não representando, portanto, prova direta da autoria delitiva. A testemunha Wilfred de Souza Coelho, mencionada no recurso da acusação, mencionou apenas que "soube que Ivaldo, primo de Francisco, é pistoleiro, que estava foragido de um crime que cometeu na rua dele, e que andava com Francisco", mas não presenciou o crime nem apontou nenhuma fonte direta que tenha identificado o recorrido como autor dos disparos, vejamos: "Que é irmão de Álvaro e trabalha no escritório da vítima, que Francisco era cliente antigo do ofendido e já havia feito várias negociações com a vítima envolvendo locação de máquinas; que Álvaro muitas vezes aconselhou Franscisco sobre como atuar no mercado; que tempos depois ligou um senhor pra cá, e disse que sabia quem matou meu irmão, disse que Francisco matou meu irmão, que a mãe de Francisco é chefe de um quadrinha e é uma família de criminosos; disse que um primo de Francisco era pistoleiro; tudo levava a crer que era Francisco, pois uma semana depois que a máquina foi tomada meu irmão foi morto. Que onde se chega em Garanhuns as pessoas dizem que a mãe de Francisco que é a mandante, a mãe dele que é gente ruim. Que soube que Diego não é peça boa, que é uma pessoa ignorante. Que soube que Ivaldo, primo de Francisco, é pistoleiro, que estava foragido de um que cometeu na rua dele, e que andava com Francisco", Claramente se trata de relato indireto, descrição narrada a partir de fatos conhecidos por terceiro não identificado (anônimo) e, portanto, inservível para embasar juízo condenatório, conforme firme jurisprudência do C. STJ: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA EXCLUSIVA DE TESTEMUNHOS DE "OUVIR DIZER". TESTEMUNHOS AFIRMANDO QUE A COMUNIDADE POSSUI PAVOR DO DENUNCIADO. CRIME ENVOLVENDO CONFLITO COM O TRÁFICO DE DROGAS. DISTINGUISHING. EXCEPCIONALIDADE QUE JUSTIFICA A INEXISTÊNCIA DE DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS OCULARES DO DELITO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A quebra da soberania dos veredictos é apenas admitida em hipóteses excepcionais, em que a decisão do Júri for manifestamente dissociada do contexto probatório, hipótese em que o Tribunal de Justiça está autorizado a determinar novo julgamento. E, como é cediço, diz-se manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando, desse modo, inquestionavelmente, de todo o acervo probatório. 2. Segundo entendimento desta Corte Superior, o testemunho de "ouvir dizer" ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a condenação. É que o testemunho indireto (também conhecido como testemunho de "ouvir dizer" ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu. Sua utilidade deve se restringir a apenas indicar ao juízo testemunhas referidas para posterior ouvida na instrução processual, na forma do art. 209, § 1º, do CPP (AREsp 1940381/AL, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021). Precedentes. 3. No presente caso, verifica-se que apesar de nenhuma testemunha ocular ter sido ouvida perante o juízo, diante das peculiaridades do caso, entendo não assistir razão à defesa, isso porque, extrai-se dos autos que todas as pessoas da comunidade tinham medo dos envolvidos. A testemunha velada nº 01, em sessão plenária, registrou ter recebido ameaças pela sua condição; o genitor da vítima informou que uma senhora lhe relatou que seu filho viu o momento da execução, mas que não o permitiu testemunhar, acrescentando que várias pessoas no local foram agredidas para não prestarem testemunho; a genitora do ofendido esclareceu que várias pessoas presenciaram o delito, tendo sido algumas ameaçadas no bairro a não prestar depoimento, e outras agredidas. 4. Conforme observado nos esclarecimentos testemunhais, a autoria do crime foi indicada por diversos populares, que não prestaram depoimento devido ao medo de represálias. Essas informações foram comunicadas ao primeiro policial que chegou à cena do crime e aos pais da vítima. Como é de conhecimento geral, em crimes envolvendo conflitos com o tráfico de drogas, o receio de represálias dificulta a obtenção de informações de possíveis testemunhas oculares, algo confirmado pelos depoimentos das testemunhas veladas e pelas contundentes declarações dos pais da vítima. 5. Portanto, embora a jurisprudência desta Corte Superior considere insuficiente o testemunho indireto para fundamentar a condenação pelo Tribunal do Júri, excepcionalmente, o presente caso, devido à sua especificidade, merece um distinguishing. Extrai-se dos autos que a comunidade teme os recorrentes, visto que eles estão envolvidos com o tráfico de drogas, com atuação habitual na região, razão pela qual as pessoas que presenciaram o crime não se dispuseram a testemunhar perante as autoridades policiais e judiciais. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 2.192.889/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025.) No tocante à apreensão de armas de fogo em poder do recorrido e à subsequente perícia balística, cumpre tecer algumas considerações. Embora o laudo balístico tenha registrado conclusão do perito quanto ao fato de que o projétil ‘PQ1’ teria sido expelido pela ‘arma de fogo 1’, apreendida com o recorrido, verifica-se que tal conclusão baseia-se tão somente na convergência entre determinadas características genéricas entre projétil e arma de fogo, como o tipo de cano (raiado) e o número de raiamentos (6), o que, data vênia, não apresenta o grau de certeza necessário para embasar um decreto condenatório em matéria de tamanha gravidade. Ademais, ainda que tal convergência tivesse sido cabalmente demonstrada, sem qualquer sombra de dúvida, ainda restaria incógnita quanto à pessoa que de fato teria realizado o disparo no dia dos fatos, podendo se tratar, inclusive, de um dos corréus, primos do recorrido. Ressalte-se que a mera posse posterior da arma, sem outros elementos probatórios robustos que vinculem o recorrido à cena do crime, não se afigura suficiente para caracterizar a autoria delitiva de forma inconteste. Rememore-se que tal apreensão ocorreu em 27 de julho de 2020, ou seja, mais de um ano e meio após o crime, que ocorreu em 11 de janeiro de 2019. Verifico, ainda, a existência de álibi em favor do recorrido, uma vez que sua esposa, Mayara Vicente Siqueira, expressamente declarou em juízo que no dia dos fatos narrados na denúncia o acusado Ivaldo estava com ela, em Caruaru, vendendo bolo, fato confirmado no interrogatório do réu, tanto extrajudicialmente quanto em juízo (mídia audiovisual). A valoração da idoneidade, verossimilhança e confiabilidade desses elementos probatórios cabe tão somente aos jurados. É preciso estabelecer, com precisão, a diferença entre indícios e provas no contexto do processo penal. Indícios são circunstâncias conhecidas e provadas que, por meio de um raciocínio lógico, indutivo e até mesmo intuitivo, conduzem à conclusão de um fato desconhecido. Já as provas são elementos que demonstram diretamente a existência ou a forma de ser de um fato. Enquanto os indícios apontam para uma possibilidade, as provas conferem certeza. No caso em análise, o que se verifica é a existência de indícios da autoria delitiva, mas não provas concretas e diretas que permitam atribuir, com a certeza necessária a um juízo condenatório, a autoria do crime ao recorrido. Como é cediço, por força do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), o ônus da prova no processo penal recai integralmente sobre a acusação, que deve demonstrar, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Neste contexto, não se pode afirmar que a decisão dos jurados, que optou pela absolvição do recorrido, seja manifestamente contrária à prova dos autos. Pelo contrário, o Conselho de Sentença, no exercício de sua soberania, avaliou as provas produzidas e concluiu pela insuficiência de elementos para condenar o recorrido, versão esta que encontra respaldo no conjunto probatório, contrariado apenas por vagos elementos indiciários. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo integralmente a decisão absolutória proferida pelo Tribunal do Júri da Comarca de Garanhuns. É como voto. Caruaru, data da assinatura eletrônica. Evanildo Coelho de Araújo Filho Desembargador em substituição Demais votos: 1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 2ª TURMA APELAÇÃO CRIMINAL nº 0002058-50.2020.8.17.0640 Juízo de origem: Primeira vara criminal da comarca de Garanhuns/PE Apelante: Ministério Público do Estado De Pernambuco Apelado: Ivaldo Teixeira de Araújo Relator em Substituição: Des. Evanildo Coelho de Araújo Filho VOTO DE REVISÃO. Analisando o voto do Relator, não há qualquer divergência a ser apontada, de modo que, valendo-me da técnica de fundamentação per relationem[1], endosso os fundamentos utilizados por Sua Excelência e o acompanho integralmente. Ante o exposto, acompanho o Relator e nego provimento ao recurso interposto. É como voto. Caruaru, (data da assinatura eletrônica). Des. Paulo Augusto de Freitas Oliveira Revisor [1] A utilização da técnica de motivação per relationem não enseja a nulidade do ato decisório, desde que o julgador se reporte a outra decisão ou manifestação dos autos e as adote como razão de decidir. Ementa: 1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 2ª TURMA APELAÇÃO CRIMINAL nº 0002058-50.2020.8.17.0640 Juízo de origem: Primeira vara criminal da comarca de Garanhuns/PE Apelante: Ministério Público do Estado De Pernambuco Apelado: Ivaldo Teixeira de Araújo Relator em Substituição: Des. Evanildo Coelho de Araújo Filho EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS PRESENCIAIS QUE RECONHEÇAM O RÉU. PERÍCIA BALÍSTICA INCONCLUSIVA. ÁLIBI APRESENTADO PELA DEFESA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra decisão do Tribunal do Júri que absolveu o réu da acusação de homicídio qualificado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a decisão absolutória proferida pelo Tribunal do Júri é manifestamente contrária à prova dos autos, justificando a cassação do veredicto e a submissão do réu a novo julgamento. III. Razões de decidir 3. A decisão dos jurados que acolhe a tese defensiva de negativa de autoria somente pode ser cassada quando manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando não encontrar nenhum respaldo no conjunto probatório. 4. Os depoimentos que apontam o apelado como possível autor do crime são baseados em testemunhos indiretos (hearsay testimony), sem que nenhuma testemunha ocular tenha identificado com certeza o acusado. 5. A apreensão de arma de fogo em posse do réu ocorreu mais de um ano e meio após o crime, sendo que a perícia balística, embora identifique compatibilidade, não oferece certeza científica suficiente para embasar decreto condenatório. 6. O álibi apresentado pela defesa, consistente em depoimento da esposa do acusado afirmando que este estaria em outra cidade no momento do crime, foi valorado pelo Conselho de Sentença no exercício de sua soberania. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "1. A decisão do Tribunal do Júri que absolve o réu, acolhendo versão defensiva amparada no conjunto probatório, não pode ser considerada manifestamente contrária à prova dos autos. 2. Testemunhos de 'ouvir dizer' são insuficientes para fundamentar decreto condenatório, especialmente quando nenhuma testemunha ocular identificou o acusado como autor do crime." Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, XXXVIII, c; CPP, art. 593, III, d. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2377559/ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, j. 06.02.2024; STJ, AgRg no REsp 2192889/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 18.03.2025. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Criminal, ACORDAM os Desembargadores que integram a 2ª Turma da Primeira Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade, em conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, na conformidade do relatório e dos votos proferidos neste julgamento. Caruaru, data da assinatura eletrônica. Evanildo Coelho de Araújo Filho Desembargador em substituição Proclamação da decisão: À unanimidade de votos, foi o processo julgado nos termos do voto da relatoria. Magistrados: [EVIO MARQUES DA SILVA, PAULO AUGUSTO DE FREITAS OLIVEIRA, PAULO VICTOR VASCONCELOS DE ALMEIDA] CARUARU, 5 de junho de 2025 Magistrado
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