Processo nº 0000845-16.2014.8.17.1320
ID: 258295629
Tribunal: TJPE
Órgão: Gabinete do Des. Honório Gomes do Rego Filho (1ª CCRIM)
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000845-16.2014.8.17.1320
Data de Disponibilização:
17/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RODRIGO DE OLIVEIRA ALMENDRA
OAB/PE XXXXXX
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MARCIANO BEZERRA DE SOUZA
OAB/PE XXXXXX
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Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 1ª Câmara Criminal - Recife Praça da República, S/N, Santo Antônio, RECIFE - PE - CEP: 50010-040 - F:( ) Processo nº 0000845-16.2014.8.17.1320 APELA…
Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 1ª Câmara Criminal - Recife Praça da República, S/N, Santo Antônio, RECIFE - PE - CEP: 50010-040 - F:( ) Processo nº 0000845-16.2014.8.17.1320 APELANTE: M. B. D. S. APELADO(A): PROMOTOR DE JUSTIÇA DE SÃO JOSÉ DA COROA GRANDE INTEIRO TEOR Relator: HONORIO GOMES DO REGO FILHO Relatório: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL: 0000845-16.2014.8.17.1320 JUÍZO DE ORIGEM: Vara Única da Comarca de São José da Coroa Grande APELANTE: M. B. D. S. APELADO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROCURADOR DE JUSTIÇA: Andréa Karla Maranhão Condé Freire RELATOR: Des. Honório Gomes do Rego Filho RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal, interposta por M. B. D. S., em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de São José da Coroa Grande (ID 40560596), que julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, condenou o apelante a uma pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, pela prática do crime de estupro qualificado (art. 213, §1º, c/c art. 61, II, “g”, do Código Penal), contra a vítima L. S. B. D. S.. Em suas extensas razões recursais (ID 41056632), a defesa técnica do apelante, em sede preliminar, aduz nulidade processual, por violação ao que dispõe o artigo 400 do Código de Processo Penal, ante a inversão da ordem na oitiva das testemunhas, tendo as arroladas pela defesa sido inquiridas antes das arroladas pelo Ministério Público. Suscita, ainda, nulidade processual, por violação à cadeia de custódia no PIC, visto que, o órgão ministerial colheu os depoimentos das supostas vítimas através de gravações em mídia, sem a devida transcrição, perícia técnica, ou qualquer controle da cadeia de custódia. Argumenta que a ausência de uma degravação oficial e de exame pericial nessas gravações impediu que a defesa verificasse a autenticidade dos depoimentos e a integridade do material utilizado como prova. Por fim, como última preliminar aduzida, sustenta cerceamento do direito de defesa, pela ausência da oitiva do apelante, durante as investigações. No mérito, afirma que falta para caracterizar o crime em questão (artigo 213, § 1º, CP), a elementar da grave ameaça, argumentando que a própria vítima admitiu a inexistência da grave ameaça ou violência. Sustenta a tese de que houve apenas um "flerte inoportuno", requerendo a absolvição, visto as contradições existentes nos depoimentos das testemunhas e vítimas. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação para o crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal). Por fim, busca o redimensionamento da pena imposta, com o afastamento das vetoriais culpabilidade e conduta social, assim como, da agravante de abuso de poder. A promotoria de justiça ofertou contrarrazões (ID 42242412), pugnando, inicialmente, pela rejeição das preliminares suscitadas, e, no mérito, pelo não provimento do recurso, mantida a sentença de 1º grau em sua integralidade. A Procuradoria de Justiça, em seu parecer (ID 44468066), opina, igualmente, pelo improvimento do apelo defensivo, corroborando os argumentos do Ministério Público e refutando as preliminares e teses defensivas. É o relatório. À revisão. Recife-PE, data da assinatura eletrônica. Des. Honório Gomes do Rego Filho Relator H19 Voto vencedor: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL: 0000845-16.2014.8.17.1320 JUÍZO DE ORIGEM: Vara Única da Comarca de São José da Coroa Grande APELANTE: M. B. D. S. APELADO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROCURADOR DE JUSTIÇA: Andréa Karla Maranhão Condé Freire RELATOR: Des. Honório Gomes do Rego Filho VOTO DO RELATOR Como relatado, cuida-se de apelação crime interposta por M. B. D. S., à época dos fatos Delegado de Polícia, contra a sentença que o condenou pelo crime de estupro qualificado (art. 213, §1º, c/c art. 61, II, "g", do Código Penal), a uma pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão em regime inicial fechado, por atos libidinosos diversos da conjunção carnal praticados contra L. S. B. D. S., de 16 anos, durante oitiva na delegacia sobre um assalto. A denúncia (ID 40559280) narra que, “...desde 2013 até os dias atuais, o Delegado M. B. D. S., Autoridade Policial, vem se utilizando da função de Delegado de Polícia para praticar diversos crimes contra a dignidade sexual, ficando comprovado sérios indícios de materialidade e autoria dos seguintes delitos: Crime 01 – Consta do incluso Procedimento de Investigação Criminal que no mês de fevereiro do ano de 2013, dentro da Delegacia de Polícia desta Cidade, com a justificativa de “ouvi-la após o roubo acontecido na casa de sua mãe e padrasto” o acusado, em sua sala, de portas fechadas e sozinho, praticou diversos atos libidinosos com a vítima adolescente de apenas 16 (dezesseis anos) à época dos fatos, L. S. B. D. S., “alisando” e “passando a mão” na ofendida, nos seios, na bunda e na perna da menor. Ademais, tentou beijar a adolescente, só não conseguindo em virtude da mesma ter empurrado o denunciado e saído em direção da porta. Após, as investidas criminosas continuaram, indo o Delegado na casa de adolescente e se insinuando, inclusive perguntando “se ela achava bonito homem armado” e demais atos absolutamente impróprios e incompatíveis com a função. As investidas só cessaram em virtude da mesma, em pânico com toda a situação (após ter sua casa assaltada e ainda ser estuprada pelo Delegado de Polícia e sofrer constante constrangimento), ter saído da cidade de São José e retornado à sua cidade natal; isto é, teve que literalmente fugir para ter paz e não ser mais vítima de crimes. Ressalte-se que a menor demonstrou o tempo todo o não consentimento com os atos libidinosos e tentativa se desvencilhar das ações criminosas...”. A denúncia também imputava ao apelante crimes contra outras duas vítimas, Maria Franciele Lira Lins e Edivânia Ferreira Bruno Rego, mas o HC nº 0000966-56.8.17.0000 trancou a ação penal em relação a estas por decadência. Pois bem. O recurso suscita preliminares de nulidade por inversão da ordem de oitiva das testemunhas, por violação à cadeia de custódia e cerceamento de defesa, ante a ausência de oitiva do apelante no curso das investigações. No mérito, busca, em síntese, a absolvição por insuficiência de provas ou, alternativamente, a desclassificação para importunação sexual, além da revisão da dosimetria da pena. # DAS PRELIMINARES: 1 - Da inversão da ordem das testemunhas: A defesa alega que a inversão da ordem de oitiva das testemunhas violou os princípios da paridade de armas e do devido processo legal, vez que a defesa restou prejudicada ante a impossibilidade de contraditar os depoimentos das testemunhas de acusação. O pleito não comporta acolhimento porque, da análise detida dos autos, é conclusivo que não houve a mencionada inversão. Inicialmente, vale destacar que, conforme posicionamento jurisprudencial firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, em homenagem ao art. 563 do Código de Processo Penal, não se declara a nulidade de ato processual se a irregularidade: a) não foi suscitada em prazo oportuno e b) não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo para a parte. Para a declaração de nulidade de determinado ato processual, deve haver a demonstração de eventual prejuízo concreto suportado pela parte. Não é suficiente a mera alegação da ausência de alguma formalidade, mormente quando se alcança a finalidade que lhe é intrínseca. Nesse sentido, prevalece na jurisprudência a conclusão de que, em matéria de nulidade, rege o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem que o ato haja gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato. No caso em comento, verifica-se que, além da defesa não ter apontado em qual audiência ocorreu a inversão na oitiva das testemunhas, da análise do caderno processual não há demonstração da referida inversão, muito menos, de como a alegada inversão, caso tivesse ocorrido, teria prejudicado a defesa, que, aliás, não se insurgiu contra a ordem das oitivas durante a instrução (vide alegações finais ID 40560594). Assim, mesmo que tivesse ocorrido a inversão, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a nulidade decorrente da inversão da ordem prevista no artigo 400, do Código de Processo Penal, é relativa, sujeita ao instituto da preclusão, bem como à demonstração do prejuízo suportado pelo acusado, o que não restou constatado (RvCr 5.663/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2022, DJe 18/05/2022). No mesmo sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. CELEBRAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. NULIDADE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. INDEFERIMENTO MOTIVADO DE PERGUNTAS PELO JUIZ. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INVERSÃO NA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE ESTELIONATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. (...) 2. Conforme posicionamento jurisprudencial desta Corte Superior, em homenagem ao art. 563 do CPP, não se declara a nulidade de ato processual se a irregularidade: a) não foi suscitada em prazo oportuno e b) não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo para a parte. Precedentes. 3. A defesa não comprovou efetivamente o prejuízo suportado pelo réu, pois a postura do magistrado de indeferir perguntas sem relação com a causa está expressamente prevista no art. 212 do CPP e, portanto, não significa atuação inquisitória. Além disso, a nulidade não foi alegada no momento oportuno - ocasião da oitiva das testemunhas - e está sujeita, portanto, à preclusão temporal. 4. A alegação de que houve manifesta inversão na ordem da inquirição das testemunhas, pois os questionamentos das testemunhas de acusação foram iniciados pelo Magistrado, não foi debatida pelo Tribunal de origem, e os embargos de declaração opostos não objetivaram sanar eventual omissão em relação à análise do tema. A ausência de prequestionamento atrai a aplicação, por analogia, das Súmulas n. 282 e 356 do STF. 5. (...). 7. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.576.717/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 28/8/2024); DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. INVERSÃO NA OITIVA DAS PARTES. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA SUBMETIDA À TERCEIRA SEÇÃO AO PROCEDIMENTO DE RECURSO REPETITIVO. TESE N. 1.114.I - O devido processo legal e o exercício da ampla defesa e do contraditório constituem garantias processuais de natureza constitucional que, ao passo que tornam justo e legítimo o decreto condenatório, orientam o comportamento processual das partes de lealdade, de cooperação, de exatidão e de lisura no desenrolar do próprio processo penal. II - O processo penal é orientado pelo princípio da instrumentalidade dos atos e pelo princípio insculpido no brocado "pas de nullité sans grief", segundo o qual a declaração de nulidade depende da comprovação do prejuízo. III - No caso em análise, muito embora a defesa tenha alegado em tempo a apontada eiva, não logrou demonstrar o prejuízo decorrente da inobservância do art. 400 do CPP que, de fato, não ocorreu, consoante se denota do teor da sentença e do acórdão condenatório, entendimento em consonância com a Tese n. 1114: "O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu".Agravo regimental desprovido.(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.074.265/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 16/5/2024). Enfatize-se o entendimento firmado no Tema nº 1.114 do STJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos, segundo o qual "O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu" (REsp n. 1.933.759/PR, relator Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 25/9/2023). Diante do entendimento jurisprudencial, além de a nulidade não haver sido suscitada em momento oportuno, o que a tornou preclusa, também não foi demonstrado objetivamente o prejuízo suportado pelo apelante. Assim, rejeita-se a preliminar. 2 - Da violação à cadeia de custódia: Argui a defesa do apelante, em sede preliminar, que o Ministério Público, por meio de Procedimento de Investigação Criminal (PIC), colheu os depoimentos das supostas vítimas através de gravações em mídia, sem a devida transcrição, perícia técnica, ou qualquer controle da cadeia de custódia, em notória afronta ao devido processo legal e às garantias constitucionais do acusado. Aduz que a ausência de degravação oficial e de exame pericial nessas gravações impediu que a defesa verificasse a autenticidade dos depoimentos e a integridade do material utilizado como prova, em outras palavras, sustenta que a condenação do apelante, está lastreada em provas cuja origem é incerta e cuja idoneidade foi comprometida pela condução irregular das investigações. No que se refere à alegação de desrespeito à cadeia de custódia suscitada pela defesa, especialmente em relação aos depoimentos das vítimas registrados em mídia audiovisual, conclui-se que tal tese não merece acolhimento. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "...a quebra da cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade" (RHC 77.836/PA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 05/02/2019, DJe 12/02/2019). Veja-se a doutrina de Leonardo Barreto Moreira Alves: "É dizer, a quebra da cadeia de custódia não resulta, necessariamente, em prova ilícita ou ilegítima, interferindo apenas na valoração dessa prova pelo julgador. A irregularidade na cadeia de custódia reduzirá a credibilidade da prova, diminuirá o seu valor, passando-se a ser exigido do juiz um reforço justificativo caso entenda ser possível confiar na integridade e na autenticidade da prova e resolva utilizá-la na formação do seu convencimento. Enfim, "a quebra da cadeia de custódia não significa de forma absoluta, a inutilidade da prova colhida. É preciso não se esquecer que a cadeia de custódia existe não para provar algo, mas para garantir uma maior segurança - dentro do possível - à colheita, ao armazenamento e à análise pericial da prova [...]. Desta forma, a análise do elemento coletado e periciado, se houver quebra dos procedimentos de cadeia de custódia, interferirá apenas e tão somente na valoração dessa prova pelo julgador". (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 754). A cadeia de custódia, prevista no art. 158-A do Código de Processo Penal, visa garantir a idoneidade do material probatório. A propósito, veja-se: "Art. 158-A, CPP - Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte". No caso em exame, não há qualquer mácula a ser reconhecida nos depoimentos testemunhais colhidos, os quais se encontram devidamente gravados em mídia, com a identificação das vítimas e testemunhas, e transcritos nos autos, garantindo-se, assim, a sua autenticidade. Inexiste qualquer indício de adulteração ou manipulação das gravações, razão pela qual não se sustenta a tese de nulidade arguida pela defesa. No que tange à alegação de ausência de perícia e degravação como fatores de comprometimento da autenticidade das provas, tal argumento não encontra nenhum respaldo jurídico. Não há obrigatoriedade legal de que todas as provas sejam submetidas à perícia, salvo quando exista dúvida razoável e concreta sobre sua integridade. No caso em questão, os depoimentos foram colhidos em ambiente controlado, com observância de todas as cautelas necessárias para garantir a lisura e autenticidade dos registros, conforme demonstrado pelo órgão ministerial. Além disso, é imperioso reconhecer que a produção probatória respeitou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, garantindo ao réu a oportunidade de impugnar e debater os elementos apresentados, pelo que sequer se pode cogitar de qualquer prejuízo à defesa decorrente de eventual ausência de formalidade essencial. A jurisprudência pátria é firme no sentido de que a cadeia de custódia visa assegurar a idoneidade e a preservação dos meios de prova, sendo a sua quebra reconhecida somente diante de comprovação de adulteração ou manipulação capaz de comprometer a credibilidade dos elementos probatórios, sendo imprescindível a demonstração de interferência que comprometa a sua eficácia. A propósito: "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA.NÃO CONFIGURAÇÃO. 1.O instituto da quebra da cadeia de custódia refere-se à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, e, uma vez ocorrida qualquer interferência durante o trâmite processual, esta pode resultar na sua imprestabilidade. 2. Não se trata, portanto, de nulidade processual, senão de uma questão relacionada à eficácia da prova, a ser vista em cada caso. Não é o que se tem no caso dos autos, em que não houve comprovação por parte da defesa acerca de qualquer adulteração no iter probatório. 3. Agravo regimental improvido." (AgRg no HC 665.948/MS, Rel. Ministro Olindo Menezes -Desembargador Convocado do TRF 1ª Região -, Sexta Turma, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021); “...é firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, não evidenciada a existência de adulteração da prova, supressão de trechos, alteração da ordem cronológica dos diálogos ou interferência de terceiros, não há falar em nulidade por quebra da cadeia de custódia" (AgRg no AREsp n. 2.295.047/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 8/9/2023). Assim sendo, não há qualquer comprovação de ofensa à integralidade e legitimidade da cadeia de custódia. Por tais razões, rejeito a preliminar de nulidade por violação à cadeia de custódia. 3 - Cerceamento de defesa (ausência de oitiva no PIC): A defesa do apelante alega cerceamento de defesa por não ter sido o mesmo ouvido no Procedimento Investigatório Criminal (PIC), tendo sido conduzido pelo Ministério Público, em flagrante violação à Resolução nº 13 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O PIC (procedimento investigatório criminal), visa à colheita de subsídios para instruir posterior ação penal, tratando-se de procedimento administrativo e inquisitorial equivalente ao inquérito policial, não sendo aplicando as normas referentes à ampla defesa e ao contraditório, as quais deverão ser asseguradas a partir da propositura de eventual ação penal e respectiva instrução processual. Destaca-se, ainda, a natureza informativa e inquisitiva do inquérito policial e de procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público, não vigorando, nesta fase, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Deste modo, conclui-se que inexiste qualquer nulidade a ser declarada no PIC (procedimento investigatório criminal) que deu origem à ação penal, tendo sido observadas as regras procedimentais que lhes são aplicáveis e respeitadas as garantias fundamentais da espécie, pelo que deve ser rejeitada a pretensão recursal. Ademais, o PIC, como procedimento investigativo preliminar, não se submete às mesmas regras do processo judicial, não sendo obrigatória a oitiva do investigado (STJ, HC 479.155/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 25/06/2019). Ilustrativamente: HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. RÉU PREFEITO MUNICIPAL.ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO NO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FUNDAMENTOS DA PREVENTIVA. INEXISTÊNCIA DE RISCO CONCRETO À ORDEM PÚBLICA OU À INSTRUÇÃO PROCESSUAL.CONJECTURAS. POSSIBILIDADE. CREDIBILIDADE DAS AUTORIDADES PÚBLICAS.REPERCUSSÃO SOCIAL DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ART. 580 DO CPP. INCIDÊNCIA. 1. Não é assegurado ao investigado o exercício do contraditório no âmbito de inquérito policial ou de procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público. Precedentes.[...].5. Ordem concedida, confirmando-se os termos da liminar deferida, para, salvo haja alteração do contexto fático-processual apresentado, revogar a prisão preventiva decretada no PIC n. 0058949-61.2016.8.26.0000, mantendo, por ser mais proporcional (uma vez que houve menção à gravidade concreta do delito sob apuração), as medidas cautelares impostas na decisão liminar, a saber: a) comparecimento quinzenal em juízo para informar e justificar suas atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso, por qualquer meio, aos órgãos públicos do Município de Indaiatuba e às empresas envolvidas nos fatos (art. 319, II, do CPP); c) proibição de manter contato com qualquer pessoa vinculada aos fatos objeto da investigação em questão (art. 319, III, do CPP); e d) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP), com extensão desses efeitos ao corréu Núncio Lobo Costa (art. 580 do CPP).(HC n. 380.698/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/10/2017, DJe de 27/10/2017). Desse modo, a ausência de oitiva do investigado nessa etapa preliminar não configura cerceamento de defesa, pois eventual contraditório é plenamente garantido durante a fase judicial. Ante tais, considerações, rejeita-se a preliminar. # DO MÉRITO: Como tese principal, a Defesa almeja a absolvição pela insuficiência de prova, tanto da materialidade, eis que ausente a circunstância elementar (violência) ou (grave ameaça), quanto da autoria. Sustenta que inexistiu o crime apurado nos autos, apenas um “flerte inoportuno”, não restando demonstrado que, de fato, o apelante praticou os atos libidinosos aduzidos na denúncia, principalmente considerando as incongruências nos depoimentos das testemunhas e vítima. Subsidiariamente, busca a desclassificação para o crime previsto no artigo 215-A do Código Penal. De início, vê-se que a materialidade é amparada pelo procedimento de investigação criminal nº 001/20104 (ID 40559281 – fls. 01/04), além da própria prova oral produzida no processo, bem como, na emprestada dos autos nº 0000846-98.2014.8.17.1320, que apura fatos similares, no qual o ora apelante também figura como réu. Vale destacar, antes de qualquer análise, nos delitos sexuais, por muitas vezes não deixarem vestígios, a palavra da vítima é de suma importância, desde que em consonância com os demais meios de prova dos autos, conforme entendimento consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Confira-se: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. WRIT NÃO CONHECIDO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. CONDENAÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO VEDADO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.I - O writ foi impetrado contra acórdão do Tribunal local, em substituição a recurso próprio, de modo que não deve ser conhecido, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. II - No que toca à tese vertida - insuficiência probatória a ensejar a condenação pelo delito de atentado violento ao pudor -, constato que o acórdão apreciou as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não apenas de forma aprofundada, mas devidamente fundamentada. III - "A jurisprudência pátria é assente no sentido de que, nos delitos contra a liberdade sexual, por frequentemente não deixarem vestígios, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado" (AgRg no HC n. 874.838/SC, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, DJe de 18/4/2024.). IV - Para acolher a tese da defesa e afastar a conclusão já bem exarada pelas instâncias ordinárias seria necessário amplo revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 812.046/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 17/6/2024). Nesse raciocínio, sobre a especial relevância do depoimento da vítima, é o entendimento sumulado por este Tribunal de Justiça, verbis: “Súmula 082. Nos crimes contra a liberdade sexual a palavra da vítima é de relevante valor probatório”. No tocante à autoria, depreende-se que a presente ação penal foi subsidiada pelo desempenho do Ministério Público, após ter chegado ao seu conhecimento a notícia de que o ora apelante, à época Delegado de Polícia teria praticado atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima, a qual possuía dezesseis anos de idade à época dos fatos, havendo notícias, ainda, da existência de outras vítimas, em idêntica circunstância. A ofendida L. S. B. D. S., com 16 (dezesseis) anos de idade à época do crime, narrou os fatos de forma consistente, tanto no PIC (procedimento investigatório criminal) quanto na fase judicial, demonstrando coerência em sua narrativa. Veja-se trecho de seu depoimento perante o Ministério Público, em data de 03/12/2014, no curso do PIC (ID 40559281 – fls. 11/15): “(...) No dia que houve o assalto à noite, eu fui à Delegacia...Eu fui na Delegacia à noite, a gente primeiro prestou a queixa, falou resumidamente o que tinha acontecido e depois ele me chamou sozinha na sala dele... Ficava no 1º andar no cantinho direito. Ele fechou a porta, trancou...Quando me chamou na sala dele inicialmente ele me perguntou sobre o assalto, detalhe sobre o acontecido e os assaltantes. Depois começou a perguntar quantos anos eu tinha, onde eu estudava, que série eu fazia, o que eu pretendia cursar. Depois ele perguntou se o rapaz que estava acompanhando a minha mãe era meu pai. Falei que não era e ele perguntou se era meu padrasto e como era a minha relação com ele. Eu respondi normalmente. Depois perguntou se eu tinha namorado e respondi que tinha; Perguntou sobre a minha virgindade, se eu era virgem ou não. Quando respondi ele perguntou se eu mantinha relações com meu namorado. Perguntou se eu usava preservativo. Eu perguntei o que isso tinha haver com o fato acontecido. Ele respondeu que precisava conhecer o meu perfil e que isso iria ajudar nas investigações. Eu disse “tudo bem”. Quando contei tudo que tinha acontecido, ele se levantou e me deu um abraço, passando a mão no meu corpo... Nos seios, na bunda, na perna. Aí afastei ele e saí... Como ele tinha me abraçado pra sentir o meu corpo eu o empurrei e saí em direção à porta. Aí ele abriu a porta e chamou a minha mãe. Foi quando ele falou com ela. No dia seguinte em diante ele começou frequentar minha casa. Um dia quando eu estava com minha mãe, ele disse assim: não comente com sua mãe ou com seu padrasto o que a gente conversou para não atrapalhar as investigações. Eu disse “tudo bem”, mas já tinha comentado com minha mãe. Ele ia na minha casa, deixou o número do telefone particular dele e falou se eu precisasse poderia ligar para o número particular dele. Outro dia ele tava com a arma, me mostrou e perguntou se eu gostava de homem que andava armado e seu eu achava bonito...Ele ia constantemente a minha casa e sempre armado... Ele me pediu meu telefone e eu disse que não tinha. Mas ele chegou a pedir o meu número. Ele deixou o dele, mas nunca cheguei a ligar (...)”. Ao prestar esclarecimentos perante a 1ª Comissão Permanente de Disciplina Policial Civil, a vítima L. S. B. D. S., em data de 01/09/2015, narrou que: “(...) nesse ano de 2013, tinha 16 anos de idade; Que a depoente esclarece que sua residência foi assaltada por quatro homens que subtraíram uma moto e objetos pessoais ...; QUE a depoente, juntamente com seus familiares, acima mencionados, compareceram a delegacia de São José da Coroa Grande para registrar a ocorrência acerca do crime em apreço...; QUE a depoente foi a primeira pessoa a ser atendida pelo delegado MARCIANO, em seu gabinete, o qual fica localizado no 1º andar do prédio onde funciona a Unidade Policial de São José da Coroa Grande; QUE, naquela ocasião, a depoente foi indagada pelo delegado acima mencionado sobre como havia ocorrido o crime de roubo em desfavor de sua família, ocasião em que o delegado procurou saber se a depoente saberia descrever algumas características daqueles meliantes, as quais poderiam facilitar a prisão dos mesmos; QUE a depoente recorda que aquela autoridade policial perguntou se os assaltantes estavam armados e quais os tipos de armas que portavam, inclusive o delegado procurou saber da depoente se ela sabia distinguir uma pistola de um revólver, tendo a depoente respondido negativamente; QUE o delgado MARCIANO, após as perguntas relacionadas ao crime, procurou saber detalhes da vida pessoal da depoente...; QUE também respondeu que tinha namorado; QUE continuando com aquelas perguntas o Dr. MARCIANO procurou saber quantos anos a depoente tinha, bem como se a mesma era virgem; QUE a depoente respondeu ao delegado que tinha 16 anos de idade e que não era mais virgem; QUE o delegado também perguntou se a depoente usava preservativos durante as suas relações sexuais, tendo a depoente indagado ao delegado o que era que tal fato tinha a ver com o assalto a sua própria residência; QUE o delegado, diante da resposta da depoente, levantou-se e disse que precisava conhecer o perfil da depoente ois isso ajudaria na elucidação do crime que seria investigado pela DP de São José da Coroa Grande; QUE a depoente também se levantou da cadeira ocasião em que o imputado afirmou a depoente que não se preocupasse e nem ficasse nervosa; QUE logo em seguida abraçou a depoente e que, naquela oportunidade, o imputado passou a mão na cintura da depoente e, quando o imputado foi descendo a mão em direção as suas nádegas, a depoente o empurrou e disse que queria sair dali pois não estaria se sentindo bem; QUE a depoente esclarece que o imputado afirmou que ela não se preocupasse pois não iria fazer nada com ela, depoente, tendo o imputado naquela ocasião se dirigido a porta, a qual se encontrava fechada, abrindo-a e solicitado a depoente que não comentasse nada a sua mãe pois iria ouvi-la em seguida...; QUE a depoente afirma que nos dias seguintes, o imputado passou a visitar a sua residência...; QUE a depoente se recorda que o delegado passou a fazer várias ligações para seu celular querendo saber se a depoente estava em casa, se havia alguém em casa e se ela estaria bem...; Que a depoente ficou bastante amedrontada com tais fatos e, diante daquela situação, telefonou para seu pai, que se encontrava na cidade de Caruaru...; QUE a depoente se recorda que narrou o que havia acontecido com ela, depoente, a sua genitora no dia em que foi ouvida pelo delegado MARCIANO; QUE sua mãe também afirmou que caso semelhante havia ocorrido com a mesma; QUE a depoente, diante do constrangimento pela qual havia passado, se mudou da cidade de São José da Coroa Grande para o município de Caruaru (...)” (ID’s 40560417 – fls.24/26 e 40560418 – fls. 01/03). Sob o crivo do contraditório, a vítima L. S. B. D. S., declarou que, no dia do ocorrido, houve um assalto em sua residência, durante o qual ela e sua família foram mantidas reféns. Após a saída dos criminosos, conseguiram deixar o local e dirigir-se à delegacia para registrar a ocorrência. Recorda-se de que o fato ocorreu em uma sexta-feira de carnaval, no ano de 2013. Ao chegar à delegacia, o réu (delgado de polícia) ouviu seu depoimento e o de sua mãe, embora ela não se recorde da ordem em que foram ouvidas. Relatou que, em determinado momento, o delegado a chamou para ouvi-la a sós sobre o ocorrido. Assim que entrou na sala, sentou-se, e ele permaneceu sentado à sua mesa. Inicialmente, o delegado questionou sobre o crime, e ela relatou os fatos, detalhando o que sabia sobre a invasão à sua residência. No entanto, em seguida, o delegado passou a fazer perguntas de cunho pessoal, indagando se possuía namorado. Inicialmente, acreditou que tais questionamentos estivessem relacionados à investigação. Contudo, ele prosseguiu perguntando se era virgem, se mantinha relações sexuais com o namorado e se utilizava preservativo. Embora tenha estranhado o teor dessas perguntas, ainda assim respondeu. Após esse momento, o delegado voltou a tratar do crime, perguntando se a arma utilizada pelo assaltante era um revólver ou uma pistola. A vítima respondeu que não sabia distinguir entre os dois tipos de armamento. Diante disso, o delegado retirou sua própria arma, colocou-a sobre a mesa e perguntou se era semelhante à que fora utilizada no assalto. A vítima não soube precisar se era idêntica, mas afirmou que se assemelhava. Relatou ainda que ficou nervosa diante das perguntas íntimas feitas pelo delegado, como se havia perdido a virgindade, se utilizava preservativo e outras de igual teor. O delegado, então, levantou-se e disse que não havia motivo para nervosismo, assegurando-lhe que tudo ficaria bem. Em seguida, aproximou-se e a abraçou, mas de maneira inapropriada. Relata que ele começou a tocá-la e a pressioná-la contra seu corpo, encostando-a em suas partes íntimas. Esse ato ocorreu com a porta da sala trancada desde o início da conversa. A vítima afirmou que, ao perceber as investidas do delegado, sentiu-se extremamente nervosa e insistiu para que ele abrisse a porta. Diante de sua insistência, ele abriu, e ela deixou a sala. Após o ocorrido, não relatou nada à sua mãe, limitando-se a dizer que queria ir embora, pois estava nervosa e sentia-se indignada, enojada e revoltada. Acrescentou que o réu tocou seu corpo por cima das roupas, apalpando seus seios e nádegas, enquanto a pressionava contra si, fazendo com que sentisse o contato com suas partes íntimas. Como ele era mais alto que ela, a pressão ocorreu na altura de seu abdômen. A vítima afirmou que, ao perceber a insistência do delegado, empurrou-o e dirigiu-se à porta. Ressaltou que ele não chegou a abrir o zíper da calça e que, apesar do medo e do constrangimento, não gritou, apenas pediu que abrisse a porta, o que foi feito. Posteriormente, o réu passou a frequentar a residência da vítima. Seu padrasto, à época, informou-lhe o endereço, pois a família havia se mudado recentemente para a cidade. Durante o assalto, todos os celulares foram roubados, exceto o da vítima, que conseguiu escondê-lo. O delegado obteve seu número de telefone e passou a ligar quase diariamente, sob o pretexto de verificar como estavam. No entanto, em tais contatos, fazia perguntas inapropriadas, como se ela sentia atração por homens armados ou mais velhos. Afirmou que, diante dessas atitudes, passou a entrar em pânico sempre que ele ligava. Não revelou a ninguém o que estava acontecendo, apenas pediu à sua mãe para se mudar para Caruaru, por medo de que o delegado lhe fizesse algum mal. Relatou que, nas vezes em que ele esteve em sua casa, não teve oportunidade de tocá-la, pois não encontrou ocasião para isso. Soube posteriormente que sua mãe também passou por situação semelhante com o delegado, embora não saiba se outras pessoas na cidade tiveram experiências parecidas, pois havia se mudado recentemente. Sua mãe não entrou em detalhes, apenas mencionou que o delegado adotou uma postura inadequada ao ficarem sozinhos em sua sala. Por medo e constrangimento, não procurou apoio na época e só relatou os fatos muito tempo depois. Também não denunciou o ocorrido ao Ministério Público ou a qualquer outra autoridade à época. Não se recorda de ter prestado depoimento em São José da Coroa Grande, mas lembra de ter comparecido à promotoria em Caruaru, acompanhada de sua mãe, pois ainda era menor de idade. Recebeu intimações para depor, algumas delas entregues por oficial de justiça. Mencionou ainda que havia um policial interessado na investigação do assalto, do qual recorda apenas que tinha cabelos longos. Ele demonstrava interesse em esclarecer os fatos, mas a vítima desconhece quem levou o caso ao conhecimento do promotor. Por fim, declarou que não chegou a denunciar o delegado por não ter para quem recorrer, uma vez que havia apenas uma delegacia na cidade (audiência digital realizada em data de 07/06/2023). Por sua vez, a testemunha Edvânia Ferreira Bruno, genitora da vítima, quando ouvida perante a 1ª Comissão Permanente de Disciplina Policial Civil, em data de 01/09/2015, declarou que: “(...) no dia 08/FEV/2013, por volta das 21h00, o seu restaurante foi assaltado por quatro elementos, os quais subtraíram vários objetos pertencentes a sua família e uma certa importância em dinheiro...; QUE os assaltantes deixaram todos que estavam ali presentes trancados sem poder saírem daquele local, sendo necessário a interferência de alguns vizinhos para socorrê-los; QUE logo em seguida, a depoente, o seu marido, a sua filha LETHYCIA e a sua mãe, compareceram a DP da cidade para registrar ocorrência relativa aos fatos relatados...; QUE a depoente, sua filha LETHYCIA e seu marido PIERRE, foram ouvidos pelo imputado, sendo que a depoente foi ouvida primeiro do que a sua filha LETHYCIA; QUE a depoente subiu até o primeiro andar daquela delegacia e, ao entrar no gabinete do delegado MARCIANO, relatou o que havia ocorrido em seu estabelecimento comercial referente ao assalto...; QUE o delegado, após ouvir as declarações da depoente em torno daquele caso, levantou-se e se aproximou da depoente e começou a passar a mão em sua cabeça, afirmando que ela não ficasse nervosa e não se preocupasse pois tudo iria ficar bem; QUE o imputado, imediatamente, levantou a depoente da cadeira e passou a lhe abraçar; QUE naquele momento a depoente estava chorando, nervosa, devido ao assalto que havia sofrido em seu estabelecimento; QUE a depoente esclarece que, no momento em que foi abraçado pelo imputado, notou algo estranho pois o mesmo estava lhe abraçando muito fortemente; QUE houve uma reação natural da depoente no sentido de afastá-lo de seu corpo...; QUE a depoente, mais uma vez, se sentou no lugar onde estava anteriormente e, naquela ocasião estava chorando bastante, quando o imputado, novamente se aproximou da depoente e a levantou, beijando-a em sua boca repentinamente, sem sua permissão; QUE após o beijo forçado, a depoente esclarece que tentou afastá-lo, no entanto, o imputado desatacou a calça e baixou o zíper e mostrou o seu órgão sexual; QUE a depoente não teve outro tipo de reação a não ser chorar cada vez mais, afirmando que iria sair daquele ambiente, oportunidade em que o imputado, imediatamente, abriu a porta e deixou a depoente ir embora; QUE a depoente esclarece que não impediu a sua filha de ser ouvida pelo delegado, apesar do ocorrido; QUE agora se recorda que sua filha foi ouvida primeiro pelo imputado...; QUE a depoente se recorda que o imputado esteve uma vez em sua residência para tratar daquele assalto, tendo naquela ocasião comparecido em sua residência de bermuda e camiseta, tendo a depoente observado que o imputado ficava a todo instante olhando seu corpo “de cima a baixo”...; QUE a depoente, tomou conhecimento, através de sua filha LETHICIA, que o imputado passou a fazer várias ligações para ela LETHICIA...; QUE a depoente afirma que durante seu depoimento na “corregedoria” o seu marido estava presente por todo o momento, por isso disse que o imputado apenas tentou beijá-la e que, só agora, afirma que, realmente ela a beijou...; QUE a depoente só afirmou na “corregedoria” que a calça do imputado estava desatacada pois o seu marido estava presente no momento da aludida oitiva na “corregedoria”(...)” (ID 40560417 – fls. 12/18). A testemunha Pierre Raoul Marie Rigaud, padrasto da vítima dos autos, quando ouvida perante a 1ª Comissão Permanente de Disciplina Policial Civil, em data de 01/09/2015, declarou que: “(...) no dia 08.02.2013 (sexta-feira) o depoente teve o seu restaurante invadido por quatro elementos que efetuaram um assalto...; QUE o depoente após tal fato, compareceu a delegacia local para registrar a ocorrência e que depois, vários policiais compareceram ao seu imóvel para se certificarem sobre como o crime teria ocorrido; QUE o depoente compareceu àquela Delegacia para ser ouvido pelo delegado MARCIANO acerca dos fatos acima narrados; QUE afora o depoente, ainda foram ouvidas a sua esposa EDVANIA e sua enteada LETHYCIA...; QUE o depoente tomou conhecimento, dois ou três meses depois, através de sua esposa, a qual não entrou em detalhes acerca da conduta do delegado MARCIANO quando ocorreu a oitiva da sua mulher e enteada; QUE o depoente afirma que sua esposa lhe informou que o delegado MARCIANO havia tentado beijá-la, sem informar detalhes a respeito do fato; QUE o depoente afirma que sua esposa EDVÂNIA também informou que o delegado MARCIANO teria tomado atitude similar em relação a sua enteada LETHYCIA; QUE o depoente não acreditou que o delegado MARCIANO tivesse tomado aquela atitude...; QUE o depoente procurou se informar com outros policiais que já trabalharam com o delegado MARCIANO sobre a conduta do mesmo em relação ao atendimento de outras pessoas, tendo sido informado pelos policiais que o delegado MARCIANO já havia praticado a mesma conduta com outras pessoas que frequentaram a delegacia; QUE o depoente, achou por bem então procurar o promotor de justiça...; QUE o depoente só tomou conhecimento de todos os fatos ocorridos na delegacia pois estava presente quando sua esposa EDVÂNIA foi ouvida por dois promotores do Forum da Cidade de Caruaru-PE (...)” (ID 40560417 – fls.19/23). Edivânia Ferreira Bruno, genitora da vítima Lethycia Stefani, ouvida em juízo como informante, declarou que no dia 08 de fevereiro, data em que foram vítimas de um assalto, dirigiram-se à delegacia de polícia após o ocorrido. Informou que o réu chamou sua filha Lethycia para ser ouvida primeiro, sozinha. Na ocasião, todos estavam muito nervosos. Relatou que percebeu que a filha saiu da sala em estado emocional pior do que quando entrou, mas, naquele momento, estava focada apenas no assalto. Afirmou que, quando foi chamada para depor, o réu trancou a porta à chave assim que ela entrou na sala. Em seguida, ele segurou sua mão, percebendo que ela estava trêmula, e a abraçou de maneira inadequada, gerando-lhe grande desconforto. Em seguida, pediu que se sentasse e foi para o outro lado da mesa, onde colocou sua arma sobre a mesma. Inicialmente, conversou sobre o assalto, mas logo passou a fazer perguntas sobre sua vida pessoal. Em determinado momento, o réu se levantou, aproximou-se dela e abaixou o zíper da calça, tentando forçá-la a praticar sexo oral. Diante disso, a depoente tentou abrir a porta, mas esta estava trancada. Foi quando o escrivão Jonas forçou a entrada na sala, momento em que o réu rapidamente fechou o zíper da calça e abriu a porta para que o escrivão entrasse. Destacou que, por medo, não relatou o ocorrido ao então marido, de nacionalidade francesa. Ao sair da sala, apenas disse: "Vamos embora, que isso aqui não vai dar em nada". Relatou ainda que, após o episódio, o réu passou a frequentar seu restaurante armado, o que lhe causava grande temor. A situação tornou-se tão insustentável que decidiu enviar sua filha para morar em Caruaru com o pai biológico. Observou que Lethycia passou a demonstrar muito medo, evitando a presença do réu. Quando ele chegava ao estabelecimento, sua filha se retirava imediatamente. Com o tempo, compreendeu que, assim como ocorreu com ela, algo semelhante poderia ter acontecido com sua filha. Ressaltou que o mais grave de toda essa situação foi o fato de terem procurado as autoridades em busca de proteção e, paradoxalmente, terem sido vítimas justamente de quem deveria protegê-las. Narrou que, posteriormente, Lethycia lhe confidenciou que o delegado tentou agarrá-la e apalpou suas nádegas e seios. Além disso, questionou se ela tinha namorado, qual era a natureza de seu relacionamento e fez perguntas irrelevantes sobre o assalto. Não se recorda se a filha mencionou ter sido abraçada pelo réu. Destacou que o réu continuou frequentando seu restaurante e, em algumas ocasiões, pedia que levantasse o vestido para mostrar as pernas, sempre colocando sua arma sobre o balcão, o que aumentava ainda mais seu receio. Asseverou que, já em Caruaru, após algum tempo, recebeu a visita de um representante da Corregedoria para tratar do caso. Dois dias após o assalto, o réu começou a frequentar seu restaurante com regularidade e, por duas vezes, colocou sua arma sobre o balcão. Disse que, após os fatos, sua filha nunca mais ficou sozinha com o réu. Sempre que ele chegava, Lethycia imediatamente se retirava do local. A depoente também relatou que, anos depois, recebeu a visita de um senhor vindo de Recife, da Corregedoria, que mencionou estar investigando os acontecimentos em São José. Acredita que isso tenha ocorrido cerca de dois ou três anos após os fatos. Afirmou que prestaram depoimento em uma delegacia próxima ao Norte Shopping e que, na ocasião, não havia outras mulheres presentes para depor. Relatou que tanto ela quanto sua filha ficaram com sequelas emocionais e necessitaram de acompanhamento psicológico. Confirmou que Lethycia foi a primeira a entrar no gabinete do delegado e que, posteriormente, a filha contou que ele lhe mostrou a arma. No entanto, à época, Lethycia não comentou nada sobre os abusos. Declarou que nem ela nem seu ex-marido Pierre buscaram a Promotoria para relatar os fatos. Sua filha só se sentiu segura para falar sobre o ocorrido quando já estavam morando em Caruaru. Disse que o nome "Glauco" lhe soa familiar, mas não sabe identificar a pessoa. Mencionou que a única pessoa que demonstrou interesse genuíno no caso, sem “terceiras intenções”, foi um homem alto, de cabelo comprido. Por fim, afirmou que desconhece quem levou os fatos ao conhecimento da Promotoria, mas foi informada de que sua filha não foi a única vítima do réu, pois outras pessoas relataram situações semelhantes (audiência digital realizada em 07 de junho de 2023). As versões dos relatos mencionados acima estão em conformidade com o depoimento da testemunha Marcos Soares, ouvido no processo 0000846-98.2014.8.17.1320 que, à época dos fatos, exercia a função de agente de polícia. Veja-se: “(...)que tomou conhecimento que do procedimento suspeito do acusado na mesma situação de oitiva de vítimas e testemunhas dentro da delegacia, desta vez com uma , em que o réu trancou a porta do gabinete da Delegacia ; que ele pediu a garota de 13 anos para lhe dar um cheiro no pescoço dela; que ao invés disso, beijou a boca da garota; que a avó dessa garota não gostou; que esta foi a história que o Jonas (comissário na época dos fatos) passou para ele e isso causou um dano psicológico muito sério na testemunha, “fiquei muito preocupado com isso aí” (sic), pois sempre procurou ser um policial sério; que Jonas tinha orientado as vitimas a procurarem o MP [...] que eu saí da Delegacia, eu pensei em pedir demissão, em razão de um fato semelhante a esse que tinha acontecido e que a pessoa vitimada o procurou; que peguei as minhas coisas e fui embora para Palmares, procurei Josineide Confesso, Delegada Regional na época, para informar os fatos; que relatei com detalhes a situação referente a essa pessoa que me procurou e disse que eu não voltaria mais à Delegacia e que se ele fosse forçado a voltar pra delegacia, ele pediria afastamento; que ela me acalmou, disse que fosse para casa; quinze dias depois ela pediu que eu me apresentasse à Delegacia de Ribeirão; que assim eu fiz; [...] que uma moça que mora de frente a Delegacia de nome Lidiane, ela é/era costureira; que essa moça tinha um tio que era alcoólatra, que estava perturbando muito a tia dela; que a tia de Lidiane procurou a Delegacia; que quando a tia dela foi conversar com o Denunciado; ele trancou a porta e começou a assediar a tia dela; que a tia dela tinha chegado em casa passando mal; que ela me contou isso; que me perguntou o que poderia fazer; que, então, peguei minhas coisas e fui para Palmares (...)” (consoante idônea transcrição da Procuradora de Justiça, em parecer – ID 44468066). Em depoimento prestado nos autos da ação penal nº 0000846-98.2014.8.17.1320 (prova emprestada), a testemunha Juciê Braz, também policial civil relatou ser de conhecimento entre os colegas de trabalho que o réu agia de forma abusiva, havendo, inclusive, várias pessoas que já tinham se queixado a respeito. Sobre a conduta do réu, afirmou que era conhecido pela falta de respeito com as pessoas que iam à delegacia serem ouvidas, os abusos, as vezes com palavras, e a falta de respeito com as mulheres. Disse não saber quem exatamente denunciou o réu ao Ministério Público. Afirmou, ainda, que havia o conhecimento de outras irregularidades, relatadas por colegas, que sugeriam certa “suspeição” do réu, tais como a investigação não andava, as pessoas não eram intimadas. Por seu turno, o réu M. B. D. S., quando ouvido perante a autoridade judiciária negou parcialmente os fatos, admitindo apenas o abraço, mas sem qualquer conotação sexual. Alegou que era seu procedimento habitual ouvir as partes separadamente. Em relação ao caso, afirmou que suspeitava do envolvimento do namorado da vítima no crime e, por esse motivo, chamou Lethycia para ser ouvida em sua sala, a qual, segundo ele, não permanecia trancada. Relatou que, no momento do depoimento, quando o policial Eduardo se afastou da sala, a mãe de Lethycia também se retirou, supostamente para que ele pudesse obter informações sobre o namorado da vítima. O réu declarou que desconfiava do envolvimento do namorado de Lethycia e, ao questioná-la sobre ele, a vítima demonstrou irritação. Segundo sua versão, Lethycia afirmou que o namorado não dormia em sua residência em São José, mas confirmou que dormiam juntos em Caruaru, ocasião em que, nas palavras do próprio réu, "entravam na libertinagem" (sic). Diante dessa resposta, o réu afirmou ter questionado de maneira leve se o casal tomava precauções, ao que Lethycia teria respondido: "Daqui a pouco o senhor vai querer saber o que é que eu faço". Após essa conversa, o réu se levantou e tentou abraçá-la, alegando que o abraço "terminou tão rápido quanto começou". Relata ainda que a vítima demonstrou desconforto, afastando-o e pedindo para sair. Em resposta, teria dito: "Se aperreie não, que não vai acontecer nada não". Na sequência, chamou a mãe de Lethycia e encerrou o depoimento. O réu negou ter tocado no corpo da vítima de maneira inapropriada ou ter encostado nela de qualquer forma inadequada. Afirmou ainda que o local não era completamente isolado, pois havia uma fresta na porta que permitia a visualização do interior da sala e que as conversas podiam ser ouvidas do lado de fora. Além disso, sustentou que a denúncia teria sido motivada por represálias decorrentes de sua atuação policial, especialmente em razão dos indiciamentos realizados para desarticular um esquema de grilagem de terras na região, no qual estariam envolvidos os policiais Jonas e Glauco. Alegou também que sua atuação no combate à corrupção dentro da delegacia, especificamente no desaparecimento de valores referentes a fianças, teria gerado insatisfação entre alguns servidores, o que poderia ter motivado a acusação contra ele (audiência digital). De outra banda, a defesa não se desincumbiu da contraprova, existindo somente alegações. Sequer arrolou o mencionado escrivão que afirma ter armado a denúncia como testemunha, somente apresentando prova testemunhal relativa à sua boa conduta social no trabalho. Assim, tem-se que a versão coerente e harmônica detalhada pelas vítimas não foi infirmada por prova produzida pela defesa, que somente apresentou alegações sem comprovação. Confira-se os depoimentos de algumas testemunhas de defesa (consoante idônea transcrição constante no parecer da Procuradoria de Justiça – ID 44468066): “Testemunha de defesa Marcelo conhece o réu porque trabalhou com ele por 15 anos nunca soube deste ter comportamento abusivo, com enxerimento. Soube que o policial Glauco foi afastado pelo delegado porque invadia terrenos e por isso levou pessoas para o Ministério Público para denunciarem contra o réu. Disse que não era comum o delegado ouvir as vítimas sozinhas. Acrescentou que não estava na delegacia quando a vítima e sua mãe Edvânia foram ouvidas. Testemunha de defesa Eduardo conhece o réu porque trabalhou como cedido pela prefeitura na delegacia. Só recorda da vítima quando ela esteve lá na delegacia, mas não estava durante a sua oitiva. No primeiro andar tinham cadeiras de espera para outras pessoas depois serem ouvidas e eram muito próximas a sala, inclusive se fosse falado em tom mais alto a conversa poderia ser ouvida, e mais salas. Chegou a entrar na sala do delegado, estava fechada, mas não trancada, e a vítima e sua mãe estavam sendo ouvidas sobre o assalto e não tinha nada estranho, não viu arma em cima da mesa do réu. O relacionamento entre o escrivão Glauco e o delegado porque aquele fazia irregularidades e foi retirado pelo réu, após a saída do Glauco ouvi comentários de que este havia articulado as denúncias contra o delegado por vingança. Quando as oitivas eram realizadas o declarante permanecia embaixo e durante as oitivas a porta ficava fechada e não trancada. Desconhece que o delegado pegava o telefone das vítimas. Soube dos abusos depois da prisão do réu e nunca soube de outros fatos de abusos contra outras vítimas, mais também de uma irmã de um traficante que alegou que o réu teria dado em cima dela. Não ouviu do Glauco sobre os desentendimentos com o réu. Luciano Dias de Souza ouvido na qualidade informante, irmão do réu, na época dos fatos era policial da delegacia que ocorreram os fatos e tomou conhecimento de que o réu colocou o escrivão Glauco para fora da delegacia e depois apareceram as seis denúncias. Então indagou a Glauco se ele tinha armado no primeiro momento ele negou, mas depois confessou que tinha sido ele mais Jonas. Destacou que ouviu comentários de que políticos também estavam envolvidos, também soube que Glauco fazia grilagem de terra e que o ex-prefeito Barbosa prometeu que se assumisse daria a posse das terras. Declarou que conheceu a vítima, e teve dois contatos com esta, e poucos com sua mãe e padrasto. Afirmou que existiam várias salas de Glauco, Emiliano, e posteriormente Vânia, e cadeiras próximas a do delegado, e existia uma fresta na sua porta, podendo ser ouvido o que era conversado dentro desta. Ademais disse que a sala não ficava trancada e todos tinham acesso à sala do réu durante as oitivas. Reafirmou que todo comentário quanto ao comportamento do réu foi após a saída do Glauco da delegacia. Declarou que em regra acompanhava a ouvida na sala do delegado, junto com outros policiais, para auxiliá-lo, mas ressaltou que no caso da vítima estava na delegacia, porém afirmou que não poderia dizer que estava 100% porque durante o expediente a gente entrava e saia da delegacia. Alegou que para a colheita de provas o escrivão não se fazia necessário, mas era para a investigação, por isso não estava na sala, também afirmou que ele era muito acomodado.”. Este é, em síntese, o teor da prova oral produzida em juízo. Nesse contexto, em que pese a negativa do apelante, ela se mostra completamente isolada nos autos, não logrando a defesa colacionar elementos de convicção robustos a corroborá-la. A tese aventada pela defesa de que a presente denúncia teria sido motivada exclusivamente por um suposto plano de vingança orquestrado pelos policiais Jonas e Glauco contra o apelante, em razão de uma animosidade existente entre eles, não encontra respaldo nos autos. A defesa não apresentou qualquer prova concreta de envolvimento dos referidos policiais com corrupção ou grilagem, tampouco demonstrou que o apelante tenha instaurado algum procedimento para apurar tais crimes supostamente praticados pelos policiais Jonas e Glauco, ônus que lhe cabia comprovar. O que se verifica, na realidade, são testemunhas de defesa mencionando, com base apenas em relatos de terceiros, que os policiais Glauco e Jonas nutriam certa animosidade contra o apelante e que, por esse motivo, teriam arquitetado toda a acusação de abuso sexual. No entanto, tais testemunhas não conseguiram demonstrar qualquer vínculo entre a vítima, seus familiares e os referidos policiais. Além disso, não há qualquer indício de inimizade prévia entre a vítima, seus familiares e o apelante que pudesse justificar uma falsa imputação de crime, especialmente considerando que a vítima e sua família eram recém-chegados à cidade. Ademais, tanto a vítima quanto sua genitora apresentaram relatos firmes e coerentes, sendo que o próprio apelante, ainda que parcialmente, admitiu condutas que corroboram aspectos essenciais do depoimento da vítima, ainda que tenha tentado minimizá-las como um “flerte inoportuno”. Por fim, há relatos de outras vítimas que igualmente atribuem ao apelante a prática de abuso sexual, sem qualquer indício de vínculo entre elas e os policiais Jonas e Glauco, exceto a genitora da vítima destes autos. Portanto, ao contrário do aduzido pela defesa, todo o restante do acervo probatório subsidia a veracidade dos relatos da ofendida, sendo inviável o acolhimento do pleito absolutório formulado pelo apelante. E, em razão do afastamento do pleito absolutório, subsistindo o reconhecimento da pratica de atos libidinosos diversos de conjunção carnal em desfavor da ofendida, resta a discussão acerca da tipicidade da conduta, ou seja, se o caso se revela como estupro, na forma qualificada em razão da idade da vítima (artigo 213, §1º, do Código Penal) ou como importunação sexual (artigo 215-A do Código Penal). A conduta típica do delito de estupro consiste em "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso", ao passo que a conduta do crime de importunação sexual prevê “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A despeito da defesa sustentar a inexistência de grave ameaça, razão não lhe assiste. A grave ameaça não se limita à violência física ou ameaça explícita. No caso, a vítima, uma adolescente de 16 anos, foi ouvida a sós pelo apelante, Delegado de Polícia, em seu gabinete, com a porta fechada e uma arma de fogo sobre a mesa, intimidando-a. E não é só. Restou muito claro o dissenso e constrangimento da vítima diante da ação do apelante, isto é, o não consentimento da vítima, ao ver-se apalpada, tocada em suas partes íntimas pelo apelante, com uma reação efetiva à vontade do apelante de com ela praticar ato libidinoso, ao afastar-se e tentar sair da sala, que estava com a porta fechada. Esse contexto, por si só, retrata a mais eloquente grave ameaça, impondo à vítima uma situação de constrangimento e temor que inibe sua capacidade de resistência, visto que oriundo de autoridade que tinha o dever funcional de proteger o cidadão. Ressalte-se que a vítima chegou à delegacia em estado de extrema fragilidade emocional, pois havia acabado de passar por uma experiência de grave violência: ela e seus pais foram mantidos reféns enquanto quatro indivíduos assaltavam o restaurante pertencente à família. Aproveitando-se dessa situação de vulnerabilidade e sob o pretexto de colher o depoimento da adolescente sobre o crime ocorrido no estabelecimento comercial da família, o réu a conduziu para sua sala, fechou a porta, trancando-a à chave, local em que passou, inicialmente, a fazer insinuações absolutamente inapropriadas e depois, forçou o toque em suas partes íntimas. Além disso, impôs uma ameaça velada ao exibir ostensivamente sua arma de fogo sobre a mesa, reforçando o clima de intimidação. Tal conduta, não há como negar, configura a grave ameaça necessária para a caracterização do crime. Ainda que assim não fosse, a elementar do tipo penal restaria igualmente demonstrada pela evidente superioridade física do réu em relação à vítima, evidenciada pelo fato de tê-la agarrado. Somente após a prática dos atos libidinosos e a consumação de sua intenção criminosa, foi que o réu percebeu o estado psicológico da vítima e a soltou. Destaca-se, ainda, que o crime foi cometido pelo réu no exercício de suas funções como Delegado de Polícia, no interior da própria delegacia que comandava. Nessas circunstâncias, torna-se desnecessária a emissão de qualquer ordem expressa ou a adoção de outra conduta para caracterizar a grave ameaça, pois sua posição hierárquica, por si só, já era suficiente para coagir psicologicamente a vítima, uma adolescente com apenas 16 anos de idade. As consequências do delito foram severas, especialmente no âmbito psicológico. A vítima, Lethycia Stefani, declarou perante a autoridade judiciária que entrava em estado de pânico sempre que recebia ligações do réu, chegando, inclusive, a solicitar transferência para outra comarca por temor a M. B. D. S., à época Delegado de Polícia Civil titular na Cidade de São José da Coroa Grande. Assim, diante da comprovação da grave ameaça, a desclassificação para o crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal, se mostra de todo inadmissível, pois este tipo penal exige a ausência de violência ou grave ameaça, requisitos não preenchidos no caso, como já demonstrado acima. Por fim, a defesa alega bis in idem na dosimetria da pena, visto que o magistrado teria considerado, tanto na primeira quanto na segunda fase da aplicação da pena, o fato de o réu ocupar o cargo de Delegado de Polícia, como circunstância judicial desfavorável (culpabilidade), e, posteriormente, como circunstância agravante, conforme previsto no art. 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal. Da análise da sentença, verifica-se que o juízo de origem fixou a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão, após reconhecer como desfavoráveis ao réu as vetoriais da culpabilidade, da conduta social e das consequências do crime, majorando a pena, na segunda fase do sistema dosimétrica, em razão da agravante prevista no artigo 61, inciso II, “g”, do CP. Confira-se: “(...)Analisadas as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, denoto o seguinte: 1. Culpabilidade: grave. À época dos fatos, o réu ocupava o cargo de Delegado de Polícia, que é função pública de alta relevância e responsabilidade dentre as carreiras públicas. Ademais, trata-se de função cujo principal objetivo é o exercício da polícia judiciária, a fim de combater e investigar práticas criminosas. Assim sendo, sem dúvidas, a reprovabilidade da conduta do réu, por ser delegado de polícia, é superior ao normal. 2. Antecedentes criminais: o Réu não possui antecedentes; 3. Conduta social: há nos autos fatos que desabonam a conduta do inculpado, pois as testemunhas Juciê Braz, admitido como prova emprestada do Processo de nº. 0000846-98.2014.8.17.1320, e a genitora da vítima ouvida no presente processo na qualidade de informante, afirmaram a prática de atos libidinosos pelo réu em mulheres que eram vítimas de crimes quando eram submetidas a oitivas na delegacia de polícia. Assim, a conduta social do réu, no seu ambiente de trabalho, era reprovável e negativa. 4. Personalidade: não há elementos para apreciação da personalidade do réu; 5. Motivos do crime: normal à espécie; 6. Circunstâncias do crime: não será valorada nesta fase, será analisada na 2ª fase como agravante do artigo 61, II, “g”, do CP. 7. Consequências do crime: graves, pois, conforme o depoimento da vítima: "no dia tomei uma medicação para eu dormir, eu tive a crise de nervos no dia seguinte. Eu faço um tratamento com a psicóloga não só em relação a isso mas a outros traumas, passei muito tempo sem confiar em homem que fosse de fora, nem namorado, até hoje não gosto de delegacia, eu prefiro evitar". Assim, as consequências concretas do crime são negativas, extrapolando o esperado pelo tipo abstrato. 8. Comportamento da vítima: neutro. Fixo a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão. Não há circunstâncias atenuantes. Por sua vez, concorrendo uma circunstância agravante prevista no art.61, II, “g”, do CP, porque o delito foi praticado pelo acusado com abuso de poder inerente ao cargo de delegado de polícia, durante suas atividades laborais. No caso concreto, os fatos ocorreram durante a oitiva da vítima na delegacia. Ressalto que aqui não há falar em bis in idem relativamente à valoração da circunstância culpabilidade. Isso porque, na primeira fase, quando da análise da culpabilidade, incrementei a pena-base porque o réu ocupava carreira pública da qual é exigida um grau de responsabilidade e de deferência às leis superior ao que se exige das demais pessoas, mormente quando se trata da carreira de delegado de polícia, cuja principal atribuição é a persecução criminal investigativa. Com efeito, a culpabilidade, ou seja, a reprovabilidade concreta da conduta do réu é acentuada. Nesta segunda fase, aplico a agravante em razão do abuso de poder por meio do qual o réu se valeu para a prática criminosa, tendo perpetrado o crime no ambiente da delegacia, a portas fechadas, durante uma oitiva de vítima, tendo inclusive exibido a arma de fogo. São, pois, circunstâncias diferentes, não havendo falar em bis in idem. Agravo a pena, nesta segunda fase, fixando-a em 11 anos e 08 meses de reclusão, na forma do art. 61, II, g, do CP. Ausentes causas de diminuição e aumento de pena. Assim, fixo a pena definitiva em 11 anos e 08 meses de reclusão. Embora seja o réu primário, deverá iniciar o cumprimento da pena no regime fechado, em razão da pena aplicada estar em conformidade com o art. 33, § 2º, a, CP.(...)” (ID 40560596). De fato, não há o que se falar em bis in idem relativamente à valoração da circunstância culpabilidade e o reconhecimento da agravante de abuso de autoridade. Isso porque, na primeira fase, quando da análise da culpabilidade, foi incrementada a pena-base em razão de o réu ocupar carreira pública, da qual é exigida um grau de responsabilidade e de deferência às leis, muito acima do que se exige das demais pessoas, mormente quando se trata da carreira de delegado de polícia, cuja principal atribuição é a persecução criminal investigativa. Com efeito, a culpabilidade, ou seja, a reprovabilidade concreta da conduta do réu é acentuada, ultrapassando a normalidade do tipo penal. Assim, a culpabilidade foi valorada como grave, acertadamente, em razão da acentuada reprovabilidade da conduta do apelante que, como Delegado de Polícia, deveria zelar pela legalidade e proteção das vítimas, visto que se trata de agente público com deveres funcionais e responsabilidade superior à média. Já a agravante prevista no art. 61, inciso II, "g", do Código Penal, foi aplicada em razão do abuso da função pública, ou seja, pelo fato de o apelante ter se valido de sua posição de autoridade para praticar o crime no ambiente da delegacia, durante as suas atividades laborais, a portas fechadas, quando da oitiva de uma adolescente, que ali estava em busca de providências junto ao agente público, após ter acabado de ser vítima de um assalto, é dizer, já bastante vulnerada, além da exibição de arma de fogo. São circunstâncias distintas, que justificam a exasperação da pena em ambas as fases da dosimetria, não havendo falar em bis in idem. Acerca da conduta social, sabe-se que para a sua valoração exige-se elementos concretos da conduta do agente no meio social em que vive, considerando sua interação com a família, sociedade, trabalho etc. Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, “É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc. (...) Deve-se observar como se comporta o réu em sociedade, ausente qualquer figura típica incriminadora” (Código Penal Comentado, editora Forense, 14ª ed., 2014, p. 426). A desfavorabilidade da conduta social se mostra acertada, tendo em vista relatos de atos libidinosos praticados pelo apelante contra outras mulheres, além da vítima, quando buscaram apoio, socorro ou providências junto à delegacia, ou seja, em seu ambiente de trabalho. Tais elementos concretos evidenciam o seu comportamento reprovável no meio social em que está inserido, em distintos contextos. Assim, a valoração negativa dessa circunstância pelo juízo a quo revela-se acertada e devidamente justificada. No que se refere às consequências do crime, é certo que correspondem aos efeitos, resultados decorrentes da infração penal. Para que essa circunstância seja negativamente valorada, exige-se que o resultado da infração penal tenha sido ainda mais maléfico que o resultado ordinário, inerente ao tipo penal. No caso em exame, dúvidas não há de que o abalo sofrido pela vítima ultrapassou o previsto na norma incriminadora. Com efeito, a valoração realizada pelo juízo sentenciante foi devidamente fundamentada no trauma sofrido pela vítima, decorrente da conduta do réu. No presente caso, sendo a vítima uma adolescente de 16 anos de idade, além de ter sido compelida, em razão da situação provocada pelo apelante, a mudar-se de cidade para evitar contato com o seu agressor, necessitou submeter-se a tratamento psicológico, a fim de superar os efeitos do abuso sofrido. Nesse sentido: DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTOS CONCRETOS PARA O AUMENTO DA PENA-BASE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I. CASO EM EXAME.1. Habeas corpus impetrado em favor de condenado por estupro de vulnerável, questionando o aumento da pena-base . II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO.2. A questão em discussão consiste em saber se é cabível o habeas corpus como substitutivo de recurso próprio ou revisão criminal, e se há flagrante ilegalidade na dosimetria. III. RAZÕES DE DECIDIR.3. O habeas corpus não é admitido como substitutivo de recurso próprio ou revisão criminal, salvo em casos de flagrante ilegalidade.4. No caso dos autos, a valoração das consequências do crime foi devidamente fundamentada no trauma psicológico da vítima, causado diante da proximidade do agente que abusou da confiança em si depositada pelos genitores da vítima para a prática dos crimes pelos quais foi condenado.5. Não há desproporção no aumento da pena-base, uma vez que há motivação particularizada, em obediência aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, ex vi do art. 59 do CP.6. Por fim, mantida a valoração negativa de uma circunstância judicial, resta prejudicada a pretensão de alteração do regime inicial, mormente porque a pena definitiva é superior a 8 anos de reclusão que, por si só, já permitiria o regime mais gravoso, na forma do art. 33, § 2º, a, do CP, mormente diante da gravidade concreta da conduta.IV. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.(HC n. 828.937/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 11/11/2024). Nesse contexto, deve ser mantida a valoração negativa das três vetoriais e, de igual modo, descabe falar em excesso no quantum de pena-base definido, em 10 (dez) anos de reclusão, considerando o aumento de 08 (oito) meses por cada vetorial valorado desfavoravelmente, patamar muito abaixo do indicado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo cominado para o tipo, para cada circunstância judicial tida como negativa ou, de 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo de penas mínima e máxima previstas para o tipo. Na segunda fase, ausente circunstância atenuante a ser reconhecida e, mantida a agravante disposta no art. 61, inciso II, "g", do Código Penal, pelas razões já dispostas acima, é de se manter a pena intermediária no patamar de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, por estar em consonância com a jurisprudência. Na terceira fase, ausentes causas especiais de aumento e/ou diminuição, é de confirmar-se a pena concreta e definitiva imposta ao réu, no patamar de 11 anos e 08 meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicialmente fechado. Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso defensivo, mantendo a sentença condenatória em seus exatos termos. É como voto. Recife-PE, data da assinatura eletrônica. Des. Honório Gomes do Rego Filho Relator H19 Demais votos: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL: 0000845-16.2014.8.17.1320 JUÍZO DE ORIGEM: Vara Única da Comarca de São José da Coroa Grande APELANTE: M. B. D. S. APELADO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROCURADOR DE JUSTIÇA: Andréa Karla Maranhão Condé Freire RELATOR: Des. Honório Gomes do Rego Filho REVISOR: Des. Marcos Antônio Matos de Carvalho VOTO DE REVISÃO Trata-se de Apelação Criminal interposta por MARCIANO BEZERRA DA SILVA, em face da sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de São José da Coroa Grande que, julgando procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, condenou-o à pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, pela prática do crime de estupro qualificado (art. 213, §1º, c/c art. 61, II, “g”, do Código Penal), contra a vítima L. S. B. D. S.. O Relator, Desembargador Honório Gomes do Rego Filho, em seu voto, analisou com percuciência a questão sub judice e decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença hostilizada em todos os seus termos. Analisando o voto do relator, não há qualquer divergência a ser apontada, de modo que, valendo-me da técnica de fundamentação per relationem, endosso os fundamentos utilizados por Sua Excelência e o acompanho integralmente. Ante o exposto, acompanho o Relator e nego provimento ao recurso interposto. É como voto. Recife, na data da assinatura eletrônica. MARCOS ANTÔNIO MATOS DE CARVALHO REVISOR Ementa: Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des. Honório Gomes do Rego Filho (1ª CCRIM) Praça da República, S/N, Santo Antônio, RECIFE - PE - CEP: 50010-040 - F:( ) PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL: 0000845-16.2014.8.17.1320 JUÍZO DE ORIGEM: Vara Única da Comarca de São José da Coroa Grande APELANTE: M. B. D. S. APELADO: Ministério Público do Estado de Pernambuco PROCURADOR DE JUSTIÇA: Andréa Karla Maranhão Condé Freire RELATOR: Des. Honório Gomes do Rego Filho EMENTA: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ESTUPRO QUALIFICADO (ART. 213, §1º, C/C ART. 61, II, “G”, DO CP). GRAVE AMEAÇA. ABUSO DE PODER. NULIDADES PROCESSUAIS. INVERSÃO DA ORDEM DAS TESTEMUNHAS. VIOLAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA. AUSÊNCIA DE OITIVA DO APELANTE NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL (PIC). MÉRITO: PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM. RECURSO IMPROVIDO. I. Caso em exame Apelação contra sentença que condenou o apelante, Delegado de Polícia, por estupro qualificado, em razão de atos libidinosos praticados contra adolescente de 16 anos durante oitiva em delegacia. A defesa alega nulidades processuais (inversão da ordem de oitiva de testemunhas, violação à cadeia de custódia e cerceamento de defesa, por ausência de oitiva do investigado no PIC) e, no mérito, a insuficiência de provas para a configuração do crime, pugnando pela absolvição ou desclassificação para importunação sexual. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) a existência de nulidades processuais alegadas pela defesa; (ii) a suficiência de provas para a configuração do crime de estupro qualificado, considerando a alegada ausência de grave ameaça; (iii) a possibilidade de desclassificação para o crime de importunação sexual; (iv) saber se a dosimetria da pena foi correta, especialmente quanto à alegação de bis in idem. III. Razões de decidir 3. A inversão da ordem das testemunhas não configura nulidade absoluta, sendo necessária a demonstração de prejuízo, não demonstrada no caso. Houve preclusão da alegação, por não ter sido arguida oportunamente. 4. A cadeia de custódia foi respeitada, com a colheita dos depoimentos em mídia e sua transcrição nos autos, garantindo a autenticidade do material probatório. A perícia não é obrigatória. 5. Não houve cerceamento de defesa. A oitiva do investigado não é obrigatória no PIC. 6. A materialidade e autoria delitivas restaram comprovadas pelo depoimento firme e coerente da vítima, corroborado por outros elementos de prova. 7. A grave ameaça se configurou pelo contexto de vulnerabilidade da vítima, adolescente ouvida a sós pelo recorrente, Delegado de Polícia, em seu gabinete, com porta fechada e arma de fogo sobre a mesa. 8. A desclassificação para importunação sexual é inviável pela presença de grave ameaça. 9. Não houve bis in idem na dosimetria. A culpabilidade foi valorada em razão da reprovabilidade da conduta, e a agravante, pelo abuso da função pública. IV. Dispositivo e tese 10. Recurso improvido. Tese de julgamento: "A conduta do Delegado de Polícia que, aproveitando-se de sua posição hierárquica e da vulnerabilidade da vítima, pratica atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra adolescente de 16 anos durante oitiva em delegacia, configura o crime de estupro qualificado (art. 213, §1º, c/c art. 61, II, “g”, do CP), mesmo sem ameaça explícita, em razão da grave ameaça implícita decorrente do contexto e do abuso de poder." Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 215-A, 213, §1º; 61, II, “g”; CPP, art. 400; 158-A; 563; 571. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 82; REsp n. 1.933.759/PR; AgRg no AREsp n. 2.576.717/SP; AgRg no AREsp n. 2.074.265/MG; AgRg no HC 665.948/MS; AgRg no AREsp n. 2.295.047/SC; HC 479.155/SC; HC n. 380.698/SP; AgRg no HC n. 874.838/SC; AgRg no HC n. 812.046/SP; HC n. 828.937/SP. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Criminal nº 0000845-16.2014.8.17.1320, em que figura como apelante M. B. D. S. e, como apelado, o Ministério Público do Estado de Pernambuco, ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade de votos, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso defensivo, mantendo a sentença condenatória em seus exatos termos, na conformidade do relatório e dos votos proferidos neste julgamento. Recife, na data da assinatura eletrônica. Des. Honório Gomes do Rego Filho Relator H19 Proclamação da decisão: A Turma, à unanimidade de votos, rejeitou a questão de ordem suscitada pela defesa, na sua petição de ID 46468946, no sentido de encaminhar peça dos autos para o Ministério Público e consequente suspensão do julgamento. A Turma, à unanimidade de votos, rejeitou as preliminares suscitadas pela defesa, e, no mérito, igualmente à unanimidade, negou provimento ao apelo. Magistrados: [HONORIO GOMES DO REGO FILHO, JOSE VIANA ULISSES FILHO, MARCOS ANTONIO MATOS DE CARVALHO] RECIFE, 16 de abril de 2025 Magistrado
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