Ministério Público Do Estado Do Paraná x Gildomar Felipe Sabino
ID: 277790562
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Palmas
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0007386-45.2024.8.16.0123
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANUSA APARECIDA GALVÃO DA ROSA
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE PALMAS VARA CRIMINAL DE PALMAS - PROJUDI Rua Capitão Paulo de Araújo, 731 - São José - Palmas/PR - CEP: 85.555-000 - Fone: (46)39056370 - E-mail: jrss@…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE PALMAS VARA CRIMINAL DE PALMAS - PROJUDI Rua Capitão Paulo de Araújo, 731 - São José - Palmas/PR - CEP: 85.555-000 - Fone: (46)39056370 - E-mail: jrss@tjpr.jus.br SENTENÇA Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Lesão Cometida em Razão da Condição de Mulher Processo nº: 0007386-45.2024.8.16.0123 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Réu(s): GILDOMAR FELIPE SABINO 1. RELATÓRIO O Ministério Público, no uso das suas atribuições legais e com base no inquérito policial, ofereceu denúncia contra GILDOMAR FELIPE SABINO, já qualificado nos autos, como incurso nos crimes previstos no artigo 129 § 13 (Fato 01) e no artigo 147, § 1° do Código Penal, por duas vezes (Fatos 02 e 03), com incidência da Lei nº 11.340/2006, pela prática dos seguintes fatos delituosos descritos na denúncia (mov. 21.1): “FATO 01 Em 18 de dezembro de 2024, por volta das 21h30min, no interior da residência situada na Rua Albertino Zanatta, 98, bairro Aeroporto, município e Comarca de Palmas/PR, GILDOMAR FELIPE SABINO, com consciência e com vontade orientada ao fim ilícito, agrediu M. S., sua convivente: desferiu contra ela tapas e socos no rosto e atingiu-a, nos braços, com um pedaço de madeira, causando escoriações na região esquerda da face e no braço direito e edema no braço, na mão direita e no pescoço (cf. boletim de ocorrência n. 2024/1579144 – mov. 1.7; auto de constatação de lesões corporais – mov. 1.2; termo de declaração – mov. 1.16 e 1.18; termo de interrogatório – mov. 1.14). FATO 02 Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar acima narradas, GILDOMAR FELIPE SABINO, com consciência e com vontade orientada ao fim ilícito, ameaçou, por palavras, M. S., sua companheira, prometendo causar-lhe mal injusto e grave, ao afirmar que “atearia fogo na residência e machucaria sua família”, nela incutindo sério temor (cf. termo de declaração – mov. 1.18). FATO 03 Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar acima narradas, GILDOMAR FELIPE SABINO, com consciência e com vontade orientada ao fim ilícito, ameaçou, por palavras, M. F. D. V., sua sogra, prometendo causar-lhe mal injusto e grave, ao afirmar que “mataria toda a família”, nela incutindo sério temor (cf. termo de declaração – mov. 1.16). Decretou-se a prisão preventiva do acusado (mov. 14.1), sendo substituída por outras medidas cautelares (mov. 87.1). A denúncia foi recebida em 20.12.2024 (mov. 28.1). Citado, o réu apresentou resposta à acusação por intermédio de defensora constituída (mov. 51.1). Durante a instrução processual, foi ouvida a vítima, duas testemunhas/informantes e interrogado o acusado (movs. 94.1/94.4). O Ministério Público apresentou alegações finais orais, oportunidade na qual pleiteou a procedência da pretensão punitiva deduzida na denúncia, com a consequente condenação do acusado (mov. 94.1/94.4). Foram atualizados os antecedentes criminais do acusado (mov. 95.1). A seu turno, em suas derradeiras alegações, a Defesa postulou a absolvição do réu por insuficiência de provas. Subsidiariamente, requereu a desclassificação do crime de lesão corporal para vias de fato, sustentando ausência de exame de corpo de delito, ou ainda para lesão corporal culposa, por ausência de dolo. Sustenta ainda a atipicidade da conduta do crime de ameaça. Pleiteou ainda a aplicação da pena no mínimo legal e o afastamento do concurso material, por entender que os fatos ocorreram em um único contexto (mov. 98.1). É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Considerações iniciais Trata-se de ação penal na qual foi imputado ao réu a prática dos crimes previstos no artigo 129 § 13 (Fato 01) e no artigo 147, § 1° do Código Penal, por duas vezes (Fatos 02 e 03), conforme descrição fática contida na denúncia de mov. 21.1. No mais, o processo transcorreu normalmente, inexistindo nulidades ou irregularidades a serem sanadas, daí porque passo, desde logo, à análise do mérito. 2.2. MÉRITO 2.2.1. Do crime previsto no artigo 129 § 13 do Código Penal (Fato 01): A imputação atribuída ao réu é definida pela conduta assim descrita: “Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: (...) Violência Doméstica (...) § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024). No caso em apreço, a materialidade delitiva está demonstrada auto de constatação provisória (mov. 1.2), registro do boletim de ocorrência (mov. 1.7), auto de prisão em flagrante (mov. 1.8), bem como pelos depoimentos colhidos na fase inquisitorial e durante a instrução processual. A autoria delitiva também é certa e advém dos depoimentos colhidos neste processo, os quais são harmônicos com o elenco probatório. A prova produzida durante a fase inquisitorial foi, em sua totalidade, confirmada em Juízo. Com efeito, a vítima Micheli Silva, quando ouvida perante o Juízo, narrou minuciosamente como os fatos ocorreram (mov. 94.1): “... na verdade, foi assim, a gente chegou do serviço e fomos no mercado, daí levamos as compras pra casa e passeamos num barzinho que tem perto de casa, num botecozinho lá, e daí nós táva bebendo, eu tava tomando cerveja, daí ele começou a tomar cachaça pura; que daí fomos embora pra casa, daí ele dormiu sentado no vaso, daí eu fui acordar ele, que daí ele já acordou transtornado, foi isso que aconteceu; que ele bem transtornado, ele acordou assim, pareceu que não sabia nem o que estava fazendo; que ele quebrou as coisas dentro de casa, daí ele pulou em mim, mas foi isso, mas ele tava transtornado; (questionado: a senhora afirmou categoricamente na delegacia que ele deu tapa. A senhora até fez o exame de lesões, deu um tapa na senhora. A senhora ficou machucada no rosto?) que sim, aconteceu isso; (...) que ele estava bastante embriagado; (questionada se saberia dizer o quão embriagado ele estava, se ele podia ter uma noção do que estava fazendo) que ele chegou a dormir sentado no vaso, de tão bêbado que tava, estava transtornado, quando eu fui acordar ele, ele acordou muito transtornado, já derrubando tudo dentro da casa, quebrando as portas da casa, então, ele estava muito bêbado, transtornado (...); (questionada: quando você acordou ele, ele partiu para cima de você?) que eu não me recordo bem, mas acredito que ele chegou quebrando tudo, daí ele levantou já, chutando as coisas, batendo, derrubou a geladeira, daí que a mãe desceu pra ver o que estava acontecendo; que sim, nós dois bebemos; que eu tomei quatro litrão (cerveja), ele tomou, ajudou tomar os litrões e tomou mais quatro dozes de pinga, cachaça, eu acho que foi por causa dessa cachaça que ele ficou desse jeito; (questionada se ele é violento com eles) que não; (questionado se ele bebe com frequência) que nós de vez enquanto tomamos, mas não acontece isso sempre (...); que ele trabalha, eu não tenho queixa dele nessa parte, eu não tenho mesmo, ele é um bom pai, ele é trabalhador (...); que ele é um bom marido, eu não tenho medo dele, aquele dia foi chamado a polícia, porque nós não sabíamos o que fazer, por causa do jeito que ele estava transformado, foi por isso que nós chamamos a polícia, mas fora isso, eu não tenho queixa dele nenhuma, nenhuma mesma (...)” – negritei. Corroborando os fatos, o policial Jihad Matheus El Hawat de Moura, relatou em sede judicial que (mov. 94.3): “.. nós fomos acionados para atender a ação de violência doméstica em que um indivíduo estaria de posse de um facão proferindo ameaças contra a esposa, convivente, no caso; que então, deslocamos até o endereço citado na descrição do chamado e quando estávamos nos aproximando do local, um indivíduo passou por nós de bicicletas sem camisa; que quando chegamos até a casa, as vítimas, a senhora Micheli, apontaram que o autor era aquele homem que tinha saído com a bicicleta e a equipe, então, retornou pelo caminho que tinha feito e encontrou ele; que ele estava tentando se homiziar numa mata que tem perto aqui do local, um banhado, ele já tinha até jogado a bicicleta no mato, estava ali sem camisa e quando a gente realizou a abordagem, no primeiro momento, ele não quis obedecer, não reagiu violentamente, mas se negou a obedecer no começo, mas conforme fomos conversando com ele, ele se acalmou e não resistiu; que foi conduzido, então, até a casa para fazer o reconhecimento e a senhora Michelei afirmou que era ele, sim, o senhor Gildomar, então, relatou para a gente que ele tinha em posse de um facão ameaçado ela e a agredido, de acordo com a Micheli, não tinha razão para as agressões dele, ele simplesmente estava bêbado e ficou agressivo e bateu nela, agrediu ela dentro da casa e a sogra dele, mãe de Micheli, não me recordo o nome dela agora, viu eles brigando, tentou intervir e ele também, então, proferiu ameaças contra a mãe de Micheli; que frente a isso, ele foi conduzido, todas as partes, a vítima e a mãe dela, que também é vítima da ameaça, e o senhor Gildomar foram conduzidos para a 12ª Companhia para a lavratura da documentação pertinente, posteriormente caminhado para a 12ª Central de Flagrantes (...)” – negritei. A informante Maria Francisca Domingues Vieira, genitora da vítima e sogra do réu, relatou em sede judicial que (mov. 94.2): “... é o seguinte, eu moro junto com eles lá na casa, eu moro acima e eles embaixo, no porão; que só escutei uma bagunça, ela me chamou pra cuidar da neném, eu desci, eu não vi assim, eu só escutei a discussão deles, brigando (...); (questionada: a senhora presenciou algum ato de agressão física do Gildomar contra a sua filha?) que eu não cheguei a ver, eu escutei eles discutindo bastante, brigando lá dentro da casa; (questionada: depois, você viu o rosto da sua filha e ficou machucado?) que no momento, eu estava muito nervosa, nem prestei atenção muito nisso aí (...)” – negritei. O acusado Gildomar Felipe Sabino, na ocasião de seu interrogatório judicial, optou em permanecer em silêncio. Inicialmente, destaco que os delitos praticados em situação de violência doméstica e familiar requerem uma especial atenção, principalmente porque, na maioria dos casos, os crimes dessa natureza ocorrem sem a presença de testemunhas que não possuam vínculo com as partes. Assim, deve-se conferir à palavra da vítima maior relevância, notadamente quando esta recorre à força policial e ao Poder Judiciário em busca de proteção, revelando o estado de temor real no qual se encontra. Por oportuno, a jurisprudência explica que o depoimento da vítima é apto a embasar o decreto condenatório, quando firme, harmônico e consonante aos demais elementos do conjunto probatório. Nesse sentido, colaciono julgado recente do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CRIME – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL – ABSOLVIÇÃO – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PRETENSÃO DE REFORMA DA DECISÃO – ACERVO PROBATÓRIO APTO A RESPALDAR A TESE ACUSATÓRIA – ACOLHIMENTO – MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS – PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS – CONDUTA TÍPICA CONFIGURADA – EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGITIMA DEFESA – NÃO CONFIGURADA – SENTENÇA REFORMADA PARA CONDENAR O ACUSADO – RECURSO PROVIDO – (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000321-09.2019.8.16.0144 - Ribeirão Claro - Rel.: Desembargador Clayton Camargo - J. 25.07.2020). Como se verifica do depoimento colhido durante a fase de instrução processual e acima colacionado, as declarações da ofendida foram seguras em narrar o delito e se revestem de importante valor probatório, à medida que não foi apresentada justificativa plausível para que tivesse qualquer interesse em imputar ao acusado, de forma gratuita, a prática delitiva. Veja-se que ao ser questionada, a vítima afirmou em juízo que “ele quebrou as coisas dentro de casa, daí ele pulou em mim”. Na sequência, foi questionada se o acusado havia lhe desferido um tapa, tendo respondido “sim, aconteceu isso”. Destaco que a narrativa da vítima também foi confirmada pelas declarações do policial militar ouvido em juízo, que participou do atendimento à ocorrência, na qual a equipe havia sido noticiada de que havia ocorrido uma agressão física no local indicado. Registre-se que o auto de constatação provisória de lesões corporais lesão corporal demonstra as lesões na face, pescoço, mão direita e braço direito da vítima (mov. 1.2). A propósito, o auto de constatação provisória é suficiente para comprovar o crime de lesão corporal, sendo prescindível o laudo de exame pericial: APELAÇÃO CRIME – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - SENTENÇA CONDENATÓRIA - LESÕES CORPORAIS – ARTIGO 129, §9º DO CÓDIGO PENAL – INSURGÊNCIA DA DEFESA – 1) PRETENSA ABSOLVIÇÃO COM BASE NA AUSÊNCIA PROBATÓRIA – DESPROVIMENTO – AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS – PALAVRA DA VÍTIMA QUE POSSUI ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES DESTA NATUREZA, TENDO EM VISTA QUE COMETIDOS, NA MAIORIA DAS VEZES, NA CLANDESTINIDADE – LESÕES CORPORAIS COMPROVADAS ATRAVÉS DE AUTO PROVISÓRIO DE CONSTATAÇÃO DE LESÕES CORPORAIS E FOTOGRAFIA, ALÉM DE RELATOS DE INFORMANTES – CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0062726-49.2020.8.16.0014 - Londrina - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MAURO BLEY PEREIRA JUNIOR - J. 12.04.2025). Com efeito, não foi demonstrado que a vítima nutrisse quaisquer sentimentos escusos pelo acusado, de modo que não teria motivo para tentar prejudicá-lo. Destarte, analisando a tipicidade desse fato, evidente o enquadramento na espécie típica indicada pela acusação: artigo 129, §13, do Código Penal, com incidência da Lei nº 11.340/06, restando configurado o tipo objetivo. Igualmente demonstrado o tipo subjetivo, vez que o acusado agiu com dolo e tinha consciência de que ofendia a integridade física da vítima. Ainda, a conduta do acusado é ilícita, vez que não agiu amparado por quaisquer causas justificantes. No tocante à culpabilidade, o réu é plenamente imputável, possuía potencial consciência da ilicitude de sua conduta e certamente lhe era exigível conduta diversa. Registre-se, ainda, que a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade criminal (artigo 28, II do Código Penal). Além disso, o acusado não acostou qualquer laudo capaz de atestar embriaguez patológica. Por todo o exposto, a conduta praticada pelo acusado foi típica, antijurídica e culpável e nada havendo nos autos com a aptidão de afastar a antijuridicidade da conduta perpetrada pelo acusado, bem como, para macular sua culpabilidade, tornando-se impositiva a condenação. Desta forma, a procedência da pretensão acusatória com relação ao delito previsto no artigo 129, §13, do Código Penal, é medida que se impõe. 2.2.2. Do crime previsto no artigo 147, § 1° do Código Penal (2° e 3° Fato): É imputada ao réu a prática do delito de ameaça no âmbito das relações domésticas e familiares. O tipo penal objetivo descreve a seguinte conduta: “Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa (...) § 1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro” (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024). No caso em apreço, a materialidade delitiva está demonstrada auto de constatação provisória (mov. 1.2), registro do boletim de ocorrência (mov. 1.7), auto de prisão em flagrante (mov. 1.8), bem como pelos depoimentos colhidos na fase inquisitorial e durante a instrução processual. A autoria delitiva também é certa e advém dos depoimentos colhidos neste processo, os quais são harmônicos com o elenco probatório. No entanto, restou demonstrada somente a prática de ameaça em face da vítima Micheli Silva (2° Fato), não havendo Com efeito, a vítima Micheli Silva (2° Fato) quando ouvida perante o Juízo, narrou minuciosamente como os fatos ocorreram (mov. 94.1): “(questionada: e a questão de ameaça. Ele falou que ele ia atirar fogo na residência, ele ia machucar a família nesse transtorno dele aí?) que nesse transtorno, sim, ele chegou a falar isso, mas ele falava isso até pros vizinhos, na verdade, ele tava bem transtornado; (questionado: e pra sua mãe? Ele chegou a mencionar que ele ia matar toda a família?) que não, isso ele não falou, ele falou um monte de besteira, na verdade, eu nem lembro direito o que ele falou, faz tempo já, mas ele falou bastante besteira; (questionada: a senhora e a sua mãe compareceram na delegacia naquela oportunidade, chamaram a polícia?) que sim, nós chamamos a polícia porque nós não sabíamos o que fazer, na verdade, porque ele tava transtornado, ele tava alcoolizado demais, então, não tinha outra opção a não ser chamar a polícia; (questionada: a senhora mentiu na delegacia?) que não, não é a questão de mentir, a questão é na hora do desespero, a gente fala, fala as coisas; que não, a mãe nunca quis prejudicar ele, na verdade, a mãe também tava assustada aquele dia; (questionada: então, até onde a senhora sabe, a sua mãe também falou a verdade na delegacia?) que sim, eu acredito que sim, ela falou o que houve lá; que reataram o relacionamento e estão juntos novamente (...)” – negritei. Por sua vez, a vítima Maria Francisca Domingues Vieira (3° Fato), relatou em sede judicial que (mov. 94.2): “(questionada: a senhora chegou a escutar o Gildomar falando algo no sentido de que atearia fogo na residência, que machucaria a família da sua filha?) que não, não escutei isso; (questionada: a senhora escutou o Gildomar falar pra senhora ou pra vocês na hora da confusão que ele ia matar toda a família?) que ele saiu bem alterado, mas eu no momento não escutei isso, eu estava nervosa também, fiquei muito nervosa porque eu não sabia o que estava acontecendo, eu não sabia por que motivo que ele chegou alterado na casa; que ela está visitando ele; (questionado: a senhora teve alguma conversa com ela pra contar aqui hoje, que não teve ameaça, que não teve agressão? Vocês querem que ele saia da cadeia o mais rápido possível?) que seria bom se ele saísse né, pra ajudar na casa, entende, que ele é um bom pai, é trabalhador, não é vadio, ele trabalha, mantém a casa direitinho; (questionada: então, o seu desejo e da sua filha, é que ele saia da cadeia o mais rápido possível?) que exatamente; que ele estava bem embriagado, estava fora do normal; que eu estou em cima, na parte de cima, e eles está na parte de baixo; que nesse dia, eu estava lá em cima, na minha residência, e eles estavam lá embaixo, nem vi quando eles chegou, só escutei a discussão (...)”- negritei. O acusado Gildomar Felipe Sabino, na ocasião de seu interrogatório judicial, optou em permanecer em silêncio. Inicialmente, ressalto que os delitos praticados em situação de violência doméstica e familiar requerem uma especial atenção, mormente porque, na maioria dos casos, são perpetrados na intimidade do casal, sem a presença de testemunhas. Assim, deve-se conferir à palavra da vítima maior relevância, notadamente quando esta recorre à força policial e ao Poder Judiciário em busca de proteção, revelando o estado de temor real no qual se encontra. Por oportuno, a jurisprudência explica que o depoimento da vítima é apto a embasar o decreto condenatório, quando firme, harmônico e consonante aos demais elementos do conjunto probatório. Nesse sentido, colaciono julgado da Eg. Corte do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CRIMINAL –VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – AMEAÇA (ART. 147, C.C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “F” DO CP) – CONDENAÇÃO - RECURSO DA DEFESA – PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA E AUSÊNCIA DE DOLO– IMPERTINÊNCIA – DEPOIMENTO DA VÍTIMA CLARO E CONSISTENTE - CONDUTA QUE CAUSOU NAS VÍTIMAS ELEVADO TEMOR SUFICIENTE PARA PROCURAR APOIO DA AUTORIDADE POLICIAL – ADEMAIS PALAVRA DA VÍTIMA QUE MERECE ESPECIAL RELEVO, SOBRETUDO QUANDO CORROBORADA PELAS DEMAIS PROVAS CONSTANTES NOS AUTOS – PLEITO DE AFASTAMENTO DA LEI MARIA DA PENHA – IMPOSSIBILIDADE – DELITO QUE SE DEU NO ÂMBITO DOMÉSTICO– RECURSO DESPROVIDO (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000003-10.2018.8.16.0096 - Iretama - Rel.: Juiz Benjamim Acacio de Moura e Costa - J. 05.12.2019). No caso em apreço, como se verifica dos depoimentos acima transcritos, as declarações da ofendida Micheli Silva (2° Fato) foram seguras em narrar o delito e se revestem de importante valor probatório, à medida que não foi apresentada justificativa plausível para que tivesse qualquer interesse em imputar ao acusado, de forma gratuita, a prática delitiva. Veja-se que a vítima ratificou as declarações da fase policial, confirmando as ameaças proferidas pelo acusado. O conceito de ameaça é exposto, com precisão, por Paulo José da Costa Júnior: “Consiste o delito de ameaça em promessa de causar a alguém um dano injusto. O verbo contido no tipo ameaçar significa intimidar, anunciar um mal injusto e grave. Para que possa intimidar, o mal anunciado deverá ser grave. E para que se configure o crime deverá o mal ser injusto, contra.” (Código Penal Comentado. 10ª ed. ver. ampl e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 558). Destarte, o acusado ofendeu a liberdade pessoal da vítima, mediante ameaça de mal injusto e grave, conforme se observa das provas colhidas nos autos, ao proferir que atearia fogo na residência e machucaria sua família. O nexo causal entre a conduta e a ofensa à liberdade pessoal da vítima, restou consumada a infração penal, uma vez que se trata de crime formal, o qual não exige resultado naturalístico. Não prospera, portanto, a alegação da defesa de que não há provas suficientes à condenação. Com efeito, não foi demonstrado que a vítima nutrisse quaisquer sentimentos escusos pelo acusado, de modo que não teria motivo para tentar prejudica-lo. Ao contrário, a vítima ainda relatou que buscou as forças policiais para que o acusado cessasse as práticas agressivas, circunstância que demonstra que a ofendida não possuía outro intento senão o de garantir o seu bem-estar. Destarte, analisando a tipicidade desse fato, evidente o enquadramento na espécie típica indicada pela acusação em relação ao segundo fato: artigo 147, § 1° do Código Penal, com incidência da Lei nº 11.340/06, restando configurado o tipo objetivo. Igualmente demonstrado o tipo subjetivo, vez que o acusado agiu com dolo e tinha consciência de que causava temor à vítima ao proferir as ameaças. A conduta do acusado é ilícita, vez que não agiu amparado por quaisquer causas justificantes. No tocante à culpabilidade, o réu é plenamente imputável, possuía potencial consciência da ilicitude de sua conduta e certamente lhe era exigível conduta diversa. Registre-se, ainda, que a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade criminal (artigo 28, II do Código Penal). Além disso, o acusado não acostou qualquer laudo capaz de atestar embriaguez patológica. Por outro lado, depreende-se que a vítima Maria Francisca Domingues Vieira (3° Fato), quando ouvida em juízo, não confirmou o teor das ameaças descritas na denúncia. É cediço que para a prolação de decreto condenatório é necessária a certeza acerca da prática do crime, não sendo suficiente a alta probabilidade da conduta delitiva. E, no caso em apreço, não restou precisamente demonstrado que a vítima sofreu as ameaças descritas na denúncia. Desta forma, não há que se falar em condenação do acusado em relação ao crime de ameaça descrito no 3° fato da denúncia. Consoante alhures mencionado, a condenação exige certeza da materialidade e sua autoria. Não basta a probabilidade desta ou daquela, exige-se certeza de fatos evidentes, indiscutíveis. Havendo dúvida, a absolvição é medida que se impõe. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão deduzida na denúncia pelo Ministério Público do Estado do Paraná para o fim de a) condenar o réu Gildomar Felipe Sabino nas sanções previstas nos artigos 129 § 13 (Fato 01) e 147, § 1° (Fato 02), ambos do Código Penal (Fato 02), com incidência da Lei nº 11.340/2006, em concurso material. b) absolver o Gildomar Felipe Sabino da prática do delito de ameaça, previsto no artigo 147 § 1° do Código Penal (Fato 03), com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Condeno-o ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal. Assim sendo, passo à dosimetria da pena. 4. DOSIMETRIA DA PENA Passo a realizar a dosimetria da pena, em estrita observância ao princípio constitucional da individualização (artigo 5º, XLVI da CF/88) e adotando o critério trifásico, consagrado pelo artigo 68, do Código Penal. 4.1. Do crime previsto no artigo 129 § 13 do Código Penal – 1° Fato: O tipo penal, descrito no artigo 129, §13, do Código Penal, com redação trazida pela Lei n° 14.994/2024, prevê a pena de reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos. - Da pena-base (artigo 59, CP). Impõe-se a análise das circunstâncias judiciais, contidas no artigo 59, do CP, observado o preceito do inciso II, do mesmo artigo, que determina a observância dos limites legais. a) Culpabilidade: cuida esta circunstância judicial do grau de reprovabilidade da conduta do agente, ou censurabilidade do delito cometido. In casu, a culpabilidade é normal à espécie, razão pela qual deixo de valorá-la. b) Antecedentes: da análise dos antecedentes, denota-se que o acusado não possui condenação transitada em julgado (mov. 95.1). c) Conduta social: não existem nos autos elementos suficientes a analisar a conduta social do acusado, razão pela qual deixo de valorá-la. d) Personalidade do agente: Não existem elementos que permitam considera-la em desfavor do acusado. e) Motivos do crime: São os normais dessa espécie de delito e não podem ser valorados negativamente. f) Circunstâncias do crime: as circunstâncias do crime foram normais à espécie. g) Consequências do crime: são normais à espécie. h) Comportamento da vítima: o comportamento da vítima não contribuiu para a prática do delito. Logo, deixo de valorar esta circunstância. Assim, considerando a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão. - Das agravantes e atenuantes Não há atenuantes a serem sopesadas. Por outro lado, incide a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “f” (violência doméstica contra a mulher), motivo pelo qual agravo a pena em 1/6, estabelecendo-a em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. - Das causas de aumento e diminuição de pena Não há causas de aumento e diminuição de pena. Em decorrência da individualização realizada, fixo a pena privativa de liberdade em definitivo em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. 4.2. Do crime previsto no artigo 147, § 1° do Código Penal – 2° Fato: O tipo penal, descrito no artigo 147 do Código Penal prevê a pena de detenção de 01 (um) a 06 (seis) meses, ou multa. O § 1° com redação trazida pela Lei n° 14.994/2024, prevê que se o crime envolver violência contra a mulher a pena é aplicada em dobro. - Da pena-base (artigo 59, CP). Impõe-se a análise das circunstâncias judiciais, contidas no artigo 59, do CP, observado o preceito do inciso II, do mesmo artigo, que determina a observância dos limites legais. a) Culpabilidade: cuida esta circunstância judicial do grau de reprovabilidade da conduta do agente, ou censurabilidade do delito cometido. In casu, a culpabilidade é normal à espécie, razão pela qual deixo de valorá-la. b) Antecedentes: o acusado não registra antecedentes criminais, conforme certidão extraída do sistema Oráculo (mov. 95.1). c) Conduta social: não existem nos autos elementos suficientes a analisar a conduta social do acusado, razão pela qual deixo de valorá-la. d) Personalidade do agente: Não existem elementos que permitam considera-la em desfavor do acusado. e) Motivos do crime: São os normais dessa espécie de delito e não podem ser valorados negativamente. f) Circunstâncias do crime: as circunstâncias do crime foram normais à espécie. g) Consequências do crime: as consequências do crime são normais à espécie. h) Comportamento da vítima: o comportamento da vítima não contribuiu para a prática do delito. Logo, deixo de valorar esta circunstância. Diante da ausência de circunstâncias judiciais negativas fixo a pena-base no mínimo legal, em 01 (um) mês de detenção. - Das agravantes e atenuantes Não há atenuante de pena. Por outro lado, incidem a agravante do artigo 61, inciso e II, alínea f, do Código Penal (violência doméstica contra a mulher), motivo pelo qual agravo a pena em 1/6, restando fixada a pena em 01 (um) mês 10 (dez) dias de detenção. - Das causas de aumento e diminuição de pena Não há causas diminuição de pena. Por outro lado, nos termos do § 1° do artigo 147, do Código Penal, a pena deve ser aplicada em dobro. Assim, em decorrência da individualização realizada, fixo a pena privativa de liberdade em definitivo em 02 (dois) meses e 10 (dez) dias de detenção. - Do concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal) Constatando-se que os crimes cometidos pelo acusado foram praticados por meio de mais de uma ação, nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas aplicam-se cumulativamente. Assim, somo as penas resultantes da condenação pelos crimes referentes aos 1º e 2º e fatos descritos na denúncia, na forma do artigo 69 do Código Penal, fixando a pena total do réu em: - 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão - 02 (dois) meses e 10 (dez) dias de detenção. - Regime inicial de cumprimento da pena Considerando as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, bem como a pena concretamente imposta ao réu, estabeleço o REGIME ABERTO para o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal, mediante as seguintes condições: a) recolhimento domiciliar no período noturno (22:00 às 06:00 horas) e dias de folga; b) proibição de se ausentar da Comarca por mais de 08 (oito) dias sem prévia autorização judicial; c) exercício de trabalho lícito; d) comparecimento mensal em juízo, para informar e justificar atividades. No primeiro comparecimento o apenado deverá apresentar comprovante de residência e do exercício de trabalho lícito, comunicando eventuais alterações; e f) frequência a curso de reeducação para réus envolvidos em violência doméstica, a ser indicado pelo Juízo da execução, com comprovação da frequência e aproveitamento. - Substituição da pena e sursi A pena privativa de liberdade imposta não pode ser substituída por restritivas de direitos, por força do disposto no artigo 44, inciso I, do Código Penal, tendo em vista que o delito foi cometido mediante grave ameaça à pessoa. Impossível também a suspensão condicional da pena, porque esta condenação supera 02 (dois) anos (artigo 77 do Código Penal). - Detração Em 03 de dezembro de 2012, entrou em vigor a Lei nº 12.736/12, que introduziu novo parágrafo (§2º) no artigo 387 do Código de Processo Penal com a seguinte redação: “O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.” Todavia, como leciona a doutrina, entende-se que o legislador foi atécnico ao usar a expressão “regime inicial de pena privativa de liberdade”, pois o regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33 do Código Penal, deve ser fixado com base no quantum de pena aplicado e na análise das circunstâncias judiciais. A finalidade das novas normas é somente facilitar o acesso dos sentenciados ao direito à primeira progressão de regime em razão da demora no julgamento do feito, a fim de evitar a continuidade do cumprimento da pena em regime mais gravoso. Destarte, partindo-se de uma interpretação teleológica, a partir de agora, está o juiz do processo de conhecimento obrigado a realizar a detração penal (artigo 42 do CP) já na sentença condenatória, como impõe o artigo 1º da Lei nº 12.736/12, a fim de verificar se o réu já tem direito à progressão de regime. No caso em exame, considerando a pena imposta à acusada, por ora, não faz jus a progressão de regime. - Medidas cautelares Considerando que o réu foi condenado, que se estabeleceu o regime aberto para o cumprimento de pena REVOGO as medidas cautelares fixadas nos autos. - Fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração (artigo 387, IV, CPP) Diante da fixação do quantum a título de danos morais in re ipsa, fixo como valor mínimo para reparação dos danos causados o valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para cada vítima, que deverá ser corrigido a partir da data do fato e a atualização contada da citação do denunciado neste processo. - Efeitos da Condenação Devem ser aplicados os efeitos genéricos da condenação, com fundamento no artigo 91 do Código Penal. 5. DISPOSIÇÕES FINAIS Expeça-se o contramandado de monitoração em favor do sentenciado, salvo se estiver cumprindo a mesma medida cautelar por outro motivo. Após o trânsito em julgado desta decisão: a) Oficie-se à justiça eleitoral; b) Comunique-se aos órgãos de informações e estatísticas criminais; c) Façam-se as comunicações previstas no Código de Normas da Corregedoria da Justiça; d) Expeça-se a carta de guia; e) Calculem-se as custas; f) Formem-se os autos de execução penal; g) Comunique-se à vítima. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpram-se as determinações do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, no que forem aplicáveis. Diligências necessárias. Palmas, data da assinatura digital. TATIANE BUENO GOMES Juíza de Direito
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