Ministério Público Do Estado Do Paraná x Norival Eleuterio Da Silva
ID: 278324140
Tribunal: TJPR
Órgão: 2ª Vara Criminal de Toledo
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0013906-16.2020.8.16.0170
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TÂNIA SARA KONRAD
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
SILVESTRE VINCIGUERA NETO FORTINI
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE TOLEDO 2ª VARA CRIMINAL DE TOLEDO - PROJUDI Rua Almirante Barroso, Nº 3202 - Fórum de Toledo PR - 2º Andar - Jardim Planalto - Toledo/PR - CEP: 85.905-…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE TOLEDO 2ª VARA CRIMINAL DE TOLEDO - PROJUDI Rua Almirante Barroso, Nº 3202 - Fórum de Toledo PR - 2º Andar - Jardim Planalto - Toledo/PR - CEP: 85.905-010 - Fone: (45) 3327-9262 - Celular: (45) 3327-9250 - E-mail: tol-5vj-e@tjpr.jus.br Autos nº. 0013906-16.2020.8.16.0170 Processo: 0013906-16.2020.8.16.0170 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Lesão leve Data da Infração: 20/12/2020 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Réu(s): NORIVAL ELEUTERIO DA SILVA 1. Relatório O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia (mov. 34.1) contra Norival Eleutério da Silva, qualificado nos autos, dando-o como incurso na prática art. 129, caput e §9 do Código Penal, nas condições da Lei n. º 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, e do art. 61, II, alínea “6” do Código Penal (1º Fato); no art. 331 do Código Penal (2º Fato); e no art. 329, do mesmo diploma legal (3º Fato) na forma do artigo 69, também do Código Penal, nos seguintes termos: 1º Fato - Lesão Corporal (art. 129, caput e §9, Código Penal) No dia 20 de dezembro de 2020, por volta das 20h30min, no interior da residência situada na Rua Maria José Mendes, n° 59, Vila Pioneira, nesta cidade e comarca de Toledo/PR, o denunciado NORIVAL ELEUTÉRIO DA SILVA, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, valendo-se das relações domésticas, familiares e afetivas existentes, ofendeu a integridade corporal da vítima Célia Regina Moreno, sua cunhada na época dos fatos, proferindo palavras de baixo calão e desferindo um chute em seu rosto, dentre outras agressões, causando-lhe lesões visíveis na região nasal e antebraço esquerdo, consistentes em escoriação e hematoma no nariz e escoriação no antebraço. 2º Fato (Desacato – art. 331 do Código Penal) No dia 20 de dezembro de 2020, por volta das 20h30min, no interior da residência situada na Rua Maria José Mendes, n° 59, Vila Pioneira, nesta cidade e comarca de Toledo/PR, o denunciado NORIVAL ELEUTÉRIO DA SILVA, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, desacatou os Policias Militares Divael de Souza Berdego e Raphael Alan Prediger, no exercício de suas funções públicas, proferindo a expressão “vão se foder” e mostrando o dedo médio da mão direita. 3º Fato (Resistência – art. 329 do Código Penal) Nas mesmas circunstâncias de data, horário e local descritos no fato anterior, o denunciado NORIVAL ELEUTÉRIO DA SILVA, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, mediante ameaça, opôs à execução de ato legal por parte dos Policiais Militares Divael de Souza Berdego e Raphael Alan Prediger, contrariando agressivamente e resistindo a abordagem, dizendo “investindo contra a equipe com socos e chutes, e também tentou pegar uma faca de cozinha que estava na pia”, tendo que ser preciso usar de força escalonada e uso de algemas para contê-lo. A denúncia foi recebida em 15.02.22024 (mov. 37.1), e o réu, citado mov. 65.1), apresentou resposta à acusação (mov. 63.1), por meio de Advogado constituído. Não sendo hipótese de absolvição sumária (mov. 73.1), designou-se audiência de instrução e julgamento. No curso da instrução processual, foi inquirida a vítima, informante, testemunha e efetuado o interrogatório do denunciado (mov. 126.1-126.4). O Ministério Público apresentou alegações finais, nas quais pugnou pela parcial procedência da denúncia, com a condenação do acusado pelos 2º e 3º Fatos (Desacato e Resistência) e absolvição quanto ao 1º Fato (Lesão Corporal), reconhecendo a excludente de ilicitude da legítima defesa, tecendo ainda comentários sobre a dosimetria da pena (mov. 131.1). A Defesa apresentou alegações finais, nas quais pugnou pela absolvição do acusado quanto aos três fatos imputados, alegando legítima defesa no 1º Fato (Lesão Corporal), atipicidade da conduta por ausência de dolo específico no 2º Fato (Desacato) e insuficiência de provas no 3º Fato (Resistência) (mov. 135.1). Vieram os autos conclusos para sentença. Relatei. Decido. 2. Fundamentação 2.1. Preliminares e Instrução Processual Inexistem quaisquer questões processuais, preliminares, ou prejudiciais de mérito, a serem analisadas nesse momento, de modo que, respeitado o formalismo procedimental (devido processo legal), passo ao enfrentamento da materialidade, autoria, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e demais elementos relativos à conduta típica. Para que a presente sentença, no mais, fique a mais clara possível, entendo, de início, possível avaliar as provas que foram juntadas aos autos na fase de inquérito e durante a instrução processual. É certo que o art. 155, do CPP, introduzido pela Lei nº 11.690/2008, informa que o Juízo não poderá se valer de elementos de prova colhidos na fase de inquérito para imputar a responsabilidade penal a alguém, salvo aquelas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. Ocorre que a norma que se extrai do texto legal deixa claro que esses elementos não podem ser exclusivos do inquérito, podendo ser sopesados conjuntamente com aquilo que colhido em contraditório, já quando em curso o processo penal. Aliás, sobre essa questão, houve alteração no art. 3º-C, §3º, do CPP, que foi objeto de enfrentamento e análise pelo STF nas ADIs n. º 6298, 6299, 6300 e 6305, as quais assim resolveu essa controvérsia: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ADI’S 6298, 6299, 6300 E 6305. LEI 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. AMPLA ALTERAÇÃO DE NORMAS DE NATUREZA PENAL, PROCESSUAL PENAL E DE EXECUÇÃO PENAL. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE ARTIGOS PERTINENTES À ATUAÇÃO DO JUIZ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CRIAÇÃO DO “JUIZ DAS GARANTIAS”. (...) ARTIGOS 3º-A AO 3º-F, 28, 28-A, 157, § 5º E 310, § 4º. AÇÕES JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. (...) III – ARTIGO 3º-C. MATÉRIAS SUBMETIDAS À NOVA SISTEMÁTICA DO JUÍZO DAS GARANTIAS. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, PARA EXCLUSÃO DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS INCOMPATÍVEIS COM O MODELO. MARCO FINAL DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS: OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUTOS DO INQUÉRITO. PROIBIÇÃO DE REMESSA AO JUIZ DA INSTRUÇÃO. IRRAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. (a) O artigo 3º-C, caput, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019, delimitou a extensão da competência do juiz das garantias, nos seguintes termos: “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”. (b) As razões anteriormente expendidas revelam que o texto impugnado incorreu em erro legístico, do qual deriva a necessidade de restrição da competência para que cesse com o oferecimento da denúncia. (c) Ademais, além das infrações penais de menor potencial ofensivo, de competência dos juizados especiais, a nova sistemática do juiz das garantias não se compatibiliza com o procedimento especial previsto na Lei 8.038/1990, que trata dos processos de competência originária dos tribunais; com o rito do tribunal do júri; com os casos de violência doméstica e familiar. (d) Por tais motivos, deve ser atribuída interpretação conforme à primeira parte do caput do art. 3º-C do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para esclarecer que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam às seguintes situações: (1) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; (2) processos de competência do tribunal do júri; (3) casos de violência doméstica e familiar; e (4) infrações penais de menor potencial ofensivo. (e) Ao mesmo tempo, as referências à competência do juiz das garantias para receber a denúncia, constantes do caput e dos §§ 1º e 2º, do artigo 3º-C, revelam-se inconstitucionais, atribuindo-se interpretação conforme a Constituição no sentido de fixar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, oferecida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento. (f) A Lei 13.964/2019 estabeleceu, ainda, nos §§ 3º e 4º do artigo 3º-C, a vedação do conhecimento dos autos do inquérito pelo juiz da instrução e julgamento, impedindo sua remessa juntamente com a denúncia. (g) Os textos dos dispositivos impugnados têm o seguinte teor: “§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. § 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.” (h) Constata-se a manifesta irrazoabilidade do acautelamento dos autos do inquérito na secretaria do juízo das garantias, porquanto o fundamento da norma reside tão-somente na pressuposição de que o juiz da ação penal, ao tomar conhecimento dos autos da investigação, perderia sua imparcialidade para o julgamento do mérito. Ocorre que, sem tomar conhecimento dos elementos configuradores da justa causa para a ação penal (indícios de autoria e de materialidade), inviabiliza-se a prolação de decisões fundamentadas. (i) Por conseguinte, declara-se a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP, incluídos pela Lei nº 13.964/2019 e, mediante interpretação conforme, fixar que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento. (...) Ações diretas de inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes. (ADI 6298, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 18-12-2023 PUBLIC 19-12-2023) (grifos meus). No ponto, não houve alteração a respeito dessa previsão com o advento da Lei nº 13.964/2019, que não mitigou ou infirmou o conteúdo dos arts. 155 e 156, do CPP. Disso deriva, portanto, que (a) é possível a análise do que foi produzido em inquérito pelo Juízo da instrução juntamente com o que foi fabricado em contraditório; (b) em regra, o Juízo deverá considerar a prova judicializada, produzida em contraditório e ampla defesa; e (c) é autorizada a análise exclusiva da prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial caso ela seja irrepetível (p.ex., laudo de lesões corporais, laudo de constatação de local do crime, laudo de análise genética etc.) e antecipada (v.g., depoimentos especiais, reprodução simulada etc.). Na fase de inquérito e antes do oferecimento da denúncia, foram juntadas as seguintes provas mais relevantes para o enfrentamento do que é objeto desse caso penal: (1) Boletim de Ocorrência (mov. 1.11); (2) depoimentos extrajudiais (mov. 1.3-1.5); (3) interrogatório do acusado (mov. 1.9); e (4) Auto de Constatação de Lesões Corporais (mov. 1.6). Com o oferecimento da denúncia (mov. 34.1), foram produzidos os seguintes documentos e provas: (5) oitiva de testemunha e interrogatório do acusado em audiência (mov. 126.1-126.4). Relembro, nesse ponto, que a transcrição integral dos depoimentos prestados é dispensada, nos termos do art. 405, §2º, do CPP. Evitando, assim, transcrições desnecessárias, passarei a relatar os pontos mais relevantes daquilo que foi dito em sede extrajudicial e em audiência, para posteriormente enfrentar a questão sob a ótica da materialidade, autoridade, tipicidade, ilicitude e culpabilidade e, superadas elas, verificar a (in)existência de agravantes, atenuantes, causas de aumento, causas de diminuição de pena, e eventual concurso dos crimes. Célia Regina Moreno, vítima, ouvida em Juízo, disse que o endereço em que os fatos aconteceram é da vítima; que ela possui uma casa nos fundos e na frente construíram uma casa para sua irmã que é surda; que morava com sua irmã, que é surda; que quando sua mãe faleceu, o acusado começou a morar com sua irmã nesse mesmo local; que o lote era da depoente e o acusado convivia com sua irmã; que sua irmã se chama Maria Clotilde Moreno; que o acusado foi morar ao lado com sua irmã e quando a depoente saiu do lote para cuidar de sua irmã, o acusado passou a residir com sua irmã, sem saberem ao certo como; que o acusado ficava na casa da irmã dele e na da irmã do depoente; que o acusado e Maria Clotilde não possuem filhos; que sua irmã possui somente um filho de outro relacionamento; que a relação com o acusado nunca foi boa porque ele bebia muito e quando bebia xingava sua irmã e implicava com o filho dela; que quando aconteceu a agressão, a depoente se mudou de lá; que não lembra dos fatos por conta do tempo passado, mas lembra que o acusado tinha bebido bastante e estava na frente de sua casa, xingando sua irmã e seu sobrinho; que falou para sua filha para tirarem seu sobrinho de dentro do local; que foram até a casa para retirar seu sobrinho; que lá, o acusado começou a ofendê-la; que a depoente se alterou; que o acusado a agrediu e chutou seu rosto porque estava meio deitado; que na rua, o acusado a agrediu mais ainda; que foi até a pessoa do acusado para proteger seu sobrinho e leva-lo para sua casa; que não lembra de quem partiram as agressões físicas e talvez pode ter sido a depoente porque estava bastante nervosa por conta de tudo que o acusado falava e por ter xingado sua filha posteriormente; que o acusado estava sentado na cama, a depoente foi avançar nele, e ele, então, se levantou e a chutou; que acha que foi pegar o acusado, e ele se protegeu com os pés porque ele estava meio dentado/sentado na cama; que o acusado estava na cama do quarto deles; que somente lembra do nariz e não se recorda de como ficou com marcas no braço; que não teve qualquer sequela da lesão do nariz; que chamaram a Polícia que chegou e levou o acusado; que o acusado ofendeu os Policiais e resistiu contra sua ação; que o acusado falava que “não era homem” ou “macho” para entrar na viatura; que evitava conversar com o acusado a não ser pelo que fosse estritamente necessário; que sua filha não participou dessa situação de agressão; que quando levou o chute, começou a chorar e saiu para a rua; que acha que sua filha puxou a depoente porque ficou bastante nervosa; que o acusado foi para a rua e foi um “barraco” no local; que na rua não houve mais agressões porque a depoente ficou de um lado e o acusado do outro; que em abril do ano seguinte se mudou e não manteve mais contato com sua irmã; que não lembra se o acusado estava sentado ou deitado; que seu sobrinho estava na sala e para leva-lo de lá não precisariam passar pelo quarto em que o acusado estava porque a sala dava de frente para a rua e o quarto ficava nos fundos; que não havia acesso por trás e foram pela frente; que foi para o quarto porque o acusado começou a ofender a depoente e sua filha; que não lembra de detalhes sobre se o acusado foi atrás da depoente logo depois do chute; que foi para a sua porque ficou com medo de ficar lá dentro; que ficaram discutindo na rua; que o acusado conseguiria se defender sem precisar ter chutado porque ele é bem mais forte do que a depoente que estava bem mais magra do que está hoje; que o acusado teria conseguido contê-la; que foi no IML para fazer o laudo, entre 1-2 dias depois; que não lembra se entregou para alguém esse papel. Caroline Moreno Dalepiane, ouvida em Juízo, relatou que estava presente quando a situação aconteceu; que o acusado tinha o hábito de beber muito e ficar muito agressivo; que nesse dia, o acusado tinha bebido e começou a xingar muito seu primo; que foram até a casa de sua tia para tirar seu primo de lá; que chegando lá, o acusado e sua mãe passaram a bater boca e, enfim, ele deu um chute nela (na mãe); que foram para fora e continuaram os xingamentos; que a Polícia chegou ao local e ele não respeitava as ordens dos Policiais; que, então, ele foi preso; que era comum o acusado ofender sua tia e seu primo, especialmente porque ela era surda e não conseguia escutar nada; que seu primo era pequeno e não poderia se defender e por isso ficaram muito apreensivos com a criança; que antes disso tentaram, mas nunca entraram na casa a não ser nessa vez; que foram para a casa e entraram lá, e o acusado estava deitada na cama, e xingava muito a depoente e sua mãe; que começaram a discutir e somente queriam tirar seu primo de lá; que o acusado ficou ofendendo muito sua mãe e a agrediu ela; que quando o acusado agrediu sua mãe, ele ainda estava deitado, desferindo um chute contra ela; que depois disso, o acusado se levantou; que foi a mãe da depoente que se aproximou do acusado; que sua mãe foi em direção ao acusado porque ele xingava a depoente e sua mãe se sentiu ofendida; que viu o momento em que o acusado deu o chute em sua mãe; que tentava tirar sua mãe da casa porque somente queria retirar sua mãe; que quem agrediu sua mãe primeiro foi o acusado porque sua mãe estava bastante agitada, mas a depoente a segurava; que depois que o chute atingiu sua mãe, a depoente a puxou para fora e disse “chega”; que a depoente estava ao lado de sua mãe quando ela foi para cima do acusado; que se sua mãe tivesse agredido o acusado, teria visto e tem certeza que o acusado não agrediu ele primeiramente; que sua mãe estava muito nervosa e foi defender a depoente dos xingamentos que o acusado falava; que foi tudo muito rápido e não se recorda de sua mãe ter ido para cima do acusado. Divael de Souza Berdego, ouvido em Juízo, contou que lembra de ter atuado na situação dos autos; que no dia, a cunhada do acusado relatou que sempre havia discussão entre ele e sua esposa; que no momento ela contou que todos os finais de semana eles discutiam; que a vítima teria ido até o local para retirar seu sobrinho; que teriam discutido, e a vítima ligou para a equipe ir até lá; que tentaram controlar a situação para que não discutissem e nem brigassem; que o acusado não gostou e começou a desacatar os Policiais, falando “palavras que não deveria falar”; que o acuado correu para dentro da casa e ficou xingando os Policiais; que chegaram mais próximos e o acusado tentou pegar uma faca; que não se recorda, agora, as expressões que o acusado usou contra a equipe. O o acusado, em seu interrogatório perante o Juízo, usufruiu do seu direito constitucional de permanecer em silêncio – artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal 1988 (mov. 126.3). Esse, assim, o quadro instrutório-probatório produzido que, de agora em diante, será analisado para aferir se há, ou não, elementos suficientes para condenar o acusado. Calha, aqui, também deixar claro que o Juízo analisará se foram preenchidos, para todos os delitos, a (a) materialidade, (b) autoria, (c) tipicidade, (d) ilicitude e (e) culpabilidade. A materialidade deve ser entendida como a ocorrência fenomenológica do comportamento humano, ainda despida da valoração a si atribuída pela teoria do crime. Desse modo, busca, ela, verificar se determinado fato ocorreu no mundo fenomênico. Por outro lado, a autoria é a vinculação subjetiva de determinados indivíduos com a materialidade anteriormente reconhecida, ainda sem a análise do conteúdo próprio da teoria do delito. A tipicidade, por seu turno, referente à adequação típica da conduta fenomenológica (materialidade) à previsão abstrata prevista em lei (tipicidade formal), deve ser averiguada em razão dos seus demais elementos, subjetivos, objetivos, e normativos, e também em razão do bem jurídico que a norma visa proteger (tipicidade material). Para que haja condenação, máxime criminal, é absolutamente necessário que não pairem dúvidas acerca de qualquer dos elementos configuradores dessa conduta típica. 2.2. Lesão Corporal (Fato 1º) 2.2.1 Materialidade e Autoria Daquilo que consta no caderno processual, entendo que, apesar de ter ficado demonstrada a materialidade e a autoria delitiva - porque (a) a vítima sofreu lesões, descritas por si e extraídas do auto de seq. 1.6, e (b) quem as causou foi o acusado (o que é verificado pela versão da vítima, e de sua filha, e pelo que contado pelo acusado em seu interrogatório extrajudicial), reputo que não há provas suficientes para permitir a condenação, já que há elementos nos autos apontando que o ato que atingiu a vítima (chute) pode ter sido uma reação à ação anterior dela. Explico. Descreve a exordial acusatória que: “1º FATO: ... o denunciado NORIVAL ELEUTÉRIO DA SILVA, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, valendo-se das relações domésticas, familiares e afetivas existentes, ofendeu a integridade corporal da vítima Célia Regina Moreno, sua cunhada na época dos fatos, proferindo palavras de baixo calão e desferindo um chute em seu rosto, dentre outras agressões, causando-lhe lesões visíveis na região nasal e antebraço esquerdo, consistentes em escoriação e hematoma no nariz e escoriação no antebraço”. A vítima, na Delegacia, relatou que: “A declarante então se aproximou de NORIVAL que estava deitado na cama, indo o repreender para cessar os xingamentos, se aproximando da cama onde ele estava deitado, quando ele então lhe aplicou um chute, atingindo o nariz da declarante, onde sua filha retirou do quarto e foram para a rua”. Posteriormente, em Juízo, a vítima Célia relatou: “que não lembra de quem partiram as agressões físicas e talvez pode ter sido a depoente porque estava bastante nervosa por conta de tudo que o acusado falava e por ter xingado sua filha posteriormente; que o acusado estava sentado na cama, a depoente foi avançar nele, e ele, então, se levantou e a chutou; que acha que foi pegar o acusado, e ele se protegeu com os pés porque ele estava meio dentado/sentado na cama”. Sua filha, Caroline também relatou que: que o acusado ficou ofendendo muito sua mãe e a agrediu ela; que quando o acusado agrediu sua mãe, ele ainda estava deitado, desferindo um chute contra ela; que depois disso, o acusado se levantou; que foi a mãe da depoente que se aproximou do acusado; que sua mãe foi em direção ao acusado porque ele xingava a depoente e sua mãe se sentiu ofendida; que viu o momento em que o acusado deu o chute em sua mãe”. Diante disso, verifico que as provas produzidas - como indicado pelo Ministério Público e pelo acusado - não se mostram suficientes à elisão das dúvidas que emergem dos autos, as quais impõem a absolvição do acusado, tendo em conta o brocardo in dubio pro reo. Sabe-se que para que se profira um decreto condenatório é essencial que restem cabalmente demonstradas nos autos a materialidade e a autoria dos delitos imputados ao acusado por meio das provas produzidas em Juízo, uma vez que a incerteza não é apta a gerar condenação, nos termos do art. 386, VII, do CPP. No caso, não há provas seguras e indubitáveis de que, na discussão, e em decorrência dela, o acusado teria agredida a vítima conforme descrito na denúncia e com intenção de lesiona-la. De fato, em crimes ocorridos dentro do ambiente familiar e doméstico, os quais geralmente são praticados às escondidas, a palavra da ofendida tem valor probatório relevante, contudo, no presente caso, a vítima, ouvida em Juízo, afirmou que não lembra de quem partiram as agressões físicas e talvez pode ter sido a depoente porque estava bastante nervosa. As provas produzidas judicialmente não são aptas a revelar, sem sombra de dúvidas, a prática da contravenção imputada ao acusado. Há razoável dúvida acerca da (in)existência de mera reação à ação da vítima. Célia, ao prestar depoimento em Juízo, relata que não se lembra com clareza dos fatos, mas comentou que poderia ter ido para cima do acusado após ter sido xingada por ele. Caroline, filha de Célia, contou versão similar dos fatos, em que a vítima parte para cima do acusado que, enquanto estava deitado/sentado, a atinge quando ela (Célia) vai ao seu encontro. Calha mencionar, aqui, que, muito embora o comportamento do acusado seja reprovável, já que respeito é algo que deve ser plantado, colhido e regado diariamente, especialmente dentro de casa, fato é que daquilo que descrito nos autos e da prova produzida, não existem provas suficientes para condenação do acusado. No processo criminal tudo deve ser claro, evidente, nada de ampliável, de presunção, de obscuro, pois, nesse campo, não há espaço para conjecturas ou ilações que levem a uma decisão prejudicial ao increpado. Toda prova produzida em Juízo suscita, no mínimo, dúvida acerca da verdade dos fatos narrados na denúncia, impossibilitando, a partir desse entendimento, a prolação de um édito condenatório contra o acusado consoante a máxima in dubio pro reo. É certo que o art. 155, do CPP, introduzido pela Lei nº 11.690/2008, informa que o Juízo não poderá se valer de elementos de prova colhidos na fase de inquérito para imputar a responsabilidade penal a alguém, salvo aquelas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. Ocorre que a norma que se extrai do texto legal deixa claro que esses elementos não podem ser exclusivos do inquérito, podendo ser sopesados conjuntamente com aquilo que colhido em contraditório, já quando em curso o processo penal. De acordo com o art. 155, do CPP, o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. A prova constante dos autos não autoriza a prolação do decreto condenatório, pois os únicos elementos que poderiam demonstrar a materialidade delitiva são as declarações da ofendida, no inquérito policial, e que não foram suficientemente ratificadas em Juízo. Acerca da impossibilidade da formação da convicção do julgador, exclusivamente, na prova indiciária, oportuno transcrever a lição de Guilherme de Souza Nucci (in Código de Processo Penal comentado. 8ª edição ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.341) ao comentar o aludido artigo 155, do CPP: (...) a meta é a formação da convicção judicial lastreada em provas produzidas sob o crivo do contraditório, não podendo o magistrado fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos trazidos da investigação, mormente a policial, que constitui a maior parte dos procedimentos preparatórios da ação penal. Sendo o inquérito policial mera peça informativa que auxilia o órgão ministerial na formação da sua opinio delicti, para o oferecimento da denúncia, não pode as provas nele produzidas, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa, servir de fundamento para o decreto condenatório. E isso porque, a certeza necessária à emissão de um juízo condenatório somente pode ser alicerçada em prova judicializada. A afirmação segundo a qual “é melhor absolver um culpado a condenar um inocente”, além de ser hospedada no sentido de justiça inerente a todos nós, constitui cláusula a guiar a decisão do julgador, sempre cioso de sua responsabilidade. Daí a necessária inclusão, no processo penal, do princípio do favor rei, sempre presente nas absolvições dubitativas, em que a dúvida, expressada no brocardo in dubio pro reo, sempre favorece o acusado. Conforme narra Renato Brasileiro de Lima em sua obra, o princípio da presunção de inocência, expresso no art. 5º, LVII, da Carta Magna, deriva de dois preceitos fundamentais: a regra probatória e a de tratamento. Acerca do assunto, ele dispôs: Por força da regra probatória, a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado, além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência. Em outras palavras, recai exclusivamente sobre a acusação o ônus da prova, incumbindo-lhe demonstrar que o acusado praticou o fato delituoso que lhe foi imputado na peça acusatória. Como consectários da regra probatória, Antônio Magalhães Gomes Filho destaca: a) a incumbência do acusar de demonstrar a culpabilidade do acusado (pertence-lhe com exclusividade o ônus da prova); b) a necessidade de comprovar a existência dos fatos imputados, não de demonstrar a inconsistência das desculpas do acusado; c) tal comprovação deve ser feita legalmente (conforme o devido processo legal); d) impossibilidade de obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos (daí o seu direito ao silêncio). Essa regra probatória deve ser utilizada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Na dicção de Badaró, cuida-se de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, ao contrário do que é garantido pela presunção de inocência, impondo a necessidade de certeza. Nesta acepção, presunção de inocência confunde-se com o in dubio pro reo. Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão em juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, pois, em um juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo menos grave do que o segundo (DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Volume I. Editora Impetus. 2011). Ensina Guilherme de Souza Nucci (in Teoria da Prova", 2ª. edição revista e atualizada - Editora Revista dos Tribunais - 2011), com a propriedade que lhe peculiar, ao discorrer sobre o tema das provas que: Para haver condenação, exige-se do magistrado o estado de certeza, não valendo a mera probabilidade (juízo que enumera motivos convergentes e divergentes acerca da ocorrência de um fato, prevalecendo os primeiros). (...) O rico universo da prova envolve a sensibilidade e a valoração da mente e do espírito humano, razão pela qual demanda lógica, concatenação, abundância de elementos e, acima de tudo, ética. (...) A prova é a demonstração lógica da realidade, no processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar, no espírito do julgador, a certeza em relação aos fatos alegados e, por consequência, gerando a convicção objetivada para o deslinde da demanda. O Estado deve trazer à baila elementos concretos, prova decisiva a respeito da prática de um ilícito penal. E, no caso dos autos, os elementos colhidos durante a instrução criminal revelaram-se insuficientes para embasar um decreto condenatório. Apesar do depoimento da ofendida em sede policial, a versão dos fatos oferecida pela vítima em Juízo, no sentido de que não lembra se foi ela quem foi para cima do réu, não permite concluir pela procedência do pleito acusatório. Nesse viés de argumentação, sempre sábias as lições de Fernando da Costa Tourinho Filho (in Processo Penal, vol.3, 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2008): (...) o favor rei deve constituir um princípio inspirador da interpretação. Isto significa que, nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, mas se conclua pela possibilidade de duas interpretações antagônicas de uma normal legal (antinomia interpretativa), a obrigação é de se escolher a interpretação mais favorável ao réu. Nessa toada, ainda que as declarações da ofendida em solo policial constituam meio de prova (art. 201, do CPP), considerando que não foram confirmadas em Juízo de forma satisfatória, reputa-se que não há elementos probatórios suficientes para a condenação do réu. É evidente que a palavra da vítima, no âmbito da violência doméstica, possui destacada relevância. Desse modo, deve prevalecer a versão oferecida pela ofendida em sede judicial. Nesse sentido, Eugenio Pacelli (in Curso de Processo Penal. 12º Ed. Rio de Janeiro: 2009) leciona: O princípio da correlação funciona como garantia do individuo ao devido processo legal. Assim, o réu não poderá jamais ser condenado pela prática de fato não constante na denúncia ou queixa, ou ainda pro fato diverso daquele ali mencionado, sem que antes se proceda à correção da inicial. No processo criminal tudo deve ser cabalmente provado, sem nenhuma sombra de dúvida, os fatos devem ser realmente esclarecidos, em todos os seus detalhes e circunstâncias, nada pode ser presumido. Por estas razões, a absolvição é medida imperativa, pois, como se sabe, nos primeiros estágios da atividade processual pode surgir e persistir a dúvida, porém no momento final o Magistrado tem de portar o estado anímico da certeza. Assim, devem-se afastar todos os argumentos e motivos propiciadores da incerteza, pois, ausente o convencimento, impõe-se a absolvição, mesmo que não assista ao Magistrado uma incerteza inversa, no sentido da inocência do acusado. O art. 156, do CPP, deixa claro que o ônus da prova deve ser daquele que fizer a alegação (vista essa intepretação com ressalvas, quando, p.ex., há alegação de excludente de ilicitude ou dirimente de culpabilidade), de modo que, se vige no nosso ordenamento o estado de inocência, como prevê o art. 5º, LVII, da CF/88, para além de questiona-lo, deve haver efetiva demonstração, concreta, palpável e indubitável dos elementos caracterizados do delito a afastar o estado constitucional mencionado, o que, como já discorrido, não ocorreu no presente feito. Nesse contexto, considerando que a prova judicializada é frágil, é forçoso reconhecer a fragilidade do caderno probatório e a existência de severas dúvidas quanto à materialidade da contravenção imputada ao acusado na exordial. Destaca-se, por fim, que não se está a afirmar, de modo inequívoco, a inocência do denunciado. Entretanto, as provas dos autos mostram-se insuficientes, uma vez que assentadas dúvidas e ausente a certeza imprescindível para embasar o decreto condenatório. Há de prevalecer, por isso mesmo, na espécie, a presunção constitucional de inocência, eis que o Ministério Público não se desincumbiu do ônus de comprovar, de modo pleno, os elementos pertinentes à acusação penal. As acusações penais, como se sabe, não se presumem provadas, pois o ônus da prova concernente aos elementos constitutivos do pedido (autoria e materialidade do fato delituoso, de um lado, e demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado por ela provocado, de outro) incumbe, exclusivamente, a quem acusa. Magalhães Noronha (in Curso de Direito Processual Penal, 6ª ed. São Paulo: 1973, p.88-89) leciona sobre o tema: (...) Do ônus da prova. A prova da alegação incumbe a quem a fizer, é o princípio dominante em nosso Código. Oferecida a denúncia cabe ao Ministério Público a prova do fato e da autoria; compete-lhe documentar a existência concreta do tipo ("nullum crimem sine typo") e de sua realização pelo acusado. (...) Este também tem a seu cargo o anus probandi. (...) Vê-se, pois, que o ônus da prova cabe às partes. Há uma diferença, porém. A da acusação há de ser plena e convincente, ao passo que, para o acusado, basta a dúvida. Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecera culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita. Impende destacar, por oportuno, que, em nosso sistema jurídico, como ninguém o desconhece, a situação de dúvida razoável só pode beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio básico que deve sempre prevalecer nos modelos constitucionais que consagram o Estado Democrático de Direito. Portanto, no presente caso, não tendo os indícios angariados na fase policial sido confirmados na instrução judicial, diante da ausência de prova robusta formulada sobre o crivo do contraditório capaz de condenar o acusado pela prática da contravenção de vias de fato narrada na denúncia do primeiro fato, a absolvição é medida que se impõe, diante do princípio do in dubio pro reo. 2.3. Desacato (Fato 2º) 2.3.1 Materialidade e Autoria Do que consta no caderno processual, possível se verificar que, de fato, a materialidade delitiva é captada pelo Boletim de Ocorrência (mov. 1.2), assim como pelos depoimentos produzidas em Juízo, sob crivo do contraditório e da ampla defesa. Dessa quadratura fática, possível se inferir que efetivamente foram proferidas palavras em desfavor dos policiais que, preenchidos os demais pressupostos legais, pode ser reconhecida como desacato. Tocante à autoria, em relação reputo que também restou ela demonstrada, efetivamente, nos autos. Isso, por sua vez, não significa, por ora, dizer que houve conduta típica, mas, tão só, que o acusado efetivamente foi autor daquele comportamento fenomênico, ainda despido da valoração jurídica a si atribuída pela teoria do crime. 2.3.2 Tipicidade, Culpabilidade e Ilicitude De saída, importante mencionar que ao julgar a ADPF n. º 496, o STF assentou a constitucionalidade do crime de desacato: DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CRIME DE DESACATO. ART. 331 DO CP. CONFORMIDADE COM A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. (...) 2. De acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, em casos de grave abuso, faz-se legítima a utilização do direito penal para a proteção de outros interesses e direitos relevantes. 3. A diversidade de regime jurídico – inclusive penal – existente entre agentes públicos e particulares é uma via de mão dupla: as consequências previstas para as condutas típicas são diversas não somente quando os agentes públicos são autores dos delitos, mas, de igual modo, quando deles são vítimas. 4. A criminalização do desacato não configura tratamento privilegiado ao agente estatal, mas proteção da função pública por ele exercida. 5. Dado que os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, deles se exige maior tolerância à reprovação e à insatisfação, limitando-se o crime de desacato a casos graves e evidentes de menosprezo à função pública. 6. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: “Foi recepcionada pela Constituição de 1988 a norma do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato”. (ADPF 496, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 23-09-2020 PUBLIC 24-09-2020) (grifos meus). Ao final, o Supremo reconheceu e firmou a tese de que o crime de desacato foi recepcionado pela CF. O preceito primário do art. 331, do CP, define como crime a conduta de “desacatar funcionário público no exercício de função ou em razão dela”. Trata-se de crime formal. O Estado tutela o prestígio dos seus agentes e o respeito à dignidade de sua função, pois a ofensa que lhe é dirigida, em sua presença, no exercício de sua atividade funcional ou em razão dela, alcança a função da própria administração. Todavia, a lei não define o que se deve entender por desacato, cabendo à doutrina a fixação do conceito. A ideia central do desacato está no desrespeito e/ou na afronta dirigidos ao funcionário público, constituindo ofensa qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos e etc., sendo certo que não é mister que o servidor público se sinta ofendido, basta que insultuoso seja o fato. Por isso mesmo, segundo entendimento do STJ, desacato significa menosprezo ao funcionário público no exercício de sua função e não se confunde com a falta de educação (HC 7.515). A doutrina e a jurisprudência majoritárias, exigem para a configuração do crime a presença do elemento subjetivo específico consistente na vontade de ofender e desprestigiar o funcionário público, não restando caracterizado o crime quando há mero desabafo, protesto ou crítica em momento de exaltação. O funcionário público, ainda que no exercício de sua função, não está acima da crítica. A liberdade de expressão pode e deve ser exercida, dentro dos limites da lei. A crítica ou mesmo a censura, ainda que veementes, não constituem desacato, desde, obviamente, que não se apresentem de forma injuriosa. Com a tipificação do desacato não se visa punir quem exerce o seu direito de liberdade de expressão, mas, sim, aquele que claramente está intencionado em fazer chacota ou menosprezar o funcionamento público com suas palavras. Sobre o tema, Luis Regis Prado (in Curso de direito penal brasileiro - Parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. II, p. 449): O elemento subjetivo está representado pelo dolo, consubstanciado na consciência e vontade de praticar a conduta incriminada, acrescida do elemento subjetivo do injusto, representado pelo fim especial de humilhar, de menosprezar a função pública exercida pelo ofendido. Na mesma linha, nos ensina Mirabette (in Código Penal Interpretado. 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2008, p. 2513): O dolo do desacato consiste na vontade consciente de praticar a ação ou proferir a palavra injuriosa com o propósito de ofender ou desrespeitar o funcionário a quem se dirige, não configurando o crime expressões produtos de desabado ou revolta momentânea. Na hipótese, o conjunto probatório é suficiente para confirmar a ocorrência da conduta descrita na peça acusatória. Divael de Souza Berdego, policial ouvido em Juízo, contou que lembra de ter atuado na situação dos autos; que tentaram controlar a situação para que não discutissem e nem brigassem; que o acusado não gostou e começou a desacatar os Policiais, falando “palavras que não deveria falar”; que o acuado correu para dentro da casa e ficou xingando os Policiais; que chegaram mais próximos e o acusado tentou pegar uma faca; que não se recorda, agora, as expressões que o acusado usou contra a equipe. Raphael Alan Prediger, Policial Militar, ouvido na Delegacia (mov. 1.4) presente nos fatos relatou que: “NORIVAL, o qual não queria nem se identificar, ou seja passar seus dados para equipe, dizendo ainda para a equipe se virar, disse também que na casa dele ninguém colocaria os pés, procurando a equipe conversar, porém NORIVAL se mostrou insatisfeito, fechou o portão, entrou para dentro da sua casa, sentou na mesa e mostrou o dedo médio da mão direita para a equipe e mandou a equipe "se foder". Diante dos fatos a equipe deu voz de prisão a ele por desacato, mas ele não acatou a ordem e investiu contra a equipe com socos e chutes, e também tentou pegar uma faca de cozinha que estava na pia, por esse motivo foi necessário o uso de técnicas de imobilização, e força moderada para conter a ação”. Nesses termos, após análise dos autos, entendo que o fato narrado na denúncia caracteriza desacato. Embora as expressões utilizadas pelo acusado não tenham sido repetidas em Juízo, observa-se que o Policial Divael confirmou que o réu proferiu ofensas contra a equipe, o que vai ao encontro do que contido no Boletim de Ocorrência (que, diga-se de passagem, é documento policial revestido de fé pública) e ao teor dos depoimentos prestados por ambos os Militares ainda na fase de inquérito (seqs. 1.3-1.4). As provas produzidas no decorrer da instrução criminal demonstram, de forma suficientemente segura, o ânimo de ofender na conduta perpetrada. Não há se falar, ademais, que a exaltação ou ira do acusado, por ter sido conduzido ou cobrado por algo que reputa não ter feito, como causa a afastar o dolo de sua conduta. A questão posta à análise, ademais, diz respeito ao sempiterno choque entre dois direitos fundamentais resguardados à pessoa humana e a todos que se inserem no contexto político nacional, especialmente quando fundados em uma democracia que se pretende plena: a liberdade de expressão e o direito à imagem e honra que a acompanha, notadamente em casos em que há pretensão de menoscabo da função pública presentada para os cidadãos por funcionários públicos. Por óbvio, há um limite que a manifestação do pensamento (liberdade externa) deve observar, não podendo ela servir de verdugo às aspirações íntimas e pessoais que formam o núcleo essencial da pessoa e lhe dão dignidade. O exercício legítimo de um direito não se relaciona com o abuso que desse mesmo direito se possa extrair. É dizer: se assegurada a liberdade de expressão (verdadeira liberdade pública, que impede a ingerência estatal na sua manifestação - art. 220, §2º, da CF/88), não se pode dela abusar e ferir direito alheio, seja ele qual for. O STF, por seu turno, em caso que se tornou célere, já consignou que a liberdade de expressão não se compraz com o discurso do ódio e, nesse abuso, encontra travas que impedem sua manutenção: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, LIMITES. ORDEM DENEGADA. (...) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria CF (CF, art. 5º, §2º, primeira parte). O preceito fundamenta de liberdade de expressão não consagra o 'direito à incitação do racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica (STF, HC 82.424, Pleno, Rel. p/ o acórdão, Min. Maurício Corrêa, j. em 17.09.2003). De outro turno, a Suprema Corte disse que: (...) a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático. Mostra-se incompatível com o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado - inclusive seus juízes e tribunais - não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da imprensa (STF, AgRg no AI 705.630, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 22.03.2011). Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espirítos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização (STF, ADPf 130, Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. em 30.04.2009). Mesmo que a liberdade de expressão e a busca à informação sejam apanágios de uma sociedade republicana, democrática, pluralista, ela não se pode transmudar e servir de meio para o achincalhe de direitos resguardados também pela própria Constituição Federal. Tanto é assim que o próprio art. 220, §1º, da CF, traz como nortes da atuação da liberdade de expressão e informação o art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, da CF e, mesmo que exista referência à atividade jornalística, não se pode extrair essa condicionante da liberdade de expressão de qualquer pessoa. Desse modo, mesmo que o exercício da expressão ocorra em meio que não seja jornalístico, deve haver respeito, por aquele que se usa da palavra, aos direitos que garantem a inviolabilidade da honra, imagem, dignidade e demais direitos fundamentais previstos e garantidos constitucionalmente. Esse controle, todavia, para que não se exerça censura prévia do exercício da liberdade de expressão, deve ser exercido a posteriori, sem que se vede a manifestação do pensamento. Assim, aquele que externa sua opinião – e aí pouco importa a ferramenta utilizada – deve suportar os ônus e os riscos ao fazê-lo. No que tange à absolvição quanto ao crime de desacato (art. 331 do Código Penal), impõe-se refutar tal desfecho decisório com base na análise dos elementos probatórios constantes dos autos e na exegese da norma penal incriminadora. Conforme consta da denúncia e das provas colacionadas, especialmente os depoimentos prestados pelos policiais militares Divael de Souza Berdego e Raphael Alan Prediger, o acusado, durante o atendimento de ocorrência policial em sua residência, proferiu a expressão “vão se foder” e mostrou o dedo médio da mão direita, diretamente aos agentes públicos que se encontravam no pleno exercício de suas funções. Referida conduta, manifestamente ofensiva, configura evidente menosprezo à função pública e atinge a dignidade do cargo ocupado pelos agentes, tipificando, portanto, a conduta penalmente prevista no art. 331 do Código Penal. Ademais, a conduta do réu não se insere na seara da liberdade de expressão constitucionalmente assegurada, uma vez que esta não se reveste de caráter absoluto, encontrando limites nas normas de convivência social, no respeito às instituições e aos seus agentes, conforme previsto no art. 5º, IV e X, da Constituição da República Federativa do Brasil. A liberdade de expressão não alberga atos atentatórios à honra ou à dignidade de outrem, sobretudo quando praticados contra servidores públicos no desempenho regular de suas atribuições. No caso concreto, não se vislumbra qualquer excludente de ilicitude ou causa justificadora da conduta do denunciado. Pelo contrário, o comportamento do acusado revela desrespeito direto e pessoal aos policiais, com a clara intenção de afrontá-los no momento da abordagem, o que denota o dolo específico necessário à configuração do tipo penal. Outrossim, as declarações das vítimas, em sede policial e em Juízo, são firmes e harmônicas, encontrando respaldo nos demais elementos de prova. Não há indícios de animosidade pessoal ou interesse que desqualifique os testemunhos colhidos, motivo pelo qual devem ser acolhidos como prova robusta da materialidade e autoria do delito. Críticas são possíveis em qualquer sociedade civilizada. Essas críticas, contudo, não permitem que aquele que as irrogue ofenda a Administração Pública e a pessoa que a presenta, menosprezando o cargo e a função exercida em nome do público. Veja-se, no ponto, que se o desacato é previsto e protege a Administração Pública (buscando, assim, resguardar o normal funcionamento do Estado), a ação daquele que busca aviltar a autoridade do agente que presta essa função, pretendendo, com isso, perturbar e/ou obstruir o exercício das funções, se enquadra, de modo sobranceiro, na previsão normativa e, portanto, merece as devidas reprimendas. Destaque-se que o bem jurídico tutelado pelo tipo é a administração pública, atingindo a honra do funcionário e o prestígio da Administração Pública. Nessa perspectiva, considerando que os policiais estavam no exercício de sua função, o fato do acusado, em estado alterado de ânimo, proclamar “vão se foder” e mostrado o dedo médio da mão direita, demonstra, inegavelmente, a sua intenção de menosprezar os funcionários públicos. Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci destaca que o crime pode se configurar com “qualquer palavra grosseira ou ato ofensivo contra a pessoa que exerce função pública” (in Código penal comentado . 14. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2014, p. 1328). O legislador, ao tipificar a conduta de desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela, visou a proteção do Estado, para que sejam cumpridas as pretensões estatais, as quais ocorrem por meio dos funcionários públicos. Tanto o é, que o delito de desacato, o qual faz parte dos crimes praticados por particular contra a administração em geral, apenas se caracteriza se o funcionário público está no exercício da função pública ou em razão dela, sendo que caso seja ofendido em condição diferente desta será vítima dos crimes contra a honra. Na espécie, o contexto fático demonstra que o acusado agiu com o intuito de ofender e humilhar os policiais militares no exercício da função pública. Como se sabe, o elemento subjetivo está representado pelo dolo, consubstanciado na consciência e vontade de praticar a conduta incriminada, acrescida do elemento subjetivo do injusto, representado pelo fim especial de humilhar, de menosprezar a função pública exercida pelo ofendido. No crime de desacato, o dolo deve abranger o conhecimento da qualidade de funcionário público, bem como a circunstância de encontrar-se ele no exercício da função pública ou de ser a ofensa lançada em razão desta. Diante disto, entendo que a conduta do réu, consistente em diminuir e humilhar os funcionários públicos que abordavam, demonstra o absoluto desprezo pela condição de funcionário público e pela própria Administração Pública, configurando o crime de desacato. Ressalto que, não obstante as palavras tenham sido proferidas em momento de exaltação do acusado, não se pode desconsiderar que, de maneira geral, as ofensas proferidas aos funcionários públicos no exercício da função não ocorrem quando o agente está com o ânimo calmo e refletido. Em regra, o dolo do desacato pode ser classificado como dolo de ímpeto, ou seja, o agente, movido por violenta paixão ou excessiva perturbação de ânimo, pratica o crime sem intervalo entre a cogitação e a execução da conduta criminosa. E, isso, de modo nenhum afasta a violação ao prestígio da função pública. Assim, do que se extrai dos autos, o acusado teria lançado os vitupérios direcionados com o nítido e inequívoco intento de menosprezar as funções exercidas pelos Policiais. Não há, portanto, como se dizer ou incluir sua manifestação – oprobriosa – estaria albergada por qualquer estirpe de liberdade de expressão já que, como dito acima, essa garantia constitucional não se vincula ao uso deletério e ofensivo da palavra, de modo que aquele que abusa do direito à liberdade de se comunicar, deve responder pelas ofensas irrogadas. Diante disso, reconheço como típica a conduta do denunciado. 2.4 Resistência (Fato 3º) 2.4.1 Autoria e Materialidade Do que consta no caderno processual, possível se verificar que, de fato, a materialidade delitiva é captada pelo Boletim de Ocorrência (mov. 1.2), assim como pelos depoimentos produzidas em Juízo, sob crivo do contraditório e da ampla defesa. Dessa quadratura fática, possível se inferir que o acusado desrespeitou a ordem dos policiais, preenchidos os demais pressupostos legais, pode ser reconhecida como resistência. Tocante à autoria, em relação reputo que também restou ela demonstrada, efetivamente, nos autos. Isso, por sua vez, não significa, por ora, dizer que houve conduta típica, mas, tão só, que o acusado efetivamente foi autor daquele comportamento fenomênico, ainda despido da valoração jurídica a si atribuída pela teoria do crime. 2.4.2 Tipicidade, Culpabilidade e Ilicitude Na lição de Julio Fabbrini Mirabete, em seu Código Penal Interpretado (Imprenta: São Paulo, Atlas, 2007): (...) conduta típica é a oposição do agente ao ato legal mediante violência, com o emprego da força física, portanto, ou de ameaça. Deve ser uma conduta atuante e positiva, não configurando o crime de resistência a passividade do sujeito ativo (...). Ademais, verifica-se que para a caracterização do crime de resistência é necessário que o agente empregue violência ou ameaça, como meio de evitar a prática do ato funcional. Aqui é exigível que tenha havido uma oposição positiva, seja com violência física, seja com constrangimento moral (ameaça) praticado durante a realização do ato, que, por seu turno, deve ser legal. Trata-se de crime formal, o qual para a sua consumação não exige que o agente impeça a execução do ato. Frise-se, oportunamente, que o delito de resistência não exige a ocorrência do resultado naturalístico, sendo que a pura resistência já consuma o crime em comento. Assim, a figura típica qualificada, prevista no parágrafo primeiro, consiste em mero exaurimento da resistência já consumada, exigindo, para sua capitulação, que a ação praticada pelo agente seja eficaz no sentido de frustrar a diligência do funcionário competente. Nada há de ilegal em realizar abordagem para verificar conduta de qualquer pessoa. Faz parte da atuação policial e todos – repito, todos, inclusive esse Magistrado – estão sujeitos à tais ações. Não houve, ademais, qualquer nebulosidade na prática a indicar atos ilegais praticados pela equipe policial. Pelo que se observa, ao ser dada voz de abordagem policial, o acusado Norival veio a se insurgir contra o pedido da equipe para que se acalmasse, investindo contra a equipe com socos e chutes e inclusive pegando uma faca de cozinha, sendo necessário emprego de uso seletivo e moderado da força para contê-lo. Raphael Alan Prediger, Policial Militar, ouvido na Delegacia (mov. 1.4), declarou que: “Novamente tentamos contato com NORIVAL, o qual não queria nem se identificar, ou seja passar seus dados para equipe, dizendo ainda para a equipe se virar, disse também que na casa dele ninguém colocaria os pés, procurando a equipe conversar, porém NORIVAL se mostrou insatisfeito, fechou o portão, entrou para dentro da sua casa, sentou na mesa e mostrou o dedo médio da mão direita para a equipe e mandou a equipe "se foder". Diante dos fatos a equipe deu voz de prisão a ele por desacato, mas ele não acatou a ordem e investiu contra a equipe com socos e chutes, e também tentou pegar uma faca de cozinha que estava na pia, por esse motivo foi necessário o uso de técnicas de imobilização, e força moderada para conter a ação”. O policial militar Divael de Souza Berdego, ouvido em Juízo, relatou que que teriam discutido, e a vítima ligou para a equipe ir até lá; que tentaram controlar a situação para que não discutissem e nem brigassem; que o acusado não gostou e começou a desacatar os Policiais, falando “palavras que não deveria falar”; que o acuado correu para dentro da casa e ficou xingando os Policiais; que chegaram mais próximos e o acusado tentou pegar uma faca; que não se recorda, agora, as expressões que o acusado usou contra a equipe Caroline Moreno Dalepiane, ouvida em Juízo, relatou que a Polícia chegou ao local e ele não respeitava as ordens dos Policiais; que, então, ele foi preso. Célia Regina Moreno, vítima, ouvida em Juízo, que chamaram a Polícia que chegou e levou o acusado; que o acusado ofendeu os Policiais e resistiu contra sua ação; que o acusado falava que “não era homem” ou “macho” para entrar na viatura. Observa-se, portanto, que a resistência oposta ao ato legal pelo acusado não foi “mera indisciplina”, mas típico ato de se esquivar do cumprimento legal, utilizando-se para tanto de violência contra os agentes públicos. Assim, houve agressão perpetrada por parte do acusado, contra os policiais militares que realizaram a abordagem. Registra-se, outra vez, que o depoimento do policial deve ser considerado apto para embasar o decreto condenatório quando, além de coerente, não apresenta nenhum indício que possa afastar a credibilidade de seus testemunhos, notadamente se confirmados em Juízo, sob a garantia do contraditório. Lembro, aqui, que a conduta, por expressa previsão legal, somente será imputada penalmente a alguém quando haja dolo ou culpa, e, neste caso, somente quando a lei expressamente autorizar a punição pelo crime culposo (art. 18, e §ún, do CP). E, no caso, há fortes indicativos de que o acusado não agiu de modo doloso, com intenção de fazê-lo. Inexistem elementos suficientes para demonstração do dolo, elemento constante na tipicidade para configuração de determinação ação (ainda despida da valoração jurídico-penal) como delitiva. Trago à baila, aliás, que nosso ordenamento pátrio adotou duas teorias para configuração do dolo: a da vontade e a do assentimento. Esta se configura pela vontade (elemento volitivo) livre e consciente (elemento intelectivo) de praticar a infração penal; aquela, por sua vez, se consubstancia no fato de que o agente, antevendo como possível o resultado lesivo pela prática de seu comportamento, não se importa com sua ocorrência, assumindo o risco dele ser produzido. Dolo é consciência e vontade da realização da conduta típica. É a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito, na frase de Welzel, que adverte que dolo é saber e querer a realização do tipo. Assim, o dolo compreende um elemento cognitivo, caracterizado pelo conhecimento do fato que constitui a ação típica, e um elemento volitivo, constituído pela vontade de realizá-la. Nestas condições, o dolo é parte da conduta, pois é a decisão que orienta a ação. A ausência de dolo torna a conduta atípica (salvo nas hipóteses em que o tipo penal admite desclassificação para modalidade culposa). Quanto ao elemento cognitivo, o dolo é a representação (consciência ou previsão), conhecimento, pelo sujeito ativo, da ação e das circunstâncias do fato, do resultado e do nexo de causalidade. É, em síntese, a representação de todos os elementos que compõem o tipo objetivo e deve cobrir inclusive os elementos negativos. Este conhecimento deve ser atual e não mera possibilidade de conhecimento. No instante da ação o agente deve efetivamente representar em sua mente todos os elementos do tipo objetivo. Quanto aos elementos normativos, não se exige do agente um conhecimento técnico, mas apenas o conhecimento alcançável pelo homem comum, do nível social em que o autor se encontra. Estes elementos sempre fazem referência a um dado do tipo objetivo que, para ser compreendido, precisa ser complementado por um juízo de valor. Esse complemento pode ser encontrado em um conceito jurídico, um conceito ético-social, um conceito “aberto” a ser preenchido pelo intérprete ou um conceito que indica a ilicitude da conduta. Para que possa haver dolo, em relação a um tipo que contém um elemento normativo, necessário que o autor tenha realizado esse juízo de valor e percebido a presença do elemento normativo. Assim, a presença desse elemento não depende só do uso dos sentidos, mas depende de uma avaliação, de um julgamento. O autor precisa avaliar a situação e perceber a presença do elemento normativo. Importante frisar que essa consciência que compõe o dolo não abrange a consciência da ilicitude, que é dispensada para reconhecimento do dolo, sendo analisada somente na esfera da culpabilidade. O dolo, para a teoria finalista, é o dolo puramente psicológico. Em resumo, no juízo de tipicidade, pergunta-se se o agente agiu com dolo. Para saber se havia dolo, pergunta-se se ele tinha consciência, representação, dos elementos do tipo objetivo, mas não se pergunta se ele tinha condições de saber que o que fazia era contra a lei, que corresponde ao potencial conhecimento da ilicitude. O elemento volitivo do dolo é a vontade incondicionada de realização da conduta típica, isto é, a vontade de materializar os elementos descritivos e normativos do tipo. Os policiais militares ouvidos em Juízo confirmaram que o denunciado resistiu ativamente à abordagem, inclusive desferindo socos e chutes contra a equipe. Desse modo, quanto ao crime de resistência, se verifica, claramente, a tipicidade de sua conduta. 2.5. Atenuantes e Agravantes De partida, da análise da Certidão do Oráculo, não constam condenações impostas ao acusado com trânsito em julgado (mov. 27.1.). Não há, ademais, atenuantes e/ou agravantes que possam, agora, ser objeto de aplicação na dosimetria da pena. 2.6. Causas de Aumento e de Diminuição Inexistem causas de aumento ou de diminuição a serem sopesadas na terceira fase da aplicação da pena. 2.7. Concurso de Crimes Nesse ponto, imprescindível enfrentar a questão do concurso de crimes. Ressalto que, aqui, deve ser feita a distinção entre ação e ato da ação, condutas dentro de um mesmo contexto fático. Nesse sentido, Rogério Greco leciona (in Curso de Direito Penal: Parte Geral, 15ªed., Impetus: Niterói, 2013, pág. 590): Além do aspecto próprio de cada definição, é preciso salientar que a ação pode ser composta por um ou vários atos. Os atos são, portanto, os componentes de uma ação e dela fazem parte. Isso quer dizer que os atos que compõem uma ação não são ações em si mesmos, mas sim partes de um todo. Na mesma linha, Paulo Cesar Busato (in Direito Penal Parte Geral, Atlas: São Paulo, 2013, pág. 921): O conceito de conduta a ser levado em consideração, como dizia Jescheck, efetivamente diz respeito à unidade significativa composta por uma sucessão de atos. Nessa toada, na linha do que fundamentado pelo Parquet, imperioso reconhecer-se o concurso material de delitos, no que tange ao 2º e 3º Fatos, previsto no artigo 69, caput, do Código Penal, uma vez que, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou dois ou mais crimes. Como os crimes de Desacato (2º Fato), Resistência (3º Fato), foram praticados cada um deles com vontades independentes entre si, cabível a incidência da norma do art. 69, do Código Penal. Nesse ponto, filio-me ao entendimento de que a produção de resultados autônomos implica na regra do concurso material, com a consequente cumulação das penas. 3. Dispositivo Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva exposta pelo ilustre representante do Ministério Público nesta denúncia, com fulcro no art. 387, do CPP, para os fins de condenar o acusado Norival Eleutrerio da Silva pela prática do delito previsto no art. 331 e art. 329 ambos do CP (2º e 3º Fatos); e absolvê-lo das sanções descritas no art. 129, §9º do CP (1º Fato) da denúncia oferecida na seq. 34.1., com fulcro no art. 386, VII, do CPP. Diante da adoção, pelo Código Penal, do critério trifásico de Hungria (art. 68, do CP), passo à dosimetria da pena, relembrando que a sua individualização é garantia constitucional (art. 5º, XLVI, CF/88), e que o acusado deve responder não pelo que é (direito penal do autor), mas pelo que fez (direito penal do fato), conforme preleciona Zaffaroni. 4. Dosimetria da Pena 4.1. Desacato Nesse ponto, ainda que o preceito secundário do art. 331, do CP, preveja pena alternativa de multa, entende-se que a pena pecuniária não é suficiente para repressão do delito, especialmente diante da reincidência do acusado, motivo pelo qual será aplicada a pena privativa de liberdade. Na primeira fase de dosimetria penal, analiso as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP. Ressalte-se, por oportuno, que inexiste um critério puramente aritmético na primeira fase da dosimetria, cabendo ao Magistrado, a quem a lei confere certo grau de discricionariedade, sopesar cada circunstância judicial desfavorável à luz da proporcionalidade, consoante seu prudente arbítrio. A culpabilidade, vista como reprovabilidade da conduta do agente é normal à figura típica, pelo que considero essa vetorial como neutra; no que diz respeito aos antecedentes, não existe registro em desfavor do réu por fato anterior, com trânsito em julgado posterior; não há elementos nos autos a respeito da conduta social no meio e comunidade em que vive e inexiste, também, laudo psicológico que ateste a personalidade do acusado e não havendo elementos nesse sentido e conhecimento técnico do Juízo para sua valoração, deixo de considera-las; as circunstâncias são normais à figura típica, já que não há qualquer elemento que agrave o contexto fático da ocorrência do ilícito; os motivos do crime não merecem valoração negativa; são inerentes à figura típica, reputo a vetorial como neutra; as consequências são também normais à descrição típica já que não há fato descrito ou ocorrido que faça o acontecido espraiar seus efeitos para além de sua norma cadeia causal; e, por fim, o comportamento da vítima em nada influenciou na prática do crime. Partindo-se, assim, do mínimo legal cominado em abstrato para o crime de desacato, previsto no art. 331, do CP (detenção, de 6 meses a 2 anos), e da diferença entre o mínimo e o máximo dessas condenações, não havendo nenhuma vetorial negativa, fixo a pena, em primeira fase, em 6 (seis) meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria, ausentes atenuantes e agravantes. Considerando a inexistência de qualquer causa de aumento ou de diminuição, fixo, por conseguinte, a pena definitiva do crime de desacato, em 6 (seis) meses de detenção. 4.2. Resistência A culpabilidade, vista como reprovabilidade da conduta do agente é normal à figura típica, pelo que considero essa vetorial como neutra; no que diz respeito aos antecedentes, não existe registro em desfavor do réu por fato anterior, com trânsito em julgado posterior; não há elementos nos autos a respeito da conduta social no meio e comunidade em que vive e inexiste, também, laudo psicológico que ateste a personalidade do acusado e não havendo elementos nesse sentido e conhecimento técnico do Juízo para sua valoração, deixo de considera-las; as circunstâncias são normais à figura típica, já que não há qualquer elemento que agrave o contexto fático da ocorrência do ilícito; os motivos do crime não merecem valoração negativa; são inerentes à figura típica, reputo a vetorial como neutra; as consequências são também normais à descrição típica já que não há fato descrito ou ocorrido que faça o acontecido espraiar seus efeitos para além de sua norma cadeia causal; e, por fim, o comportamento da vítima em nada influenciou na prática do crime. Partindo-se, assim, do mínimo legal cominado em abstrato para o crime de resistência (dois meses a dois anos) e da diferença entre o mínimo e o máximo dessas condenações, não havendo nenhuma vetorial negativa, fixo a pena, em primeira fase, em 2 (dois) meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria, ausentes atenuantes e agravantes. Não houve o reconhecimento, em sentença, de causas de aumento ou diminuição, de modo que fixo a pena definitiva em 2 (dois) meses de detenção. 4.3. Concurso de Crimes Na forma da fundamentação exposta anteriormente, reconheço o concurso material de delitos entre as condutas realizadas pelo denunciado. Em resumo, tem-se as seguintes reprimendas definitivas: (a) Desacato (art. 331, do CP) – 6 (seis) meses de reclusão. (b) Resistência (art. 329, do CP) – 2 (dois) meses de detenção. Procedo, então, a somatória dessas penas finais, o que resulta em um total de 8 (oito) meses de pena privativa de liberdade. 4.4. Regime Inicial de Cumprimento de Pena Em observância ao disposto no art. 33, §3º, do CP e dada ausência de qualquer outro elemento que permita recrudescer o início da sanção além daquilo que objetivamente extraído da quantidade de reprimenda aplicada, fixo o regime inicial aberto. 4.5. Substituição da Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos É preciso lembrar que a pena tem essência retributiva (Fragoso), mas que sua finalidade é preventiva (Soller). Assim, existindo motivos suficientes, a substituição da pena se impõe. Analisando os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, previstos nos arts. 43 e 44, do CP, concluo que a aplicação de pena restritiva de direitos, no presente caso, não se mostra como a medida mais socialmente recomendável. Isso porque o crime foi praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, de modo que incide a vedação do art. 44, I, do CP. 4.6. Suspensão Condicional da Pena Incabível a substituição da pena, eis que prejudicial ao denunciado em relação às condições fixadas para o cumprimento da reprimenda em regime aberto, em conformidade com o entendimento do e. Tribunal de Justiça do Paraná: APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA – ARTIGO 24-A DA LEI 11.340/2006 – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO DO ACUSADO – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO – CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA COMPROVAR A AUTORIA E A MATERIALIDADE DELITIVA – CRIME FORMAL – CONSUMAÇÃO COM O DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – CONDENAÇÃO MANTIDA – ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO, NA APLICAÇÃO DA PENA PARA AFASTAR A SUA SUSPENSÃO CONDICIONAL – NO CASO CONCRETO, MEDIDA SE MOSTRA MAIS GRAVOSA AO SENTENCIADO – RECURSO – NEGA PROVIMENTO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0005364-66.2018.8.16.0109 - Mandaguari - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU SERGIO LUIZ PATITUCCI - J. 12.02.2022) – grifei. APELAÇÃO CRIMINAL – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA – PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO ACOLHIMENTO – PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELAS PROVAS ORAL E DOCUMENTAL – CONDENAÇÃO MANTIDA – AGRAVANTE DO ART. 61, II, “F” – MANUTENÇÃO – AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM – SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – BENEFÍCIO PREJUDICIAL AO ACUSADO – AFASTAMENTO DE OFÍCIO – RECURSO– NEGA PROVIMENTO, COM AFASTAMENTO, EX OFFICIO, DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000313-21.2019.8.16.0180 - Santa Fé - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU SERGIO LUIZ PATITUCCI - J. 19.09.2021) – grifei. Além disso, o e. TJPR recentemente adotou entendimento no sentido de que eventual concessão do benefício da suspensão condicional da pena é matéria afeta ao Juízo da Execução Penal. A aceitação da benesse deve ser feita pelo sentenciado por ocasião da audiência admonitória (em caso, evidentemente, de confirmação da condenação): APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. PLEITO BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DA CONDUTA. INVIABILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM O ACERVO PROCESSUAL. ANIMUS LAEDENDI COMPROVADO. DELITOS CONFIGURADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA DEVIDAMENTE SOPESADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE REGIME ABERTO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS EM DELITOS QUE ENVOLVEM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SÚMULA 588 DO STJ. PEDIDO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. OPÇÃO QUE PODERÁ SER FEITA POR OCASIÃO DA AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PORÇÃO, DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000022-48.2020.8.16.0192 - Nova Aurora - Rel.: DESEMBARGADOR PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO - J. 12.02.2022) – grifei. APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E LESÃO CORPORAL (ART. 129, §9º, DO CP E ART. 24-A, CAPUT, DA LEI Nº 11.340/06) – CONDENAÇÃO – PENA DE 06 MESES DE DETENÇÃO - MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA AFASTAR, DE OFÍCIO, A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS) – IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO - BENEFÍCIO A SER OPTADO PELO RÉU EM AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA - PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS – IMPROCEDÊNCIA – PALAVRA DA VÍTIMA QUE MERECE ESPECIAL RELEVÂNCIA QUANDO COERENTE COM AS PROVAS E REFORÇADA PELO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A VÍTIMA LOGO APÓS OS FATOS - LAUDO PERICIAL QUE CONFIRMA A VERSÃO APRESENTADA PELA OFENDIDA – RECORRENTE QUE MESMO CIENTE DA EXISTÊNCIA DE MEDIDAS PROTETIVAS EM SEU DESFAVOR OPTOU POR DESCUMPRIR DETERMINAÇÃO JUDICIAL E AGREDIR A VÍTIMA - VERSÃO DA DEFESA INCONSISTENTE E ISOLADA NOS AUTOS – SENTENÇA ADEQUADA E QUE NÃO MERECE REFORMA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000630-82.2020.8.16.0083 - Francisco Beltrão - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU BENJAMIM ACÁCIO DE MOURA E COSTA - J. 27.11.2021) – grifei. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA.I. ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – CONJUNTO PROBATÓRIO INFORMATIVO DA PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA – CONDENAÇÃO MANTIDA.II. RESPOSTA PENAL:A) CRIME DE AMEAÇA – ERRO MATERIAL NA APLICAÇÃO DA PENA – RETIFICAÇÃO.B) REGIME PRISIONAL SEMIABERTO – ABRANDAMENTO – INADMISSIBILIDADE – ACUSADO REINCIDENTE (CP, ART. 33-§2º-“C”).C) SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 588 DO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.D) SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO – NÃO CONHECIMENTO.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000003-44.2021.8.16.0180 - Santa Fé - Rel.: DESEMBARGADOR TELMO CHEREM - J. 03.10.2021) – grifei. Portanto, não há que se falar, neste momento, na concessão do benefício em questão. 4.7. Valor Mínimo da Condenação É imperioso que a vítima sofreu danos passíveis de quantificação pelo presente Juízo. E, como pontuado pelo Parquet em suas alegações finais, é possível a condenação do acusado ao pagamento de condenação mínima (repito: mínima) pelos danos morais causados à vítima. Contudo, esse pedido deve ser formulado antes do encerramento da instrução processual, não podendo ser trazido à conhecimento e enfrentamento tão somente por ocasião das alegações finais; a pretensão deve ser deduzida ou por ocasião da denúncia, na cota ministerial, ou, mesmo que posteriormente a ela, mas antes da apresentação de alegações finais, seja pelo Ministério Público seja pela própria ofendida. Essa pretensão, como se vê, não foi requerida durante a instrução processual. Assim, não há que se falar em condenação do sentenciado à pagamento de valor mínimo de indenização pelos danos morais causados por sua conduta. 4.8. Direito de Recorrer em Liberdade Considerando, assim, que ao sentenciado foi imposto o regime inicialmente aberto, não existem razões para decretação da prisão preventiva. Além disso, ainda que tivesse sido imposto regime mais gravoso (como o fechado), tendo o denunciado respondido ao processo em liberdade, eventualmente decidir, aqui, pela preventiva sem que qualquer outra circunstância fática e/ou jurídica senão a sentença ora proferida tenha sido trazida à baila, poderia configurar execução provisória de pena sem atendimento às premissas fincadas pelo STF nas ADC’s n.º 43 e 44, e no HC n.º 126.292, i.e., decisão condenatória em segunda instância. Anoto que não desconheço das discussões e clamores sociais que se fiam a ideia de uma sentença condenatória poderia (e deveria) ser, desde logo, executada, sem que tivesse que se aguardar o resultado de um ou mais recursos para que, somente aí pudesse haver início do cumprimento da reprimenda (notadamente por conta da prodigalidade com que nosso sistema processual trata a possibilidade de rediscussão quase que infinita dos temas, não sendo incomum se verificaram embargos de embargos de embargos de embargos de agravos de agravos de embargos de agravos de recursos de apelação – e assim em uma cadeia que, a rigor, cansa a fala e a interpretação). E, muito menos, não ignoro que há também vozes que bradam para que, notadamente em delitos cujas penas são aplicadas de modo mais rigoroso e com quantidades elevadas, seja, de plano, dado início ao cumprimento de pena, sob os auspícios da necessidade de não se fomentar a sensação de impunidade. Todavia, se somente a sentença é o “fato” novo que se vê posto à análise, não pode ele ser utilizado como argumento de necessidade de resguardo da ordem pública (com as vênias possíveis aos entendimentos em sentido contrário) para que, só com base nisso (e malgrado a quantidade de pena imposta) se possa decretar a prisão preventiva. Assim, fica concedido ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade. 5. Disposições Finais Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804, do CPP. Após o trânsito em julgado: (a) expeça-se guia de recolhimento para execução das penas (art. 674, do CPP e art. 105, da Lei de Execução Penal), observando-se o disposto: nos arts. 106 e 107, ambos da Lei de Execução Penal; nos arts. 676 a 681, todos do CPP; (b) comunique-se ao Distribuidor, instituto de identificação e à Delegacia de Origem, nos moldes dos arts. 602 e 603, do Código de Normas; (c) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de aplicação das sanções políticas, nos moldes do art. 15, III, da CF/88. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, observando-se as disposições do art. 392, do CPP. Toledo, datado digitalmente. Alexandre Afonso Knakiewicz Juiz de Direito
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear