Ministério Público Do Estado Do Paraná x Egberto Lopes Souza
ID: 324108447
Tribunal: TJPR
Órgão: Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Vara de Crimes Contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Foz do Iguaçu
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0027947-78.2024.8.16.0030
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DAYANNE BRUMATTI DE OLIVEIRA
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA DE CRIMES CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS DE FOZ DO IGUAÇU - PROJ…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA DE CRIMES CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS DE FOZ DO IGUAÇU - PROJUDI Avenida Pedro Basso, 1001 - Térreo - Alto São Francisco - Foz do Iguaçu/PR - CEP: 85.863-915 - Fone: 45 3308-8062 - Celular: (45) 3308-8062 - E-mail: fi-8vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0027947-78.2024.8.16.0030 Processo: 0027947-78.2024.8.16.0030 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência Data da Infração: 13/05/2024 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA Réu(s): EGBERTO LOPES SOUZA 1. Relatório O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia (mov. 18.1) contra o acusado mencionado em epígrafe, qualificado nos autos, como incurso nas sanções previstas no art. 24-A da Lei nº. 11.340/06 c.c art. 61, II, f, do CP, por 2 (duas) vezes (FATO 01 e FATO 02), e art. 129, §13, do CP (FATO 03), anteriores às disposições trazidas pela Lei nº. 14.994/2024, na forma do art. 69, do CP, observando as disposições da Lei nº 11.340/06, pelos fatos delituosos descritos na peça acusatória, nos seguintes termos: FATO 01 “No dia 13 de maio de 2024, em múltiplos horários, através do aplicativo de mensagens WhatsApp, o denunciado EGBERTO LOPES SOUZA, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, mediante violência baseada em gênero e prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, descumpriu decisão judicial que concedeu medidas protetivas de urgência em face da vítima TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA, sua excompanheira, conforme Termo de Declaração (mov.1.3), Prints coligidos aos movs. 1.18, 1.19, 1.20 e 1.21 e Áudios de mov. 1.11, 1.12 e 1.13.” O denunciado tomou conhecimento das medidas protetivas concedidas à ofendida em seu desfavor no dia 10/12/2022, conforme documento acostado nos autos nº. 0032386- 06.2022.8.16.0030 – mov. 19.1, fls. 03 e 05. Mesmo ciente da medida de afastamento do lar; proibição de se aproximar da vítima e seus familiares, bem como da residência onde ela está morando, sendo fixado em 100 (cem) metros o limite máximo de aproximação; além da proibição de manter contato com a(s) vítima(s), seus familiares e eventuais testemunhas, por qualquer meio de comunicação (carta, telefone, etc), o denunciado deliberadamente ligou para a ofendida, bem como encaminhou diversas mensagens para a vítima, descumprindo assim as medidas que lhe foram impostas, conforme prints coligidos aos movs. 1.18, 1.19, 1.20 e 1.21 e áudios de mov. 1.11, 1.12 e 1.13.”. Dessa forma, o denunciado EGBERTO LOPES SOUZA praticou violência doméstica contra a vítima TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA, sua ex-companheira, em sua modalidade psicológica, nos moldes do artigo 7º, inciso II, da Lei nº. 11.340/2006”. FATO 02 “No dia 21 de julho de 2024, por volta das 12h00m, na residência situada na Rua João Batista Frigola, nº 1445, Morumbi II, nesta Cidade e Comarca de Foz do iguaçu/PR, o denunciado EGBERTO LOPES SOUZA, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, mediante violência baseada em gênero e prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, descumpriu decisão judicial que concedeu medidas protetivas de urgência em face da vítima TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA, sua excompanheira, conforme Termo de Declaração de mov.1.4.” O denunciado tomou conhecimento das medidas protetivas concedidas à ofendida em seu desfavor no dia 10/12/2022, conforme documento acostado nos autos nº. 0032386- 06.2022.8.16.0030 – mov. 19.1, fls. 03 e 05. Mesmo ciente da medida de afastamento do lar; proibição de se aproximar da vítima e seus familiares, bem como da residência onde ela está morando, sendo fixado em 100 (cem) metros o limite máximo de aproximação; além da proibição de manter contato com a(s) vítima(s), seus familiares e eventuais testemunhas, por qualquer meio de comunicação (carta, telefone, etc), o denunciado deliberadamente se dirigiu até a residência da vítima, onde passou a agredir a ofendida, conforme T ermo de Declaração de mov.1.4”. Dessa forma, o denunciado EGBERTO LOPES SOUZA praticou violência doméstica contra a vítima TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA, sua ex-companheira, em sua modalidade psicológica, nos moldes do artigo 7º, inciso II, da Lei nº. 11.340/2006”. FATO 03 “Nas mesmas circunstâncias de tempo e local narrados no 2º fato, o denunciado EGBERTO LOPES SOUZA, agindo com consciência e vontade dirigidas à prática da conduta criminosa, ciente da ilicitude de sua conduta, prevalecendo-se das relações domésticas e em razão da condição de sexo feminino, ofendeu a integridade física da vítima TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA, sua excompanheira. Para tanto, o ora denunciado desferiu diversos tapas no rosto da vítima, bem como lhe empurrou por diversas vezes. Verifica-se que em decorrência da agressão praticada, a vítima apresentou lesões corporais consistentes em equimose violácea no nariz; equimose violácea em pálpebra inferior direita (conforme Laudo de Lesões Corporais acostado ao mov. 1.6 e Termo de Declaração da Vítima de mov. 1.4 ). A denúncia foi recebida em 01.11.2024 (mov. 29.1). Citado (mov. 47.1), o acusado apresentou resposta à acusação (mov. 56), por meio de Defensora Dativa (mov. 59.1). Não sendo hipótese de absolvição sumária, designou-se audiência de instrução e julgamento (mov. 61.1), na qual (movs. 88.2/88.5) foi ouvida a vítima e efetuado o interrogatório do denunciado. O Ministério Público, em alegações finais escritas, pugnou pela parcial procedência da pretensão punitiva, com a condenação do réu pela prática do delito previsto no art. 129, §13, do CP (Fato 03) e absolvição do acusado das sanções do art. 24-A da Lei n.° 11.340/06 (Fatos 01 e 02), com fulcro no art. 386, VII, do CPP, tendo ainda tecido considerações acerca da dosimetria da pena (mov. 91.1). A Defesa, por seu turno, nas derradeiras alegações, postulou pela absolvição do réu, com fulcro no art. 386, III, VI e VII, do CPP. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação da conduta de lesões corporais para a de vias de fato e redução da pena em razão da embriaguez. Por fim, requereu a fixação de honorários advocatícios em razão da nomeação de defensora dativa (mov. 96.1). Vieram os autos conclusos para sentença. Relatei. Decido. 2. Fundamentação 2.1. Preliminares e Instrução Processual Inexistem quaisquer questões processuais, preliminares, ou prejudiciais de mérito, a serem analisadas nesse momento, de modo que, respeitado o formalismo procedimental (devido processo legal), passo ao enfrentamento da materialidade, autoria, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e demais elementos relativos à conduta típica. Para que a presente sentença, no mais, fique o mais clara possível, entendo, de início, possível avaliar as provas que foram juntadas aos autos na fase de inquérito e durante a instrução processual. É certo que o art. 155 do CPP, introduzido pela Lei nº 11.690/2008, informa que o Juízo não poderá se valer de elementos de prova colhidos na fase de inquérito para imputar a responsabilidade penal a alguém, salvo aquelas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. A norma que se extrai do texto legal deixa claro que esses elementos não podem ser exclusivos do inquérito, podendo ser sopesados conjuntamente com aquilo que colhido em contraditório, já quando em curso o processo penal. Aliás, sobre essa questão, houve alteração no art. 3º-C, §3º, do CPP, que foi objeto de enfrentamento e análise pelo STF nas ADIs n.º 6298, 6299, 6300 e 6305, as quais assim resolveram essa controvérsia: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ADI’S 6298, 6299, 6300 E 6305. LEI 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. AMPLA ALTERAÇÃO DE NORMAS DE NATUREZA PENAL, PROCESSUAL PENAL E DE EXECUÇÃO PENAL. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE ARTIGOS PERTINENTES À ATUAÇÃO DO JUIZ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CRIAÇÃO DO “JUIZ DAS GARANTIAS”. (...) ARTIGOS 3º-A AO 3º-F, 28, 28-A, 157, § 5º E 310, § 4º. AÇÕES JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. (...) III – ARTIGO 3º-C. MATÉRIAS SUBMETIDAS À NOVA SISTEMÁTICA DO JUÍZO DAS GARANTIAS. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, PARA EXCLUSÃO DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS INCOMPATÍVEIS COM O MODELO. MARCO FINAL DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS: OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUTOS DO INQUÉRITO. PROIBIÇÃO DE REMESSA AO JUIZ DA INSTRUÇÃO. IRRAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. (a) O artigo 3º-C, caput, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019, delimitou a extensão da competência do juiz das garantias, nos seguintes termos: “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”. (b) As razões anteriormente expendidas revelam que o texto impugnado incorreu em erro legístico, do qual deriva a necessidade de restrição da competência para que cesse com o oferecimento da denúncia. (c) Ademais, além das infrações penais de menor potencial ofensivo, de competência dos juizados especiais, a nova sistemática do juiz das garantias não se compatibiliza com o procedimento especial previsto na Lei 8.038/1990, que trata dos processos de competência originária dos tribunais; com o rito do tribunal do júri; com os casos de violência doméstica e familiar. (d) Por tais motivos, deve ser atribuída interpretação conforme à primeira parte do caput do art. 3º-C do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para esclarecer que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam às seguintes situações: (1) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; (2) processos de competência do tribunal do júri; (3) casos de violência doméstica e familiar; e (4) infrações penais de menor potencial ofensivo. (e) Ao mesmo tempo, as referências à competência do juiz das garantias para receber a denúncia, constantes do caput e dos §§ 1º e 2º, do artigo 3º-C, revelam-se inconstitucionais, atribuindo-se interpretação conforme a Constituição no sentido de fixar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, oferecida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento. (f) A Lei 13.964/2019 estabeleceu, ainda, nos §§ 3º e 4º do artigo 3º-C, a vedação do conhecimento dos autos do inquérito pelo juiz da instrução e julgamento, impedindo sua remessa juntamente com a denúncia. (g) Os textos dos dispositivos impugnados têm o seguinte teor: “§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. § 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.” (h) Constata-se a manifesta irrazoabilidade do acautelamento dos autos do inquérito na secretaria do juízo das garantias, porquanto o fundamento da norma reside tão-somente na pressuposição de que o juiz da ação penal, ao tomar conhecimento dos autos da investigação, perderia sua imparcialidade para o julgamento do mérito. Ocorre que, sem tomar conhecimento dos elementos configuradores da justa causa para a ação penal (indícios de autoria e de materialidade), inviabiliza-se a prolação de decisões fundamentadas. (i) Por conseguinte, declara-se a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP, incluídos pela Lei nº 13.964/2019 e, mediante interpretação conforme, fixar que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento. (...) Ações diretas de inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes. (ADI 6298, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 18-12-2023 PUBLIC 19-12-2023) (grifos meus). No ponto, não houve alteração a respeito dessa previsão com o advento da Lei n.º 13.964/2019, que não mitigou ou infirmou o conteúdo dos arts. 155 e 156, do CPP. Disso deriva, portanto, que (a) é possível a análise do que foi produzido em inquérito pelo Juízo da instrução juntamente com o que foi fabricado em contraditório; (b) em regra, o Juízo deverá considerar a prova judicializada, produzida em contraditório e ampla defesa; e (c) é autorizada a análise exclusiva da prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial caso ela seja irrepetível (p.ex., laudo de lesões corporais, laudo de constatação de local do crime, laudo de análise genética etc.) e antecipada (v.g., depoimentos especiais, reprodução simulada etc.). Na fase de inquérito e antes do oferecimento da denúncia, foram juntadas as seguintes provas mais relevantes para o enfrentamento do que é objeto desse caso penal: (1) Portaria de instauração de Inquérito Policial (mov. 1.1); (2) Boletim de Ocorrência (mov. 1.2); (3) Laudo de Lesões Corporais (mov. 1.6); (4) Áudios e capturas de tela das mensagens enviadas (movs. 1.11/1.13 e 1.18/1.21); (5) Relatório da Autoridade Policial (mov. 5.1); e (6) Depoimentos extrajudiciais (movs. 1.3, 1.4 e 1.23). Com o oferecimento da denúncia (mov. 18), foram produzidos os seguintes documentos e provas: (7) Oitiva da vítima (mov. 88.4); e (8) Interrogatório do acusado (mov. 88.5). Relembro, nesse ponto, que a transcrição integral dos depoimentos prestados é dispensada, nos termos do art. 405, §2º, do CPP. Evitando, assim, transcrições desnecessárias, passarei a relatar os pontos mais relevantes daquilo que foi dito em sede extrajudicial e em audiência, para posteriormente enfrentar a questão sob a ótica da materialidade, autoridade, tipicidade, ilicitude e culpabilidade e, superadas elas, verificar a (in)existência de agravantes, atenuantes, causas de aumento, causas de diminuição de pena, e eventual concurso dos crimes. Adianto que não se trata de degravação ipsis litteris dos depoimentos colhidos, mas sim de transcrição indireta, que, evidentemente, se baseia nos relatos originais que foram gravados em mídias audiovisuais, as quais foram todas juntadas no processo e puderam ser acessadas pelas partes. A vítima T.C.O., ouvida em Juízo, disse que manteve uma união estável com o acusado por 11 (onze) anos, durante o qual tiveram 02 (dois) filhos. Asseverou que a medida protetiva foi quebrada diversas vezes por irresponsabilidade deles, pois entrou em contato com o réu em algumas ocasiões, nas quais não tratavam da pensão ou seus filhos. Não se recorda do primeiro descumprimento da medida protetiva. Quanto ao segundo descumprimento, afirmou que ocorreu, tendo o acusado comparecido à sua residência, onde lhe agrediu, desferindo golpes, terminando por encostá-la no muro. Não foi hospitalizada, mas fez exame de lesões corporais. Confirmou que havia a medida protetiva de afastamento, mas que ele nunca respeitou, que descumpria para agredi-la. O acusado, ciente de suas garantias constitucionais e do teor da denúncia, negou a prática dos crimes. Aduziu que a ofendida enviava mensagens e ele respondia, mesmo com a vigência das medidas protetivas. Nesse tempo, rompiam e retomavam o relacionamento com frequência. Não se recorda de ter agredido a vítima. Disse que em julho do ano passado não estava se relacionando com T.C.O. Esse, assim, o quadro instrutório-probatório produzido que, de agora em diante, será analisado para aferir se há, ou não, elementos suficientes para condenar o acusado. Calha, aqui, também deixar claro que o Juízo analisará se foram preenchidos, para todos os delitos, a (a) materialidade, (b) autoria, (c) tipicidade, (d) ilicitude e (e) culpabilidade. A materialidade deve ser entendida como a ocorrência fenomenológica do comportamento humano, ainda despida da valoração a si atribuída pela teoria do crime. Desse modo, busca, ela, verificar se determinado fato ocorreu no mundo fenomênico. Por outro lado, a autoria é a vinculação subjetiva de determinados indivíduos com a materialidade anteriormente reconhecida, ainda sem a análise do conteúdo próprio da teoria do delito. A tipicidade, por seu turno, referente à adequação típica da conduta fenomenológica (materialidade) à previsão abstrata prevista em lei (tipicidade formal), deve ser averiguada em razão dos seus demais elementos, subjetivos, objetivos, e normativos, e também em razão do bem jurídico que a norma visa proteger (tipicidade material). Para que haja condenação, máxime criminal, é absolutamente necessário que não pairem dúvidas acerca de qualquer dos elementos configuradores dessa conduta típica. 2.2. Materialidade e Autoria. 2.2.1. Descumprimentos de Medida Protetiva Como se sabe, em infrações cometidas no âmbito doméstico, geralmente sem a presença de testemunhas presenciais, a palavra da vítima, quando coerente, apresenta relevante valor probatório, dá-se especial atenção aos relatos da ofendida, uma vez que tais crimes costumam ocorrer no interior dos lares, sem a presença de testemunhas. Não desconheço, portanto, que a Lei Maria da Penha inaugurou um verdadeiro sistema de proteção integral à mulher, evitando que delitos praticados no âmbito doméstico e familiar, usualmente sem a presença de testemunhas, permanecessem sem a devida apuração, restando impunes os autores de tão reprovável conduta. Um maior prestígio à palavra da vítima já era conferido pela jurisprudência às infrações penais praticadas na clandestinidade, entendimento este que também ganhou força com a vigência da Lei nº 11.340/2006. Com efeito, a condição especial de vulnerabilidade da mulher em situação de violência doméstica não passou despercebida por este Julgador, atento para as diretrizes do art. 4º, da Lei Maria da Penha. Nessa toada: PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. AUTORIA. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. MATERIALIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EXAME DE CORPO DE DELITO. PRESCINDIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 3. O entendimento do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte que é firme no sentido de que a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher. 4. Esta Corte possui o entendimento de que, nos casos de lesão corporal em sede de violência doméstica, o exame de corpo de delito poderá ser dispensado quando subsistirem outras provas idôneas da materialidade delitiva, como ocorreu na hipótese dos autos. 5. "O Tribunal a quo destacou estar comprovado o crime de lesão corporal sofrido pela vítima. Desse modo, o pleito absolutório esbarra na Súmula 7/STJ" ( AgRg no AREsp n. 2.153.350/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 4/10/2022). 6. Agravo regimental desprovido (STJ - AgRg no AREsp: 2285584 MG 2023/0022027-0, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 15/08/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2023). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DELITOS DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. "A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher" ( HC n. 461.478/PE, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 12/12/2018). 2. Entenderam as instâncias ordinárias estar em comprovados os delitos de violação de domicílio e de descumprimento de medidas protetivas de urgência, considerando os depoimentos da vítima (em sede policial e judicial) e das testemunhas, salientando que, apesar de a vítima não ter se lembrado da data exata em que ocorreram os fatos, reiterou os mesmos detalhes dados em sede policial, no sentido de que "por diversas vezes, o acusado proferiu ameaças em seu desfavor e entrou clandestinamente em sua residência, oportunidades em que este pulava o muro do imóvel vizinho e adentrava no local". 3. Ainda, conforme consignado no acórdão proferido pelo Tribunal de origem, a vítima declarou em sede policial no dia 14/8/2018 que "há aproximadamente 15 (quinze) dias daquela data, o denunciado invadiu sua residência pulando a janela e, por não ter encontrado a ex-companheira no local, Jeferson dormiu em seu domicílio sem sua permissão". Por fim, consta do acórdão impugnado que as testemunhas ouvidas narraram a mesma dinâmica dos fatos. 4. Agravo regimental improvido (STJ - AgRg no HC: 788394 GO 2022/0382698-9, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 08/05/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2023). APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA, VIAS DE FATO E LESÃO CORPORAL QUALIFICADA. ART. 129, § 9º, DO CP, NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. LEI N.º 11.340/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA, TESTEMUNHAS DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM AO CHAMADO E LAUDO QUE COMPROVAM OS CRIMES DENUNCIADOS. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO DO RÉU AO PAGAMENTO INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS À VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO EXPRESSO FORMULADO NA DENÚNCIA. DANO IN RE IPSA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA. AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA PARA ARCAR COM O VALOR ARBITRADO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS À DEFENSORA DATIVA. RECURSO NÃO PROVIDO (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0000069-50.2021.8.16.0139 - Prudentópolis - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 03.02.2024). APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO AMBAS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (NO ARTIGO 147, CP, E ARTIGO 21 DO DECRETO-LEI Nº 3688/41) INSURGÊNCIA DA DEFESA. PRETENSÃO DE FLEXIBILIZAÇÃO DAS CONDICIONANTES PARA O REGIME ABERTO. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DE EXECUÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ESPECIAL RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DELITOS DE AMEAÇA E VIAS DE FATO. DOLO EVIDENCIADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DA CONTRAVENÇÃO PENAL POR AUSENCIA DE PROVAS E DISCUSSÃO MÚTUA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO RESTOU COMPROVADO NOS AUTOS A MODERAÇÃO NO MEIO UTILIZADO PELO RÉU. IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA SUPOSTA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. FIXAÇÃO HONORÁRIOS DEFENSOR DATIVO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0001087-31.2020.8.16.0143 - Reserva - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 03.02.2024). APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO POR AMEAÇA E VIAS DE FATO AMBAS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (NO ARTIGO 147 caput DO CODIGO PENAL, ARTIGO 21 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS E ART. 24-A DA LEI 11.340/2006. INSURGÊNCIA DA DEFESA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA DETRAÇÃO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESTA PARTE. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ESPECIAL RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DELITOS DE AMEAÇA E VIAS DE FATO. DOLO EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0001295-57.2022.8.16.0171 - Tomazina - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 03.02.2024). Obviamente que não se pretende revestir de sacralidade a palavra da mulher vítima de violência doméstica e familiar e, desta forma, suprimir os direitos do suposto autor do fato. Mas o intuito é, como escrevem Lavigne e Perlingeiro (in Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico feminista. Lumen Juris, 2011): Ressignificar a palavra da mulher nesse contexto, expandindo-a na medida do devido processo legal, livre de representações muitas vezes trazidas aos autos por imaginário marcado por estereótipos e discriminações. De toda a sorte, a versão oferecida pelo ofendido não pode ser dotada de caráter absoluto, devendo ser valorada com temperamento quando apresentada contradições em seu teor e sempre em cotejo com todas as demais provas produzidas em Juízo. Como mencionado acima, a ocorrência dos fatos (=materialidade) é possível de ser extraída de alguns elementos produzidos nos autos que permitem concluir que nos dias 13 de maio e 21 de julho, ambos de 2024, o acusado enviou áudios e mensagens para o celular da ofendida. Insta consignar, no ponto, que a “materialidade do delito” e “vestígios” não se confundem. A materialidade é inerente a todos os tipos penais, pois todos possuem materialidade (por exemplo, a materialidade do crime de homicídio é o cadáver, da ameaça é justamente o proferir de ameaçar causar mal injusto e grave). Os vestígios nem sempre existem em toda e qualquer infração penal, tais como alguns crimes formais, como o delito de ameaça, injúria ou desacato, quando não expressos em algum lugar, apenas verbalizado. Deste modo, o “corpo de delito” consiste no apanhado de vestígios materiais ou sensíveis decorrentes do crime, assim, a palavra “corpo” não é exatamente o corpo de um indivíduo, mais sim o aporte de vestígios resultante da infração penal, restando seu conceito unido à materialidade do delito, tal como num crime de latrocínio em um apartamento, dentro desta conjectura o corpo de delito não se restringe somente ao cadáver, englobando todos os vestígios perceptíveis ao homem, a exemplo de marcas de sangue, a arma utilizada no crime e sinais de arrombamento. E, na espécie, foram inclusos nos autos os áudios e capturas de tela das mensagens enviadas pelo acusado. No mesmo sentido, os depoimentos colhidos durante a fase pré-processual e durante a instrução atestam que tais arquivos foram mandados pelo réu. Nesse cenário, registro que a análise das provas contidas nos autos, especialmente as declarações da vítima e as demais evidências apresentadas, demonstram de forma inequívoca a autoria e materialidade delitiva imputadas ao acusado. A vítima foi firme, em ambos os depoimentos (na Delegacia e em Juízo), ao afirmar que o réu entrou em contato por meio de mensagens de texto e áudio encaminhadas por ele. Destaque-se que são aceitáveis pequenas divergências porventura apresentadas nos relatos da vítima na esfera policial e em Juízo, as quais em nada diminuem a credibilidade conferida a eles, notadamente quando tais declarações se harmonizam em pontos essenciais e divergem apenas em aspectos de somenos importância. Por óbvio, não se exige da ofendida memória sobre-humana, especialmente diante do contexto fático a que foi submetida, isto é, a intenso sofrimento psicológico, físico e momentos de tensão, nem tampouco que se recorde detalhadamente dos pormenores de cada agressão sofrida (física ou moral). Frisa-se que não há nos autos qualquer elemento que desqualifique a versão apresentada pela vítima, não havendo motivos idôneos – nem sequer levantados nesse sentido – para imputar falsamente pessoas inocentes, até porque à vítima, ofendida pela obra criminosa, não calha acusar inocentes. O denunciado, por sua vez, não trouxe nenhuma prova, seja documental, pericial ou testemunhal, que pudesse informar o contrário do que aqui comprovado. Caberia ao processado demonstrar, minimamente (inclusive para suscitar razoável dúvida sobre o desenrolar dos fatos), que a narrativa da vítima (prestada na Delegacia e em Juízo) é inverídica. Contudo, não há, no conjunto probatório, circunstância capaz de desqualificar as versões apresentadas pela ofendida. Que fique claro desde logo: o ex-companheiro, o atual companheiro, o homem, ou qualquer outra pessoa (companheira ou não) não é dono da mulher; não pode mandar nela, e dizer o que ela pode, ou não, fazer, e muito menos agredi-la física ou verbalmente em razão de qualquer circunstância. O que impõe restrições à ação das pessoas é, tão somente, o governo das leis, que determinam aquilo que deve ser cumprido (respeitado o princípio da legalidade para o particular: fazer tudo aquilo que a lei não proíba). Não há, supostamente, lógica que razoavelmente permita, em uma relação que deve e deveria ser fulcrada sempre no afeto, especialmente diante da necessidade de resguardo das relações mútuas e recíprocas mantidas entre companheiros, permitir que eventuais desavenças, discussões e fins de relacionamento descabem para o desrespeito cuja manifestação mais oprobriosa se traduz naquela que fisicamente agride o outro, verbal ou fisicamente, e naquela que vise tornar a vontade do outro em elemento irrelevante, como se seus desejos - inclusive os de não mais se manter em convivência - embora dolorosos, não devessem ser respeitados e observados. Tudo isso, no ponto, permite concluir que o processado foi, de fato, a pessoa que mandou os áudios e mensagens de texto para a vítima, mesmo ciente das medidas protetivas que pesavam em seu desfavor. Reconhecida a materialidade e a autoria do crime de descumprimento de medidas protetivas, passo à análise dos mesmos quesitos atinentes ao crime de lesões corporais. 2.2.2. Lesões Corporais Primeiramente, reitero os fundamentos lançados no item anterior acerca do especial tratamento conferido à palavra da vítima nos crimes cometidos no âmbito da violência doméstica. Quanto ao crime tipificado no art. 129, §13, do CP, destaco que efetivamente houve a juntada de Laudo de Lesões Corporais (mov. 1.6), que atestou a ocorrência de ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima, mediante instrumento contundente, resultando nos seguintes ferimentos: equimoses violáceas no nariz e em pálpebra inferior direita. No caso, o laudo pericial juntado demonstra de maneira satisfatória as lesões sofridas pela ofendida, indo ao encontro da prova oral colhida ao longo do feito. Nesse cenário, registro que a análise das provas contidas nos autos, especialmente as declarações da vítima e as demais evidências apresentadas, demonstram de forma inequívoca a autoria e materialidade delitiva imputadas ao acusado. Novamente, os depoimentos prestados pela vítima (em Delegacia e em Juízo) foram uníssonos, asseverando que o réu, no dia dos fatos, a agrediu mediante tapas e empurrões. Assim como ressaltado no item anterior, destaco que são aceitáveis pequenas divergências porventura apresentadas nos relatos da vítima na esfera policial e em Juízo, as quais em nada diminuem a credibilidade conferida a eles, ainda mais quando eventuais divergências recaem sobre aspectos não essenciais. Nesse sentido, é irrazoável exigir da vítima memória sobre-humana quando submetida a sofrimento físico, de modo que a alegação de depoimento lacunoso ou contraditório não subsiste. O conteúdo do depoimento encontra ressonância nas evidências materiais, como o laudo pericial, que dão respaldo à narrativa de que houve agressão física ativa por parte do acusado, com resultado lesivo. Cumpre salientar que o laudo de lesão corporal descreve de maneira eficiente as lesões sofridas pela vítima, de modo que torna ainda mais robustas suas declarações. Calha pontuar, nesse ponto, que as lesões constantes na prova pericial guardam, sim, relação com a narrativa da ofendida. A extensão e local das lesões é condizente com o relato prestado pela vítima, especialmente no que diz respeito aos ferimentos na região da cabeça. Também quanto ao crime de lesões corporais, o denunciado não trouxe nenhuma prova, seja documental, pericial ou testemunhal, que pudesse informar o contrário do que aqui comprovado, limitando-se a afirmar que não se recorda de ter agredido a vítima. Todavia, tal declaração não é suficiente para evidenciar a ausência de autoria e materialidade, posto que não descaracteriza e/ou desacredita o depoimento prestado pela ofendida, sequer lança dúvida sobre a veracidade dele. Assim, ausentes outros elementos que se prestassem a este fim, conclui-se que o denunciado foi quem empurrou e desferiu tapas no rosto da vítima. Reconhecida a materialidade e a autoria de ambos os crimes, passo à análise das demais questões que dizem respeito à pretensão penal posta. 2.3. Tipicidade, Ilicitude e Culpabilidade 2.3.1. Descumprimento de Medidas Protetivas As medidas protetivas, ainda que sejam proferidos pelo Juízo Criminal, são instrumentos também de natureza cível. Elas são meios de que dispõe o juízo da violência doméstica que exerce uma sorte de competência mista ou híbrida (criminal e cível) para atingir a finalidade prevista na Lei n.° 11.340/06, qual seja, proteger a vítima-mulher que esteja em situação de perigo potencial ou iminente. Tanto é que o art. 22, §4º, da Lei nº 11.340/06, que dispõe acerca das medidas protetivas de urgência, preleciona que “aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil)”. Nesse ponto, vale dizer que a Lei Maria da Penha surgiu com a finalidade de superar, ou ao menos diminuir o preconceito e discriminação contra a mulher, trazendo instrumentos de empoderamento feminino, tais como as medidas protetivas e a assistência humanizada. Em resumo, entende-se que o objetivo da mencionada Lei é, portanto, coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher baseada no gênero. As medidas protetivas possibilitam à ofendida obter a proteção jurisdicional que, por sua vez, justifica-se pela realidade de violência doméstica e familiar a que são submetidas as mulheres brasileiras. A finalidade de tais medidas de proteção é, portanto, dispensar tratamento desigual às situações de desigualdade, cessando a violência sobre a vítima. Ao agressor poderão as aplicadas, dentre outras, medidas tais como a prestação de alimentos provisórios; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de contato com a vítima; proibição de determinadas condutas, etc. Contudo, mesmo diante da rigidez da legislação processual e penal, isso não vem se mostrando suficiente. Prova disso é que a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) registrou, no primeiro semestre de 2022, 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres (Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-eleitoral/brasil-tem-mais-de-31-mil-denuncias-violencia-contra-as-mulheres-no-contexto-de-violencia-domestica-ou-familiar). Tal fato só confirma que a criação de uma norma, embora seja um passo adiante, nem sempre é suficiente para solucionar conflitos complexos. Os aumentos nos números de violência contra a mulher revelam que a prescrição de sanções mais severas não melhora efetivamente o quadro de violência contra a mulher. Deve-se trabalhar sua efetividade, e os mecanismos aptos para isso. Nesse contexto, as medidas protetivas de urgência possibilitam uma resposta rápida e eficaz às agressões, estabelecendo medidas de caráter cautelar, do afastamento do agressor do lar até o recolhimento da mulher em situação de violência em abrigos. Ainda, importante mencionar que apesar da ineficiência do endurecimento punitivo, a busca pela erradicação da violência doméstica contra mulher deve continuar. Meios que visem garantir a eficácia das medidas de urgência, ou melhor, das decisões judiciais nesse caráter proporcionam, ou pelo menos tentam proporcionar, a segurança jurídica necessária às mulheres nessa situação. Feitas tais considerações, passo a análise do tipo penal em comento. O núcleo do tipo, ou seja, o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal é “descumprir”, o que denota que somente admitido o dolo, a vontade livre e consciente para a caracterização do delito, visando o agente ao abalo à integridade física e psicológica da ofendida. Insta mencionar que nos autos n.° 0032385-21.2022.8.16.0030, no dia 10.12.2022, foram concedidas medidas protetivas de urgência em favor da vítima, nos seguintes termos: Ademais, com arrimo no art. 22, da Lei nº 11.340/2006, considerando-se que as supostas ocorrências deram-se no âmbito das relações domésticas, estando a vítima, aparentemente, vulnerável ao cometimento de novas agressões, defiro a aplicação de medidas protetivas à ofendida e determino: 1) afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; 2) proibição do agressor se aproximar da vítima, seus familiares e testemunhas, devendo observar a distância mínima de 100 (cem) metros; 3) proibição do agressor manter contato com as pessoas mencionadas no item anterior por qualquer que seja o meio de comunicação. Após a intimação pessoal do denunciado acerca da concessão das medidas protetivas, no dia 10.12.2022, ocasião em que foi posto em liberdade, sobreveio novo Boletim de Ocorrência, no dia 19.10.2021, dando conta do descumprimento da medida protetiva de contato. Confira-se: COMPARECE NESTA ESPECIALIZADA A NOTICIANTE TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA PARA RELATAR DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA PRATICADO POR EGBERTO LOPES SOUZA. AS MEDIDAS FORAM CONFIRMADAS ATRAVÉS DE CONSULTA EM SISTEMA E POSSUEM N. 001416967-37, COM PROCESSO N. 0032386-06.2022.8.16.0030, PPJ-E N. 255735/2022, SEM DATA DA CIENTIFICAÇÃO. QUE O ÚLTIMO FATO OCORREU NA DATA DE HOJE 13/05/2024 EGEBERTO ENVIOU MENSAGENS PARA A NOTICIANTE COM ÁUDIOS QUE FORAM DISPONIBILIZADOS E SERÃO ANEXADOS NO PROCESSO ONDE O NOTICIADO PROFERE XINGAMENTOS DO TIPO “DESGRAÇADA, VADIA, DESGRAÇA, MENTIROSA, MOSTRA A BUNDA, FILHA DA PUTA, VAI PRO QUINTO DOS INFERNO”, FORNECE O PRINT DA LIGAÇÃO QUE ELE EFETUOU E DAS MENSAGENS ENVIADAS E APAGADAS. TAMBÉM INFORMA QUE ELE FOI ATÉ A RESIDÊNCIA DELA, ADENTROU, ACENDEU AS LUZES, ABRIU AS JANELAS E SAIU. ALÉM DISSO, AFIRMA QUE EGBERTO VAI ATÉ A RESIDÊNCIA DA NOTICIANTE, ADENTRA, XINGA, QUEBRA AS COISAS COMO JÁ QUEBROU A PORTA DE ENTRADA DA PARTE DE TRÁS DA CASA, TAMBÉM JÁ QUEBROU PORTÃO E OUTROS OBJETOS, MAS NÃO POSSUI FOTOS. AFIRMA QUE JÁ ACIONOU A POLÍCIA MAS QUANDO A EQUIPE CHEGA DIZEM QUE A MEDIDA DA NOTICIANTE NÃO É VÁLIDA, INCLUSIVE A GUARDA MUNICIPAL TAMBÉM JÁ RELATOU O MESMO, MESMO A NOTICIANTE MOSTRANDO O PDF DAS MEDIDAS. FOI ENCONTRADO OS SEGUINTES REGISTROS DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA 2024/392650, 2024/342603 E 2024/311147, SEM A COMUNICAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO. QUE O FATO DO BOLETIM 2024/392650 POSSUI VÍDEO QUE SERÁ ANEXADO NESTE PROCEDIMENTO, ONDE MOSTRA A MOTO DO NOTICIADO EM UMA CÂMERA DE SEGURANÇA DA CASA DELA. QUE XINGAMENTOS DO TIPO “VAGABUNDA, PROSTITUTA, PIRANHA, VADIA” DENTRE OUTROS. DIANTE DOS FATOS PEDE PROVIDÊNCIA. Posteriormente, acostou-se novo termo de depoimento da vítima, no qual narra novo descumprimento de medida protetiva seguida de lesões corporais praticados pelo acusado, como se vê: Comparece a esta Delegacia Especializada TATIANE CARDOSO DE OLIVEIRA para registrar ocorrência em desfavor de seu ex-companheiro EGBERTO LOPES SOUZA, oportunidade onde relata que: ontem (21/07/2024) por volta de 12h00min, EGBERTO entrou na casa da declarante e começou a lhe agredir; Que deu tapas no rosto da declarante e diversos empurrões; Que o filho da declarante, MATHEUS, de 16 anos, ligou para policia; Que EGBERTO agrediu a declarante e em seguida foi embora; Que quando a policia demorou a chegar e quando chegaram ao local registraram o boletim de ocorrência; Que EGBERTO estava armado; Que EGBERTO vai atras da declarante frequentemente, já tendo inclusive ido preso por descumprimento das medidas protetivas, colocado tornozeleira, mas que nada detêm EGBERTO; Que segundo a declarante EGBERTO somente vai parar quando conseguir matar a declarante; Que teme por sua vida; As medidas foram confirmadas através de consulta em sistema e possuem n. 001416967-37, com processo n. 0032386-06.2022.8.16.0030, PPJ-E n. 255735/2022, e conforme decisão do juiz proferida em 16/12/2024 as mesmas permanecerão vigentes "Se instaurado inquérito policial relacionado aos fatos, observados os princípios da máxima proteção e eficiência, o prazo de validae acima fixado fica automaticamente prorrogado até 06 (seis) meses após o arquivamento do inquérito ou o término da respectiva aão penal, salvo deliberação judicial expressa em sentido diverso." Nessa oportunidade foi expedida guia de lesões corporais para a declarante realizar exame junto ao IML. Contudo, na esteira das razões ministeriais, não restou efetivamente demonstrado o preenchimento da tipicidade em relação ao descumprimento noticiado. Na hipótese, inobstante a prova dos autos evidencie, sem sombra de dúvidas, que o denunciado manteve contato com a vítima, entendo que sua conduta não se amolda ao tipo penal em questão (art. 24-A, da Lei Maria da Penha). Explico. A vítima em sede judicial afirmou que as medidas protetivas foram “quebradas” por diversas vezes, por irresponsabilidade dela e do acusado, asseverando que entrou em contato com o processado. Inclusive, declarou que tais contatos não eram com o intuito de tratar sobre a pensão alimentícia de seus filhos. No mesmo sentido, o denunciado afirmou que a vítima lhe enviava mensagens e que, durante o período de validade das medidas protetivas, retomaram e romperam o relacionamento por diversas vezes. Tal cenário permite concluir que o contato entre as partes era não só tolerado, mas também incentivado por ambos, aparentemente, para reatarem o relacionamento. Assim, não há como reconhecer o descumprimento de medidas protetivas. Ante o exposto, não vislumbro, nas mensagens trocadas, tampouco nos depoimentos colhidos, comprovação de que tenha o acusado descumprido as medidas protetivas fixadas por este Juízo. Nesse sentido já julgou o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CRIME – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – SENTENÇA CONDENATÓRIA - CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA – ARTIGO 24-A, DA LEI Nº 11.340/2006 – INSURGÊNCIA DA DEFESA. PRELIMINAR: 1) PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA SENTENÇA SOB O ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INOCORRÊNCIA – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E SUFICIENTEMENTE EMBASADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO.MÉRITO: 1) PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA – NÃO CONHECIMENTO – MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. 2) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA – PROVIMENTO –VÍTIMA ALEGA QUE MANTEVE CONTATO COM O ACUSADO PARA TRATAR SOBRE AS VISITAÇÕES DA FILHA – AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO NA DECISÃO QUE DEFERIU AS MEDIDAS PROTETIVAS QUE PERMITIA O CONTATO EM RAZÃO DA PROLE EM COMUM DAS PARTES – CONSENTIMENTO DA OFENDIDA – REVOGAÇÃO TÁCITA DAS MEDIDAS PROTETIVAS – INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – ART. 386, III, DO CPP. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0001623-64.2023.8.16.0134 - Pinhão - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MAURO BLEY PEREIRA JUNIOR - J. 05.10.2024) (grifei). Logo, não restando comprovado o descumprimento das medidas fixadas, a absolvição do processado é medida que se impõe. O art. 156, do CPP, deixa claro que o ônus da prova deve ser daquele que fizer a alegação (vista essa intepretação com ressalvas, quando, p.ex., há alegação de excludente de ilicitude ou dirimente de culpabilidade), de modo que, se vige no nosso ordenamento o estado de inocência, como prevê o art. 5º, LVII, da CF/88, para além de questiona-lo, deve haver efetiva demonstração, concreta, palpável e indubitável dos elementos caracterizados do delito a afastar o estado constitucional mencionado, o que, como já discorrido, não ocorreu no presente feito. Cabe ao Ministério Público, que detém a obrigação jurídica de provar o alegado na denúncia, e não ao acusado albergado constitucionalmente pelo princípio da presunção de inocência, em um sistema processual penal acusatório, derruir as justificativas lançadas e apresentar outros elementos de convicção que corroborem a presunção firmada pela detenção de parte do objeto arrebatado. As acusações penais, como se sabe, não se presumem provadas, pois o ônus da prova concernente aos elementos constitutivos do pedido incumbe, exclusivamente, a quem acusa. Magalhães Noronha (in Curso de Direito Processual Penal, 6ª ed. São Paulo: 1973, p.88-89) leciona sobre o tema: Do ônus da prova. A prova da alegação incumbe a quem a fizer, é o princípio dominante em nosso Código. Oferecida a denúncia cabe ao Ministério Público a prova do fato e da autoria; compete-lhe documentar a existência concreta do tipo ("nullum crimem sine typo") e de sua realização pelo acusado. (...) Este também tem a seu cargo o anus probandi. (...) Vê-se, pois, que o ônus da prova cabe às partes. Há uma diferença, porém. A da acusação há de ser plena e convincente, ao passo que, para o acusado, basta a dúvida. Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecera culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita. Impende destacar, por oportuno, que, em nosso sistema jurídico, como ninguém o desconhece, a situação de dúvida razoável só pode beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio básico que deve sempre prevalecer nos modelos constitucionais que consagram o Estado Democrático de Direito. Como se vê, não há provas de que agiu o réu de acordo com a descrição objetiva da norma incriminadora e, da mesma forma, com vontade livre e consciente de atingir a finalidade de sua conduta. Ante o exposto, tendo em conta que as condutas do acusado não se amoldam ao tipo penal em voga, a absolvição é medida que se impõe. Ausente a tipicidade, deixo de analisar a ilicitude e a culpabilidade quanto ao crime de descumprimento de medida protetiva. 2.3.2. Lesões Corporais O tipo da lesão corporal (art. 129, caput, do CP), exige que a integridade corporal ou a saúde de outrem sejam ofendidas pelo autor. A ofensa à integridade, física (corporal) ou de saúde, da vítima, ocorre quando o comportamento do agente causa, efetivamente, uma chaga, um dano, um machucado a esses elementos bio-corpóreo-psíquicos do ser humano. Trago à baila, aqui, os ensinamentos de Bento de Faria (in Código Penal brasileiro comentado: parte especial, v.3, pág. 85): O dano ao corpo ocorre quando a lesão determina qualquer prejuízo à integridade do conjunto orgânico da pessoa. Dano à saúde é a desordem causadas às atividades psíquicas ou ao funcionamento regular do organismo. No mesmo sentido, as lições de Paulo Cesar Busato (in Direito Penal Parte Especial 1, São Paulo: Atlas, 2014): Somente existe lesão corporal presentes tais ofensas [à integridade física ou à saúde], o que significa que, não demonstrada a aflição da integridade física ou da saúde, não é possível a condenação por lesão corporal. (...) A abrangência do termo integridade física é ampla, incluindo qualquer classe de dano, tanto anatômico quanto fisiológico. No que se refere à saúde, amplia-se ainda mais o conceito para incluir até mesmo danos psíquicos ou perturbações mentais que, sem dúvida, são representativos de uma redução na saúde da vítima. (...) Em suma, dentro da pretensão de relevância, inclui-se, além da ofensa à integridade ou à saúde corporais, também a ofensa à integridade e à saúde mentais. Destarte, conforme se verifica na perícia realizada, as lesões ocasionadas não foram suficientes para dar incidência nos resultados descritos no tipo penal dos §§ 1º e 2º, do art. 129, do CP. Assim, verifica-se que a conduta do acusado foi causa suficiente e eficiente para a produção do resultado lesivo, evidenciando-se, com isso, a presença do nexo causal. Nesse âmbito, importante salientar que não se faz possível a desclassificação do crime de lesões corporais no âmbito da violência doméstica para a contravenção penal de vias de fato, prevista no art. 21 da Lei de Contravenções Penais. A nominada contravenção, segundo doutrina e jurisprudência, caracteriza-se pela prática de atos agressivos que, contudo, não ocasionam danos corporais. Entretanto, no caso em tela, verifica-se que as ações empregadas pelo denunciado ocasionaram lesões corporais na ofendida, devidamente constatadas por meio do Laudo de Lesões Corporais de mov. 1.6, sobre o qual já se teceram os devidos comentários no tópico da materialidade e autoria. Assim, a pretensa desclassificação da Defesa não se adequa aos tipos penais existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, decidiu o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: APELAÇÃO CRIME – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - CONDENAÇÃO - LESÃO CORPORAL – INSURGÊNCIA DA DEFESA. 1) PEDIDO DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – NÃO CONHECIMENTO – MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. 2) PRELIMINAR – PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE DA DECISÃO QUE DECRETOU A REVELIA DO APELANTE – DESPROVIMENTO - RÉU PESSOALMENTE CITADO PARA APRESENTAR RESPOSTA À ACUSAÇÃO E DEVIDAMENTE INTIMADO PARA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, CONTUDO, DEIXOU DE COMPARECER AO ATO - ATO CERTIFICADO POR OFICIAL DE JUSTIÇA – NÃO COMPROVADA A FALSIDADE DA CERTIDÃO – FÉ PÚBLICA QUE DEVE SER PRESTIGIADA – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE – REVELIA DEVIDAMENTE DECRETADA. 3) PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LESÃO CORPORAL PARA CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO – DESPROVIMENTO - LESÃO CORPORAL COMPROVADA POR MEIO DE LAUDO PERICIAL – ANIMUS LAEDENDI EVIDENCIADO - PRECEDENTES – CONDENAÇÃO MANTIDA. 4) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FIXAÇÃO EM SEDE RECURSAL.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO.ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0003420-94.2023.8.16.0160 - Sarandi - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MAURO BLEY PEREIRA JUNIOR - J. 14.06.2025) Ademais, extrai-se do referido acórdão: (...) a contravenção penal prevista no art. 21, do Decreto Lei 3.688/4, é caracterizado quando há prática de atos de violência contra pessoa que não redundam em lesões corporais. Trata-se, portanto, de infração subsidiária, aplicável, exclusivamente, na hipótese de a agressão perpetrada não deixar marcas no corpo da vítima, o que não é o caso presente, pois, ficou devidamente comprovada a prática do crime de lesão corporal, visto que as agressões ofenderam a integridade física da vítima. (destaque meu) Assim, afasto o pleito de desclassificação do crime do art. 129, §13, do CP para a contravenção penal de vias de fato. Para mais, cabem alguns apontamentos sobre a Lei n.º 14.994/24, que alterou a pena dos crimes previstos no art. 129, §13, e art. 147, ambos do CP (entre outras alterações relevantes no âmbito do combate à violência contra a mulher). A nova lei entrou em vigor no dia 09 de outubro de 2024, e a principal alteração, de fato, foi transformar o feminicídio em um crime autônomo no Código Penal, agora tipificado no art. 121-A, aumentando a pena mínima de 12 (doze) para 20 (vinte) anos, com um teto de até 40 (quarenta) anos. Além disso, o crime foi consolidado como hediondo, o que impede benefícios como liberdade condicional e exige que o condenado cumpra pelo menos 55% (cinquenta e cinco por cento) da pena antes de progressão de regime, inclusive para acusados primários. Outra inovação significativa foi a ampliação do conceito de violência de gênero, que agora inclui explicitamente motivações baseadas em "menosprezo ou discriminação à condição de mulher", abrangendo tanto agressões físicas quanto psicológicas e emocionais. Como mencionado, um dos pontos relevantes foi a modificação do art. 129, §13, do CP, que trata da lesão corporal praticada no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Com a nova redação, houve um aumento significativo da pena para os casos de lesão corporal e ameaça qualificadas por razões de gênero. Agora, as condutas que envolvem violência doméstica, especialmente aquelas motivadas pela condição do sexo feminino, como já ocorre no feminicídio, passaram a ser punidas de maneira mais rigorosa, com previsão de agravamento das penas. Para melhor compreensão e diferenciação, veja-se a diferença entre as alterações promovidas pela Lei nº 14.188/2021 e Lei n.º 14.994/24: Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) (...) Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.944, de 2024) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 14.944, de 2024) Todavia, à luz do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, aos delitos praticados antes do dia 09 de outubro de 2024, não podem ser aplicadas as penas previstas na Lei n.º 14.994/24, uma vez que a previsão contida na Lei n.º 14.188/2021, é mais benéfica ao acusado. A irretroatividade da lei penal maléfica é um princípio que tem previsão na Constituição Federal, precisamente em seu art. 5, XL. No campo doutrinário, consoante o magistério dos autores Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli "qualquer que seja o aspecto disciplinado do Direito penal incriminador (que cuida do âmbito do proibido e do castigo), sendo a lei nova prejudicial ao agente, não pode haver retroatividade" (in Direito Penal: Comentários à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Org. por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: RT, 2008). No presente feito, os fatos foram praticados ainda no período de vigência da Lei nº 14.188/2021, de modo que deve ser afastada a incidência das alterações promovidas pela Lei n.º 14.994/2024. E, nos termos do art. 5º, da LMP, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Por sua vez, o art. 7º, da Lei nº 11.340⁄06, estabelece os vetores para a interpretação das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre os quais se encontram a violência psicológica, consubstanciada quando a pessoa com a qual a mulher conviva lhe cause danos emocionais, diminua sua autoestima, prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento, degrade ou controle suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante uma séria de atos, lhe causem prejuízos à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade física ou saúde corporal; bem como a violência patrimonial, referente à atos que busquem reter, subtrair, destruir objetos de propriedade da mulher, inclusive seus bens, valores e direitos ou recursos econômicos; e a violência moral, voltada ao acinte à honra objetiva e subjetiva da pessoa; bem como a violência sexual, referente à atos que constranjam a pessoa a presenciar, manter, ou participar de relação sexual não desejada, por qualquer meio de coação, uso de força ou forma que obrigue a mulher a fazer algo que não pretende. Assim, o que se exige para configuração da violência doméstica prevista no inciso I, do §2º-A, do art. 121, do CP, é a prática de alguma das condutas do art. 7º, da LMP, em uma das hipóteses do art. 5º, também da Lei n.º 11.340/06. No caso, verifica-se que houve menção expressa, na denúncia, ao fato de que a vítima era ex-companheira do acusado, o que possibilita o reconhecimento de que os crimes foram cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher. Insta destacar que a agressão física, voltada a ofensa à integridade ou saúde do corpo humano de outro indivíduo, e a agressão verbal, voltada a ofensa à integridade emocional, psicológica e moral de outrem, não se isentam diante de discussões ou desacertos havidos no ambiente familiar e, em razão disso, são punidas de forma mais rigorosa, tendo em conta não ser aceita pela sociedade nesse ambiente. Como dito pela vítima em audiência (corroborado por aquilo que por ela mencionado na fase inquisitorial), e analisando, ainda, o que consta no laudo pericial, houve, sim, ofensa à sua integridade física, o que permite concluir ter havido, sim, a prática do crime de lesão corporal. Lembro, aqui, que a conduta, por expressa previsão legal, somente será imputada penalmente a alguém quando haja dolo ou culpa, e, neste caso, somente quando a lei expressamente autorizar a punição pelo crime culposo (art. 18, e §ún, do CP). E, no caso, há provas seguradas e indubitáveis de que o acusado causou lesões corporais de modo doloso, com intenção de fazê-las. Existem elementos suficientes para demonstração do dolo, elemento constante na tipicidade para configuração de determinação ação (ainda despida da valoração jurídico-penal) como delitiva. Possível, desse modo, se reconhecer a tipicidade da conduta do processado. Reconhecida a tipicidade que, para a teoria finalista, adotada pelo nosso ordenamento penal, atua como ratio cognoscendi da ilicitude (em contrário à teoria da ratio essendi, pela qual a tipicidade só se configura quando há, também, ilicitude – tipo total do injusto), só não estará ela presente quando existente alguma das causas que a excluem (art. 23, do CP). No caso, não vislumbro que o denunciado agiu amparado por alguma excludente da ilicitude, posto que não se encontrava em estado de necessidade, de legítima defesa, que estivesse cumprindo dever legal ou em exercício regular de direito. Pelo contrário, como já ressaltado anteriormente, o demandado deslocou-se até a residência da vítima onde ofendeu sua integridade física com tapas e empurrões. Não há que se falar, portanto, em excludente de ilicitude, sendo certo que as condutas imputadas devem ser analisadas sob o prisma do dolo do agente e da proteção especial conferida à mulher no âmbito das relações domésticas. Assim, resta demonstrada a presença da ilicitude no caso em comento. Para teoria finalista do crime, a culpabilidade é a soma da imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa. O acusado possuía mais de 18 (dezoito) anos de idade na época dos fatos e não há qualquer alegação de sofrer de causa que o tornasse inteiramente incapaz de entender, em tese, o caráter ilícito dos fatos. Não há causa de justificação a ser reconhecida capaz de excluir a ilicitude da conduta. Por outro lado, ao tempo do fato, o denunciado era imputável, tinha consciência da ilicitude de sua conduta e dele era plenamente exigível uma conduta diversa. Quanto ao argumento defensivo de que Egberto agiu em um estado de excesso emocional, verifico que não foram produzidas provas nesse sentido durante a instrução penal. O próprio acusado afirmou que não se recorda da agressão, não fornecendo detalhes sobre a suposta desordem emocional. Do mesmo modo, não há constatação alguma sobre tal situação quando da confecção do caderno investigatório, instaurado logo após o relato da vítima sobre as agressões físicas (cf. Portaria de mov. 1.1). Registre-se que tal alegação é deveras genérica à medida em que não individualiza qual seria a espécie de excesso emocional que supostamente teria levado o acusado a se portar de tal modo. Não obstante, mesmo que comprovada a alteração do estado psíquico do processado, o art. 28, I, do CP é categórico ao afirmar que a emoção não exclui a culpabilidade do agente. Desse modo, rejeito a tese defensiva de que o denunciado agiu movido por excesso emocional. Ademais, não há como acolher o argumento defensivo de que a embriaguez do acusado diminuiu sua capacidade de autodeterminação, a fim de atenuar a pena. Lembro que o Código Penal prevê que esse ato (i.e., de se embriagar), quando voluntário, não pode afastar a culpabilidade do agente (art. 28, II, do CP). Oportuno trazer à colação os ensinamentos de Rogério Greco (in Código Penal: comentado – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017) sobre o tema: Nas duas modalidades de embriaguez voluntária, o agente será responsabilizado pelos seus atos, mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Se sua ação, como diz a teoria da actio libera in causa, foi livre na causa, ou seja, no ato de ingerir bebida alcoólica, poderá o agente ser responsabilizado criminalmente pelo resultado. Na hipótese, não conseguiu o réu demonstrar nos autos o ilícito de sua conduta caso fortuito ou a força maior para seu alegado estado, assim como também não se comprovou o prejuízo na sua capacidade de entender o caráter ilícito da conduta. Assim, se sua ação foi livre na origem (=actio libera in causa), as consequências daí derivadas não podem eximi-lo das responsabilidades penais imputadas; outrossim, não há nada nos autos que indique e/ou comprove que ele não teria querido agredir a vítima, que, como visto, foi empurrada e estapeada. Acolher o argumento significaria, no ponto, reputar que ele teria agido dessa forma por algum tipo de negligência, imperícia ou imprudência, e não com dolo específico, comportamentos que parecem bastante desconexos com o tipo de ação perpetrada (i.e., dar um soco no rosto de alguém parece ato que não se coaduna com negligência, imprudência e/ou imperícia). Não se extrai do presente feito qualquer fato que possa ao menos sugerir que eventual estado de embriaguez do denunciado tenha se dado por razões alheias à sua vontade. Assim, considerando que se trata de embriaguez voluntária, embora não preordenada, não há que se falar em redução de sua pena. Necessária, portanto, a condenação do acusado pela prática do crime de lesões corporais. 2.4. Atenuantes e Agravantes Cabível, também, citar que, por meio do que estabelecido no Tema n.º 585 dos Repetitivos do STJ (vinculado ao REsp. n.º 1.341.370, posteriormente revisado pelos REsp's. n.º 1.947.845 e n.º 1.931.145), fixou-se interpretação de que a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência (específica ou não) podem ser compensadas na segunda fase da dosimetria da pena; contudo, nas hipóteses em que o acusado for multirreincidente, é possível (=necessário) compensar proporcionalmente a multirreincidência com a confissão, para atendimento e respeito à proporcionalidade e à individualização da pena. Conforme se extrai dos fundamentos das decisões acima proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, reconhece-se que, mesmo no caso de confissão qualificada ou parcial, pode-se aplicar a atenuante da confissão espontânea. Contudo, tal entendimento deve ser cotejado com o recente posicionamento do Plenário do STF na Revisão Criminal n.º 5.548. Nessa decisão, o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que, para o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, d, do CP, a confissão deve ser realizada de forma genuína, com o intuito de colaborar com a Justiça e elucidar a verdade dos fatos. Assim, a confissão qualificada — aquela em que o acusado admite a autoria do delito, mas simultaneamente alega causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade — não enseja o reconhecimento da referida atenuante, por não atender ao requisito de espontaneidade exigido pela norma. No presente cenário, Egberto, em sede policial, afirmou que empurrou a vítima quando tentava sair da residência, mas ela continuava a discutir. Em Juízo, disse não se recordar do episódio. Ou seja, sua admissão parcial da dinâmica dos fatos veio acompanhada de narrativa exculpatória, voltada à exclusão de sua responsabilidade penal. Dessa forma, sua confissão possui caráter qualificado, pois não foi voltada exclusivamente à elucidação da verdade dos fatos, mas acompanhada de argumentos destinados a excluir ou atenuar sua culpabilidade. À luz do que decidido pelo STF, não é possível, portanto, reconhecer a aplicação da atenuante da confissão espontânea neste caso, reforçando-se que tal benefício deve ser reservado às situações em que o agente confesse de forma genuína e sem condicionantes, em respeito à proporcionalidade e à individualização da pena. Outrossim da análise da Certidão do Oráculo (mov. 26.1), consta as seguintes condenações impostas ao acusado com trânsito em julgado. - Autos n.º 0003298-84.2023.8.16.0030: Fato praticado em 14.08.2003; condenação imposta em 29.12.2003 com trânsito em julgado em 26.01.2004 (cujo cumprimento total da pena ocorreu em 02.12.2016); - Autos n.º 0001760-97.2005.8.16.0030: Fato praticado em 13.04.2005; condenação imposta em 30.09.2005 com trânsito em julgado em 09.01.2006 (cujo cumprimento total da pena ocorreu em 02.12.2016); - Autos n.º 0004151-20.2008.8.16.0030: Fato praticado em 29.07.2008; condenação imposta em 03.11.2008 com trânsito em julgado em 10.11.2008 (cujo cumprimento total da pena ocorreu em 02.12.2016); - Autos n.° 0006847-09.2020.8.16.0030: Fato praticado em 07.03.2020; Condenação imposta em sentença datada de 22.09.2023, com trânsito em julgado em 08.07.2024; e - Autos n.° 0030110-36.2021.8.16.0030: Fato praticado em 22.12.2021; Condenação imposta em sentença datada de 15.07.2024, com trânsito em julgado em 09.01.2025. Relembro que o processado, na sua sentença, é julgado pelos fatos e circunstâncias que ocorreram até a data do crime. Assim, para o STJ, na dosimetria da pena, os fatos posteriores ao crime em julgamento não podem ser utilizados como fundamento para valorar negativamente a pena-base (STJ. 6ª Turma. HC 189.385-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/2/2014). Contudo, a condenação por fato anterior ao delito que se julga, mas com trânsito em julgado posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal (STJ. 5ª Turma. HC n. 210.787/RJ, Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16/9/2013). Calha mencionar que o Código Penal adotou a teoria da temporariedade. Com isso, a validade da reincidência será de 05 (cinco) anos a contar da extinção da pena resultante do crime anterior e a prática do novo crime, não importando a data que foi sentenciado. Esse período é conhecido como depurador ou caducidade da condenação anterior para fins de reincidência. Anoto que há entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, sob a sistemática da Repercussão Geral, em 17.08.2020, concluindo o julgamento por maioria do RE 593818, sedimentou a tese de que “não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo previsto no art. 64, I, do Código Penal”. Ou seja, de acordo com o entendimento do STF, em sede de Repercussão Geral, é possível a consideração de condenações transitadas em julgado cujas penas tenham sido extintas há mais de cinco anos como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base. Em relação às condenações impostas nos autos n.º 0003298-84.2023.8.16.0030, n.º 0003298-84.2023.8.16.0030 e n.º 0004151-20.2008.8.16.0030 anoto que essas penas foram extintas em 02.12.2016, de modo que o período depurador do art. 64, I, do CP, já que os 5 (cinco) anos ali previstos se encerraram em 01.12.2021 e o fato aqui ocorrido foi praticado em 21.07.2024. Assim, viável o reconhecimento tanto de maus antecedentes múltiplos referente aos autos n.° 0030110-36.2021.8.16.0030, com fato e condenação anterior ao fato em comento, mas com trânsito em julgado posterior e autos n.º 0003298-84.2023.8.16.0030, n.º 0003298-84.2023.8.16.0030 e n.º 0004151-20.2008.8.16.0030 cujo cumprimento total da pena se deu há mais de 5 anos dos fatos ora apurados, e da agravante da reincidência (autos n.° 0006847-09.2020.8.16.0030). Ainda, necessária a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, f, do CP, pois embora a relação de cônjuges e a violência de gênero já integrem o próprio tipo penal previsto no art. 129, §13, do CP, tratando-se de violência praticada no âmbito doméstico e familiar, o crime foi praticado por força da coabitação. Cabível, aliás, mencionar que a adequada interpretação da tese fixada no Tema n.º 1197 dos Repetitivos do STJ permite, eventualmente, sua aplicação para a figura do art. 129, §13, do CP: A aplicação da agravante do art. 61, inc. II, f, do Código Penal (CP), em conjunto com as disposições da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), não configura bis in idem. Isso porque como se verifica das razões de decidir e do voto do Min. Og Fernandes a lógica lançada foi uma que buscava cenário em que a conduta do agressor independia do gênero, enquanto que o art. 61, II, f, do CP, apontava agravante que dependia do gênero: Ao contrário daquilo que consta no acórdão recorrido, não há bis in idem, porque a agravante genérica prevista na alínea f do inc. II do art. 61 do Código Penal (CP), inserida pela alteração legal da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), objetiva uma sanção punitiva maior quando a conduta criminosa é praticada "com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica" (destaquei), enquanto as elementares do crime de lesão corporal tipificado no art. 129, § 9º, do Código Penal, traz a figura da lesão corporal praticada no espaço doméstico, de coabitação ou de hospitalidade, contra qualquer pessoa independente do gênero, bastando ser ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o agente conviva ou tenha convivido, ou seja, as elementares do tipo penal não fazem referência ao gênero feminino da vítima, enquanto o que justifica a agravante é essa condição de caráter pessoal (gênero feminino - mulher). A cabeça do art. 61 do Código Penal estabelece que as circunstâncias agravantes genéricas sempre devem ser observadas na dosimetria da pena, desde que não constituem ou qualificam o crime. No presente caso a circunstância que agrava a pena é a prática do crime de violência doméstica contra a mulher, enquanto a circunstância elementar do tipo penal do art. 129, § 9º, do Código Penal, não faz nenhuma referência ao gênero feminino, ou seja, a melhor interpretação é aquela que atende a função social da Lei, e, por isso, deve-se punir mais a lesão corporal contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, se a vítima for mulher (gênero feminino), haja vista a necessária aplicação da agravante genérica (art. 61, inc. II, alínea f, do CP). Em essência, portanto, o que isso quer significar é que (a) se houver coabitação ou prevalência das relações domésticas, e (b) houver violência cometida com base no gênero será possível a aplicação conjunta da qualificadora (seja do §9º seja do §13 do art. 129 do CP) com a agravante do art. 61, II, f, do CP. Nessa linha: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO QUE NÃO ATACOU, ESPECIFICAMENTE, TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL NA ORIGEM. APLICABILIDADE DA SÚMULA N. 182/STJ. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DOSIMETRIA. AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL. DISPOSIÇÕES DA LEI N. 11.340 /2006. APLICAÇÃO CONJUNTA. NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) 3. Consoante orientação desta Corte Superior, a aplicação da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não consubstancia bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.711.272/MA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 29/10/2024). Assim, dado que a vítima confirmou conviveu com o acusado, tendo ele se prevalecido de tal situação para a prática do crime, aplicável, sem configurar bis in idem, ambas as figuras. 2.5. Causas de Aumento e/ou de Diminuição Inexistem causas de aumento e/ou de diminuição a serem sopesadas na terceira fase da aplicação da pena. 3. Dispositivo Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva exposta pelo ilustre representante do Ministério Público nesta denúncia, com fulcro no art. 387, do CPP, para os fins de (a) condenar o acusado EGBERTO LOPES SOUZA pela prática do delito previsto no art. 129, §13, do CP (com redação dada pela Lei n.º 14.188/21), no âmbito da Lei Maria da Penha; e (b) absolver o réu das penas previstas no art. 24-A, da Lei nº 11.340/06, com fundamento no art. 386, III, do CPP. Diante da adoção, pelo Código Penal, do critério trifásico de Hungria (art. 68, do CP), passo à dosimetria da pena, relembrando que a sua individualização é garantia constitucional (art. 5º, XLVI, CF/88), e que o acusado deve responder não pelo que é (direito penal do autor), mas pelo que fez (direito penal do fato), conforme preleciona Zaffaroni. 4. Dosimetria da Pena Na primeira fase de dosimetria penal, analiso as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP. Ressalte-se, por oportuno, que inexiste um critério puramente aritmético na primeira fase da dosimetria, cabendo ao Magistrado, a quem a lei confere certo grau de discricionariedade, sopesar cada circunstância judicial desfavorável à luz da proporcionalidade, consoante seu prudente arbítrio. A culpabilidade, vista como reprovabilidade da conduta do agente, não merece valoração negativa. No que diz respeito aos antecedentes, reconheço a existência de condenação anterior, mas com trânsito julgado posterior (autos n.° 0030110-36.2021.8.16.0030) e de condenações cujo cumprimento se deu há mais de 5 (cinco) anos dos fatos ora apurados (autos n.º 0003298-84.2023.8.16.0030, n.º 0003298-84.2023.8.16.0030 e n.º 0004151-20.2008.8.16.0030). Não há elementos nos autos a respeito da conduta social no meio e comunidade em que vive e inexiste, também, laudo psicológico que ateste a personalidade do acusado (mesmo que exista jurisprudência do STJ no sentido de que o cometimento de atos infracionais seria elemento a demonstrar a personalidade afeta ao crime, reputo inviável o reconhecimento dessa vetorial, tendo em conta o desconhecimento técnico do Juízo no assunto, de modo que aplica-la seria permitir a analogia in malam partem, como, aliás, também já decidido pelo STJ, vide HC 175.280; HC 190.569; HC 117.497; e HC 86.866) e não havendo elementos nesse sentido e conhecimento técnico do Juízo para sua valoração, deixo de considera-las, inclusive por conta do conteúdo do Tema n.º 1.077 dos Repetitivos do STJ. Os motivos da prática do delito não pesam negativamente. As circunstâncias do crime são anormais à figura típica e merecem valoração negativa, uma vez que o delito foi praticado em estado de embriaguez voluntária. Não há que se falar em comportamento da vítima. Dado que, como se vê acima, há uma miríade de condenações impostas ao acusado que datam de 2003, 2005, 2008, e 2021, reputo possível, excepcionalmente, recrudescer a pena em patamar superior ao 1/8 para essa vetorial. Nessa linha, aliás, o STJ reconhece que não há direito subjetivo ao acusado em que sejam seguidos patamares matemáticos na fixação da pena: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO DE UMA DAS QUALIFICADORAS NA DOSAGEM DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. CONSEQUÊNCIA DO CRIME. PREJUÍZO QUE EXTRAPOLA O ÍNSITO AOS CRIMES PATRIMONIAIS. PROPORCIONALIDADE DO INCREMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA. QUANTUM DE AUMENTO FAVORÁVEL À RÉ. PENA MANTIDA. ÓBICE À ALTERAÇÃO DE REGIME E CONVERSÃO DA PENA CORPORAL EM RESTRITIVA DE DIREITOS. PRISÃO DOMICILIAR. SUPRESSÃO DE INSTÃNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A individualização da pena é uma atividade em que o julgador está vinculado a parâmetros abstratamente cominados pela lei, sendo-lhe permitido, entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Dessarte, ressalvadas as hipóteses de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade, é inadmissível às Cortes Superiores a revisão dos critérios adotados na dosimetria da pena. (...) 4. Conforme o entendimento deste Tribunal, "a fixação da pena-base não precisa seguir um critério matemático rígido, de modo que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima ou mesmo outro valor. Tais frações são parâmetros aceitos pela jurisprudência do STJ, mas não se revestem de caráter obrigatório, exigindo-se apenas que seja proporcional e devidamente justificado o critério utilizado pelas instâncias ordinárias" (AgRg no HC n. 718.681/SP, Quinta Turma, de minha relatoria, DJe de 30/8/2022). (...) (AgRg no HC n. 892.118/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE ILEGAL DE AGROTÓXICOS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) 2. Conforme entendimento desta Corte Superior de Justiça, "[n]ão há direito do subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial negativa, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínimas e máximas ou mesmo outro valor. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto d e ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito, desde que devidamente fundamentada" (AgRg no REsp n. 1.927.321/RS, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, 5ª T., DJe 25/10/2023), tal como ocorreu no caso dos autos. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.435.452/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 21/3/2024.) Embora, em regra, até para garantir segurança jurídica derivada da previsibilidade do que será decidido, esse Magistrado venha seguindo a lógica de que o rescrudescimento da 1ª fase deve seguir o critério de 1/8 sobre a diferença entre o máximo e o mínimo, o caso em comento exige solução diversa para que a exceção aplicada garanta o respeito à regra. Isso porque considerar em patamares iguais pessoas em situações distintas ofende o postulado constitucional da individualização da pena: haveria ofensa à proporcionalidade e à isonomia em seu cariz material se o critério fosse, sempre, o mesmo (i.e., 1/8 sobre a diferença) aplicado à pessoas em situações completamente distintas. Pense-se, p.ex., em cenário de um indivíduo que possui duas condenações anteriores ao fato julgado, uma delas antiga e cuja extinção pelo cumprimento é bastante anterior e outra que, mesmo já cumprida, ainda está inserida dentro do período depurador de 5 (cinco) anos. Esse indivíduo hipotético, com apenas duas condenações, teria suas penas valoradas em critérios idênticos (1/8 sobre a diferença entre o mínimo e o máximo e 1/6 sobre a pena base) ao de outro indivíduo que poderia possuir um sem-número de condenações. Aplicando essa lógica ao caso em comento, verifica-se que o recrudescimento em patamar puramente matemático ao apenado desrespeitaria a proporcionalidade em sua dupla acepção (vedação ao excesso e proibição de proteção insuficiente) e o postulado constitucional que exige que a pena seja individualizada de acordo com a pessoa que foi condenada. Desse modo, e considerando essas múltiplas condenações, reputo possível e necessário recrudescer sua pena em 1/4 da diferença entre o mínimo e o máximo da pena abstratamente prevista. Em relação à circunstância judicial negativa, o patamar de recrusdescimento deverá ser de 1/8 da diferença entre o máximo e o mínimo. Partindo-se, assim, do mínimo legal cominado em abstrato para o crime em questão, previsto no art. 129, §13, do CP, com redação dada pela Lei n.º 14.188/21 (reclusão, de 1 a 4 anos), e da diferença (cf. já decidido pelo STJ, vide AgRg nos EDcl na PET no REsp n.º 1.852.897, no AgRg no REsp n.º 1.986.657, AgRg no REsp n.º 1.919.781, AgRg no AREsp n.º 1.865.291, AgRg no REsp n.º 1.898.916, AgRg no HC n.º 647.567, dentre vários outros) entre o máximo e o mínimo dessas condenações, havendo duas vetoriais negativas (maus antecedentes e circunstâncias), recrudesço a pena em 1/8 para para as circunstâncias (o que equivale a 4 meses e 5 dias) e em 1/4 para os (múltiplos) maus antecedentes (o que equivale a 9 meses) e fixo a pena-base em 2 (dois) anos, 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de reclusão. Na segunda fase da dosimetria, incidem as agravantes descritas no art. 61, I e II, f, do CP, razão pela qual agravo a pena em 1/6 pela reincidência (autos n.° 0006847-09.2020.8.16.0030) e em 1/6 (um sexto) para a segunda agravante, fixando a reprimenda intermediária em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. No mais, não incidem causas de aumento ou diminuição de pena, razão pela qual fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. 4.1. Regime Inicial de Cumprimento de Pena Considerando a quantidade de pena imposta ao acusado, a presença de circunstâncias judiciais negativas e a reincidência, é caso de fixação do regime semiaberto para cumprimento da reprimenda. Nesse ponto, inclusive, ressalto que a detração referida no §2º, do art. 387, do CPP, serve tão somente para determinação do regime prisional. O tempo de duração da pena imposta permanece intangível. Assim, considero que não há vulneração aos princípios da isonomia e da individualização da pena na seara da execução criminal. No mesmo sentido, colaciono o magistério de Guilherme De Souza Nucci (in Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 5ª edição, Editora Atlas, 2013, p. 802): De plano, se pode visualizar uma modalidade diferente de detração a ser reconhecida na própria sentença condenatória. Impende destacar de início que não se trata de detração do tempo de privação de liberdade na pena e sim de sua consideração para a fixação do regime penitenciário para o início de seu cumprimento. Significa que o magistrado não poderá modificar a pena definitiva fixada. O total da pena imposta, sem a detração, deverá ser considerado para todos os demais efeitos penais e incidentes na execução. (...) No entanto, como referido, pensamos que o princípio encampado pela alteração (de extrema valia, diga-se) é para exclusivamente decotar o tempo de prisão da sentença condenatória na fixação do regime de pena imposta no respectivo processo criminal. Igual, no ponto, a interpretação de Guilherme Madeira Dezem (in Curso de Processo Penal [livro eletrônico], 8ª ed., São Paulo: Thomson Reuters, 2022): Em segundo lugar, temos a questão da detração prevista no art. 387, § 2º, do CPP. A detração é prevista idealmente no art. 42 do CP e consiste no desconto do tempo de prisão provisória quando da execução penal. Antes da existência deste § 2º a detração somente era calculada no momento da execução da pena. E como deve ser aplicado este § 2º do art. 387 pelo próprio juiz do processo de conhecimento? É importante compreender a letra do § 2º: O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. Após fixar a pena o juiz passa à fixação do regime de pena. Neste momento o juiz levará em conta, para os fins dos parâmetros do art. 33, § 2º, do CP. Pensemos em um exemplo concreto. Imaginemos que o acusado tenha sido condenado à pena e 8 anos de reclusão e tenha ficado preso durante todo o processo, que durou 2 anos. Antes dessa reforma da lei, o juiz utilizaria 8 anos como critério para a fixação do regime e isso iria gerar regime inicial fechado. Agora, para fins de fixação do regime inicial fechado, o juiz irá retirar estes 2 anos do total da pena, o que resultará em pena de 6 anos, somente podendo fixar o regime de pena então a partir do semiaberto (art. 33, § 1º, b, do CP). Compete esta providência ao juízo do conhecimento e não ao juízo da execução penal conforme inclusive já determinado pelo STJ: “5. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que a detração prevista no art. 387, § 2º, do CPP, é, sim, de competência do Juiz sentenciante, cabendo a ele, no momento da prolação do édito condenatório, considerar o tempo de prisão provisória do réu, naquele mesmo processo, para a definição do regime prisional” (STJ, AgRg no AREsp 1869444/SP, 5ª Turma, rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 23.08.2021). De se notar, como já afirmávamos anteriormente, que não se trata de progressão de regime na sentença, mas sim de forma de fixação do regime inicial. Nesse sentido também já se manifestou o STJ: “2. A detração penal, prevista no art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, não versa sobre progressão de regime prisional, instituto próprio da execução penal, mas sim acerca da possibilidade de se estabelecer regime inicial menos severo, descontando-se da pena aplicada o tempo de prisão cautelar do acusado” (STJ, AgRg no HC 479279/SP, Rel. Min. Nefi cordeiro, DJe 03.06.19). Essa interpretação, inclusive, é a que vem sendo aplicada pelo STJ, conforme se verifica nas decisões proferidas no AgRg no REsp n.º 2.104.637, no AgRg no AREsp n.º 2.320.685, no AgRg no HC n.º 853.277, no AgRg no HC n.º 853.662, no AgRg no REsp n.º 2.064.100, dentre vários outros todos no mesmo sentido. No caso, verifico que o acusado não permaneceu preso preventivamente, de modo que não há tempo a ser detraído. Haja vista a pena definitiva fixada, considerando que o denunciado é reincidente, e de olho no contido no art. 33, caput e §2º, e art. 36, ambos do Código Penal, havendo quantidade de pena inferior a 04 (quatro) anos, fixo o regime semiaberto para início de cumprimento da pena privativa de liberdade. 4.2. Substituição por Restritiva de Direitos e Suspensão Condicional da Pena É preciso lembrar que a pena tem essência retributiva (Fragoso), mas que sua finalidade é preventiva (Soller). Assim, existindo motivos suficientes, a substituição da pena se impõe. Analisando os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, previstos nos arts. 43 e 44, do CP, concluo que a aplicação de pena restritiva de direitos, no presente caso, não se mostra como a medida mais socialmente recomendável. Isso porque, o crime foi praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa e o acusado é reincidente em crime doloso. No mais, incide, aqui, o que consta no enunciado nº 588, da Súmula da jurisprudência dominante do STJ, que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos em crimes ou contravenções praticadas contra mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. Ainda, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, havendo circunstância judicial desfavorável, não é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por multa ou por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, III, do CP, por não se mostrar suficiente para a prevenção e repressão do delito praticado. Dessa forma, incabível a substituição por penas restritivas de direitos. No mesmo sentido, incabível a suspensão condicional da pena, vez que não preenchidos os requisitos do art. 77, II, do CP. Além disso, o e. TJPR recentemente adotou entendimento no sentido de que eventual concessão do benefício da suspensão condicional da pena é matéria afeta ao Juízo da Execução Penal. A aceitação da benesse deve ser feita pelo sentenciado por ocasião da audiência admonitória (em caso, evidentemente, de confirmação da condenação). Confira-se: APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. PLEITO BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DA CONDUTA. INVIABILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM O ACERVO PROCESSUAL. ANIMUS LAEDENDI COMPROVADO. DELITOS CONFIGURADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA DEVIDAMENTE SOPESADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE REGIME ABERTO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS EM DELITOS QUE ENVOLVEM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SÚMULA 588 DO STJ. PEDIDO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. OPÇÃO QUE PODERÁ SER FEITA POR OCASIÃO DA AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PORÇÃO, DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000022-48.2020.8.16.0192 - Nova Aurora - Rel.: DESEMBARGADOR PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO - J. 12.02.2022) – grifei. APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E LESÃO CORPORAL (ART. 129, §9º, DO CP E ART. 24-A, CAPUT, DA LEI Nº 11.340/06) – CONDENAÇÃO – PENA DE 06 MESES DE DETENÇÃO - MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA AFASTAR, DE OFÍCIO, A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS) – IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO - BENEFÍCIO A SER OPTADO PELO RÉU EM AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA - PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS – IMPROCEDÊNCIA – PALAVRA DA VÍTIMA QUE MERECE ESPECIAL RELEVÂNCIA QUANDO COERENTE COM AS PROVAS E REFORÇADA PELO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A VÍTIMA LOGO APÓS OS FATOS - LAUDO PERICIAL QUE CONFIRMA A VERSÃO APRESENTADA PELA OFENDIDA – RECORRENTE QUE MESMO CIENTE DA EXISTÊNCIA DE MEDIDAS PROTETIVAS EM SEU DESFAVOR OPTOU POR DESCUMPRIR DETERMINAÇÃO JUDICIAL E AGREDIR A VÍTIMA - VERSÃO DA DEFESA INCONSISTENTE E ISOLADA NOS AUTOS – SENTENÇA ADEQUADA E QUE NÃO MERECE REFORMA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000630-82.2020.8.16.0083 - Francisco Beltrão - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU BENJAMIM ACÁCIO DE MOURA E COSTA - J. 27.11.2021) – grifei. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA.I. ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – CONJUNTO PROBATÓRIO INFORMATIVO DA PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA – CONDENAÇÃO MANTIDA.II. RESPOSTA PENAL:A) CRIME DE AMEAÇA – ERRO MATERIAL NA APLICAÇÃO DA PENA – RETIFICAÇÃO.B) REGIME PRISIONAL SEMIABERTO – ABRANDAMENTO – INADMISSIBILIDADE – ACUSADO REINCIDENTE (CP, ART. 33-§2º-“C”).C) SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 588 DO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.D) SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO – NÃO CONHECIMENTO.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000003-44.2021.8.16.0180 - Santa Fé - Rel.: DESEMBARGADOR TELMO CHEREM - J. 03.10.2021) – grifei. Portanto, não há que se falar, neste momento, na concessão do benefício em questão. 4.3. Valor Mínimo da Condenação Como se sabe, o art. 387, do CPP, que o Juiz, ao proferir sentença, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Para Andrey Borges de Mendonça (in Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008), em situações excepcionais, devidamente justificadas, poderá ocorrer de o Magistrado não ter elementos suficientes para fixar o valor da indenização, sequer em seu mínimo legal. Como destacado, é imperioso que a vítima sofreu danos passíveis de quantificação pelo presente Juízo. E, como pontuado pelo Parquet em suas alegações finais, na forma do que decidido pelo STJ no Tema nº 983 (REsp nº 1.643.051; REsp nº 1.683.324; e REsp nº 1.675.874), é possível a condenação do acusado ao pagamento de condenação mínima (repito: mínima) pelos danos morais causados à vítima oriundos da prática de fato criminoso que se reputa enquadrado como violência doméstica ou familiar cometido contra a mulher. Eis o teor da tese firmada: Nos casos de violência doméstica contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. Trechos do voto condutor da tese elucidam, bem, a controvérsia posta: A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e fortalecimento da vítima, particularmente a mulher, no processo criminal. (...). Ainda que uma ou outra voz doutrinária considere de menor amplitude tal previsão normativa, que alcançaria apenas os danos materiais (Pacelli, Eugênio; Fischer, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 822; Pollastri Lima, Marcellus. Curso de Processo Penal. 9. Ed., Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 1.182), melhor compreensão, a meu aviso, teve a doutrina liderada, inter alia, por autores como Gustavo Badaró (Processo Penal – 4. ed. rev. atual e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 538) e Paulo Rangel (Direito Processual Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 601), até porque se alinha à já pacífica jurisprudência desta Corte Superior, de que a indenização da qual trata o citado dispositivo legal contempla as duas espécies de dano: o material e o moral. (...). Mais robusta ainda há de ser tal compreensão, a meu sentir, quando se cuida de danos experimentados pela mulher vítima de violência doméstica – quase sempre, mas nem sempre, como na espécie em exame, perpetrada pelo (ex) marido ou (ex) companheiro) –, situação em que é natural (pela diferente constituição física) e cultural (pela formação sexista e patriarcal da sociedade brasileira) a vulnerabilidade da mulher. Malgrado não caiba, neste âmbito, questionar as raias da experimentação e da sensibilização fundadas na perspectiva de cada um, urge, todavia, sem mais, manter os olhos volvidos ao já não mais inadiável processo de verdadeira humanização das vítimas de uma violência que, de maneira infeliz, decorre, predominantemente, da sua simples inserção no gênero feminino. As dores sofridas historicamente pela mulher vítima de violência doméstica são incalculáveis e certamente são apropriadas em grau e amplitude diferentes. Sem embargo, é impositivo, posto que insuficiente, reconhecer a existência dessas dores, suas causas e consequências. É preciso compreender que defender a liberdade humana, sobretudo em um Estado Democrático de Direito, também consiste em refutar, com veemência, a violência contra as mulheres, defender sua liberdade (para amar, pensar, trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de sua proteção jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou minimizem o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher. (...). Por outro viés, o Brasil – e seus agentes públicos, por óbvio – não pode se eximir dos compromissos assumidos por haver aderido a tratados internacionais que envolvem direitos humanos e, em especial, direitos das mulheres, notadamente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará), de modo a robustecer a compreensão acerca da relevância do tema no próprio ambiente jurídico e a direcionar suas ações para a necessária mudança social e o aperfeiçoamento de mecanismos nacionais de prevenção e repressão à violência contra as mulheres. (...). Feita essa digressão, importante para demonstrar o caminhar das cortes superiores na direção de uma crescente e mais efetiva proteção à mulher vítima de violência doméstica, cumpre assinalar que ambas as Turmas desta Corte Superior já firmaram o seu entendimento de que a imposição, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, requer a dedução de um pedido específico, em respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa. (...). A Quinta Turma possui julgados no sentido de que "a reparação do dano sofrido, previsto no inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal, exige pedido expresso e indicação do valor pretendido" (AgRg no AREsp n. 1.062.989/MS, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 18/8/2017). A Sexta Turma desta Corte, por sua vez, considera que "o juízo penal deve apenas arbitrar um valor mínimo, o que pode ser feito, com certa segurança, mediante a prudente ponderação das circunstâncias do caso concreto – gravidade do ilícito, intensidade do sofrimento, condição sócioeconômica do ofendido e do ofensor, grau de culpa, etc. – e a utilização dos parâmetros monetários estabelecidos pela jurisprudência para casos similares. Sendo insuficiente o valor arbitrado poderá o ofendido, de qualquer modo, propor liquidação perante o juízo cível para a apuração do dano efetivo (art. 63, parágrafo único, do CPP)" (AgRg no REsp n. 1.626.962/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 16/12/2016). Nesse ponto, entendo, pois, que o pedido expresso por parte do Ministério Público ou da ofendida, na exordial acusatória, é, de fato, suficiente, ainda que desprovido de indicação do seu quantum, de sorte a permitir ao juízo sentenciante fixar o valor mínimo a título de reparação pelos danos morais, sem prejuízo, evidentemente, de que a pessoa interessada promova, no juízo cível, pedido complementar, onde, então, será necessário produzir prova para a demonstração do valor dos danos sofridos. (...). No âmbito da reparação dos danos morais – visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza –, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único – o criminal – possa decidir sobre uma importância que, relacionada à dor, ao sofrimento e à humilhação da vítima, incalculáveis sob o ponto de vista matemático e contábil, deriva da própria prática criminosa experimentada, esta, sim, carente de comprovação mediante o devido processo legal. (...). Diante desse quadro, entendo que a simples relevância de haver pedido expresso na denúncia, a fim de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, ao meu ver, é bastante para que o Juiz sentenciante, a partir dos elementos de prova que o levaram à condenação, fixe o valor mínimo a título de reparação dos danos morais causados pela infração perpetrada, não sendo exigível produção de prova específica para aferição da profundidade e/ou extensão do dano. O merecimento à indenização é ínsito à própria condição de vítima de violência doméstica e familiar. O dano, pois, é in re ipsa. De fato, portanto, é possível que haja condenação de valor mínimo de indenização à mulher vítima de violência doméstica; contudo, na linha do voto do Min. Relator esse pedido deve ser formulado antes do encerramento da instrução processual, não podendo ser trazido à conhecimento e enfrentamento tão somente por ocasião das alegações finais; a pretensão deve ser deduzida ou por ocasião da denúncia, na cota ministerial, ou, mesmo que posteriormente a ela, mas antes da apresentação de alegações finais, seja pelo Ministério Público seja pela própria ofendida. Essa pretensão, como se vê, se encontra posta na denúncia (mov. 18.1), e foi, agora, novamente mencionado por ocasião das alegações finais. Assim, possível, e necessária, a condenação do sentenciado à pagamento de valor mínimo de indenização pelos danos morais causados por sua conduta. A discussão, agora, passa a ser em relação ao quinhão mínimo que deve ser devido à vítima da violência doméstica. E, no ponto, considerando as condições pessoais da ofendida, o contexto de violência doméstica, e a extensão das lesões sofridas, entendo por bem fixar o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização. Desse modo, na forma do art. 387, IV, do CPP, condeno o sentenciado ao pagamento de valor mínimo de indenização pelo dano moral em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em favor da vítima, quinhão que deverá ser acrescido de (a) juros de mora contados em 1% ao mês até 28.08.2024 e na forma da Taxa Legal contada consoante a Res.-CMN 5171/2024 (que pode ser acessada por meio do link disponível no sitio eletrônico do BCB) de 29.08.2024 até o pagamento contados do evento danoso, i.e., desde 27.04.2024, cf. arts. 398 e 406, caput e §§, do Código Civil e enunciado n.º 54 da súmula da jurisprudência dominante do STJ, e (b) correção monetária, calculada IPCA, a partir da presente data, cf. enunciado nº 362 da súmula da jurisprudência dominante do STJ e art. 389, caput e §ún., do Código Civil. Ausentes, contudo, quaisquer elementos que indiquem abalos de índole material, notadamente porque nada sobre isso foi dito durante a instrução probatória, deixo de condenar o acusado a qualquer reparação mínima por danos materiais eventualmente sofridos pela vítima, o que não impossibilita, evidentemente, que busque ela essa estirpe de indenização pelos meios próprios e adequados. Lembro, novamente, que o valor ora fixado é o mínimo, o que não obsta que promova, a vítima, discussões em outras demandas para fins de aumentar o valor da reparação devida pelo acusado. 4.4. Direito de Recorrer em Liberdade Considerando, assim, que ao sentenciado foi imposto o regime inicialmente semiaberto, não existem razões para decretação da prisão preventiva. Além disso, ainda que tivesse sido imposto regime mais gravoso (como o fechado), tendo o denunciado respondido ao processo em liberdade, eventualmente decidir, aqui, pela preventiva sem que qualquer outra circunstância fática e/ou jurídica senão a sentença ora proferida tenha sido trazida à baila, poderia configurar execução provisória de pena sem atendimento às premissas fincadas pelo STF nas ADC’s n.º 43 e 44, e no HC n.º 126.292, i.e., decisão condenatória em segunda instância. Anoto que não desconheço das discussões e clamores sociais que se fiam a ideia de uma sentença condenatória poderia (e deveria) ser, desde logo, executada, sem que tivesse que se aguardar o resultado de um ou mais recursos para que, somente aí pudesse haver início do cumprimento da reprimenda (notadamente por conta da prodigalidade com que nosso sistema processual trata a possibilidade de rediscussão quase que infinita dos temas, não sendo incomum se verificaram embargos de embargos de embargos de embargos de agravos de agravos de embargos de agravos de recursos de apelação – e assim em uma cadeia que, a rigor, cansa a fala e a interpretação). E, muito menos, não ignoro que há também vozes que bradam para que, notadamente em delitos cujas penas são aplicadas de modo mais rigoroso e com quantidades elevadas, seja, de plano, dado início ao cumprimento de pena, sob os auspícios da necessidade de não se fomentar a sensação de impunidade. Todavia, se somente a sentença é o “fato” novo que se vê posto à análise, não pode ele ser utilizado como argumento de necessidade de resguardo da ordem pública (com as vênias possíveis aos entendimentos em sentido contrário) para que, só com base nisso (e malgrado a quantidade de pena imposta) se possa decretar a prisão preventiva. Assim, na ausência dos requisitos necessários para decretação da prisão preventiva (art. 387, §ún., CPP), fica concedido ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade. 5. Disposições Finais Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804, do CPP. Verifico que a Dra. Dayanne Brumatti de Oliveira, bem atuou neste processo-crime, sem ser integrante de Defensoria Pública, tendo o direito de ser remunerado(a) pelo seu trabalho (art. 22, §1º, da Lei nº 8.906/1994), remuneração tal que deve ser feita pelo Estado, pois é dever deste prestar assistência jurídica integral aos que dela necessitam, nos termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, bem como segundo precedentes, por exemplo, do Supremo Tribunal Federal (STF – RE-AgR 225651/SP – Rel. Min. Cezar Peluso – 1ª Turma – DJU 16.12.2004). Por conseguinte, diante da necessidade dessas nomeações e considerando o que consta na Lei Estadual nº 18.664/2015 e na Resolução Conjunta PGE/SEGA nº 06/2024, arbitro honorários advocatícios em favor do(a) Dr(a). Dayanne Brumatti de Oliveira, OAB-PR nº 64.670, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), na forma da citada legislação estadual. A presente sentença terá eficácia de certidão para fins de cobrança de honorários. Após o trânsito em julgado: (a) expeça-se guia de recolhimento para execução das penas (art. 674, do CPP e art. 105, da Lei de Execução Penal), observando-se o disposto: nos arts. 106 e 107, ambos da Lei de Execução Penal; nos arts. 676 a 681, todos do CPP; (b) comunique-se ao distribuidor, instituto de identificação e à delegacia de origem, nos moldes dos arts. 824 e 825, do Código de Normas; (c) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de aplicação das sanções políticas, nos moldes do art. 15, III, da CF/88; (d) intime-se a vítima para ciência da condenação em reparação de danos, inclusive para que, querendo, promova as medidas necessárias ao cumprimento da decisão, que possui força de título executivo judicial; e (e) observe-se, no que for cabível, as previsões contidas nos arts. 893-895 e 903-905, do novo Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do TJPR. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, atentando-se para as disposições do art. 392, do CPP. Foz do Iguaçu, datado digitalmente Alexandre Afonso Knakiewicz Juiz de Direito Substituto
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