Marinês Salvador Gonçalves x Estado Do Paraná e outros
ID: 261528965
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara da Fazenda Pública de Cascavel
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0051920-65.2019.8.16.0021
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROBERTO ALTHEIM
OAB/PR XXXXXX
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BRUNA TERUEL HOFMANN FARIAS
OAB/PR XXXXXX
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DULCINEIA DAS NEVES CERQUEIRA
OAB/PR XXXXXX
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VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Vistos e examinados estes autos de
“Ação de Reparação por Danos
Morais e Materiais”, autuada sob o
n°. 0051920-65.2019.8.16.0021,
movida por MARINÊS SALVADOR
…
VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Vistos e examinados estes autos de
“Ação de Reparação por Danos
Morais e Materiais”, autuada sob o
n°. 0051920-65.2019.8.16.0021,
movida por MARINÊS SALVADOR
GONÇALVES em face do Estado do
Paraná e do Município de Cascavel,
já devidamente qualificados.
1. RELATÓRIO
MARINÊS SALVADOR GONÇALVES ajuizou a presente
“ Ação de Reparação por Danos Morais e Materiais” em face do ESTADO DO PARANÁ e
do MUNICÍPIO DE CASCAVEL, alegando, em síntese, que: no dia 02/05/2019 teria
sentido dores no lado direito do abdômen e, no dia 07/05/2019 teria procurado a Unidade de
Pronto Atendimento – “UPA Brasília”, recebendo medicação e sendo liberada; no dia
10/05/2019 procurou novamente o atendimento, sendo medicada e novamente liberada; em
14/05/2019 teria procurado a Unidade de Saúde (USF Periolo), quando teriam sido solicitados
exames, sendo orientada de que, em caso de piora, deveria se dirigir ao atendimento de
urgência; assim, no dia 24/05/2019 retornou à UPA, recebendo o mesmo tratamento com
medicamentos; como a dor estaria se intensificando, teria optado por pagar pelos exames na
rede particular; com o resultado da ultrassonografia, retornou à USF, quando foi constatada
“calculose do rim e ureter (CID: N20), cisto anecogênico medindo até 5,6 em rim direito”;
teria sido orientada a aguardar o resultado dos demais exames, interromper uso de anti-
inflamatórios e corticoides e fazer uso de “escopolamina, dipirona e codeína”; novamente,
no dia 03/06/2019, procurou atendimento, quando teria sido orientada a procurar a UPA; no
dia seguinte teria comparecido na Unidade de Pronto Atendimento, quando obteve
encaminhamento para consulta urgente com especialista em urologia; com o agravamento dos
sintomas, retornou à UPA no dia 06/06/2019, sendo novamente medicada e liberada; diante
das dores, teria retornado na unidade, permanecendo internada até o dia 08/06/2019, mas sem
previsão de transferência para hospital; teria recebido nova alta, mas retornou à UPA na
mesma data; diante disso, teria solicitado ajuda aos familiares para realizar consulta com
1VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
médico particular, especialista em urologia, o qual solicitou exame de urotomografica
computadorizada, que foi realizado em 14/06/2019; com o resultado do exame, o médico
particular teria orientado que procurasse imediatamente um hospital, pois já teria “perdido
seu rim direito, havendo necessidade de cirurgia de retirada” urgente do órgão, com risco de
óbito; foi acionada a ambulância do SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência,
contudo, na UPA teria sido novamente orientada a retornar para a casa, após medicação; seu
esposo teria exigido que fosse feito o seu internamento, motivo pelo qual permaneceu na
unidade por mais 6 (seis) dias aguardando leito hospitalar; em razão disso, teria obtido
dinheiro emprestado para consulta em hospital particular, o que foi realizado em 24/06/2019,
sendo constatada a hipótese de emergência e a gravidade do seu quadro, motivo pelo qual
pagou pela cirurgia de retirada do rim; teria sido informada de que havia três focos de
infecção, bem como que, se houvesse recebido o tratamento adequado anteriormente, não
teria perdido o órgão; a prestação do serviço público de saúde compete a todos os entes da
Federação; a responsabilidade pelos danos causados pela falta de atendimento adequado seria
objetiva; faria jus ao reembolso das despesas médicas no importe de R$ 6.800,00 (seis mil e
oitocentos reais); teria sofrido danos morais em virtude da conduta dos réus, devendo haver a
pertinente reparação. Ao final, pugnou pela procedência da pretensão deduzida, para condenar
os réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Requereu, ainda, o
benefício da justiça gratuita. Juntou documentos (eventos 1.2/1.25).
Pela decisão do evento 7.1 foi concedido o benefício da justiça
gratuita e determinada a citação dos réus.
Citado, o requerido MUNICÍPIO DE CASCAVEL apresentou
contestação no evento 21.1, afirmando, em resumo, que: a requerente teria recebido todos os
cuidados médicos necessários, com realização de exames e tratamento com medicamentos; as
Unidades de Pronto Atendimento não possuem estrutura de hospital e se destinam ao
atendimento ambulatorial; na primeira consulta, a paciente não teria sido liberada para
tratamento domiciliar, mas sim orientada a realizar o tratamento em USF (Unidade de Saúde
da Família) de referência; a autoria teria sido encaminhada para especialista e teria sido
solicitada vaga hospitalar à Central de Leitos; inexistiria qualquer omissão no atendimento
2VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
prestado; para a responsabilização, seria necessária a comprovação da culpa, bem como do
nexo de causalidade; a requerente não teria demonstrado os danos morais alegados; seria
indevida a reparação dos valores gastos em atendimento médico particular. Por fim, requereu
a improcedência do feito, com a condenação da requerente aos ônus de sucumbência. Juntou
documentos (eventos 21.2/21.7).
Por sua vez, o ESTADO DO PARANÁ apresentou contestação
no evento 22.1, arrazoando, preliminarmente, que: seria parte ilegítima para figurar no polo
passivo do feito, pois os alegados danos teriam sido causados pelo atendimento prestado pelo
ente municipal; a petição inicial seria inepta, uma vez que a autora não teria apresentado
documentos aptos a comprovar a conduta inadequada, negligência ou imperícia, bem como
por inexistir demonstração da quantificação dos danos. No mérito, alegou, em suma, que: não
teria sido imputada qualquer conduta ao ente estadual na inicial; de acordo com as
informações prestadas pelo Município de Cascavel, a autoria teria hipertensão arterial, quadro
de diabetes, baixa adesão ao tratamento indicado para tais moléstias, teria realizado cirurgias
prévias e inexistiria relato de sintomas renais durante a entrada na Unidade de Pronto
Atendimento; a requerente teria se evadido da UPA sem alta médica em 24/06/2019 e não
teria ocorrido liberação, mas orientação para comparecer na Unidade de Saúde da Família –
USF; o atendimento teria sido adequado, sendo que a requerente optou por tratamento em
hospital particular; inexistiria ato ilícito ou nexo de causalidade com os alegados danos; a
perda do órgão da paciente não teria relação com o atendimento médico prestado; as condutas
dos médicos do ente municipal seriam adequadas; a obrigação do profissional médico seria de
meio e não de resultado; não deveria ser observada a teoria da responsabilidade objetiva,
aplicando-se a “Teoria da Culpa Administrativa”; para aferir o valor dos danos morais, deve
ser considerada a impossibilidade de enriquecimento sem causa; a cirurgia da paciente não
seria de urgência e, portanto, não deve ser responsabilizado pelo valor despendido no
atendimento particular; os documentos apresentados não demonstrariam o desembolso do
montante indicado. Finalmente, requereu a extinção do feito sem resolução do mérito e,
alternativamente, a improcedência da pretensão da autora. Juntou documento (evento 22.2).
Impugnação às contestações apresentadas nos eventos 26.1/26.2.
3VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Instadas sobre a dilação probatória (cf. evento 27.1), a parte
autora e o réu Estado do Paraná requereram a produção de prova pericial (eventos 34.1 e
36.1), enquanto o Município de Cascavel pleiteou, apenas, a realização de prova oral (evento
35.1).
O i. representante do Ministério Público opinou pelo
afastamento das preliminares arguidas e pela instrução do feito (evento 39.1).
Pela decisão do evento 42.1, o feito foi saneado, extinguindo o
processo em desfavor do Estado do Paraná, indeferindo a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor e fixando os pontos controvertidos. Na mesma oportunidade, foi deferida a
produção da prova pericial.
Pelos v. acórdãos dos eventos 56.1/56.2, foi dado provimento
aos recursos interpostos, reconhecendo a legitimidade passiva do Estado do Paraná e
deferindo a “distribuição dinâmica do ônus da prova”.
Proposta de honorários periciais apresentada no evento 80.1.
Pela decisão do evento 95.1, foram homologados os honorários
periciais.
O Município de Cascavel juntou novos documentos nos eventos
116.2/116.3.
Pela decisão do evento 119.1, foi deferida a expedição de ofício
ao CISOP, o que foi cumprido no evento 127.1, com resposta e juntada de documentos no
evento 129.3.
4VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Laudo pericial juntado no evento 149.1, sobre o qual as partes se
manifestaram nos eventos 152.1, 153.1 e 154.1.
Pela decisão do evento 156.1, foi determinada a intimação dos
réus sobre a subsistência do interesse na produção de prova oral e, inexistindo, apresentação
de alegações finais.
O Município de Cascavel juntou novo documento no evento
161.2.
As partes apresentaram alegações finais por memoriais escritos
(autora no evento 166.1 e réus nos eventos 167.1 e 168.1.).
Instado, o i. representante do Ministério Público opinou pela
procedência do feito (evento 173.1).
Pela decisão do evento 179.1, foi determinada a intimação dos
demais litigantes sobre o novo documento apresentado pelo ente municipal.
Intimados, a autora e o réu Estado do Paraná se manifestaram
nos eventos 182.1 e 183.1.
Por fim, vieram os autos conclusos.
É o breve relato do necessário.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de “Ação de Reparação por Danos Morais e
Materiais” promovida por MARINÊS SALVADOR GONÇALVES em face do ESTADO
5VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
DO PARANÁ e do MUNICÍPIO DE CASCAVEL por meio da qual se objetiva a
condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais ocasionados
em virtude de alegado erro em atendimento médico.
Inicialmente, destaque-se que a interpretação conjunta dos arts.
186 e 927 do Código Civil impõe a conclusão de que aquele que causar dano a outrem é
obrigado a repará-lo, senão vejamos:
“ Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”.
“ Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Da análise do texto legal dos dispositivos supracitados, extraem-
se três elementos essenciais à caracterização da responsabilidade civil, quais sejam, a
comprovação dos danos, da culpa e do nexo de causalidade.
Sobre a culpa, tem-se que o ato contrário à ordem
jurídica que viole direito subjetivo privado é uma infração e induz à
responsabilidade civil. Havendo deliberada violação, tem-se caracterizado
o dolo. Se o desrespeito a um dever preexistente ocorrer de forma
involuntária, caracteriza-se a culpa. Em ambos os casos, configura-se o
ato ilícito, o qual gera a obrigação de indenizar, medida pelo prejuízo
causado.
No tocante ao dano, tem-se que, sem a sua prova,
ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material
(sentido estrito), ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na
órbita financeira do ofendido (sentido amplo).
6VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
O nexo causal, por sua vez, refere-se a relação de
causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano
experimentado pela vítima. Se a vítima experimentar um dano, mas não
se evidenciar que o mesmo resultou do comportamento ou da atitude do
réu, o pedido de indenização, formulado por aquela, deverá ser julgado
improcedente.
Sem a coexistência dessa trilogia, portanto, não há
como se cogitar de obrigação indenizatória.
Muitos são os conceitos para responsabilidade civil, mas todos
trazem explícita ou implicitamente a ideia de que é a obrigação de reparar o dano causado a
outrem, e que tem por pressupostos: a) ação ou omissão; b) dano; c) nexo causal; e d) culpa
ou dolo do agente.
De outro viés, a responsabilidade extracontratual do Estado,
apesar de suas peculiaridades, também não se afasta muito do acima exposto, vez que, como
ensina Maria Sylvia di Pietro, “corresponde à obrigação de reparar danos causados a
terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos,
lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.”
1
Contudo, enquanto o Código Civil Brasileiro adotou como teoria
preponderante a “teoria da culpa”, a Constituição Federal em seu artigo 37, §6º, em relação à
responsabilidade do Estado, consagrou, como regra, a “teoria do risco”, que serve de
fundamento para a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos, “in verbis”:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:
1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 639.
7VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes ,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” (grifei)
De outro norte, o Código de Defesa do Consumidor atribui
responsabilidade civil subjetiva ao médico por fato do serviço, nos termos do §4º do artigo 14.
Quanto ao nosocômio, a responsabilidade é objetiva e resta afastada em caso de comprovação
de inexistência de falhas ou de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, nos termos do
artigo 14, “caput” e §3º.
Não obstante, nos casos em que o defeito na prestação do
serviço do hospital não decorre de ato próprio da instituição, mas está ligado à atuação
técnico-profissional do(s) médico(s) a ela vinculado(s), a responsabilidade do nosocômio
passa necessariamente pela comprovação da culpa do(s) seu(s) agente(s).
Assim, no caso em tela, a imputação da responsabilidade aos
entes públicos passa pela perquirição dos pressupostos do nexo de causalidade, do dano e,
ainda, do dever legal de atuação do Estado (faute du service), devendo-se averiguar, quanto a
este último elemento, a existência de omissão ou atuação negligente.
Nessa linha, vale citar os seguintes precedentes:
“APELAÇÃO CÍVEL - MUNICÍPIO DE FAZENDA RIO
GRANDE - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS -
ERRO MÉDICO - DEMORA NO DIAGNÓSTICO DE
MENINGITE - ÓBITO DO PACIENTE - NEGLIGÊNCIA DOS
PREPOSTOS QUE ATENDERAM A VÍTIMA EM
UNIDADES DE PRONTO ATENDIMENTO - AUSÊNCIA DE
REQUISIÇÃO DE EXAMES CLÍNICOS -
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO
MUNÍCIPIO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 37, § 6º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEVER DE INDENIZAR
[...].” (TJPR - 1ª C.Cível - ACR - 1732115-8 - Curitiba - Rel.:
8VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Rubens Oliveira Fontoura - Unânime - J. 27.03.2018). (grifos
nosso)
“RESPONSABILIDADE DO ESTADO. Serviço Público de
Saúde. Inteligência do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Falha do serviço. Responsabilidade subjetiva. Indispensável
demonstração da ineficiência ou falha do serviço.
Controvérsia gravita em torno da qualidade e repercussão
danosa da prestação do serviço público de saúde. Paciente com
quadro de má formação congênita. [...]. RECURSO NÃO
PROVIDO. ” (TJSP; Apelação 0027189-42.2010.8.26.0053;
Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 8ª
Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda
Pública/Acidentes - 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do
Julgamento: 04/04/2018; Data de Registro: 04/04/2018). (grifei)
Ademais, reforçando a necessidade de se analisar a presente
demanda sob a ótica da responsabilidade subjetiva, oportuno salientar que a responsabilização
de tais profissionais depende de prova de que sua conduta foi pautada por negligência,
imperícia ou imprudência. Nesse sentido, a doutrina do Exmo. Desembargador Miguel Kfouri
Neto:
“O profissional da medicina deve atuar de acordo com o cuidado, a perícia e os
conhecimentos compatíveis com o desempenho que seria razoável esperar-se de
um médico prudente, naquelas mesmas circunstâncias. Aplicam-se ao médico os
indicadores que medem e graduam a culpa em geral.” (Kfouri Neto, Miguel.
Culpa Médica e Ônus da Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 35).
Logo, como a questão posta em julgamento versa sobre a análise
da atuação dos profissionais de saúde que prestaram atendimento à requerente, deverá ser
analisada com fulcro nos postulados da responsabilização subjetiva.
- Do evento danoso
Estabelecidas tais premissas, consigne-se que restou
incontroverso nos autos que a autora foi atendida pelo Município de Cascavel (em Unidade de
Pronto Atendimento e Unidade de Saúde da Família) em virtude de dores no abdômen.
9VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
De acordo com o prontuário médico (eventos 1.17/1.21), a
paciente foi atendida inicialmente na “UPA Brasília” em 07/05/2019, 10/05/2019 e em
24/05/2019, realizando tratamento com medicamentos e recebendo alta para tratamento
domiciliar. Posteriormente, compareceu novamente em 04/06/2019, recebendo orientação de
encaminhamento ambulatorial.
Ademais, a requerente retornou à Unidade de Pronto
Atendimento em 06/06/2019 e 08/06/2019, bem como foi atendida na “USF Periollo” (evento
1.13) e na “UPA Veneza” em 18/06/2019, recebendo alta a pedido em 24/06/2019 (cf. evento
1.21, fls. 01), procurando atendimento na rede particular na mesma data (cf. eventos
1.22/1.25).
Outrossim, a requerente foi atendida na Unidade do CISOP em
18/06/2019 (evento 129.3, fls. 02), ocasião em que foram solicitados exames com possível
diagnóstico de “calculose do rim”.
Ademais, durante o iter processual, foi realizada prova pericial
(evento 149.1), a qual consignou:
“D) Consulta em USF Periolo - 14/05/2024: A autora buscou atendimento
médico novamente 3 dias após a última consulta, dessa vez na USF. Caso o
quadro sintomático fosse extremamente intenso, teria retornado à UPA ou à
consulta o mais breve possível. Nesse momento, consultou com médico Dr.
Paulo Roberto Sarturi. O médico manteve a suspeita de cólica biliar ou
nefrética e solicitou exames laboratoriais e ultrassom de abdômen total para
esclarecimento do quadro. Orientou ainda que, se piora dos sintomas,
procurar unidade de pronto atendimento. Novamente a paciente se
apresentava hipertensa.
E) Consulta em UPA Brasília – 24/05/2019: Passados 10 dias da consulta em
USF, a autora busca novamente atendimento médico. É importante destacar
que 10 dias é um prazo de tempo expressivo para alguém com quadro de
cólica renal. Nesse momento, foi atendida pela médica Dafne Hauck de
Oliveira, que, corretamente, acertou pelo diagnóstico de “cálculose de vias
urinárias”, inclusive realizando a manobra de Giordano que, nesse momento,
apresentou resultado positivo, corroborando com a hipótese diagnóstica. Do
10VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
ponto de vista clínico, é pobre o arcabouço diagnóstico realizado até o
momento, carecendo de exames de imagem para realizar a alta da paciente.
Se trata de cólica renal aguda e persistente, sem melhora com sintomáticos
no transcorrer dos dias. Em tópico futuro será abordado mais sobre o
diagnóstico de nefrolitíase.
F) Consulta em USF Periolo 24/05/2019: No mesmo dia a autora passou por
consulta novamente em USF Periolo para mostrar exame de ultrassonografia
de abdome total para o médico Mateus Fagundes. Era manifesta a presença
de dilatação de sistema coletor renal direito indicando quadro de obstrução.
Em consulta foi orientada a retornar à UPA se retorno da dor. A atenção
primária em saúde existe para solucionar casos de menor complexidade e
encaminhar os pacientes para as especialidades conforme demanda e
urgência/emergência. O médico atuando em atenção primária corretamente
orientou para procurar atendimento de média complexidade para posterior
encaminhamento para alta complexidade, conforme a necessidade. Outro
evento que foi fundamental para o desfecho ocorrido: o laudo do exame de
ultrassonografia não conseguiu medir o tamanho do cálculo renal, nem
mesmo conseguiu definir sua localização. O fluxo correto de manejo ainda
será abordado no presente documento.
G) Consulta em USF Periolo 03/06/2019: Nesse momento, o médico Paulo
Roberto Sarturi demonstra preocupação quanto ao quadro de dilatação de
sistema coletor renal direito sem melhora com medicamentos e cursando com
longo período de tempo. Conforme relato em petição inicial, encaminhou
novamente a paciente à UPA e realizou ainda encaminhamento para
urologia . Corretamente encaminhou para unidade de urgência/emergência
para resolução do quadro, tendo em vista que não é possível realizar o
procedimento em atenção primaria à saúde.
H) Consulta em UPA Brasília – 04/06/2019: Passou por consulta com médico
Rodrigo Bevilacqua Frota, foram prescritos sintomáticos e solicitado
encaminhamento para urologia com prioridade. Encaminhou a autora
novamente para a atenção primária. Nesse momento já se completava mais de
30 dias com dor abdominal e diagnóstico de dilatação de sistema coletor.
I) Consulta em UPA Brasília – 06/06/2019: Nesse dia, a autora foi
corretamente internada em UPA pelo médico Claudio Blanco Pravia. Estava
novamente com quadro de dor abdominal e pico hipertensivo.
J) Consulta em UPA Brasília – 07/06/2019 com o internamento, a autora foi
clicada na central de leitos para resolver sua obstrução de via urinária em
unidade hospitalar. Permanecia em internamento.
K) Alta da UPA Brasília em 08/06/19: O documento que comprova a alta da
paciente é o movimento 1.18 indicando o checklist de alta pelo técnico de
enfermagem Gelson Muller. Há ainda a evolução do médico José Ernesto
Correa da Conceição indicando alta no período da manhã. (...)
N) Encaminhamento SAMU – UPA VENEZA 18/06/19 até 24/06/19: Com o
exame de urotomografia, a autora permaneceu internada e clicada na central
de leitos aguardando vaga hospitalar na atenção terciária em saúde. Foi
admitida com hiperglicemia e pressão alta como na maioria das consultas.
11VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Nesse período, há exames comprovando que o quadro evoluiu de forma
infecciosa, conforme movimento 1.21 (hemograma indicando leucocitose com
aumento de bastonetes).
6) Da resposta aos quesitos:
f) A cerca da troca de medicação para tratamento domiciliar é possível
afirmar que ambos os tratamentos estavam corretos, isto é, tanto a medicação
prescrita anteriormente, quanto a prescrita posteriormente? Ou poderia
alguma destas ter agravado o quadro da paciente?
Ambos estavam corretos. Todos os medicamentos possuem efeitos colaterais e
riscos. É necessário levar em consideração o risco/benefício no momento da
prescrição. A autora apresentava dor de forte intensidade e precisava de
medicamentos para alívio dos sintomas. Apenas em caso de contraindicação
absoluta poderia se considerar erro nas prescrições.
j) Com base no exame de ultrassonografia realizado em 14.05.2019 é possível
vislumbrar a viabilidade de salvamento do rim direito?
Sim, nesse momento não foi observado o rompimento do sistema coletor,
apenas sua dilatação. É provável que ainda se encontrava íntegro.
l) A partir do exame de urotomografia realizado em 14.06.2019 qual seria o
tratamento indicado a paciente? Esclareça o Expert se a paciente recebeu o
tratamento adequado, bem como se a abordagem médica estava de acordo
com as técnicas recomendadas a profissão?
Com o resultado da urotomografia o único tratamento viável seria a
nefrectomia a direita. A autora recebeu o internamento em UPA Veneza e foi
clicada na central de leitos para avaliação pela unidade hospitalar e posterior
realização de procedimento cirúrgico.
n) A ruptura do sistema coletor poderia ter sido evitada?
Sim, se o procedimento de remoção do cálculo tivesse ocorrido em tempo
hábil poderia ser evitado a ruptura.
o) Esclareça o Expert se quadro de pionefrose e sépsis causada por cálculo
renal CID N20 não fosse tratado em tempo quais seriam as possíveis
consequências a saúde da paciente?
Pionefrose e sepse são diagnósticos graves, poderiam ocasionar o óbito da
autora .
t) É possível afirmar com base em toda a documentação médica que o
atendimento prestado em 24.06.2019 no Hospital do Coração, onde foi-se
constatado pionefrose e sepse causado por cálculo renal, com posterior
cirurgia de nefrectomia direita tinha caráter de urgência?
Sim.
12VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
aa) Com base nos prontuários e documentação que instrui o processo é
possível afirmar que a paciente foi inserida na Central Estadual de Leitos com
classificação de urgência/emergência? Em caso negativo, a classificação de
urgência atribuída correspondia ao quadro da paciente?
A inclusão de pacientes na Central de Leitos para encaminhamento à rede
hospitalar somente ocorre em situações de urgência e emergência, de
responsabilidade da atenção terciária à saúde. A primeira solicitação de leito
hospitalar ocorreu em 07/06, pela UPA. Ressalto que, nesta data, já havia
sido realizado o exame de ultrassom que, apesar de não precisar o tamanho e
local do cálculo, apontou sua existência. Permaneceu clicada até 08/06. Após,
foi solicitado internamento hospitalar novamente em 18/06, tendo aguardado
até 24/06/2019, sem, contudo, obter êxito na liberação de vaga hospitalar.
g) Queira o expert indicar se a eventual demora na realização de ultrassom e
de solicitação para atendimento emergencial foram as causas que levaram a
demandante a perder um dos rins;
A primeira solicitação de leito hospitalar ocorreu em 06/06. Permaneceu
clicada até 08/06. Após, foi solicitado internamento hospitalar novamente em
18/06, tendo aguardado até 24/06/2019, sem, contudo, obter êxito na liberação
de vaga hospitalar. A demora na realização do ultrassom e a falta de
liberação de vaga para a autora em tempo hábil contribuíram para o
resultado final, uma vez que, quando do primeiro clique, já havia sido
realizado o primeiro ultrassom. (grifos nossos)
j) Queira o expert indicar se seria possível o encaminhamento pela unidade de
saúde para atendimento imediato da autora em hospital vinculado ao SUS
para realização de procedimento de urgência, como o CMC ou mesmo
Hospital Regional.
Segundo o documento acostado aos autos pelo Município (pág. 597), o fluxo
de encaminhamento da Unidade de Saúde em casos de urgência ou
emergência é dirigir o paciente para Unidade de Pronto Atendimento, seja por
meio do SAMU ou por ficha de referência e contrarreferência”.
Portanto, evidenciou-se a falha no atendimento de saúde
prestado pelo Município de Cascavel, na medida em que houve demora no diagnóstico e na
realização dos exames necessários, bem como houve encaminhamento inadequado da
paciente para a atenção primária em 04/06/2019 e alta médica em 08/06/2019, em que pese a
gravidade do seu quadro, além de não ter sido devidamente justificada a razão pela qual o
leito hospitalar não foi solicitado em momento anterior, dado o quadro de urgência.
13VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
De fato, de acordo com a prova documental e pericial produzida
nos autos, a paciente teve piora em seu quadro em virtude das condutas supramencionadas,
que culminaram na demora da realização do procedimento cirúrgico adequado, bem como na
necessidade de retirada do rim, além de ter se instaurado quadro infeccioso grave.
Sendo assim, restou devidamente comprovada a negligência por
parte do ente municipal no caso em tela, o qual era responsável pela gestão da Unidade de
Pronto Atendimento e da Unidade de Saúde da Família, bem como por solicitar leito
hospitalar para realização da cirurgia de urgência.
Ainda, em que pese não tenha sido atribuída conduta específica
ao Estado do Paraná na petição inicial, a parte requerente afirmou que “permaneceu na UPA-
Veneza por 6 (dias) aguardando leito sem que tivesse qualquer informação de quando seria
transferida para hospital” e, considerando o disposto no § 2º do artigo 322 do Código de
Processo Civil
2
, bem como por se tratar de hipótese de aplicação do direito ao caso (da mihi
factum, dabo tibi ius), também deve ser reconhecida a sua responsabilidade pelos danos
causados à autora.
Com efeito, deve-se ressaltar que a prova pericial demonstrou
que também houve falha no atendimento prestado pelo ente estadual, considerando que a
solicitação de leito hospitalar ocorreu em 18/06/2019, aguardando-se até o dia 24/06/2019,
quando a paciente solicitou a alta e procurou atendimento na rede particular, enfrentando já
quadro gravíssimo.
Sendo assim, a espera de 6 (seis) dias pelo leito hospitalar e a
falta da realização do procedimento cirúrgico pelo qual era responsável é suficiente para atrair
a responsabilidade do Estado do Paraná pelos danos causados à autora, na medida em que
houve negligência por parte do ente estadual em fornecer a vaga em hospital adequado ao
procedimento cirúrgico de urgência, contribuindo para o agravamento da moléstia e para
perda do órgão da paciente.
2
§ 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.
14VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Assim, as provas produzidas nos autos foram suficientes para
demonstrar a falha no atendimento prestado por ambos os réus, concluindo-se que
culminaram na grave condição de saúde apresentada pela paciente, a qual se viu obrigada a
procurar atendimento na rede particular, inclusive correndo risco de óbito.
Desta feita, tendo em vista a omissão negligente, restou
configurada a falha da prestação do serviço de saúde, caracterizando-se, via de consequência,
a culpa de ambos os réus pelos danos causados.
Sobre o tema:
“Constitucional. Processo civil. Reexame necessário, conhecido
de ofício. Condenação superior a 100 salários mínimos. Art.
496, III, do CPC. Responsabilidade civil do Estado. Ação de
indenização. Atendimento médico-hospitalar. Erro médico.
Art. 37, § 6º, CF. Serviço prestado pelo Sistema Único de
Saúde. Unidade de Pronto Atendimento. Município que
responde solidariamente por eventuais falhas na prestação de
serviço público de saúde. Responsabilidade objetiva.
Nosocômio que responde na modalidade subjetiva pela atuação
técnico-profissional do seu preposto. [...]. Reconhecimento da
responsabilidade do Município. Ausência de realização de
exames médicos no atendimento, ocasionando a demora no
diagnóstico e o agravamento do quadro. Nexo causal
comprovado. Danos morais fixados em R$ 50.000,00, para cada
uma das autoras. Mantido. Teoria da perda de uma chance.
Efeitos no valor da indenização. Chance indenizável que difere
do dano real causado. Aplicação de um redutor na indenização
base. Precedentes desta Câmara. Condenação ao pagamento de
indenização pela perda da chance em categoria separada dos
danos morais. Impossibilidade. Dano que deriva da perda de
uma chance, a qual não pode ser considerada um prejuízo em
si. Reforma da sentença para excluir a condenação.
Readequação dos índices incidentes sobre a condenação.
Correção monetária e juros de mora. Taxa Selic. Danos morais.
Valores corrigidos desde o arbitramento. Índice aplicável à
caderneta de poupança, até a entrada em vigor da EC n.
113/2021. Sentença parcialmente reformada, em reexame
necessário, conhecido de ofício. Apelação cível provida em
15VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
parte”. (TJPR - 1ª Câmara Cível - 0000544-33.2020.8.16.0206 -
Irati - Rel.: DESEMBARGADOR SALVATORE ANTONIO
ASTUTI - J. 06.03.2025) (grifos nossos)
“Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Processo
civil. Ação de indenização. Atendimento médico-hospitalar.
Erro médico. Art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Serviço
prestado pelo Sistema Único de Saúde. Serviço público uti
universi. Município que responde solidariamente por eventuais
falhas na prestação de serviço público de saúde.
Responsabilidade objetiva do hospital. [...]. Mérito.
Atendimento emergencial inicial. Posto de atendimento 24h
municipal. Queixas de dor no pescoço e braço esquerdo.
Diagnóstico primário de cervicalgia, braquialgia e angina.
Liberação. Retorno. Medicação e encaminhamento ao hospital
para investigação. Segundo atendimento pelo hospital de
plantão. Quadro clínico que coincidia com o diagnóstico de
infarto. Parada cardiorrespiratória. Óbito. Inversão do ônus da
prova. Laudo pericial que apontou a necessidade de
encaminhamento de urgência. Ausência de anotação dos
sintomas e da hipótese diagnóstica. Verificada a negligência
no atendimento da paciente. Reforma da sentença para
declarar a responsabilidade do Município De Arapongas.
Ausência de realização de exames médicos no segundo
atendimento, ocasionando a demora no diagnóstico e o
agravamento do quadro. Nexo causal comprovado. Dever de
indenizar da Irmandade da Santa Casa de Arapongas
configurado. [...]. Inversão do ônus de sucumbência. Sentença
ilíquida. Fixação postergada para o momento da liquidação.
Sentença parcialmente reformada. Apelação cível do ESPÓLIO
DE AURÉLIO JORGE ABDALLA provida. Apelação Cível de
ELISANGELA APARECIDA FERRO E OUTROS parcialmente
provida. Apelação Cível da IRMANDADE DA SANTA CASA DE
ARAPONGAS parcialmente provida”. (TJPR - 1ª Câmara Cível
- 0004854-71.2006.8.16.0045 - Arapongas - Rel.:
DESEMBARGADOR SALVATORE ANTONIO ASTUTI - J.
22.10.2024) (grifei)
“ADMINISTRATIVO E CIVIL – RECURSOS DE APELAÇÃO
CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - PRELIMINAR –
ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADA - MÉRITO - DANO
MORAL - ÓBITO DE PACIENTE – DESCUMPRIMENTO DE
LIMINAR PROFERIDA PARA INTERNAÇÃO DE PACIENTE
EM LEITO DE UTI – RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO – TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE –
PRECEDENTES DO STJ – DEVER DE INDENIZAR –
16VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
QUANTUM A SER ARBITRADO – PROPORCIONALIDADE –
RECURSOS DESPROVIDOS - SENTENÇA RATIFICADA.
A responsabilidade civil estatal , decorrente do ato omissivo do
Poder Público , por falta, ou falha, do serviço – internação em
leito de UTI –, ficou caracterizada, em razão da redução da
chance de sobrevida do paciente, que não teve como usufruir
do tratamento prescrito pela equipe médica. A perda de um
ente querido, sem receber o tratamento necessário, é fato que
causa severo abalo de ordem moral, passível de ser
indenizado”.
(TJ-MT; N.U 1000672-98.2018.8.11.0059, CÂMARAS
ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARCIO
VIDAL, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo,
Julgado em 18/12/2023, Publicado no DJE 30/01/2024) (grifos
não constantes do original)
Sendo assim, de rigor a imputação da responsabilidade, fazendo-
se, portanto, necessária a análise e quantificação dos danos.
- Dos danos materiais
Consigne-se que os danos materiais devem ser cabalmente
demonstrados para que se possa quantificá-los de forma precisa e criteriosa. Sobre o tema,
Carlos Roberto Gonçalves leciona:
" (...) é o que repercute no patrimônio do lesado. Patrimônio é o conjunto das
relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. Avalia-se o dano
material tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. O ressarcimento
do dano material objetiva a recomposição do patrimônio lesado. Se possível,
restaurando o statu quo ante, isto é, devolvendo a vítima ao estado em que se
encontrava antes da ocorrência do ato ilícito." (in Responsabilidade Civil, 8.ª
edição, Saraiva, 2003, p. 627-628). (grifos nossos)
No presente caso, os recibos juntados no evento 1.6 e o
prontuário médico dos eventos 1.22/1.25 demonstram que a requerente realizou o pagamento
de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais) relativos ao procedimento cirúrgico de urgência
em 24/06/2019, devendo haver a pertinente reparação por parte dos réus, considerando a sua
responsabilidade pela falta de atendimento na rede pública.
17VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Ressalte-se que, em se tratando de hipótese de urgência e risco
de óbito, não seria possível que a requerente aguardasse a prestação do serviço de saúde no
âmbito do Sistema Único de Saúde, no qual inexistia qualquer previsão de disponibilização de
leito hospitalar.
Sendo assim, com fundamento no supra referido artigo 927 do
Código Civil, de rigor a procedência do pedido com a condenação dos réus, solidariamente,
ao pagamento de indenização pelos danos materiais à parte autora, a serem devidamente
corrigidos e acrescidos de juros de mora.
Registre-se que a correção monetária deve ser calculada pelo
IPCA-E a contar do efetivo prejuízo – 24/06/2019 (Súmula 43/STJ
3
) – e os juros moratórios,
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, devem ser calculados a partir do
evento danoso (24/06/2019), ambos devendo incidir até 8/12/2021, observando-se o art. 3º da
EC 113 a partir de 9/12/2021
4
(Taxa SELIC).
- Dos danos morais
Pretende, ainda, a parte requerente, a condenação dos réus ao
pagamento de indenização pelos danos morais sofridos em decorrência da falha no
atendimento médico, diante da necessidade de realização do procedimento de urgência e
perda do órgão, com risco de óbito.
De acordo com o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, a
indenização por danos morais é perfeitamente possível, uma vez que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
3
“Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.”
4
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua
natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive
do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do
Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
18VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
No caso dos autos, o dano moral é evidente, presumido e
inexorável, uma vez que a perda de um órgão e a possibilidade de óbito em razão da demora
no atendimento, por si só, configura prejuízo moral intenso e irrecuperável, causando
incontestável abalo psicológico.
Portanto, a parte autora experimentou prejuízos de ordem
extrapatrimonial, que indelevelmente ultrapassam a seara dos meros aborrecimentos, e, ainda
que não possam ser integralmente sanados, devem ser objeto da pertinente reparação
financeira.
Assim, para sopesar o montante indenizatório, impende
destacar, inicialmente, que o conceito de indenização significa tornar indene, ou seja, tornar
sem dano, buscando-se, portanto, uma prestação que restitua o lesado ao status quo ante, ou
seja, a uma posição como se não houvesse ocorrido o dano sofrido. Determina o artigo 944,
caput , do Código Civil que a indenização se mede pela extensão do dano, o qual, em caso de
dano material não enseja maiores dificuldades, mas no que toca aos ditos danos
extrapatrimoniais não confere um critério seguro para arbitramento de montante indenizatório.
Diante da dificuldade inerente a tal tarefa, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça já
se utilizou de alguns nortes para servirem de parâmetro, os quais serão a seguir brevemente
explicitados.
Deve, primeiramente, o julgador ater-se aos critérios da
razoabilidade e proporcionalidade, de modo que o montante indenizatório fixado não seja tão
elevado a ponto de acarretar o enriquecimento ilícito do lesado, e nem tão ínfimo não
trazendo a sua satisfação. Para tal desiderato, deve-se verificar a capacidade econômica do
agressor em contraposição a do prejudicado. Ainda, a esse respeito, é mister observar a
intensidade da culpa ou dolo do agressor, vale dizer, a perniciosidade de sua conduta.
Ademais, faz-se necessário considerar eventual reincidência na atuação daquele. Finalmente,
além do ressarcimento, deve a indenização possuir um caráter inibitório, com vistas a impedir
que seja reiterada a conduta agressiva, de modo que o arbitramento de seu montante deve
19VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
servir como desestímulo a novas agressões, a exemplo do denominado “punitive exemplary
damage” da jurisprudência norte-americana.
A esse respeito, extrai-se esclarecedora lição do corpo do
acórdão do REsp 615939 / RJ (DJ 04.04.2005 p. 314), da lavra do Eminente Min. Castro
Filho do Superior Tribunal de Justiça:
“(...) Em que pese o grau de subjetivismo que envolve o tema da
fixação da reparação, uma vez inexistirem critérios
determinados para a quantificação do dano moral,
reiteradamente, tem-se pronunciado esta Corte no sentido de
que a reparação não pode vir a constituir-se em enriquecimento
indevido. Há que ser fixada, porém, em montante que
desestimule o ofensor a repetir a falta, aí considerados o grau
de culpa das partes envolvidas, bem assim a sua situação
econômica, as consequências do evento danoso, tanto de ordem
física quanto psicológica, idade da vítima, entre outros critérios
recomendados pela doutrina e jurisprudência.”
Convém transcrever, a propósito, os ensinamentos de Rui Stoco:
“Tratando-se de dano moral, nas hipóteses em que a lei não estabelece os
critérios de reparação, impõe-se obediência ao que podemos chamar de
"binômio do equilíbrio", cabendo reiterar e insistir que a compensação pela
ofensa irrogada não deve ser fonte de enriquecimento sem causa para quem
recebe, nem causa da ruína para quem dá. Mas também não pode ser tão
apequenada que não sirva de punição e desestímulo ao ofensor, ou tão
insignificante que não compense e satisfaça o ofendido, nem o console e
contribua para a superação do agravo recebido.”
5
No tocante ao arbitramento do dano moral e a necessidade de
lhe conferir um caráter punitivo, o seguinte julgado:
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO –
DESAPARECIMENTO DE PRESO POLÍTICO – LEI 9.140/95
– VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O VALOR DO DANO
MORAL TEM SIDO ENFRENTADO NO STJ COM O
5
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil do Estado [livro eletrônico]: doutrina e jurisprudência. 2. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Título I, Capítulo I, Item 6.00.
20VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
ESCOPO DE ATENDER A SUA DUPLA FUNÇÃO:
REPARAR O DANO BUSCANDO MINIMIZAR A DOR DA
VÍTIMA E PUNIR O OFENSOR, PARA QUE NÃO VOLTE
A REINCIDIR. 2. Posição jurisprudencial que contorna o
óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova. 3.
Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de
acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. O valor
da indenização, a título de danos materiais, deve ser obedecer
às diretrizes traçadas pela Lei 9.140/95. 5. Recurso especial
provido.” (STJ - REsp 658547 / CE; Rel. Min. Eliana Calmon –
T2 - DJ 18.04.2005 p. 266) (grifei).
Por essas razões, devem ser considerados: o sofrimento
presumidamente suportado, a gravidade da ofensa, a situação econômica das partes e a
reprovabilidade da atuação dos réus.
Desta feita, revela-se adequada a fixação do montante de R$
40.000,00 (quarenta mil reais), porque quantia inferior não surtiria os efeitos pretendidos e,
por outro lado, a fixação deve-se dar em termos razoáveis, com atenção à realidade de
vida, à situação econômica e à equivalência do dano e seu ressarcimento.
- Dos consectários legais para os danos morais
Os juros moratórios deverão incidir na espécie a partir do
evento danoso (24/06/2019), pois nos termos da Súmula 54 do STJ “Os juros moratórios
fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.”.
21VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Outrossim, nos termos das teses fixadas no REsp
1.492.221/PR
6
, deve-se aplicar o índice da remuneração oficial da caderneta de poupança,
até 08 de dezembro de 2021, quando entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 113.
Por sua vez, a correção monetária deverá incidir a partir do
momento em que foi arbitrada a indenização, ou seja, a partir da presente decisão.
Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABERTURA DE CONTA
CORRENTE. DOCUMENTAÇÃO FALSA. FORMA DE
CORREÇÃO DOS VALORES ARBITRADOS A TÍTULO DE
DANOS MORAIS. QUESTÕES NOVAS. OMISSÃO
INEXISTENTE. 1. Na indenização por danos morais, o termo
inicial da correção monetária é a data em que o valor foi
fixado, no caso, a data da prolação do acórdão, nos termos da
súmula 362/STJ. 2. O índice de correção monetária a ser
adotado é o que reflete a variação de preços ao consumidor,
nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte (EDcl no
Resp 1.077.077/SP). 3. Os juros moratórios, tratando-se de
responsabilidade extracontratual, incidem a partir do evento
danoso (súmula 54/STJ), no percentual de 0,5% (meio por
cento) ao mês na vigência do Código Civil de 1916 e de 1% (um
por cento) ao mês na vigência do Código Civil de 2002. (...) 5.
Embargos de declaração acolhidos somente para estabelecer a
forma de correção dos valores arbitrados a título de danos
morais, sem alteração do resultado do julgado.” (STJ – 4ª
Turma - EDcl no REsp 671964 / BA - 2004/0109106-7 -
Ministro FERNANDO GONÇALVES – d.j. 18.08.2009) (grifei)
6
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A APLICAÇÃO DO ART. 1º-F DA LEI 9.494/97 (COM
REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960/2009) ÀS CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA. CASO
CONCRETO QUE É RELATIVO A CONDENAÇÃO JUDICIAL DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. • TESES
JURÍDICAS FIXADAS. [...]. 3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação. 3.1 Condenações
judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral,
sujeitam-se aos seguintes encargos: (...) (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora
segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E”
(STJ. REsp n. 1.492.221/PR. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Julgado em 22/02/2018)
22VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
Posteriormente à data de entrada em vigor da Emenda
Constitucional nº 113 (09/12/21), “para fins de atualização monetária, de remuneração do
capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única
vez , até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação
e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente”.
Finalmente, de rigor a procedência integral da pretensão.
3. DISPOSITIVO
Ante todo o exposto e por tudo mais que do processo consta,
julgo PROCEDENTE a pretensão de MARINÊS SALVADOR GONÇALVES, com
fundamento no artigo 487, I do CPC/2015, extinguindo o processo com resolução de mérito,
para condenar o MUNICÍPIO DE CASCAVEL/PR e o ESTADO DO PARANÁ ao
pagamento, solidariamente:
a) de indenização a título de danos morais à autora, no valor de
R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), que deverá ser acrescida de juros de mora segundo o índice
da remuneração oficial da caderneta de poupança, desde 24/06/2019, até 08/12/21, a partir de
quando deverá ser aplicada a Taxa SELIC, a qual já abarca a atualização monetária.
b) de indenização por danos materiais no valor de R$ 6.800,00
(seis mil e oitocentos reais), a serem atualizados monetariamente pelo IPCA-E e acrescidos de
juros de mora de acordo com os índices aplicáveis à caderneta de poupança, ambos a contar
de 24/06/2019, até 08/12/2021, a partir de quando deverá ser observada a Emenda
Constitucional 113 (Taxa Selic).
Considerando a sucumbência e o princípio da causalidade,
condeno os réus solidariamente ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como
dos honorários advocatícios em favor da autora, em montante que arbitro em 10% (dez por
23VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE CASCAVEL
cento) do valor da condenação, com fundamento no art. 85, § 2 e 3º do CPC/2015
7
, sem
incidência de nova atualização monetária ou juros de mora, os quais incidirão sobre a base de
cálculo.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, ante o valor da
condenação
8
.
Cumpram-se, no mais, as determinações preconizadas pelo
Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado.
Oportunamente, arquivem-se.
Cascavel/PR, datado digitalmente’.
EDUARDO VILLA COIMBRA CAMPOS
Juiz de Direito
7
“§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da
condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da
causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a
importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (...)
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios
estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: I - mínimo de dez e máximo de vinte por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
8
Art. 496. § 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na
causa for de valor certo e líquido inferior a: (...) II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o
Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam
capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas
autarquias e fundações de direito público.
24
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