Processo nº 0805074-02.2023.8.20.5001
ID: 260229640
Tribunal: TJRN
Órgão: 7ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0805074-02.2023.8.20.5001
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IGOR MACEDO FACO
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 7ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Fórum Seabra Fagundes, Lagoa Nova, NATAL - RN - CEP: 59064-972 Contato: (84) 36738765 …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 7ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Fórum Seabra Fagundes, Lagoa Nova, NATAL - RN - CEP: 59064-972 Contato: (84) 36738765 - Email: nt7civ@tjrn.jus.br Processo: 0805074-02.2023.8.20.5001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Parte Autora: A. L. S. D. M. e outros (2) Parte Ré: Hapvida Assistência Médica Ltda. e outros SENTENÇA I – RELATÓRIO ESPÓLIO DE A. L. S. D. M., AMANDA MAIARA SILVA DA PAIXAO e DENIS WENDELL FONTES DE MEDEIROS propuseram a presente ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais contra HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA e ULTRA SOM SERVIÇOS MÉDICOS LTDA (HOSPITAL ANTÔNIO PRUDENTE), alegando que em 22/01/2021, Amanda Maiara firmou contrato de plano de saúde com a primeira ré, incluindo seus dois filhos menores como beneficiários, dentre eles Ana Lívia Silva de Medeiros, que possuía diagnóstico de Síndrome Genética a Esclarecer (CID 10 - Q87.8). Narraram que, em 04/06/2021, devido a problemas respiratórios, a menor Ana Lívia foi levada ao Hospital Antônio Prudente, onde permaneceu sob observação até a madrugada do dia seguinte, quando recebeu alta. Contudo, em 06/06/2021, com agravamento dos sintomas, a criança retornou ao hospital, sendo constatada insuficiência respiratória e necessidade de sedação e intubação para ventilação mecânica. Relataram que a operadora Hapvida negou autorização para internação, alegando carência contratual de 180 dias, o que resultou em cobrança no valor de R$ 11.942,30 pelo Hospital, gerando ação de cobrança contra Amanda Maiara (Processo n° 0884364-03.2022.8.20.5001). Informaram, ainda, que a criança faleceu em 10/12/2022 em decorrência de falência múltipla de órgãos, sepse e pneumonia. Com base nisso, postularam a declaração de inexistência do débito de R$ 11.942,30 cobrado pelo Hospital Antônio Prudente; a declaração de existência do débito em face da Hapvida; e a condenação desta operadora ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00, sendo ao menos R$ 5.000,00 para cada demandante. Requereram os benefícios da gratuidade da justiça. A petição inicial veio acompanhada de diversos documentos. Foi deferida a gratuidade da justiça (Num. 95251384). Malogrou a tentativa de composição na audiência de conciliação (Num. 101166923). A ré HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA contestou a ação (Num. 102110620) alegando que, à época da internação, a beneficiária ainda se encontrava em período de carência contratual e legal de 180 dias, estando isenta de custear a internação hospitalar. Sustentou que, conforme a Resolução CONSU n.º 13/1998, a garantia de atendimento em casos de urgência/emergência durante o período de carência limita-se às primeiras 12 horas, após as quais cessa a responsabilidade da operadora. Por fim, requereu o julgamento de improcedência dos pedidos autorais. A ré ULTRA SOM SERVIÇOS MÉDICOS LTDA (HOSPITAL ANTÔNIO PRUDENTE) apresentou contestação (Num. 102113757) suscitando preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que não possui ingerência sobre autorizações de procedimentos pelo plano de saúde, limitando-se à disponibilização de estrutura hospitalar. No mérito, alegou ter prestado o devido atendimento à paciente e afirmou que, após a negativa de cobertura pelo plano, ofereceu continuidade do tratamento de forma particular mediante Termo de Assunção de Responsabilidade Financeira, que a genitora da paciente teria se recusado a assinar. Argumentou ser legítima a cobrança direta à titular do plano, pois como hospital privado não poderia prestar atendimentos gratuitos após negativa do plano. Requereu o acolhimento da preliminar para extinção do processo sem resolução do mérito ou, alternativamente, a improcedência dos pedidos. Os autores apresentaram réplica (Num. 102162961) refutando a preliminar e os argumentos das rés, reafirmando a necessidade de condenação e pugnando pelo julgamento antecipado da lide. As partes foram intimadas para falar sobre a possibilidade de acordo ou sobre a necessidade de produção de outras provas (Num. 105340970). A parte autora peticionou informando não ter mais provas a produzir e requerendo o julgamento da lide no estado em que se encontra (Num. 105600480). Do mesmo modo, a ré Hapvida pediu o julgamento antecipado da lide (Num. 109375243). A ré Ultra Som não se pronunciou. O Ministério Público ofertou parecer pela não intervenção (Num. 121176447). É o que importa relatar. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO - Do julgamento antecipado da lide O caso em exame comporta julgamento antecipado tendo em vista que a documentação acostada aos autos é suficiente para elucidar as questões fáticas debatidas e para formar o convencimento deste Juízo quanto ao mérito da causa, remanescendo unicamente as questões de direito, pelo que passo ao julgamento antecipado do pedido nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Porém, antes de adentrar no mérito, passo a analisar a preliminar. - Da ilegitimidade passiva para a causa A segunda demandada, ULTRA SOM SERVIÇOS MÉDICOS LTDA (HOSPITAL ANTÔNIO PRUDENTE), suscitou preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de que não possui ingerência na autorização de procedimentos pelo plano de saúde. Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco, a legitimidade para a causa consiste na qualidade da parte de demandar e ser demandada, ou seja, de estar em juízo. Sobre o tema, o ilustre doutrinador leciona: Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima; sempre que ela for apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse será parte legítima. Daí conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa. (Instituições de Direito Processual Civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, vol. II, p. 306) Assim é que, com base na teoria da asserção, o exame das condições da ação deve ser realizado de forma abstrata, a partir dos fatos narrados na inicial pelo autor e dos quais se verificará a pertinência subjetiva da lide. No caso em tela, a presença do Hospital no polo passivo justifica-se pela discussão acerca da exigibilidade da cobrança de R$ 11.942,30 realizada diretamente contra a autora Amanda Maiara Silva da Paixão, sendo inclusive o Hospital o autor da ação de cobrança (Processo n.º 0884364-03.2022.8.20.5001) movida contra ela. Ademais, conforme alegado na réplica e não contestado especificamente, o Hospital Antônio Prudente pertence ao mesmo grupo econômico da Hapvida, o que reforça sua legitimidade para figurar no polo passivo desta ação. Desse modo, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. - Da incidência do Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado no caso concreto, uma vez que a demandada não é entidade de autogestão, na linha do enunciado da Súmula n.º 608 do STJ, segundo a qual: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”. - Do mérito Trata-se de demanda judicial em que a parte autora objetiva a desconstituição de uma cobrança originada de um atendimento de emergência com base em contrato de plano de saúde, cuja cobertura foi negada sob a alegação de carência contratual, o que reputa abusivo, ao passo em que as rés defendem a legalidade da cobrança, já que a cobertura obrigatória se limitaria às primeiras 12 horas. Primeiramente, vale ressaltar que a saúde é um bem indivisível e a pessoa ao procurar um plano de saúde ou um contrato de seguro-saúde, objetiva a preservação de sua integridade física, como um todo. Todo equipamento indispensável ao sucesso da intervenção cirúrgica deve ser objeto de contrato. Não se pode excluir da cobertura estes ou aqueles itens, tratamentos ou intervenções cirúrgicas, como se o corpo humano pudesse ser mapeado, no interesse exclusivo da prestadora de serviços ou da seguradora. A escolha, pelo consumidor, da empresa contratada, investindo financeiramente mês a mês na credibilidade de seus serviços, é frustrada quando o conveniado não obtém as vantagens que aparentemente acreditava possuir, não recebendo o tratamento desejado, seja porque o contrato, na maioria das vezes de adesão, vem redigido com cláusulas que dificultam seu entendimento (o que é expressamente proibido pelo art. 46 do CDC), seja porque a redação do contrato guarda interpretações dúbias, sem o esclarecimento necessário (situação igualmente vedada pelo art. 54, § 3º do CDC). Nos contratos de seguro ou plano de saúde, o que o fornecedor propõe é a garantia de cobertura para os eventos adversos à saúde. É essa a oferta a que ele se vincula por força da lei, ao apresentá-la ao consumidor, e é isso que o consumidor entende, pois tal garantia de cobertura é o que ele, consumidor, tem em mira ao contratar. O que fugir disso passa a ser contrafação do objetivo e resvala para a abusividade, por contrariar aquela vinculação estabelecida em lei, por violar o paradigma de respeito, de cuidado, de equilíbrio, que integra a boa-fé objetiva a qual, obrigatoriamente, deve presidir as relações de consumo. Oportuno considerar o seguinte pensamento de Celso Fernandes Moreira, in Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Direito Intertemporal, Aplicação Imediata aos Contratos em Curso: As normas jurídicas que dizem respeito à defesa e proteção do consumidor são de ordem pública por manifestação expressa do legislador e têm aplicação imediata aos contratos em curso quanto aos fatos não consumados e que já não integrem o patrimônio do titular do direito, face a predominância do interesse público. (ADV - Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p.3/6, set. 1991, p. 6). E leciona Cláudia Lima Marques: [...] quanto à abusividade ou não do primeiro grupo de cláusulas que limitam o uso do seguro-saúde ou da assistência médica contratada somente à ocorrência de doenças 'menos onerosas', quatro aspectos devem ser destacados: 1) o consumidor é raramente informado sobre estas limitações, criando-se a expectativa de que todas as doenças estão cobertas, com fundamento no CDC, através de seus arts. 31, 46 e 47, há uma interpretação da relação contratual pró-consumidor; 2) as cláusulas limitativas aparecem sem destaque no texto do contrato e por vezes subdivididas em várias cláusulas, dificultando a interpretação e o conhecimento de seu verdadeiro sentido, além de descumprir dever de clareza expresso no CDC (arts. 46 e 54,§ 4º); 3) o contrato é redigido de forma ampla e técnica, podendo as expressões, em princípio, englobar todas, senão a maioria, das doenças humanas, ficando para o arbítrio do fornecedor apegar-se ou não à cláusula; 4) a saúde envolve um bem personalíssimo, indivisível e indisponível, no sentido da dignidade da pessoa humana, resultando tais limitações a determinados tipos de doença espécie nova de discriminação atentatórias aos direitos fundamentais. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 3ª ed., p. 452). É a violação desse paradigma que vai causar um desequilíbrio, que se transforma em prejuízo concreto aos consumidores. Assim, os contratos nas relações de consumo, principalmente os de adesão, largamente utilizados, não podem ser considerados como um assunto do interesse restrito e exclusivo das partes, eis que são do interesse de todos, pois que todos estão potencialmente expostos a se sujeitar a eles, e, deste modo interessa à sociedade controlar, surgindo, dessa circunstância, uma indisponibilidade do objeto, do qual resulta que as partes não podem transacionar livremente com a mesma desenvoltura com que fariam se o objeto fosse um produto comercial qualquer. Evidentemente que as partes hão de cumprir o contrato, mas, primeiro, hão de se subordinar à vontade da lei, que é a expressão da vontade social, e cumprir, antes, o que nela vier determinado. E em matéria de relações de consumo, a lei impõe princípios fundamentais a serem obrigatoriamente observados, de modo que, se o teor do contrato carregar algo em dissonância da vontade legal, prevalece o que a lei determina, e não a vontade contratual. Deste modo, sendo o contrato bilateral, a autonomia da vontade não pode ser unilateral. A proteção da liberdade de contratar há de ser dirigida para o consumidor. É o que se vem chamando de “autonomia racional da vontade”, pois não há que se proteger a liberdade contratual daquele que já tem a liberdade de impor condições e detalhes, de estabelecer cláusulas, de redigir previamente o conteúdo do contrato, que é o fornecedor. Há que se proteger, sim, a liberdade contratual do consumidor, para que não seja embotada, ou apenas ilusória. Isto porque a sociedade em que se está a viver, onde tudo é rápido, onde as necessidades são prementes por saúde, segurança, crédito e serviços, é uma sociedade que está sempre a criar necessidades de consumo básico. Necessário enfatizar que a relação jurídica existente entre as partes é, indubitavelmente, de consumo, sendo, destarte, aplicáveis à espécie as regras cogentes do Código de Defesa do Consumidor. Na espécie, é incontroversa a relação jurídica afirmada entre as partes, uma vez que nos autos consta da proposta de adesão ao plano de saúde demandado (Num. 102110623 e Num. 102110624), e embora não tenha sido juntado nenhum comprovante a demonstrar o adimplemento de suas obrigações para com o plano, este não questionou, tampouco suscitou eventual inadimplemento em relação às mensalidades, pelo que há de se presumir o adimplemento. Outrossim, há ainda documentos comprobatórios do quadro de saúde da autora, conforme Relatório Médico (Num. 94569020) no qual ficou consignado: Diagnóstico: Síndrome Genética a Esclarecer CID 10 – Q87.8 Quadro Clínico: Atraso neuromotor Atraso na fala Hipotonia Dismorfias Epilepsia Hipercolesterolemia Aumento de aldolase Além disso, consta dos autos que a autora foi internada na UTI do Hospital Antônio Prudente com um quadro de bronquiolite aguda e Insuficiência respiratória aguda, com expressa caracterização do motivo “EMERGÊNCIA”, como consta da Ficha de Atendimento (Num. 94569022): 6º DI UTIP (DI 06/06/2021) IDADE: 6 MESES PESO: 9 KG HD BRONQUIOLITE + BCP / IRA LACTENTE HIPOTÔNICO A/E COVID NEGATIVO (RT PCR SARS COV 2 NEGATIVO). LACTENTE COM QUADRO DE TOSSE PRODUTIVA HÁ 4 DIAS. TOSSE E CANSAÇO. NEGA FEBRE. FEZ USO DE AEROLIN, SOLU- MEDROL E MÁSCARA DE VENTURI DIA 04/06 À NOITE NO PS. LIBERADA PARA CASA NA MADRUGADA DO DIA 05/06 COM RECEITA DE PREDSIM E NBZ COM AEROLIN. NA MADRUGADA DO DIA 06/06 RETORNOU COM TOSSE E CANSAÇO. TAQUDISPNEICA COM TIRAGEM BAIXA E SIBILOS. AFEBRIL. FR 60-70 IRPM. NO PS EVOLUIU COM INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA. FOI ENTUBADA, COLOCADA EM VM. INICIADO SEDAÇÃO CONTINUA COM FENTANIL E DORMONID. CEFTRIAXONA. AZITROMICINA E TAMIFLU. E ENCAMINHADA PARA UTI PEDIATRICA. - Destaquei Apesar da alta médica em 05/06/2021, já no dia 06/06/2021, às 20:12, a paciente Ana Lívia buscou novamente o atendimento médico no hospital demandado, como denota a Ficha de Registro de Internação (Num. 94569025 - Pág. 143), necessitando novamente ser internada em UTI, o que reforça o quadro de emergência, e que foi negado pela demandada (6-HAPVIDA SEM DIREITO COM SENHA – ENFERMARIA). Diante desse cenário, a internação se deu de forma particular, para o que a autora Amanda Maiara, mãe da menor Ana Lívia, teve que assinar o “Termo de Assunção de Responsabilidade Financeira e Confissão de Dívida” (Num. 94569025 - Pág. 147/148), como condição para obter o acesso ao atendimento médico de que necessitava. Portanto, a controvérsia presente nos autos consiste em esclarecer se a negativa de cobertura para internação hospitalar da beneficiária Ana Lívia Silva de Medeiros, durante o período de carência contratual, foi legítima em se tratando de atendimento de urgência/emergência. Ou seja, se a operadora de plano de saúde poderia validamente recusar-se a custear a internação sob o argumento da carência, transferindo o ônus financeiro ao Hospital, que o repassou à titular do plano. Malgrado a parte autora, de fato, estivesse cumprindo a carência contratual, uma vez que a adesão ao contrato ocorrera em 22/01/2021 (Num. 102110623 - Pág. 2), a hipótese dos autos diz respeito a atendimento de urgência e emergência, uma vez que a prescrição médica não era eletiva, evidenciando que as condições de saúde da parte autora indicavam se tratar de uma situação de emergência, assim definidas as “[...] que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;” (Art. 35-C, inciso I, da Lei n.º 9.656/98), com cobertura obrigatória após 24 (vinte e quatro) horas da contratação, conforme disposto no Art. 12, inciso V, alínea “c” da Lei de Planos de Saúde. A Lei de Planos de Saúde também prevê que quando houver a cobertura contratual para internação hospitalar é vedada a limitação de prazo nas seguintes situações: Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: [...] II - quando incluir internação hospitalar: [...] b) cobertura de internações hospitalares em centro de terapia intensiva, ou similar, VEDADA A LIMITAÇÃO DE PRAZO, valor máximo e quantidade, a critério do médico assistente; c) cobertura de despesas referentes a honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação; d) cobertura de exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar; e) cobertura de toda e qualquer taxa, incluindo materiais utilizados, assim como da remoção do paciente, comprovadamente necessária, para outro estabelecimento hospitalar, dentro dos limites de abrangência geográfica previstos no contrato, em território brasileiro; e f) cobertura de despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos; - Grifos acrescidos Dessarte, a tese defensiva vai de encontro ao que dispõe a Lei dos Planos de Saúde, bem ainda ao enunciado das Súmulas n.º 302 e 597 do STJ, e Súmula 30 do TJRN, segundo as quais: Súmula n.º 302 do STJ: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado. Súmula n.º 597 do STJ: A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação. Súmula n.º 30 do TJRN: É abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de atendimento de urgência ou emergência a pretexto de estar em curso período de carência que não seja o prazo de 24 (vinte e quatro) horas estabelecido no art. 12, V, “c”, da Lei n. 9.656/1998. Como já evidenciado acima, o quadro de saúde apresentado pela menor Ana Lívia era de emergência, o que é reforçado inclusive pelo óbito em decorrência de falência múltipla de órgãos, sepse e pneumonia, de modo que os réus não poderiam ter negado a cobertura, tampouco condicionado o atendimento, aproveitando-se do estado de vulnerabilidade extrema da autora, que se encontrava coagida pela necessidade urgente de salvar a vida de sua filha, caracterizando vício de consentimento pela ausência de livre manifestação de vontade. Nesse sentido, já se pronunciou o TJRN: EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PLANO DE SAÚDE. USUÁRIA EM TRABALHO DE PARTO DE FORMA PREMATURA. NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO EM CARÁTER DE URGÊNCIA. ALEGAÇÃO DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE DE EXCLUSÃO CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO ART. 35-C DA LEI 9.656/98, QUE TORNA OBRIGATÓRIA A COBERTURA DO ATENDIMENTO NOS CASOS DE EMERGÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN, APELAÇÃO CÍVEL, 0802830-46.2019.8.20.5129, Des. Claudio Santos, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 04/10/2024, PUBLICADO em 07/10/2024) Desse modo, ainda que se trate de pessoas jurídicas distintas, tanto o plano de saúde quanto o hospital réu integram o mesmo grupo econômico, de modo que as despesas pelo atendimento da menor Ana Lívia, cuja emergência ficou plenamente demonstrada, deve ser suportada pelo plano, devendo ser feito o ajuste entre ambos, razão pela qual deve ser acolhida a pretensão autoral. Ressalto, porém, que embora a parte autora tenha formulado pedido de declaração de inexistência do débito, a análise do caso revela que o mais adequado é reconhecer sua inexigibilidade. Essa distinção é relevante porque não se discute a materialidade da prestação dos serviços hospitalares, que efetivamente ocorreram e geraram custos, mas sim quem deve ser responsabilizado por seu pagamento. O débito existe na realidade fática, pois houve a efetiva prestação do serviço de internação hospitalar, contudo, é juridicamente inexigível da consumidora. - Dos danos morais Para ficar caracterizada a ocorrência dos danos morais passível de reparação ao patrimônio moral, em regra, faz-se necessária a comprovação de fato tido como ilícito, advindo de conduta praticada por alguém, a ocorrência de dano suportado por um terceiro, e a relação de causalidade entre o dano e o fato delituoso. Tratando-se de relação de consumo, como é a hipótese dos autos, o fornecedor responde de forma objetiva pela reparação do dano causado ao consumidor, consoante preceitua o art. 14 do CDC: Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. §1º - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. §2º - O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. §3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Como já mencionado, do texto legal acima transcrito se extrai que a responsabilidade do fornecedor de serviço é objetiva, de modo que não há necessidade de perquirir acerca da existência de dolo ou culpa para sua configuração, bastando apenas a comprovação do dano e do nexo causal. A pretensão indenizatória baseia-se na negativa indevida de cobertura em situação emergencial envolvendo criança de tenra idade, agravada pela subsequente cobrança dos valores diretamente à titular do plano, com ajuizamento de ação para tanto. Nesse sentido, a conduta da operadora Hapvida, ao negar a cobertura da internação por emergência sob o argumento da carência contratual, provocou angústia e sofrimento aos autores que vão além do mero dissabor cotidiano. A situação foi agravada pela cobrança judicial promovida pelo Hospital, pertencente ao mesmo grupo econômico, gerando transtornos adicionais à família já fragilizada pela condição de saúde da menor. A responsabilidade do fornecedor de serviço é objetiva, de modo que não há necessidade de perquirir acerca da existência de dolo ou culpa para sua configuração, bastando apenas a comprovação do dano e do nexo causal. A negativa de cobertura nas hipóteses de atendimento de urgência e emergência, como é a situação dos autos, é indevida, como explanado alhures, gerando na autora uma situação de angústia e aflição em momento de extrema fragilidade, especialmente quando o atendimento é inadiável e envolve risco de vida, sendo patente o liame entre os danos e a conduta comissiva do plano réu, o que enseja a responsabilização civil deste, na linha do que já decidiu o STJ: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA OU URGÊNCIA. MITIGAÇÃO DO PRAZO DE CARÊNCIA. PROTEÇÃO DA VIDA. RECUSA INDEVIDA. DANO MORAL. DECISÃO MANTIDA. 1. "A cláusula de carência do contrato de plano de saúde deve ser mitigada diante de situações emergenciais graves nas quais a recusa de cobertura possa frustrar o próprio sentido e razão de ser do negócio jurídico firmado" (AgInt no AREsp 892.340/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 16/08/2016). 2. A recusa indevida da operadora de plano de saúde a autorizar o tratamento do segurado é passível de condenação por dano moral, uma vez que agrava a situação de aflição e angústia do segurado, comprometido em sua higidez físico-psicológica pela enfermidade. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 949.288/CE, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe de 24/10/2016.) - Destaquei Caracterizado o dano moral, passo a fazer a quantificação da indenização respectiva. A indenização por danos morais representa uma compensação financeira pelo sofrimento ocasionado pelo dano, não significando um acréscimo patrimonial para a vítima do dano. Atualmente, para ser quantificada a compensação pela ofensa moral, adota-se a teoria do valor do desestímulo, levando-se em conta, para ser fixada a indenização, a extensão do dano, a necessidade de satisfazer a dor da vítima, tomando-se como referência o seu padrão socioeconômico e, em contrapartida, inibir que o ofensor pratique novas condutas lesivas. Assim, atentando para os elementos de quantificação acima identificados, bem como para o princípio da razoabilidade, entendo como suficiente e justa a indenização de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada um dos autores, considerando a extensão do dano; a necessidade de satisfazer a dor da vítima; o padrão socioeconômico das partes, além da necessidade de compelir a demandada a prestar um melhor serviço aos seus clientes em observância a legislação de regência. A correção monetária a incidir sobre os danos morais deverá ser a partir do arbitramento, ou seja, da data da sentença, conforme enunciado da Súmula n.º 362 do STJ[1]. Já para os juros de mora, deixo de aplicar o enunciado da Súmula 54 do STJ sob o fundamento de que o dano moral só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que o arbitrou, não devendo incidir antes desta data juros de mora sobre quantia que ainda não havia sido reconhecida e estabelecida pelo juízo, conforme bem assentou a Ministra Relatora Izabel Gallotti, no julgamento do Recurso Especial 903.258/RS, senão vejamos: Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. Isso porque sendo uma obrigação ilíquida não há como precisar o valor da dívida e por conseguinte não há como o devedor efetuar o seu pagamento, no tempo e modo devidos, de forma que não é correto aplicar o ônus dos juros de mora (juros pela demora, pelo atraso). Portanto, julgo como condição essencial para aplicação dos juros de mora o vencimento da dívida ou da prestação líquida e certa, o que se afigura pelo descumprimento de uma obrigação instituída ou predeterminada. Desta feita, determino que o termo inicial para incidência dos juros de mora seja a partir do trânsito em julgado desta decisão, podendo a parte ré efetuar o pagamento sem incidência de juros até que ocorra esse evento final. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, REJEITO a preliminar e, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para o fim de DECLARAR a inexigibilidade do débito de R$ 11.942,30 (onze mil, novecentos e quarenta e dois reais e trinta centavos) em face da autora AMANDA MAIARA SILVA DA PAIXÃO, referente ao período de internação de ANA LÍVIA SILVA DE MEDEIROS, de 06/06/2021 a 11/06/2021, no Hospital Antônio Prudente, pelo que decreto a extinção do feito com resolução do mérito, bem como revogo os efeitos da decisão liminar. CONDENAR as rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais), sendo R$ 3.000,00 (cinco mil reais) para cada autor, com atualização monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde a data desta sentença e incidência de juros de mora correspondentes à diferença entre a Taxa Selic e o IPCA, nos termos dos arts. 389, parágrafo único, e 406, § 1º, do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 14.905/2024, a partir da citação até o efetivo pagamento. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estes que fixo em 10% (dez por cento) do valor condenação, o que faço com fundamento no art. 85, §2º, do CPC. Cumpridas as formalidades legais e certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos sem prejuízo do posterior desarquivamento para fins de cumprimento da sentença. Intime-se. Natal/RN, na data registrada pelo sistema. Amanda Grace Diógenes Freitas Costa Dias Juíza de Direito (Assinado Digitalmente nos termos da Lei n.º 11.419/06) [1] Súmula nº 362 do STJ - A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.
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