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George Clemenson E Silva De…
OAB/RN 12.534
GEORGE CLEMENSON E SILVA DE SOUSA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 316053733
Tribunal: TJRN
Órgão: 2ª Vara da Comarca de Extremoz
Classe: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Nº Processo: 0800299-72.2025.8.20.5162
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE MENESCAL GUEDES
OAB/MA XXXXXX
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LUIZ GONZAGA NETO
OAB/SP XXXXXX
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IKARO BRUNO FERNANDES FREITAS
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 2ª Vara da Comarca de Extremoz/RN Número do Processo: 0800299-72.2025.8.20.5162 Parte Autora: MARIA DA CONCEICAO N DE SOUZA registrado(a) civilmente …
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Processo nº 0801053-45.2023.8.20.5142
ID: 275907740
Tribunal: TJRN
Órgão: Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0801053-45.2023.8.20.5142
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMULO MAIA DE BRITO
OAB/RN XXXXXX
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ANAIRAM CARLA DE LIMA
OAB/RN XXXXXX
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ALBERTO CLEMENTE DE ARAUJO
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas Praça Getúlio Vargas, 100, Vila do Rio, JARDIM DE PIRANHAS - RN - CEP: 59324-000 Processo nº: 0801053-45.…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas Praça Getúlio Vargas, 100, Vila do Rio, JARDIM DE PIRANHAS - RN - CEP: 59324-000 Processo nº: 0801053-45.2023.8.20.5142 Ação: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) DEFENSORIA (POLO ATIVO): 47ª DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL JARDIM DE PIRANHAS/RN, MPRN - PROMOTORIA JARDIM DE PIRANHAS INVESTIGADO: IGOR EDUARDO DANTAS, FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS REU: ALEXANDRO LIMA REGIS SENTENÇA I – RELATÓRIO O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor de IGOR EDUARDO DANTAS, FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS e ALEXANDRO LIMA REGIS, na qual atribui aos acusados as práticas dos crimes capitulados nos arts. 180, §3.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal para Igor e Alexandro, e, art. 180, §1.º, art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, para Francinaldo, todos na forma concurso material (art. 69 do CP). A denúncia narra, em síntese, que: “No dia 24 de março de 2023, por volta da 10h30min, em via pública, mais precisamente na Rua Artur Ribas, Bairro Vila do Rio, neste Município de Jardim de Piranhas/RN, IGOR EDUARDO DANTAS, ora denunciado, conduzia a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha, adquirida por ele com desproporção entre o valor e o preço e presumir-se obtida por meio criminoso, bem como apresentava placa de identificação veicular adulterada (QRCODE rasurado), código do motor e código do chassi com remarcações parciais de caracteres e documentos falsos. Ao passo que FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, ora denunciado, adquiriu e vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha, coisa que deve saber ser produto de crime. Por seu turno, ALEXANDRO LIMA REGIS, ora denunciado, adquiriu a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso, bem como portava documento falso, uma vez que usou o documento ao negociar o veículo para FRANCINALDO e, este, fez o mesmo quando da negociação com IGOR, que estava na posse do documento. Com efeito, relata-nos o procedimento de investigação que, na data e hora acima mencionados, policiais rodoviários federais estavam realizando patrulhamento ostensivo, no contexto dos ataques a prédios públicos ordenados por facções criminosas, quando avistaram a motocicleta Honda CG Start 160cc, de cor vermelha, estacionada, cuja placa de identificação veicular apresentava indícios de adulteração: QRCODE rasurado. Ao observar os sinais identificadores do veículo, os policiais constataram sinais de adulterações, tais como código do motor e código do chassi com remarcações parciais de caracteres. Nessa senda, os policiais fizeram análises mais aprofundadas, pelas quais descobriram que a placa original do veículo é diferente da que estava instalada. A motocicleta estava com a placa QSJ-9C07, sendo que a verdadeira placa é a QSK-3G87. Esse veículo foi fruto de roubo/furto no Estado da Paraíba, conforme consta no Boletim de Ocorrência n.º 0000585, lavrado pela Polícia Civil da Paraíba. Diante disso, os policiais conduziram o suspeito para esta delegacia. Em sede policial, IGOR EDUARDO DANTAS afirmou que: QUE um terceiro chamado “Neguinho”, que reside na cidade de São Fernando, há cerca de um ano; QUE não sabe o nome completo de Neguinho; QUE na negociação, deu uma moto Honda CG 150 e mais R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais); QUE acredita que sua Honda CG valia em tomo de quatro mil reais, pois estava com o motor batido; QUE Neguinho Ihe entregou um CRLV de 2019; QUE o referido documento está em casa, e será trazido até esta delegacia por sua mãe; QUE pediu para que um amigo verificasse a procedência da moto pela placa e pelo chassi, sendo que não havia irregularidades nela; QUE inclusive já foi parado em diversas barreiras policiais pela polícia militar e nenhuma irregularidade foi constatada; QUE planejava quitar as dívidas atrasadas da moto, mas não iria transferi-la para seu nome; QUE não chegou à conferir se a moto possuía sinais de adulteração; QUE nunca foi preso ou processado. Já FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, conhecido por “NEGUINHO”, disse em seu interrogatório o seguinte: QUE é proprietário de uma oficina de motos na cidade de São Fernando/RN; QUE vendeu a motocicleta apreendida a Igor há cerca de 2 anos; QUE a negociação saiu por um valor aproximado de R$6.000,00 (seis mil reais); QUE Igor pagou um valor de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), mais uma moto Honda CG 150 (não se recorda o ano da moto); QUE acredita que a motocicleta START, ao tempo da negociação com Igor, valeria algo em torno de oito mil reais; QUE a vendeu por seis mil porque estava com a documentação atrasada; QUE a comprou há cerca de dois anos à pessoa de Alexandro; QUE a comprou a Alexandro com o intuito de vende-la; QUE as vezes compra motocicletas usadas com o intuito de revende-las; QUE comprou a Alexandro por R$ 6.000,00 (seis mil reais), pagos em espécie; QUE recebeu de Alexandro um CRLV de 2019, o mesmo que repassou a Francinaldo; QUE chegou a verificar o número constante no chassi do veículo no aplicativo DETRAN, sendo que a numeração bateu com a placa e a constante no documento do veículo; QUE não chegou à checar a autenticidade do documento que recebeu; QUE não tinha conhecimento de que o veículo poderia ter sinais de adulteração; QUE não chegou a modificar nada no chassi e no motor do veículo; QUE quando vendeu o veículo a Igor, o entregou o CRLV que recebeu de Alexandro; QUE já foi preso por receptação, em uma situação que envolvia uma motocicleta roubada, há cerca de 10 anos. Por sua vez, ALEXANDRO LIMA REGIS, em seu interrogatório, narrou o seguinte: QUE há mais ou menos dois anos, viu o anúncio da motocicleta START apreendida em um grupo de facebook; QUE não se recorda o nome da pessoa que anunciou a venda do veículo; QUE também não mais possui as mensagens trocadas com essa pessoa; QUE pagou R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) pelo veículo, pagos em espécie; QUE a motocicleta era financiada e estava com as parcelas atrasadas; QUE planejava andar com a motocicleta pela zona rural; QUE chegou a checar a placa da moto no site do DETRAN/PB, tendo verificado que não havia restrições; QUE olhou o chassi da moto, mas não percebeu sinais de adulteração; QUE quando comprou a moto, recebeu o CRLV de 2019 ora apresentado; QUE chegou a checar as informações que constavam no documento, que aparentavam estar em conformidade; QUE após cerca de 15 dias, vendeu o veículo a Francinaldo; QUE trabalha em uma fábrica; QUE por vezes costumava comprar motos usadas para revender; QUE negociou o veículo com Francinaldo; QUE repassou a ele uma Honda CG 150, modelo 2014, e recebeu dele o valor de R$ 1.000,00 (mil reais); QUE não chegou a realizar nenhum reparo/conserto na motocicleta no período em que estava com ela, tendo a repassado a Francinaldo do mesmo jeito que a recebeu; QUE nunca foi preso ou processado. Após a apreensão do veículo e do documento CRLV, a Polícia Civil requisitou ao ITEP a realização de exame pericial na motocicleta e no CRLV. Procedido o exame, o órgão emitiu os respectivos laudos periciais. O laudo de exame pericial de exame de identificação veicular apontou que as “gravações das codigicações do chasse e do motor estão adulteradas”. Após exame metalográfico, “foi possível identificar a codificação original do chassi, que é 9C2KC2500LR009497, a qual está associada, em consulta ao DetranNet na data de 16/06/2023, ao veículo HONDA/CG 160 START, placa QSK3G87, para a qual consta ocorrência de furto/roubo”. O laudo de exame documentoscópico esclareceu que o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo Eletrônico (CRLV-e), objeto do exame, apresentou informações divergentes quanto a validação do QRCode, de modo que se trata de “documento apócrifo, isto é, não guarda as características de validade com as informações contidas nas bases de dados alimentadas pelo emissor”. Revelam os autos ainda que, a autoridade policial realizou a restituição do bem ao legítimo proprietário, tendo lavrado o devido termo de entrega/restituição de objeto. Depreende-se do Inquérito Policial que a Autoridade policial tomou o cuidado de verificar na Tabela Fipe o valor de comercialização do veículo, a fim de comparar os valores constantes na Tabela Fipe com os preços negociados entre os investigados, a fim de cotejar com tipos penais abstratos. Nessa esteira, IGOR alegou em sua defesa que, a cerca de um ano (março de 2022), negociou a motocicleta com FRANCINALDO através de uma troca e mais uma volta em dinheiro. Segundo a Tabela Fipe, a motocicleta valia R$ 12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais). Segundo ele, a CG START custou algo em torno de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), pois pagou R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) e deu uma motocicleta que acreditava valer R$ 4.000,00 (quatro mil reais) – apesar de que ela estava “com o motor batido”. Assim, verificamos a disparidade entre o valor alegado por IGOR e o valor trazido pela Tabela Fipe; a diferença é de R$ 4.435,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco reais). Com isso, não restou dúvida de que IGOR praticou o crime de receptação culposa, nos termos do art. 180, § 3.º, do Código Penal, haja vista ele ter adquirido coisa que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso. FRANCINALDO, por sua vez, disse em seu interrogatório que havia negociado a motocicleta com ALEXANDRO a cerca de 2 (dois) anos (março de 2021). Segundo ele, a negociação com ALEXANDRO saiu por R$ 6.000,00 (seis mil reais). Comparando-se com o valor da Tabela Fipe, a diferença é de R$ 4.116,00 (quatro mil, cento e dezesseis reais). Além disso, FRANCINALDO afirmou que comprou a motocicleta com o intuito de vendê-la, pois tem o costume de comprar motocicletas para as revender. Ainda, o denunciado afirmou que já foi preso por receptação, por causa de uma motocicleta roubada. Assim, verifica-se que o investigado FRANCINALDO incorreu na prática de receptação qualificada, uma vez que adquiriu e vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, coisa que deve saber ser produto de crime, de acordo com o art. 180, § 1.º, do Código Penal. ALEXANDRO, a seu turno, informou em seu interrogatório que comprou a motocicleta a partir de um anúncio que viu em um grupo do Facebook, mas não se recorda do nome do anunciante. A compra se deu a 2 (dois) anos e custou R$5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), isto é, R$ 4.616,00 de diferença do valor que consta na Tabela Fipe. Portanto, afere-se que ALEXANDRO também praticou o crime de receptação culposa, nos termos do art. 180, § 3.º, do Código Penal, haja vista ele ter adquirido coisa que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso. Sem embargo, os elementos de informação coletados ensejam imputar o crime de uso de documento falso, posto que ALEXANDRO usou o documento ao negociar o veículo para FRANCINALDO e, este, fez o mesmo quando da negociação com IGOR, que estava na posse do documento. Nessa senda, a materialidade e a autoria dos crimes restaram devidamente comprovadas pelo Termo de Exibição e Apreensão acostado ao Id qualificado no Id 106152672 – Pág. 6, Laudo de Exame de Identificação Veicular nº 9206/21 (Id 106152672 – Pág. 15/19), Laudo de Exame Documentoscópico nº 19665/2021 (Id 106152672 – Pág. 20/23), depoimentos das testemunhas e demais documentos que constituem o presente IP. Assim, da forma como agiu, praticaram os denunciados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS os crimes previstos nos arts. 180, § 3.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, na forma do art. 69, também do Código Penal e FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, conhecido por “NEGUINHO”, praticou os crimes previstos nos arts. 180, §1.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, na forma do art. 69, também do Código Penal.”. Inquérito Policial (ID. 108559851). Denúncia (ID. 111027535). Denúncia recebida no ID. 111116888. Respostas à acusação (Ids. 112725184, 114577151 e 114865588). Mantido o recebimento da denúncia (ID. 114926537), determinando a inclusão do feito em pauta de audiência de instrução. Seguiu-se toda a instrução criminal na forma do art. 54 e seguintes da Lei nº 11.343/2006, com produção da prova testemunhal, e interrogatórios dos acusados concluindo-se, pois, a instrução do feito (termo de audiência ID. 143560028). O Ministério Público apresentou alegações finais orais (ID. 143604659), requerendo a procedência parcial da denúncia, com a condenação dos acusados nos crimes que lhe foram imputados, com exceção do crime do art. 297 do Código Penal, requerendo a absolvição do referido para todos os acusados. Em seguida, a defesa técnica do réu IGOR EDUARDO DANTAS, também ofertou alegações finais orais, pugnando pela absolvição do referido, sob o fundamento de que agiu de boa-fé na compra da motocicleta. Na sequência, a defesa técnica do réu ALEXANDRO LIMA REGIS, também ofertou alegações finais orais, requerendo a absolvição de todos os crimes que lhe foram imputados, pela presença de boa-fé. Por fim, a defesa técnica do réu FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, em suas alegações finais orais, pugnou pela absolvição por todos os crimes imputados, ou, subsidiariamente, a condenação do referido no crime de receptação culposa. É o relatório. Fundamento. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO A presente ação é penal pública incondicionada, o Ministério Público tem a necessária legitimidade para o desenvolvimento válido e regular do processo. O processo encontra-se formalmente em ordem, estando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Os acusados foram representados por defesa técnica e foram observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, para que se possa cogitar em condenação no âmbito criminal, os fatos descritos na denúncia devem necessariamente corresponder a um tipo penal previsto em lei incriminadora vigente à época da conduta imputada. Do mesmo modo, a acusação deve comprovar, mediante provas robustas colhidas na esfera judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, os critérios de autoria e materialidade, para todos os crimes apontados na denúncia. Assentadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto. Do crime de falsificação de documento público. O Ministério Público Estadual imputou a todos os acusados a conduta descrita no art. 297 do Código Penal, in verbis: “Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.” Entretanto, finalizada a instrução processual, o Ministério Público pugnou pela absolvição dos acusados, eis que foi comprovado que o documento utilizado não foi falsificado por nenhum dos réus. Desta forma, imperioso mencionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. REGULARIDADE DO ATO PROCESSUAL. ART. 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. MERA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DO ART. 337-A DO CP. MONOPÓLIO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO MINISTERIAL DE ABSOLVIÇÃO. NECESSÁRIO ACOLHIMENTO. ART. 3º-A do CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Reputa-se válida a publicação dirigida a um dos advogados constituídos, quando ausente requerimento de intimação exclusiva. 2. O delito de sonegação de contribuições previdenciárias, previsto no art. 337-A do CP é de natureza material, consiste na efetiva supressão ou omissão de valor de contribuição social previdenciária, não sendo criminalizada a mera inadimplência tributária. 3. O descumprimento de obrigação tributária acessória, prevista no inciso III do art. 337-A do CP, por omissão ao dever de prestar informações, sem demonstração da efetiva supressão ou omissão do tributo, não configura o crime previsto no caput do art. 337-A do CP. 4. Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público o monopólio da titularidade da ação penal pública. 5. Tendo o Ministério Público, titular da ação penal pública, pedido a absolvição do réu, não cabe ao juízo a quo julgar procedente a acusação, sob pena de violação do princípio acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP, que impõe estrita separação entre as funções de acusar e julgar. 6. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para anular o processo após as alegações finais apresentadas pelas partes.” (STJ - AgRg no AREsp: 1940726 RO 2021/0245185-9, Data de Julgamento: 06/09/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2022). Portanto, é possível concluir que não cabe ao juiz condenar o réu, quando o titular da ação penal pugna pela absolvição, eis que tal ato ocasionaria afronta ao princípio acusatório, descrito no art. 3º-A do Código de Processo Penal. Assim, impõe-se a aplicação do art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal: “Art. 386. O Juiz absolverá o Réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;” Portanto, diante da ausência de provas quanto ao crime do art. 297 do CP, devem os acusados serem absolvidos dessa imputação. Do crime de receptação culposa. O Ministério Público Estadual imputou aos acusados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS, a conduta descrita no art. 180, §3º do Código Penal, in verbis: “Art. 180 (...) §3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.”. O crime de receptação é chamado de parasitário. Isto é, para que o crime ocorra, precisa que um outro crime já tenha ocorrido anteriormente. Seja um furto, uma apropriação indébita, um estelionato, um roubo, entre outros. Assim sendo, se trata da pessoa comprar um carro roubado, um celular furtado, etc. Para comprovar tal conduta, é preciso prova de que o agente adquire ou recebe a coisa que é objeto de crime, de forma negligente e com desinteresse em saber sua origem. No caso dos autos, tenho que os acusados IGOR e ALEXANDRO agiram com inobservância do dever de cuidado, considerando a discrepância entre o valor do bem e o preço pago por eles e as circunstâncias que envolveram as transações. Inicialmente, cumpre frisar que o bem adquirido se trata de uma motocicleta tipo HONDA CG 160cc START de cor vermelha, na qual constatou-se a adulteração de seus sinais de identificação, consoante se vê do laudo de exame pericial criminal, juntado ao ID. 108559851 – Pág. 27 e seguintes, o qual concluiu: “O veículo apresentava, no momento da perícia, gravação da codificação do chassi adulterada e gravação da codificação do motor adulterada. (…) A placa de identificação veicular apresentava o QR code danificado, impedindo sua leitura. (…) Após realizado o exame metalográfico, foi possível identificar a codificação original do chassi, que é 9C2KC2500LR0009497, a qual está associada, em consulta ao DetranNet na data de 16/06/2023, ao veículo HONDA/CG 160 START, placa QSK3G87, para a qual consta ocorrência de furto/roubo.”. Assim, resta comprovado o primeiro requisito para configuração do delito de receptação culposa: o bem adquirido é objeto de crimes (furto/roubo e adulteração de seus sinais de identificação). Em análise da conduta de IGOR, vejo que o referido alegou em seu interrogatório judicial que adquiriu a motocicleta de FRANCINALDO, pelo valor de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) e mais uma moto Honda CG 150 Honda CG, a qual aduz que valia em tomo de quatro mil reais, pois estava com o motor batido. Além disso, narrou que não se preocupou em transferir a motocicleta para o seu nome junto aos órgãos de trânsito. Conforme apontado pelo MPE, a motocicleta, segundo a Tabela Fipe, valia R$12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais), ou seja, o acusado IGOR teria pago R$4.435,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco reais) a menos do que o valor de mercado, razão pela qual entendo que de fato houve discrepância entre o valor do bem e o preço pago por ele, assumindo o acusado o risco do bem ser fruto de crime, ante seu preço baixo. Configurando o crime em seu desfavor. Em análise da conduta de ALEXANDRO, vejo que o referido alegou em interrogatório judicial que adquiriu a motocicleta “enganado”, através de anúncio em um grupo do Facebook, pelo valor de R$5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), afirmando que conferiu a numeração do chassi, do motor e da placa junto ao sistema do DETRAN e que “aparentemente estava tudo certo”. Aduziu que achou que o valor abaixo de mercado era pelas parcelas atrasadas. Assim, é imperioso destacar novamente que, segundo a Tabela Fipe, a motocicleta valia R$12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais), desta forma o acusado ALEXANDRO comprou a referida por 42,52% de seu valor de mercado, fato que caracteriza enorme disparidade entre o valor do bem e o preço pago por ele, levando a comprovação de que o réu agiu com inobservância do dever de cuidado, agindo na forma descrita pelo art. 180, §3º do Código Penal. Do crime de receptação qualificada. O Ministério Público imputa ao acusado FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, a conduta tipificada no art. 180, §1º do Código Penal. Vejamos: “Art. 180 (…) §1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. ”. Para configuração do delito acima transcrito, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é necessário um dos verbos seja cometido no exercício de atividade comercial ou industrial. Vejamos: “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DA HABITUALIDADE . ATIVIDADE QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO LEGAL DE ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Para que se configure a modalidade qualificada há a exigência legal de que a prática de um dos verbos nucleares ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial. Inteligência do art. 180, § 1º, do CP. 2. A expressão "no exercício de atividade comercial ou industrial" pressupõe, segundo abalizada doutrina, habitualidade no exercício do comércio ou da indústria, "pois é sabido que a atividade comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem continuidade no tempo." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, 6ª ed. rev., atual . e ampl., São Paulo: Método, 2018.3. Concluir que os agravados estavam inseridos no contexto de atividade comercial, diversamente do que afirmou o Tribunal local, é medida que esbarra na Súmula 7/STJ .4. Agravo regimental não provido.”. (STJ - AgRg no AREsp: 2259297 MG 2022/0375884-2, Relator.: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 18/04/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2023). Em análise do interrogatório de FRANCINALDO, o próprio alega que possui uma oficina de motos e que é de seu costume comprar motocicletas para revendê-las. Desta forma, entendo que o requisito de vender objeto de proveito de crime no exercício de atividade comercial está comprovado. Além disso, tal atividade corrobora ainda mais a responsabilidade do acusado FRANCINALDO, bem como, sua ciência dos trâmites legais para compra e venda de veículos. Conforme já citado anteriormente, a motocicleta comercializada se trata de um objeto de crime (roubo/furto) e também sofreu adulteração de seus sinais de identificação, com o fim de ocultar o primeiro crime cometido. Assim, conforme jurisprudência do STJ, não é necessário que o agente saiba da procedência ilícita da res adquirida, bastando a comprovação de que deveria sabê-lo pelas circunstâncias fáticas concretamente apresentadas, o que foi o caso dos autos. Isso porque, as provas produzidas, confirmaram que o acusado comprou a motocicleta de Alexandro por R$ 6.000,00 (seis mil reais), a qual deveria valer mais que o dobro à época da transação, e, de igual modo, não procedeu com a transferência junto aos órgãos de trânsito para que passasse por vistorias, realizando sua revenda para Igor. Desta forma, pela análise das provas produzidas, tenho que está comprovada a autoria e materialidade do delito de receptação qualificada. Do crime de uso de documento falso. O Parquet imputou a todos os acusados o crime previsto no art. 304 do Código Penal, in verbis: “Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.”. Sobre tal delito, importante colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: “RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CRIME FORMAL. CARACTERIZAÇÃO . UTILIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. "É pacífico o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça de que, tratando-se de crime formal, o delito tipificado no artigo 304 do Código Penal consuma-se com a utilização ou apresentação do documento falso, não se exigindo a demonstração de efetivo prejuízo à fé pública nem a terceiros".”. (AgInt no AREsp 1 .229.949/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 14/03/2018). 2. Recurso provido. (STJ - REsp: 1722241 SP 2018/0025557-1, Relator.: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 05/06/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2018). Desta forma, é possível concluir que o delito de uso de documento falso, é crime formal e se consuma no momento da sua utilização. Assim, por se tratar de crime formal, o simples uso do documento contrafeito é suficiente para a sua consumação. Compulsando os autos, vejo que os três acusados utilizaram o documento falso, sendo ele: CERTIFICADO DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO ELETRÔNICO (CRLV-e). Conforme exame documentoscópico (ID. 108559851 – Pág. 22 e seguintes), verificou-se que o documento acima descrito é apócrifo, eis que não guarda as características de validade com as informações contidas nas bases de dados alimentadas pelo emissor. Portanto, tenho que está comprovada a autoria e materialidade do crime de uso de documento falso. III – DISPOSITIVO: Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, materializada na acusação oferecida pelo Ministério Público, em face do que CONDENO os acusados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS, como incurso nas sanções previstas nos arts. 108, §3º e 304, ambos do Código Penal. De igual modo, CONDENO o acusado FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, como incurso nas sanções previstas nos arts. 108, §1º e 304, ambos do Código Penal, todos na forma do art. 69 do CP. Em contrapartida, ABSOLVO os acusados da imputação do art. 297 do Código Penal, por estar provado que os réus não concorreram para a referida infração penal, nos termos do art. 386, inciso IV do Código de Processo Penal. IV- DA APLICAÇÃO DA PENA Em atenção ao disposto no art. 59 e seguintes, do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, para a quantificação das sanções aplicáveis aos condenados, passo à aplicação da pena. IV. I - DA APLICAÇÃO INDIVIDUALIZADA DA PENA Observando o disposto no art. 29 do Código Penal, passo a dosar separadamente as penas de cada réu. RÉU 1: IGOR EDUARDO DANTAS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594820), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Assim, SOMO as penas fixando-as em 02 (dois) meses de detenção. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. RÉU 2: ALEXANDRO LIMA REGIS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594821), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Assim, SOMO as penas fixando-as em 02 (dois) meses de detenção. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. RÉU 3: FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594823), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, para o crime do art. 108, §1º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, para o crime do art. 108, §1º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Entretanto, como as penas são distintas (detenção e reclusão), deixo de somá-las. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. COMUM A TODOS OS RÉUS: VI – VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS Deixo de fixar valor mínimo a título de reparação de danos resultantes da infração penal (CPP, artigo 387, IV), pois não houve pedido expresso nesse sentido. VII – CUSTAS Condeno os réus ao pagamento das despesas processuais; contudo, sua cobrança poderá ser sobrestada, desde que comprovado seu estado de pobreza na fase de execução. VIII – DOS BENS APREENDIDOS Considerando a condenação dos réus, bem como a constatação de adulteração do veículo apreendido, DECRETO seu perdimento em favor da União. IX – PROVIMENTOS FINAIS Oportunamente, após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: 1) Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral, com a devida identificação dos réus, acompanhada de cópia da presente sentença, para cumprimento do quanto disposto pelos artigos 71, § 2º, do Código Eleitoral c/c 15, inciso III da Constituição Federal; 2) Extraiam-se as guia de execução definitiva, com fiel observância do disposto nos arts. 105 a 107 da Lei n. 7.210/84 e da Resolução do CNJ n. 113/2007, considerando, para todos os acusados, o art. 112, inciso I da LEP; 3) Expeça-se Ofício à União para que realizem a remoção do bem; 4) Por fim, dê-se baixa na distribuição e arquive-se. Intimem-se os condenados, nos termos do art. 392 do CPP. Publique-se e Registre-se a presente sentença, na forma do art. 389 do CPP. Cientifique-se pessoalmente o Representante do Ministério Público (art. 390, CPP). SIRVA A PRESENTE SENTENÇA COMO MANDADO/OFÍCIO. JARDIM DE PIRANHAS/RN, data lançada no sistema. GUILHERME MELO CORTEZ Juiz de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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Processo nº 0801053-45.2023.8.20.5142
ID: 275907764
Tribunal: TJRN
Órgão: Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0801053-45.2023.8.20.5142
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMULO MAIA DE BRITO
OAB/RN XXXXXX
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ANAIRAM CARLA DE LIMA
OAB/RN XXXXXX
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ALBERTO CLEMENTE DE ARAUJO
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas Praça Getúlio Vargas, 100, Vila do Rio, JARDIM DE PIRANHAS - RN - CEP: 59324-000 Processo nº: 0801053-45.…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas Praça Getúlio Vargas, 100, Vila do Rio, JARDIM DE PIRANHAS - RN - CEP: 59324-000 Processo nº: 0801053-45.2023.8.20.5142 Ação: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) DEFENSORIA (POLO ATIVO): 47ª DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL JARDIM DE PIRANHAS/RN, MPRN - PROMOTORIA JARDIM DE PIRANHAS INVESTIGADO: IGOR EDUARDO DANTAS, FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS REU: ALEXANDRO LIMA REGIS SENTENÇA I – RELATÓRIO O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor de IGOR EDUARDO DANTAS, FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS e ALEXANDRO LIMA REGIS, na qual atribui aos acusados as práticas dos crimes capitulados nos arts. 180, §3.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal para Igor e Alexandro, e, art. 180, §1.º, art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, para Francinaldo, todos na forma concurso material (art. 69 do CP). A denúncia narra, em síntese, que: “No dia 24 de março de 2023, por volta da 10h30min, em via pública, mais precisamente na Rua Artur Ribas, Bairro Vila do Rio, neste Município de Jardim de Piranhas/RN, IGOR EDUARDO DANTAS, ora denunciado, conduzia a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha, adquirida por ele com desproporção entre o valor e o preço e presumir-se obtida por meio criminoso, bem como apresentava placa de identificação veicular adulterada (QRCODE rasurado), código do motor e código do chassi com remarcações parciais de caracteres e documentos falsos. Ao passo que FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, ora denunciado, adquiriu e vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha, coisa que deve saber ser produto de crime. Por seu turno, ALEXANDRO LIMA REGIS, ora denunciado, adquiriu a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso, bem como portava documento falso, uma vez que usou o documento ao negociar o veículo para FRANCINALDO e, este, fez o mesmo quando da negociação com IGOR, que estava na posse do documento. Com efeito, relata-nos o procedimento de investigação que, na data e hora acima mencionados, policiais rodoviários federais estavam realizando patrulhamento ostensivo, no contexto dos ataques a prédios públicos ordenados por facções criminosas, quando avistaram a motocicleta Honda CG Start 160cc, de cor vermelha, estacionada, cuja placa de identificação veicular apresentava indícios de adulteração: QRCODE rasurado. Ao observar os sinais identificadores do veículo, os policiais constataram sinais de adulterações, tais como código do motor e código do chassi com remarcações parciais de caracteres. Nessa senda, os policiais fizeram análises mais aprofundadas, pelas quais descobriram que a placa original do veículo é diferente da que estava instalada. A motocicleta estava com a placa QSJ-9C07, sendo que a verdadeira placa é a QSK-3G87. Esse veículo foi fruto de roubo/furto no Estado da Paraíba, conforme consta no Boletim de Ocorrência n.º 0000585, lavrado pela Polícia Civil da Paraíba. Diante disso, os policiais conduziram o suspeito para esta delegacia. Em sede policial, IGOR EDUARDO DANTAS afirmou que: QUE um terceiro chamado “Neguinho”, que reside na cidade de São Fernando, há cerca de um ano; QUE não sabe o nome completo de Neguinho; QUE na negociação, deu uma moto Honda CG 150 e mais R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais); QUE acredita que sua Honda CG valia em tomo de quatro mil reais, pois estava com o motor batido; QUE Neguinho Ihe entregou um CRLV de 2019; QUE o referido documento está em casa, e será trazido até esta delegacia por sua mãe; QUE pediu para que um amigo verificasse a procedência da moto pela placa e pelo chassi, sendo que não havia irregularidades nela; QUE inclusive já foi parado em diversas barreiras policiais pela polícia militar e nenhuma irregularidade foi constatada; QUE planejava quitar as dívidas atrasadas da moto, mas não iria transferi-la para seu nome; QUE não chegou à conferir se a moto possuía sinais de adulteração; QUE nunca foi preso ou processado. Já FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, conhecido por “NEGUINHO”, disse em seu interrogatório o seguinte: QUE é proprietário de uma oficina de motos na cidade de São Fernando/RN; QUE vendeu a motocicleta apreendida a Igor há cerca de 2 anos; QUE a negociação saiu por um valor aproximado de R$6.000,00 (seis mil reais); QUE Igor pagou um valor de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), mais uma moto Honda CG 150 (não se recorda o ano da moto); QUE acredita que a motocicleta START, ao tempo da negociação com Igor, valeria algo em torno de oito mil reais; QUE a vendeu por seis mil porque estava com a documentação atrasada; QUE a comprou há cerca de dois anos à pessoa de Alexandro; QUE a comprou a Alexandro com o intuito de vende-la; QUE as vezes compra motocicletas usadas com o intuito de revende-las; QUE comprou a Alexandro por R$ 6.000,00 (seis mil reais), pagos em espécie; QUE recebeu de Alexandro um CRLV de 2019, o mesmo que repassou a Francinaldo; QUE chegou a verificar o número constante no chassi do veículo no aplicativo DETRAN, sendo que a numeração bateu com a placa e a constante no documento do veículo; QUE não chegou à checar a autenticidade do documento que recebeu; QUE não tinha conhecimento de que o veículo poderia ter sinais de adulteração; QUE não chegou a modificar nada no chassi e no motor do veículo; QUE quando vendeu o veículo a Igor, o entregou o CRLV que recebeu de Alexandro; QUE já foi preso por receptação, em uma situação que envolvia uma motocicleta roubada, há cerca de 10 anos. Por sua vez, ALEXANDRO LIMA REGIS, em seu interrogatório, narrou o seguinte: QUE há mais ou menos dois anos, viu o anúncio da motocicleta START apreendida em um grupo de facebook; QUE não se recorda o nome da pessoa que anunciou a venda do veículo; QUE também não mais possui as mensagens trocadas com essa pessoa; QUE pagou R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) pelo veículo, pagos em espécie; QUE a motocicleta era financiada e estava com as parcelas atrasadas; QUE planejava andar com a motocicleta pela zona rural; QUE chegou a checar a placa da moto no site do DETRAN/PB, tendo verificado que não havia restrições; QUE olhou o chassi da moto, mas não percebeu sinais de adulteração; QUE quando comprou a moto, recebeu o CRLV de 2019 ora apresentado; QUE chegou a checar as informações que constavam no documento, que aparentavam estar em conformidade; QUE após cerca de 15 dias, vendeu o veículo a Francinaldo; QUE trabalha em uma fábrica; QUE por vezes costumava comprar motos usadas para revender; QUE negociou o veículo com Francinaldo; QUE repassou a ele uma Honda CG 150, modelo 2014, e recebeu dele o valor de R$ 1.000,00 (mil reais); QUE não chegou a realizar nenhum reparo/conserto na motocicleta no período em que estava com ela, tendo a repassado a Francinaldo do mesmo jeito que a recebeu; QUE nunca foi preso ou processado. Após a apreensão do veículo e do documento CRLV, a Polícia Civil requisitou ao ITEP a realização de exame pericial na motocicleta e no CRLV. Procedido o exame, o órgão emitiu os respectivos laudos periciais. O laudo de exame pericial de exame de identificação veicular apontou que as “gravações das codigicações do chasse e do motor estão adulteradas”. Após exame metalográfico, “foi possível identificar a codificação original do chassi, que é 9C2KC2500LR009497, a qual está associada, em consulta ao DetranNet na data de 16/06/2023, ao veículo HONDA/CG 160 START, placa QSK3G87, para a qual consta ocorrência de furto/roubo”. O laudo de exame documentoscópico esclareceu que o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo Eletrônico (CRLV-e), objeto do exame, apresentou informações divergentes quanto a validação do QRCode, de modo que se trata de “documento apócrifo, isto é, não guarda as características de validade com as informações contidas nas bases de dados alimentadas pelo emissor”. Revelam os autos ainda que, a autoridade policial realizou a restituição do bem ao legítimo proprietário, tendo lavrado o devido termo de entrega/restituição de objeto. Depreende-se do Inquérito Policial que a Autoridade policial tomou o cuidado de verificar na Tabela Fipe o valor de comercialização do veículo, a fim de comparar os valores constantes na Tabela Fipe com os preços negociados entre os investigados, a fim de cotejar com tipos penais abstratos. Nessa esteira, IGOR alegou em sua defesa que, a cerca de um ano (março de 2022), negociou a motocicleta com FRANCINALDO através de uma troca e mais uma volta em dinheiro. Segundo a Tabela Fipe, a motocicleta valia R$ 12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais). Segundo ele, a CG START custou algo em torno de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), pois pagou R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) e deu uma motocicleta que acreditava valer R$ 4.000,00 (quatro mil reais) – apesar de que ela estava “com o motor batido”. Assim, verificamos a disparidade entre o valor alegado por IGOR e o valor trazido pela Tabela Fipe; a diferença é de R$ 4.435,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco reais). Com isso, não restou dúvida de que IGOR praticou o crime de receptação culposa, nos termos do art. 180, § 3.º, do Código Penal, haja vista ele ter adquirido coisa que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso. FRANCINALDO, por sua vez, disse em seu interrogatório que havia negociado a motocicleta com ALEXANDRO a cerca de 2 (dois) anos (março de 2021). Segundo ele, a negociação com ALEXANDRO saiu por R$ 6.000,00 (seis mil reais). Comparando-se com o valor da Tabela Fipe, a diferença é de R$ 4.116,00 (quatro mil, cento e dezesseis reais). Além disso, FRANCINALDO afirmou que comprou a motocicleta com o intuito de vendê-la, pois tem o costume de comprar motocicletas para as revender. Ainda, o denunciado afirmou que já foi preso por receptação, por causa de uma motocicleta roubada. Assim, verifica-se que o investigado FRANCINALDO incorreu na prática de receptação qualificada, uma vez que adquiriu e vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, coisa que deve saber ser produto de crime, de acordo com o art. 180, § 1.º, do Código Penal. ALEXANDRO, a seu turno, informou em seu interrogatório que comprou a motocicleta a partir de um anúncio que viu em um grupo do Facebook, mas não se recorda do nome do anunciante. A compra se deu a 2 (dois) anos e custou R$5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), isto é, R$ 4.616,00 de diferença do valor que consta na Tabela Fipe. Portanto, afere-se que ALEXANDRO também praticou o crime de receptação culposa, nos termos do art. 180, § 3.º, do Código Penal, haja vista ele ter adquirido coisa que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso. Sem embargo, os elementos de informação coletados ensejam imputar o crime de uso de documento falso, posto que ALEXANDRO usou o documento ao negociar o veículo para FRANCINALDO e, este, fez o mesmo quando da negociação com IGOR, que estava na posse do documento. Nessa senda, a materialidade e a autoria dos crimes restaram devidamente comprovadas pelo Termo de Exibição e Apreensão acostado ao Id qualificado no Id 106152672 – Pág. 6, Laudo de Exame de Identificação Veicular nº 9206/21 (Id 106152672 – Pág. 15/19), Laudo de Exame Documentoscópico nº 19665/2021 (Id 106152672 – Pág. 20/23), depoimentos das testemunhas e demais documentos que constituem o presente IP. Assim, da forma como agiu, praticaram os denunciados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS os crimes previstos nos arts. 180, § 3.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, na forma do art. 69, também do Código Penal e FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, conhecido por “NEGUINHO”, praticou os crimes previstos nos arts. 180, §1.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, na forma do art. 69, também do Código Penal.”. Inquérito Policial (ID. 108559851). Denúncia (ID. 111027535). Denúncia recebida no ID. 111116888. Respostas à acusação (Ids. 112725184, 114577151 e 114865588). Mantido o recebimento da denúncia (ID. 114926537), determinando a inclusão do feito em pauta de audiência de instrução. Seguiu-se toda a instrução criminal na forma do art. 54 e seguintes da Lei nº 11.343/2006, com produção da prova testemunhal, e interrogatórios dos acusados concluindo-se, pois, a instrução do feito (termo de audiência ID. 143560028). O Ministério Público apresentou alegações finais orais (ID. 143604659), requerendo a procedência parcial da denúncia, com a condenação dos acusados nos crimes que lhe foram imputados, com exceção do crime do art. 297 do Código Penal, requerendo a absolvição do referido para todos os acusados. Em seguida, a defesa técnica do réu IGOR EDUARDO DANTAS, também ofertou alegações finais orais, pugnando pela absolvição do referido, sob o fundamento de que agiu de boa-fé na compra da motocicleta. Na sequência, a defesa técnica do réu ALEXANDRO LIMA REGIS, também ofertou alegações finais orais, requerendo a absolvição de todos os crimes que lhe foram imputados, pela presença de boa-fé. Por fim, a defesa técnica do réu FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, em suas alegações finais orais, pugnou pela absolvição por todos os crimes imputados, ou, subsidiariamente, a condenação do referido no crime de receptação culposa. É o relatório. Fundamento. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO A presente ação é penal pública incondicionada, o Ministério Público tem a necessária legitimidade para o desenvolvimento válido e regular do processo. O processo encontra-se formalmente em ordem, estando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Os acusados foram representados por defesa técnica e foram observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, para que se possa cogitar em condenação no âmbito criminal, os fatos descritos na denúncia devem necessariamente corresponder a um tipo penal previsto em lei incriminadora vigente à época da conduta imputada. Do mesmo modo, a acusação deve comprovar, mediante provas robustas colhidas na esfera judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, os critérios de autoria e materialidade, para todos os crimes apontados na denúncia. Assentadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto. Do crime de falsificação de documento público. O Ministério Público Estadual imputou a todos os acusados a conduta descrita no art. 297 do Código Penal, in verbis: “Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.” Entretanto, finalizada a instrução processual, o Ministério Público pugnou pela absolvição dos acusados, eis que foi comprovado que o documento utilizado não foi falsificado por nenhum dos réus. Desta forma, imperioso mencionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. REGULARIDADE DO ATO PROCESSUAL. ART. 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. MERA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DO ART. 337-A DO CP. MONOPÓLIO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO MINISTERIAL DE ABSOLVIÇÃO. NECESSÁRIO ACOLHIMENTO. ART. 3º-A do CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Reputa-se válida a publicação dirigida a um dos advogados constituídos, quando ausente requerimento de intimação exclusiva. 2. O delito de sonegação de contribuições previdenciárias, previsto no art. 337-A do CP é de natureza material, consiste na efetiva supressão ou omissão de valor de contribuição social previdenciária, não sendo criminalizada a mera inadimplência tributária. 3. O descumprimento de obrigação tributária acessória, prevista no inciso III do art. 337-A do CP, por omissão ao dever de prestar informações, sem demonstração da efetiva supressão ou omissão do tributo, não configura o crime previsto no caput do art. 337-A do CP. 4. Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público o monopólio da titularidade da ação penal pública. 5. Tendo o Ministério Público, titular da ação penal pública, pedido a absolvição do réu, não cabe ao juízo a quo julgar procedente a acusação, sob pena de violação do princípio acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP, que impõe estrita separação entre as funções de acusar e julgar. 6. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para anular o processo após as alegações finais apresentadas pelas partes.” (STJ - AgRg no AREsp: 1940726 RO 2021/0245185-9, Data de Julgamento: 06/09/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2022). Portanto, é possível concluir que não cabe ao juiz condenar o réu, quando o titular da ação penal pugna pela absolvição, eis que tal ato ocasionaria afronta ao princípio acusatório, descrito no art. 3º-A do Código de Processo Penal. Assim, impõe-se a aplicação do art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal: “Art. 386. O Juiz absolverá o Réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;” Portanto, diante da ausência de provas quanto ao crime do art. 297 do CP, devem os acusados serem absolvidos dessa imputação. Do crime de receptação culposa. O Ministério Público Estadual imputou aos acusados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS, a conduta descrita no art. 180, §3º do Código Penal, in verbis: “Art. 180 (...) §3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.”. O crime de receptação é chamado de parasitário. Isto é, para que o crime ocorra, precisa que um outro crime já tenha ocorrido anteriormente. Seja um furto, uma apropriação indébita, um estelionato, um roubo, entre outros. Assim sendo, se trata da pessoa comprar um carro roubado, um celular furtado, etc. Para comprovar tal conduta, é preciso prova de que o agente adquire ou recebe a coisa que é objeto de crime, de forma negligente e com desinteresse em saber sua origem. No caso dos autos, tenho que os acusados IGOR e ALEXANDRO agiram com inobservância do dever de cuidado, considerando a discrepância entre o valor do bem e o preço pago por eles e as circunstâncias que envolveram as transações. Inicialmente, cumpre frisar que o bem adquirido se trata de uma motocicleta tipo HONDA CG 160cc START de cor vermelha, na qual constatou-se a adulteração de seus sinais de identificação, consoante se vê do laudo de exame pericial criminal, juntado ao ID. 108559851 – Pág. 27 e seguintes, o qual concluiu: “O veículo apresentava, no momento da perícia, gravação da codificação do chassi adulterada e gravação da codificação do motor adulterada. (…) A placa de identificação veicular apresentava o QR code danificado, impedindo sua leitura. (…) Após realizado o exame metalográfico, foi possível identificar a codificação original do chassi, que é 9C2KC2500LR0009497, a qual está associada, em consulta ao DetranNet na data de 16/06/2023, ao veículo HONDA/CG 160 START, placa QSK3G87, para a qual consta ocorrência de furto/roubo.”. Assim, resta comprovado o primeiro requisito para configuração do delito de receptação culposa: o bem adquirido é objeto de crimes (furto/roubo e adulteração de seus sinais de identificação). Em análise da conduta de IGOR, vejo que o referido alegou em seu interrogatório judicial que adquiriu a motocicleta de FRANCINALDO, pelo valor de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) e mais uma moto Honda CG 150 Honda CG, a qual aduz que valia em tomo de quatro mil reais, pois estava com o motor batido. Além disso, narrou que não se preocupou em transferir a motocicleta para o seu nome junto aos órgãos de trânsito. Conforme apontado pelo MPE, a motocicleta, segundo a Tabela Fipe, valia R$12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais), ou seja, o acusado IGOR teria pago R$4.435,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco reais) a menos do que o valor de mercado, razão pela qual entendo que de fato houve discrepância entre o valor do bem e o preço pago por ele, assumindo o acusado o risco do bem ser fruto de crime, ante seu preço baixo. Configurando o crime em seu desfavor. Em análise da conduta de ALEXANDRO, vejo que o referido alegou em interrogatório judicial que adquiriu a motocicleta “enganado”, através de anúncio em um grupo do Facebook, pelo valor de R$5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), afirmando que conferiu a numeração do chassi, do motor e da placa junto ao sistema do DETRAN e que “aparentemente estava tudo certo”. Aduziu que achou que o valor abaixo de mercado era pelas parcelas atrasadas. Assim, é imperioso destacar novamente que, segundo a Tabela Fipe, a motocicleta valia R$12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais), desta forma o acusado ALEXANDRO comprou a referida por 42,52% de seu valor de mercado, fato que caracteriza enorme disparidade entre o valor do bem e o preço pago por ele, levando a comprovação de que o réu agiu com inobservância do dever de cuidado, agindo na forma descrita pelo art. 180, §3º do Código Penal. Do crime de receptação qualificada. O Ministério Público imputa ao acusado FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, a conduta tipificada no art. 180, §1º do Código Penal. Vejamos: “Art. 180 (…) §1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. ”. Para configuração do delito acima transcrito, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é necessário um dos verbos seja cometido no exercício de atividade comercial ou industrial. Vejamos: “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DA HABITUALIDADE . ATIVIDADE QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO LEGAL DE ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Para que se configure a modalidade qualificada há a exigência legal de que a prática de um dos verbos nucleares ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial. Inteligência do art. 180, § 1º, do CP. 2. A expressão "no exercício de atividade comercial ou industrial" pressupõe, segundo abalizada doutrina, habitualidade no exercício do comércio ou da indústria, "pois é sabido que a atividade comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem continuidade no tempo." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, 6ª ed. rev., atual . e ampl., São Paulo: Método, 2018.3. Concluir que os agravados estavam inseridos no contexto de atividade comercial, diversamente do que afirmou o Tribunal local, é medida que esbarra na Súmula 7/STJ .4. Agravo regimental não provido.”. (STJ - AgRg no AREsp: 2259297 MG 2022/0375884-2, Relator.: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 18/04/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2023). Em análise do interrogatório de FRANCINALDO, o próprio alega que possui uma oficina de motos e que é de seu costume comprar motocicletas para revendê-las. Desta forma, entendo que o requisito de vender objeto de proveito de crime no exercício de atividade comercial está comprovado. Além disso, tal atividade corrobora ainda mais a responsabilidade do acusado FRANCINALDO, bem como, sua ciência dos trâmites legais para compra e venda de veículos. Conforme já citado anteriormente, a motocicleta comercializada se trata de um objeto de crime (roubo/furto) e também sofreu adulteração de seus sinais de identificação, com o fim de ocultar o primeiro crime cometido. Assim, conforme jurisprudência do STJ, não é necessário que o agente saiba da procedência ilícita da res adquirida, bastando a comprovação de que deveria sabê-lo pelas circunstâncias fáticas concretamente apresentadas, o que foi o caso dos autos. Isso porque, as provas produzidas, confirmaram que o acusado comprou a motocicleta de Alexandro por R$ 6.000,00 (seis mil reais), a qual deveria valer mais que o dobro à época da transação, e, de igual modo, não procedeu com a transferência junto aos órgãos de trânsito para que passasse por vistorias, realizando sua revenda para Igor. Desta forma, pela análise das provas produzidas, tenho que está comprovada a autoria e materialidade do delito de receptação qualificada. Do crime de uso de documento falso. O Parquet imputou a todos os acusados o crime previsto no art. 304 do Código Penal, in verbis: “Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.”. Sobre tal delito, importante colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: “RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CRIME FORMAL. CARACTERIZAÇÃO . UTILIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. "É pacífico o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça de que, tratando-se de crime formal, o delito tipificado no artigo 304 do Código Penal consuma-se com a utilização ou apresentação do documento falso, não se exigindo a demonstração de efetivo prejuízo à fé pública nem a terceiros".”. (AgInt no AREsp 1 .229.949/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 14/03/2018). 2. Recurso provido. (STJ - REsp: 1722241 SP 2018/0025557-1, Relator.: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 05/06/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2018). Desta forma, é possível concluir que o delito de uso de documento falso, é crime formal e se consuma no momento da sua utilização. Assim, por se tratar de crime formal, o simples uso do documento contrafeito é suficiente para a sua consumação. Compulsando os autos, vejo que os três acusados utilizaram o documento falso, sendo ele: CERTIFICADO DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO ELETRÔNICO (CRLV-e). Conforme exame documentoscópico (ID. 108559851 – Pág. 22 e seguintes), verificou-se que o documento acima descrito é apócrifo, eis que não guarda as características de validade com as informações contidas nas bases de dados alimentadas pelo emissor. Portanto, tenho que está comprovada a autoria e materialidade do crime de uso de documento falso. III – DISPOSITIVO: Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, materializada na acusação oferecida pelo Ministério Público, em face do que CONDENO os acusados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS, como incurso nas sanções previstas nos arts. 108, §3º e 304, ambos do Código Penal. De igual modo, CONDENO o acusado FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, como incurso nas sanções previstas nos arts. 108, §1º e 304, ambos do Código Penal, todos na forma do art. 69 do CP. Em contrapartida, ABSOLVO os acusados da imputação do art. 297 do Código Penal, por estar provado que os réus não concorreram para a referida infração penal, nos termos do art. 386, inciso IV do Código de Processo Penal. IV- DA APLICAÇÃO DA PENA Em atenção ao disposto no art. 59 e seguintes, do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, para a quantificação das sanções aplicáveis aos condenados, passo à aplicação da pena. IV. I - DA APLICAÇÃO INDIVIDUALIZADA DA PENA Observando o disposto no art. 29 do Código Penal, passo a dosar separadamente as penas de cada réu. RÉU 1: IGOR EDUARDO DANTAS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594820), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Assim, SOMO as penas fixando-as em 02 (dois) meses de detenção. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. RÉU 2: ALEXANDRO LIMA REGIS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594821), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Assim, SOMO as penas fixando-as em 02 (dois) meses de detenção. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. RÉU 3: FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594823), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, para o crime do art. 108, §1º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, para o crime do art. 108, §1º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Entretanto, como as penas são distintas (detenção e reclusão), deixo de somá-las. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. COMUM A TODOS OS RÉUS: VI – VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS Deixo de fixar valor mínimo a título de reparação de danos resultantes da infração penal (CPP, artigo 387, IV), pois não houve pedido expresso nesse sentido. VII – CUSTAS Condeno os réus ao pagamento das despesas processuais; contudo, sua cobrança poderá ser sobrestada, desde que comprovado seu estado de pobreza na fase de execução. VIII – DOS BENS APREENDIDOS Considerando a condenação dos réus, bem como a constatação de adulteração do veículo apreendido, DECRETO seu perdimento em favor da União. IX – PROVIMENTOS FINAIS Oportunamente, após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: 1) Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral, com a devida identificação dos réus, acompanhada de cópia da presente sentença, para cumprimento do quanto disposto pelos artigos 71, § 2º, do Código Eleitoral c/c 15, inciso III da Constituição Federal; 2) Extraiam-se as guia de execução definitiva, com fiel observância do disposto nos arts. 105 a 107 da Lei n. 7.210/84 e da Resolução do CNJ n. 113/2007, considerando, para todos os acusados, o art. 112, inciso I da LEP; 3) Expeça-se Ofício à União para que realizem a remoção do bem; 4) Por fim, dê-se baixa na distribuição e arquive-se. Intimem-se os condenados, nos termos do art. 392 do CPP. Publique-se e Registre-se a presente sentença, na forma do art. 389 do CPP. Cientifique-se pessoalmente o Representante do Ministério Público (art. 390, CPP). SIRVA A PRESENTE SENTENÇA COMO MANDADO/OFÍCIO. JARDIM DE PIRANHAS/RN, data lançada no sistema. GUILHERME MELO CORTEZ Juiz de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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Processo nº 0801053-45.2023.8.20.5142
ID: 275907789
Tribunal: TJRN
Órgão: Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0801053-45.2023.8.20.5142
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMULO MAIA DE BRITO
OAB/RN XXXXXX
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ANAIRAM CARLA DE LIMA
OAB/RN XXXXXX
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ALBERTO CLEMENTE DE ARAUJO
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas Praça Getúlio Vargas, 100, Vila do Rio, JARDIM DE PIRANHAS - RN - CEP: 59324-000 Processo nº: 0801053-45.…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim de Piranhas Praça Getúlio Vargas, 100, Vila do Rio, JARDIM DE PIRANHAS - RN - CEP: 59324-000 Processo nº: 0801053-45.2023.8.20.5142 Ação: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) DEFENSORIA (POLO ATIVO): 47ª DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL JARDIM DE PIRANHAS/RN, MPRN - PROMOTORIA JARDIM DE PIRANHAS INVESTIGADO: IGOR EDUARDO DANTAS, FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS REU: ALEXANDRO LIMA REGIS SENTENÇA I – RELATÓRIO O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor de IGOR EDUARDO DANTAS, FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS e ALEXANDRO LIMA REGIS, na qual atribui aos acusados as práticas dos crimes capitulados nos arts. 180, §3.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal para Igor e Alexandro, e, art. 180, §1.º, art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, para Francinaldo, todos na forma concurso material (art. 69 do CP). A denúncia narra, em síntese, que: “No dia 24 de março de 2023, por volta da 10h30min, em via pública, mais precisamente na Rua Artur Ribas, Bairro Vila do Rio, neste Município de Jardim de Piranhas/RN, IGOR EDUARDO DANTAS, ora denunciado, conduzia a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha, adquirida por ele com desproporção entre o valor e o preço e presumir-se obtida por meio criminoso, bem como apresentava placa de identificação veicular adulterada (QRCODE rasurado), código do motor e código do chassi com remarcações parciais de caracteres e documentos falsos. Ao passo que FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, ora denunciado, adquiriu e vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha, coisa que deve saber ser produto de crime. Por seu turno, ALEXANDRO LIMA REGIS, ora denunciado, adquiriu a motocicleta HONDA CG 160cc START de cor vermelha que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso, bem como portava documento falso, uma vez que usou o documento ao negociar o veículo para FRANCINALDO e, este, fez o mesmo quando da negociação com IGOR, que estava na posse do documento. Com efeito, relata-nos o procedimento de investigação que, na data e hora acima mencionados, policiais rodoviários federais estavam realizando patrulhamento ostensivo, no contexto dos ataques a prédios públicos ordenados por facções criminosas, quando avistaram a motocicleta Honda CG Start 160cc, de cor vermelha, estacionada, cuja placa de identificação veicular apresentava indícios de adulteração: QRCODE rasurado. Ao observar os sinais identificadores do veículo, os policiais constataram sinais de adulterações, tais como código do motor e código do chassi com remarcações parciais de caracteres. Nessa senda, os policiais fizeram análises mais aprofundadas, pelas quais descobriram que a placa original do veículo é diferente da que estava instalada. A motocicleta estava com a placa QSJ-9C07, sendo que a verdadeira placa é a QSK-3G87. Esse veículo foi fruto de roubo/furto no Estado da Paraíba, conforme consta no Boletim de Ocorrência n.º 0000585, lavrado pela Polícia Civil da Paraíba. Diante disso, os policiais conduziram o suspeito para esta delegacia. Em sede policial, IGOR EDUARDO DANTAS afirmou que: QUE um terceiro chamado “Neguinho”, que reside na cidade de São Fernando, há cerca de um ano; QUE não sabe o nome completo de Neguinho; QUE na negociação, deu uma moto Honda CG 150 e mais R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais); QUE acredita que sua Honda CG valia em tomo de quatro mil reais, pois estava com o motor batido; QUE Neguinho Ihe entregou um CRLV de 2019; QUE o referido documento está em casa, e será trazido até esta delegacia por sua mãe; QUE pediu para que um amigo verificasse a procedência da moto pela placa e pelo chassi, sendo que não havia irregularidades nela; QUE inclusive já foi parado em diversas barreiras policiais pela polícia militar e nenhuma irregularidade foi constatada; QUE planejava quitar as dívidas atrasadas da moto, mas não iria transferi-la para seu nome; QUE não chegou à conferir se a moto possuía sinais de adulteração; QUE nunca foi preso ou processado. Já FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, conhecido por “NEGUINHO”, disse em seu interrogatório o seguinte: QUE é proprietário de uma oficina de motos na cidade de São Fernando/RN; QUE vendeu a motocicleta apreendida a Igor há cerca de 2 anos; QUE a negociação saiu por um valor aproximado de R$6.000,00 (seis mil reais); QUE Igor pagou um valor de 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), mais uma moto Honda CG 150 (não se recorda o ano da moto); QUE acredita que a motocicleta START, ao tempo da negociação com Igor, valeria algo em torno de oito mil reais; QUE a vendeu por seis mil porque estava com a documentação atrasada; QUE a comprou há cerca de dois anos à pessoa de Alexandro; QUE a comprou a Alexandro com o intuito de vende-la; QUE as vezes compra motocicletas usadas com o intuito de revende-las; QUE comprou a Alexandro por R$ 6.000,00 (seis mil reais), pagos em espécie; QUE recebeu de Alexandro um CRLV de 2019, o mesmo que repassou a Francinaldo; QUE chegou a verificar o número constante no chassi do veículo no aplicativo DETRAN, sendo que a numeração bateu com a placa e a constante no documento do veículo; QUE não chegou à checar a autenticidade do documento que recebeu; QUE não tinha conhecimento de que o veículo poderia ter sinais de adulteração; QUE não chegou a modificar nada no chassi e no motor do veículo; QUE quando vendeu o veículo a Igor, o entregou o CRLV que recebeu de Alexandro; QUE já foi preso por receptação, em uma situação que envolvia uma motocicleta roubada, há cerca de 10 anos. Por sua vez, ALEXANDRO LIMA REGIS, em seu interrogatório, narrou o seguinte: QUE há mais ou menos dois anos, viu o anúncio da motocicleta START apreendida em um grupo de facebook; QUE não se recorda o nome da pessoa que anunciou a venda do veículo; QUE também não mais possui as mensagens trocadas com essa pessoa; QUE pagou R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) pelo veículo, pagos em espécie; QUE a motocicleta era financiada e estava com as parcelas atrasadas; QUE planejava andar com a motocicleta pela zona rural; QUE chegou a checar a placa da moto no site do DETRAN/PB, tendo verificado que não havia restrições; QUE olhou o chassi da moto, mas não percebeu sinais de adulteração; QUE quando comprou a moto, recebeu o CRLV de 2019 ora apresentado; QUE chegou a checar as informações que constavam no documento, que aparentavam estar em conformidade; QUE após cerca de 15 dias, vendeu o veículo a Francinaldo; QUE trabalha em uma fábrica; QUE por vezes costumava comprar motos usadas para revender; QUE negociou o veículo com Francinaldo; QUE repassou a ele uma Honda CG 150, modelo 2014, e recebeu dele o valor de R$ 1.000,00 (mil reais); QUE não chegou a realizar nenhum reparo/conserto na motocicleta no período em que estava com ela, tendo a repassado a Francinaldo do mesmo jeito que a recebeu; QUE nunca foi preso ou processado. Após a apreensão do veículo e do documento CRLV, a Polícia Civil requisitou ao ITEP a realização de exame pericial na motocicleta e no CRLV. Procedido o exame, o órgão emitiu os respectivos laudos periciais. O laudo de exame pericial de exame de identificação veicular apontou que as “gravações das codigicações do chasse e do motor estão adulteradas”. Após exame metalográfico, “foi possível identificar a codificação original do chassi, que é 9C2KC2500LR009497, a qual está associada, em consulta ao DetranNet na data de 16/06/2023, ao veículo HONDA/CG 160 START, placa QSK3G87, para a qual consta ocorrência de furto/roubo”. O laudo de exame documentoscópico esclareceu que o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo Eletrônico (CRLV-e), objeto do exame, apresentou informações divergentes quanto a validação do QRCode, de modo que se trata de “documento apócrifo, isto é, não guarda as características de validade com as informações contidas nas bases de dados alimentadas pelo emissor”. Revelam os autos ainda que, a autoridade policial realizou a restituição do bem ao legítimo proprietário, tendo lavrado o devido termo de entrega/restituição de objeto. Depreende-se do Inquérito Policial que a Autoridade policial tomou o cuidado de verificar na Tabela Fipe o valor de comercialização do veículo, a fim de comparar os valores constantes na Tabela Fipe com os preços negociados entre os investigados, a fim de cotejar com tipos penais abstratos. Nessa esteira, IGOR alegou em sua defesa que, a cerca de um ano (março de 2022), negociou a motocicleta com FRANCINALDO através de uma troca e mais uma volta em dinheiro. Segundo a Tabela Fipe, a motocicleta valia R$ 12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais). Segundo ele, a CG START custou algo em torno de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), pois pagou R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) e deu uma motocicleta que acreditava valer R$ 4.000,00 (quatro mil reais) – apesar de que ela estava “com o motor batido”. Assim, verificamos a disparidade entre o valor alegado por IGOR e o valor trazido pela Tabela Fipe; a diferença é de R$ 4.435,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco reais). Com isso, não restou dúvida de que IGOR praticou o crime de receptação culposa, nos termos do art. 180, § 3.º, do Código Penal, haja vista ele ter adquirido coisa que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso. FRANCINALDO, por sua vez, disse em seu interrogatório que havia negociado a motocicleta com ALEXANDRO a cerca de 2 (dois) anos (março de 2021). Segundo ele, a negociação com ALEXANDRO saiu por R$ 6.000,00 (seis mil reais). Comparando-se com o valor da Tabela Fipe, a diferença é de R$ 4.116,00 (quatro mil, cento e dezesseis reais). Além disso, FRANCINALDO afirmou que comprou a motocicleta com o intuito de vendê-la, pois tem o costume de comprar motocicletas para as revender. Ainda, o denunciado afirmou que já foi preso por receptação, por causa de uma motocicleta roubada. Assim, verifica-se que o investigado FRANCINALDO incorreu na prática de receptação qualificada, uma vez que adquiriu e vendeu, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, coisa que deve saber ser produto de crime, de acordo com o art. 180, § 1.º, do Código Penal. ALEXANDRO, a seu turno, informou em seu interrogatório que comprou a motocicleta a partir de um anúncio que viu em um grupo do Facebook, mas não se recorda do nome do anunciante. A compra se deu a 2 (dois) anos e custou R$5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), isto é, R$ 4.616,00 de diferença do valor que consta na Tabela Fipe. Portanto, afere-se que ALEXANDRO também praticou o crime de receptação culposa, nos termos do art. 180, § 3.º, do Código Penal, haja vista ele ter adquirido coisa que, pela desproporção entre o valor e o preço, deve presumir-se obtida por meio criminoso. Sem embargo, os elementos de informação coletados ensejam imputar o crime de uso de documento falso, posto que ALEXANDRO usou o documento ao negociar o veículo para FRANCINALDO e, este, fez o mesmo quando da negociação com IGOR, que estava na posse do documento. Nessa senda, a materialidade e a autoria dos crimes restaram devidamente comprovadas pelo Termo de Exibição e Apreensão acostado ao Id qualificado no Id 106152672 – Pág. 6, Laudo de Exame de Identificação Veicular nº 9206/21 (Id 106152672 – Pág. 15/19), Laudo de Exame Documentoscópico nº 19665/2021 (Id 106152672 – Pág. 20/23), depoimentos das testemunhas e demais documentos que constituem o presente IP. Assim, da forma como agiu, praticaram os denunciados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS os crimes previstos nos arts. 180, § 3.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, na forma do art. 69, também do Código Penal e FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, conhecido por “NEGUINHO”, praticou os crimes previstos nos arts. 180, §1.º, e art. 304, c/c art. 297, ambos do Código Penal, em concurso material, na forma do art. 69, também do Código Penal.”. Inquérito Policial (ID. 108559851). Denúncia (ID. 111027535). Denúncia recebida no ID. 111116888. Respostas à acusação (Ids. 112725184, 114577151 e 114865588). Mantido o recebimento da denúncia (ID. 114926537), determinando a inclusão do feito em pauta de audiência de instrução. Seguiu-se toda a instrução criminal na forma do art. 54 e seguintes da Lei nº 11.343/2006, com produção da prova testemunhal, e interrogatórios dos acusados concluindo-se, pois, a instrução do feito (termo de audiência ID. 143560028). O Ministério Público apresentou alegações finais orais (ID. 143604659), requerendo a procedência parcial da denúncia, com a condenação dos acusados nos crimes que lhe foram imputados, com exceção do crime do art. 297 do Código Penal, requerendo a absolvição do referido para todos os acusados. Em seguida, a defesa técnica do réu IGOR EDUARDO DANTAS, também ofertou alegações finais orais, pugnando pela absolvição do referido, sob o fundamento de que agiu de boa-fé na compra da motocicleta. Na sequência, a defesa técnica do réu ALEXANDRO LIMA REGIS, também ofertou alegações finais orais, requerendo a absolvição de todos os crimes que lhe foram imputados, pela presença de boa-fé. Por fim, a defesa técnica do réu FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, em suas alegações finais orais, pugnou pela absolvição por todos os crimes imputados, ou, subsidiariamente, a condenação do referido no crime de receptação culposa. É o relatório. Fundamento. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO A presente ação é penal pública incondicionada, o Ministério Público tem a necessária legitimidade para o desenvolvimento válido e regular do processo. O processo encontra-se formalmente em ordem, estando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Os acusados foram representados por defesa técnica e foram observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Além disso, para que se possa cogitar em condenação no âmbito criminal, os fatos descritos na denúncia devem necessariamente corresponder a um tipo penal previsto em lei incriminadora vigente à época da conduta imputada. Do mesmo modo, a acusação deve comprovar, mediante provas robustas colhidas na esfera judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, os critérios de autoria e materialidade, para todos os crimes apontados na denúncia. Assentadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto. Do crime de falsificação de documento público. O Ministério Público Estadual imputou a todos os acusados a conduta descrita no art. 297 do Código Penal, in verbis: “Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.” Entretanto, finalizada a instrução processual, o Ministério Público pugnou pela absolvição dos acusados, eis que foi comprovado que o documento utilizado não foi falsificado por nenhum dos réus. Desta forma, imperioso mencionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. REGULARIDADE DO ATO PROCESSUAL. ART. 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. MERA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DO ART. 337-A DO CP. MONOPÓLIO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO MINISTERIAL DE ABSOLVIÇÃO. NECESSÁRIO ACOLHIMENTO. ART. 3º-A do CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Reputa-se válida a publicação dirigida a um dos advogados constituídos, quando ausente requerimento de intimação exclusiva. 2. O delito de sonegação de contribuições previdenciárias, previsto no art. 337-A do CP é de natureza material, consiste na efetiva supressão ou omissão de valor de contribuição social previdenciária, não sendo criminalizada a mera inadimplência tributária. 3. O descumprimento de obrigação tributária acessória, prevista no inciso III do art. 337-A do CP, por omissão ao dever de prestar informações, sem demonstração da efetiva supressão ou omissão do tributo, não configura o crime previsto no caput do art. 337-A do CP. 4. Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público o monopólio da titularidade da ação penal pública. 5. Tendo o Ministério Público, titular da ação penal pública, pedido a absolvição do réu, não cabe ao juízo a quo julgar procedente a acusação, sob pena de violação do princípio acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP, que impõe estrita separação entre as funções de acusar e julgar. 6. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para anular o processo após as alegações finais apresentadas pelas partes.” (STJ - AgRg no AREsp: 1940726 RO 2021/0245185-9, Data de Julgamento: 06/09/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2022). Portanto, é possível concluir que não cabe ao juiz condenar o réu, quando o titular da ação penal pugna pela absolvição, eis que tal ato ocasionaria afronta ao princípio acusatório, descrito no art. 3º-A do Código de Processo Penal. Assim, impõe-se a aplicação do art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal: “Art. 386. O Juiz absolverá o Réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;” Portanto, diante da ausência de provas quanto ao crime do art. 297 do CP, devem os acusados serem absolvidos dessa imputação. Do crime de receptação culposa. O Ministério Público Estadual imputou aos acusados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS, a conduta descrita no art. 180, §3º do Código Penal, in verbis: “Art. 180 (...) §3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.”. O crime de receptação é chamado de parasitário. Isto é, para que o crime ocorra, precisa que um outro crime já tenha ocorrido anteriormente. Seja um furto, uma apropriação indébita, um estelionato, um roubo, entre outros. Assim sendo, se trata da pessoa comprar um carro roubado, um celular furtado, etc. Para comprovar tal conduta, é preciso prova de que o agente adquire ou recebe a coisa que é objeto de crime, de forma negligente e com desinteresse em saber sua origem. No caso dos autos, tenho que os acusados IGOR e ALEXANDRO agiram com inobservância do dever de cuidado, considerando a discrepância entre o valor do bem e o preço pago por eles e as circunstâncias que envolveram as transações. Inicialmente, cumpre frisar que o bem adquirido se trata de uma motocicleta tipo HONDA CG 160cc START de cor vermelha, na qual constatou-se a adulteração de seus sinais de identificação, consoante se vê do laudo de exame pericial criminal, juntado ao ID. 108559851 – Pág. 27 e seguintes, o qual concluiu: “O veículo apresentava, no momento da perícia, gravação da codificação do chassi adulterada e gravação da codificação do motor adulterada. (…) A placa de identificação veicular apresentava o QR code danificado, impedindo sua leitura. (…) Após realizado o exame metalográfico, foi possível identificar a codificação original do chassi, que é 9C2KC2500LR0009497, a qual está associada, em consulta ao DetranNet na data de 16/06/2023, ao veículo HONDA/CG 160 START, placa QSK3G87, para a qual consta ocorrência de furto/roubo.”. Assim, resta comprovado o primeiro requisito para configuração do delito de receptação culposa: o bem adquirido é objeto de crimes (furto/roubo e adulteração de seus sinais de identificação). Em análise da conduta de IGOR, vejo que o referido alegou em seu interrogatório judicial que adquiriu a motocicleta de FRANCINALDO, pelo valor de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) e mais uma moto Honda CG 150 Honda CG, a qual aduz que valia em tomo de quatro mil reais, pois estava com o motor batido. Além disso, narrou que não se preocupou em transferir a motocicleta para o seu nome junto aos órgãos de trânsito. Conforme apontado pelo MPE, a motocicleta, segundo a Tabela Fipe, valia R$12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais), ou seja, o acusado IGOR teria pago R$4.435,00 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco reais) a menos do que o valor de mercado, razão pela qual entendo que de fato houve discrepância entre o valor do bem e o preço pago por ele, assumindo o acusado o risco do bem ser fruto de crime, ante seu preço baixo. Configurando o crime em seu desfavor. Em análise da conduta de ALEXANDRO, vejo que o referido alegou em interrogatório judicial que adquiriu a motocicleta “enganado”, através de anúncio em um grupo do Facebook, pelo valor de R$5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), afirmando que conferiu a numeração do chassi, do motor e da placa junto ao sistema do DETRAN e que “aparentemente estava tudo certo”. Aduziu que achou que o valor abaixo de mercado era pelas parcelas atrasadas. Assim, é imperioso destacar novamente que, segundo a Tabela Fipe, a motocicleta valia R$12.935,00 (doze mil, novecentos e trinta e cinco reais), desta forma o acusado ALEXANDRO comprou a referida por 42,52% de seu valor de mercado, fato que caracteriza enorme disparidade entre o valor do bem e o preço pago por ele, levando a comprovação de que o réu agiu com inobservância do dever de cuidado, agindo na forma descrita pelo art. 180, §3º do Código Penal. Do crime de receptação qualificada. O Ministério Público imputa ao acusado FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, a conduta tipificada no art. 180, §1º do Código Penal. Vejamos: “Art. 180 (…) §1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. ”. Para configuração do delito acima transcrito, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é necessário um dos verbos seja cometido no exercício de atividade comercial ou industrial. Vejamos: “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DA HABITUALIDADE . ATIVIDADE QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO LEGAL DE ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Para que se configure a modalidade qualificada há a exigência legal de que a prática de um dos verbos nucleares ocorra no exercício de atividade comercial ou industrial. Inteligência do art. 180, § 1º, do CP. 2. A expressão "no exercício de atividade comercial ou industrial" pressupõe, segundo abalizada doutrina, habitualidade no exercício do comércio ou da indústria, "pois é sabido que a atividade comercial (em sentido amplo) não se aperfeiçoa com um único ato, sem continuidade no tempo." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado, 6ª ed. rev., atual . e ampl., São Paulo: Método, 2018.3. Concluir que os agravados estavam inseridos no contexto de atividade comercial, diversamente do que afirmou o Tribunal local, é medida que esbarra na Súmula 7/STJ .4. Agravo regimental não provido.”. (STJ - AgRg no AREsp: 2259297 MG 2022/0375884-2, Relator.: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 18/04/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2023). Em análise do interrogatório de FRANCINALDO, o próprio alega que possui uma oficina de motos e que é de seu costume comprar motocicletas para revendê-las. Desta forma, entendo que o requisito de vender objeto de proveito de crime no exercício de atividade comercial está comprovado. Além disso, tal atividade corrobora ainda mais a responsabilidade do acusado FRANCINALDO, bem como, sua ciência dos trâmites legais para compra e venda de veículos. Conforme já citado anteriormente, a motocicleta comercializada se trata de um objeto de crime (roubo/furto) e também sofreu adulteração de seus sinais de identificação, com o fim de ocultar o primeiro crime cometido. Assim, conforme jurisprudência do STJ, não é necessário que o agente saiba da procedência ilícita da res adquirida, bastando a comprovação de que deveria sabê-lo pelas circunstâncias fáticas concretamente apresentadas, o que foi o caso dos autos. Isso porque, as provas produzidas, confirmaram que o acusado comprou a motocicleta de Alexandro por R$ 6.000,00 (seis mil reais), a qual deveria valer mais que o dobro à época da transação, e, de igual modo, não procedeu com a transferência junto aos órgãos de trânsito para que passasse por vistorias, realizando sua revenda para Igor. Desta forma, pela análise das provas produzidas, tenho que está comprovada a autoria e materialidade do delito de receptação qualificada. Do crime de uso de documento falso. O Parquet imputou a todos os acusados o crime previsto no art. 304 do Código Penal, in verbis: “Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.”. Sobre tal delito, importante colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: “RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CRIME FORMAL. CARACTERIZAÇÃO . UTILIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. "É pacífico o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça de que, tratando-se de crime formal, o delito tipificado no artigo 304 do Código Penal consuma-se com a utilização ou apresentação do documento falso, não se exigindo a demonstração de efetivo prejuízo à fé pública nem a terceiros".”. (AgInt no AREsp 1 .229.949/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 14/03/2018). 2. Recurso provido. (STJ - REsp: 1722241 SP 2018/0025557-1, Relator.: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 05/06/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2018). Desta forma, é possível concluir que o delito de uso de documento falso, é crime formal e se consuma no momento da sua utilização. Assim, por se tratar de crime formal, o simples uso do documento contrafeito é suficiente para a sua consumação. Compulsando os autos, vejo que os três acusados utilizaram o documento falso, sendo ele: CERTIFICADO DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO ELETRÔNICO (CRLV-e). Conforme exame documentoscópico (ID. 108559851 – Pág. 22 e seguintes), verificou-se que o documento acima descrito é apócrifo, eis que não guarda as características de validade com as informações contidas nas bases de dados alimentadas pelo emissor. Portanto, tenho que está comprovada a autoria e materialidade do crime de uso de documento falso. III – DISPOSITIVO: Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, materializada na acusação oferecida pelo Ministério Público, em face do que CONDENO os acusados IGOR EDUARDO DANTAS e ALEXANDRO LIMA REGIS, como incurso nas sanções previstas nos arts. 108, §3º e 304, ambos do Código Penal. De igual modo, CONDENO o acusado FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS, como incurso nas sanções previstas nos arts. 108, §1º e 304, ambos do Código Penal, todos na forma do art. 69 do CP. Em contrapartida, ABSOLVO os acusados da imputação do art. 297 do Código Penal, por estar provado que os réus não concorreram para a referida infração penal, nos termos do art. 386, inciso IV do Código de Processo Penal. IV- DA APLICAÇÃO DA PENA Em atenção ao disposto no art. 59 e seguintes, do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, para a quantificação das sanções aplicáveis aos condenados, passo à aplicação da pena. IV. I - DA APLICAÇÃO INDIVIDUALIZADA DA PENA Observando o disposto no art. 29 do Código Penal, passo a dosar separadamente as penas de cada réu. RÉU 1: IGOR EDUARDO DANTAS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594820), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Assim, SOMO as penas fixando-as em 02 (dois) meses de detenção. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. RÉU 2: ALEXANDRO LIMA REGIS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594821), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 108, §3º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Assim, SOMO as penas fixando-as em 02 (dois) meses de detenção. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. RÉU 3: FRANCINALDO ELIAS DOS SANTOS IV. II – DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS CULPABILIDADE: No tocante à culpabilidade, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. Frise-se que a culpabilidade incide tanto sobre o fato quanto sobre seu autor. Na espécie, a culpabilidade é própria à figura típica. Assim, não há elementos nesse sentido, portanto considero neutra. ANTECEDENTES: Quanto aos antecedentes, deve-se esclarecer que somente podem ser consideradas as condenações definitivas por crime anterior à prática do fato descrito nos autos e que não impliquem reincidência (Súmula 444 do STJ). Conforme certidão de antecedentes criminais (ID. 108594823), o réu não possui condenações anteriores. Por tal razão, considero neutra tal circunstância. CONDUTA SOCIAL: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da conduta social do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. PERSONALIDADE DO AGENTE: Não constam dos autos elementos suficientes para análise da personalidade do acusado. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância. Assim, considero neutro. MOTIVOS DO CRIME: No caso concreto, não restou demonstrado nos autos motivo específico que exceda os tipos penais. Assim, considero neutro. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: No caso, não entendo que as circunstâncias da conduta delituosa fogem da normalidade, motivo pelo qual considero como neutra. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: As consequências do crime são os efeitos acarretados pela conduta delituosa. Sobre consequências do crime, ensina Euler Jansen: “As consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de 'consequências extrapenais'.” Sob pena de incidir em bis in idem, considero neutro. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Neutro. A) PENA-BASE: 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, para o crime do art. 108, §1º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. B) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES: Ausentes circunstâncias agravantes. Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, inciso III, alínea “d” do CP), no entanto, como as penas já estão no mínimo legal, deixo de aplicar a atenuante (Súmula n.º 231 - STJ). C) CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO: Ausentes causas de aumento e diminuição. D) PENA DEFINITIVA: Por todo o exposto, FIXO AS PENAS DEFINITIVAS em: 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, para o crime do art. 108, §1º do CP; e 01 (um) mês de detenção para o crime do art. 304 do CP. D.I) DO CONCURSO MATERIAL: O art. 69 do Código Penal disciplina que se tratando de mais de uma ação ou omissão e mais de um crime, aplicar-se-á cumulativamente as penas privativas de liberdade. Entretanto, como as penas são distintas (detenção e reclusão), deixo de somá-las. V – SUBSTITUIÇÃO DA PENA: O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante determina o art. 44, §2º do Código Penal. Assim, SUBSTITUO as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos, a ser fixada pelo Juízo da execução. COMUM A TODOS OS RÉUS: VI – VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS Deixo de fixar valor mínimo a título de reparação de danos resultantes da infração penal (CPP, artigo 387, IV), pois não houve pedido expresso nesse sentido. VII – CUSTAS Condeno os réus ao pagamento das despesas processuais; contudo, sua cobrança poderá ser sobrestada, desde que comprovado seu estado de pobreza na fase de execução. VIII – DOS BENS APREENDIDOS Considerando a condenação dos réus, bem como a constatação de adulteração do veículo apreendido, DECRETO seu perdimento em favor da União. IX – PROVIMENTOS FINAIS Oportunamente, após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: 1) Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral, com a devida identificação dos réus, acompanhada de cópia da presente sentença, para cumprimento do quanto disposto pelos artigos 71, § 2º, do Código Eleitoral c/c 15, inciso III da Constituição Federal; 2) Extraiam-se as guia de execução definitiva, com fiel observância do disposto nos arts. 105 a 107 da Lei n. 7.210/84 e da Resolução do CNJ n. 113/2007, considerando, para todos os acusados, o art. 112, inciso I da LEP; 3) Expeça-se Ofício à União para que realizem a remoção do bem; 4) Por fim, dê-se baixa na distribuição e arquive-se. Intimem-se os condenados, nos termos do art. 392 do CPP. Publique-se e Registre-se a presente sentença, na forma do art. 389 do CPP. Cientifique-se pessoalmente o Representante do Ministério Público (art. 390, CPP). SIRVA A PRESENTE SENTENÇA COMO MANDADO/OFÍCIO. JARDIM DE PIRANHAS/RN, data lançada no sistema. GUILHERME MELO CORTEZ Juiz de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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Rosemaria Dos Santos Azevedo x Paulo Gomes Da Silva Filho
ID: 318871357
Tribunal: TJRN
Órgão: Vara Única da Comarca de Jardim do Seridó
Classe: REPRESENTAçãO CRIMINAL/NOTíCIA DE CRIME
Nº Processo: 0800928-21.2024.8.20.5117
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANESIANO RAMOS DE OLIVEIRA
OAB/RN XXXXXX
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EDUARDA KAROLINE DE LIMA BEZERRA
OAB/RN XXXXXX
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VINICIUS DUTRA SOUZA
OAB/RN XXXXXX
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AUGUSTO DE FRANCA MAIA
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim do Seridó Rua José da Costa Cirne, 200, Esplanada, JARDIM DO SERIDÓ - RN - CEP: 59343-000 Contato: (84) 3673-9510 | W…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Jardim do Seridó Rua José da Costa Cirne, 200, Esplanada, JARDIM DO SERIDÓ - RN - CEP: 59343-000 Contato: (84) 3673-9510 | WhatsApp - Email: jserido@tjrn.jus.br REPRESENTAÇÃO CRIMINAL/NOTÍCIA DE CRIME (272) Processo nº 0800928-21.2024.8.20.5117 REPRESENTANTE: ROSEMARIA DOS SANTOS AZEVEDO REPRESENTADO: PAULO GOMES DA SILVA FILHO SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de Queixa-Crime noticiada pela querelante Rosemária dos Santos Azevedo, em desfavor de Paulo Gomes da Silva Filho, já devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, pela suposta prática da conduta delitiva prevista no art. 139, do Código Penal, com a causa de aumento prevista no art. 141, §2º, do Código Penal. Eis o que consta da Exordial acusatória: [...] No dia 16 de setembro de 2024, utilizando-se da rede social Blogger o Querelado realizou postagem1 difamatória imputando fato ofensivo à reputação da Querelante. Basicamente, a publicação expressa que Rosemária teria ajudado motorista embriagado a se subtrair de ação policial, cometendo em tese o delito de favorecimento pessoal (art. 348 do CP). O conteúdo do post pode ser verificado através do link de acesso no rodapé, contudo, por questão de zelo, colaciona-se imagem da publicação: [...] A princípio, o título da notícia pode sugerir a subsunção do fato ao delito de calúnia (art. 138 do CP), mas o corpo da matéria indica que o querelado não possuía plena ciência da inocência da Querelante, detendo apenas o animus diffamandi - o que desclassifica tal conduta para difamação prevista no art. 139 do CP. De toda forma, não há dúvidas quanto ao cometimento de crime contra a honra da querelante, em especial pelo contexto de eleições. […] Decisão ao ID 131843186 que determina que a querelante complementasse a queixa-crime com documentos devidamente certificados. Petição da querelante que atendeu à ordem, conforme comprovam os documentos anexados no ID 133842731. Parecer Ministerial que se manifesta pelo recebimento da inicial acusatória e regular prosseguimento do feito ao ID 133937914. Decisão ao ID 133986115 que determina a intimação das partes para que sejam ouvidas sobre a composição civil dos danos. Termo de audiência preliminar realizada em 05 de dezembro de 2024 ao ID 137926691, em que as partes não aceitaram a composição civil dos danos. Decisão ao ID 139544820 em que recebe a queixa-crime e determina a intimação da querelante sobre a possibilidade de proposição de sursis. Decisão ao ID 139642644 que constata erro material na decisão do ID 139544820 e realiza a correção. Petição da querelante ao ID 139815318 que declara não possuir interesse na oferta de sursis. Parecer Ministerial ao ID 139906932 que se manifesta pelo regular prosseguimento do feito. Despacho ao ID 140251575 que determinou que a querelante apresentasse o oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo. Petição da querelante ao ID 141193655 que se manifesta pela impossibilidade de oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo, argumentando que o querelado não preenche os requisitos subjetivos previstos no art. 89 da Lei nº 9.099/95, considerando que figura como parte passiva na Representação Criminal nº 0800885-84.2024.8.20.5117, na qual lhe é imputada a prática do crime de calúnia, previsto no art. 138 do Código Penal, circunstância que inviabiliza o benefício. Manifestação Ministerial ao ID 141270176 que se manifesta pelo prosseguimento regular do feito. Decisão ao ID 141846211 que reconhece a impossibilidade de oferecimento do sursis processual ao querelado. Com fundamento no artigo 396 do Código de Processo Penal, o(a) acusado(a) foi devidamente citado(a) para apresentar defesa, deixando, contudo, o prazo transcorrer sem manifestação. Diante dessa inércia, este Juízo nomeou defensor dativo, que ofereceu a resposta à acusação constante no ID 144796364. Posteriormente, o advogado Dr. Anesiano Ramos de Oliveira (OAB/RN – 5.628) apresentou resposta à acusação, registrada sob o ID 144800157. Por meio do despacho de ID 146114403, este Juízo determinou a intimação do mencionado advogado para que apresentasse procuração válida outorgada pelo querelado. No ID 147036636, foi juntada aos autos uma procuração outorgada pela pessoa jurídica Danilo Fonseca Gomes da Silva Publicidade, representada por Paulo Gomes da Silva Filho, ao referido advogado. Decisão ao ID 147123263 em que se mantém o recebimento da queixa-crime. Juntada aos autos de procuração outorgada pelo acusado Paulo Gomes da Silva Filho ao advogado Dr. Anesiano Ramos de Oliveira (OAB/RN – 5.628). A audiência de instrução foi realizada no dia 26 de maio de 2025 ao ID 152537860, em que foi colhida a oitiva da querelante, realizado o interrogatório do querelado e apresentadas as alegações finais de forma oral. A acusação ofertou suas alegações finais oralmente, tendo pugnado pela condenação do querelado, em razão da comprovação da autoria e materialidade do delito imputado ao réu, inclusive com a fixação de indenização por danos morais, ao ID 152635245. Em suas alegações finais, o representante do Ministério Público ao ID 152635245 entendeu que não restou demonstrado o dolo de difamar, manifestando-se pela absolvição do réu. A defesa, por sua vez, apresentou suas razões finais de forma oral, pugnando pela absolvição do querelado por atipicidade da conduta, ao ID 152635245. II – FUNDAMENTAÇÃO Fora imputado ao querelado Paulo Gomes da Silva Filho a prática do crime de difamação, o qual se encontra previsto no art. 139, caput, do Código Penal, com a causa de aumento prevista no art. 141, §2º, do Código Penal. Confira a literalidade dos dispositivos: Difamação Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: [...] § 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. Passo a análise da materialidade e autoria do delito. A princípio, vale salientar que a fundamentação, para fins de condenação ou absolvição do querelado, necessariamente passará pela análise de dois aspectos fundamentais ao processo penal: a) materialidade do delito e b) autoria criminosa, de modo que, ausente pelo menos um desses elementos, prejudicada resta à possibilidade de expedição de decreto condenatório. Pois bem. Após a instrução do feito, verifico que não restaram efetivamente comprovadas a materialidade e autoria do delito. Assevero que, em prol de uma melhor apreciação da prova judicializada, remeto aos depoimentos colhidos na audiência, para, em seguida, apreciar o mérito da imputação. Válido anotar que os depoimentos adiante transcritos são destituídos de literalidade, representando, tão só, o que absorvido por este magistrado em concomitância à coleta da prova. A integralidade e literalidade acha-se nos arquivos insertos nos autos eletrônicos no Pje. A querelante Rosemária dos Santos Azevedo, ouvida em juízo asseverou que: Em 16 de setembro de 2024, quando era candidata à prefeitura de Jardim do Seridó e se dirigia a um evento de campanha, seguia para a residência de sua maquiadora, situada no bairro Alto Bela Vista. Ao chegar ao local, deparou-se com uma confusão na via pública, onde um automóvel encontrava-se parado no meio da rua, impedindo a passagem dos demais veículos, e uma motocicleta estava posicionada mais à frente. O automóvel em questão apresentava pane mecânica e não estava em funcionamento. Relatou ainda que, em seguida, transportou a vítima do acidente, que se queixava de dores e necessitava de cuidados médicos, ao hospital de Jardim do Seridó, utilizando seu próprio veículo. Destacou que a vítima era conhecida na cidade, exercendo a função de segurança, e era pai de pessoa por ela também conhecida. Após deixá-la no hospital, retornou para o local onde se realizaria seu evento de campanha. Informou que a polícia chegou ao local do acidente cerca de cinco minutos após sua saída com a vítima. Acrescentou que foi lavrado Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) em razão do episódio. A querelante declarou, de forma categórica, que o querelado, Senhor Paulo Gomes da Silva Filho, conhecido como Paulo Filho, não se encontrava presente no local do acidente. Da mesma forma, afirmou que as testemunhas arroladas por ele, Judson Herick e Paulo Henrique, igualmente não estavam no local. Quanto à matéria publicada pelo querelado, a querelante, qualificou-a como “totalmente mentirosa” e “caluniosa”, sustentando que o querelado tinha o costume de divulgar conteúdos inverídicos sobre ela e sua família, com o objetivo de denegrir sua imagem, especialmente por motivação política. Esclareceu ainda que não se encontrava no local no momento do acidente, tendo chegado posteriormente, quando a cena já se encontrava descaracterizada. Segundo ela, a motocicleta havia sido deslocada para a frente de uma loja e o carro estava posicionado em local diverso, obstruindo parcialmente a via, que é de mão dupla e constitui a única entrada para o bairro Bela Vista. Informou que fragmentos do para-choque e peças quebradas da motocicleta já haviam sido recolhidos. Ressaltou que apenas retirou o carro que impedia a passagem, sem removê-lo da via, que permaneceu no mesmo local, apenas reposicionado. Informou que populares já haviam acionado a polícia, a qual estava a caminho para realizar os procedimentos cabíveis. Entretanto, diante do congestionamento formado, com muitos veículos aguardando passagem, decidiu afastar o carro, deslocando-o para o lado direito da via e um pouco mais à frente, de modo a permitir o fluxo do trânsito. Declarou que conseguiu fazer o carro funcionar momentaneamente e o estacionou mais adiante, próximo a uma árvore, em frente à motocicleta. Sobre o conteúdo específico da publicação, que alegava que ela teria sido "fotografada tirando carro de local de acidente para proteger motorista embriagado", refutou veementemente a acusação de embriaguez por parte do condutor do veículo. Declarou nunca tê-lo visto ingerindo bebida alcoólica, tampouco o conhecia como pessoa que tivesse tal hábito, e que ele não apresentava sinais visíveis de embriaguez. Esclareceu que o veículo envolvido no acidente pertencia a um cidadão comum, eleitor da cidade, não sendo veículo oficial de sua campanha nem vinculado a qualquer atividade eleitoral. A motocicleta era uma Honda Bros, que se encontrava afastada, do lado esquerdo da via. Afirmou que em relação a um áudio mencionado na referida postagem, no qual uma mulher supostamente afirmava que o condutor estava embriagado, a testemunha disse acreditar que a voz era de uma mulher conhecida por "Leide", cunhada da vítima, e afirmou que a publicação utilizou apenas os trechos do áudio que lhe interessavam. Alegou que os veículos não estavam no local correto de que teria ocorrido o acidente, que ninguém conseguia passar para entrar no bairro de Bela vista, que apenas afastou o carro, que já sido descaracterizado o local do acidente, que já tinha retirado o para choque do chão, a polícia já tinha realizado o TCO. Afirmou que a via era de mão dupla, que não sabem quem são as pessoas da foto. Ainda, que a cor de sua campanha era verde, mas ressaltou que o evento para o qual se dirigia não consistia em concentração ou manifestação política nas imediações do local do acidente. Em seu interrogatório, o querelado Paulo Gomes da Silva Filho narrou que: Durante o período eleitoral em Jardim do Seridó a campanha política se desenvolveu de forma bastante ativa e acalorada nas redes sociais, havendo diversos grupos formados por apoiadores de ambos os lados. Informou que as movimentações políticas ocorriam, especificamente, na Praça do bairro Bela Vista. Acrescentou que, de acordo com as postagens feitas nas redes sociais, a Sra. Rosemária de fato se dirigia a uma passeata que teria início naquele local, com concentração no bairro Bela Vista. Observou que a própria Rosemária, em diferentes momentos, declarou motivos diversos para seu deslocamento, inicialmente afirmando que estava indo “se maquiar”, depois dizendo que se dirigia a uma “concentração política” e, posteriormente, voltando a afirmar que o motivo era “maquiar-se”. Relatou que como foi um fato de cunho policial, que teve desfecho hospitalar, que degravou o áudio que recebeu e fez uma matéria, que tem como manchete que Rosemária foi fotografada. Afirmou que recebeu um áudio relacionado ao ocorrido no dia seguinte ao fato, os grupos de WhatsApp funcionavam como o principal espaço de conflito político, havendo trocas de acusações entre os lados de forma que qualificou como “meia feia”. Quanto ao teor das informações que circulavam nos grupos, relatou que havia questionamentos do tipo: “Vocês viram o que a Rosemária fez?”. Disse que os comentários davam conta de que o Sr. Zé de Geni estaria embriagado e, sob tal condição, teria agredido o pai de Juju — esta, maquiadora e esposa do filho de Zé (inaudível), afilhado do próprio depoente. Confirmou que Zé de Geni, além de ser seu vizinho e amigo, de fato consome bebida alcoólica com frequência, ainda que pudesse ter interrompido o hábito por motivos de saúde, ressaltando que beber seria um direito dele. Acrescentou que Zé de Geni foi levado ao hospital após o ocorrido. Ainda com base no que circulava nos grupos, afirmou que Rosemária teria chegado ao local e retirado o veículo de Zé de Geni antes da chegada da polícia, supostamente para protegê-lo por estar embriagado. Enfatizou que as informações sobre o caso eram “muito, muito, muito notórias nas redes sociais”. Ressaltou que o ambiente político em Jardim do Seridó estava extremamente acirrado, e que qualquer movimentação era alvo de gravações e filmagens, tornando impossível dar um passo sem ser monitorado. Indagado sobre seu posicionamento político, afirmou que já foi político, tendo exercido mandato na Câmara Municipal de Jardim do Seridó, e que já foi correligionário tanto do esposo de Rosemária quanto de lideranças do outro grupo político. Atualmente, declarou-se apenas um “eleitor”, sem engajamento direto como em eleições anteriores. Acrescentou que, nas últimas eleições, não se declarou publicamente nem participou de campanhas de forma ostensiva, limitando-se a utilizar seu blog para publicar matérias enviadas por qualquer interessado ou por assessorias de campanha. Afirmou que a postagem foi durante a campanha eleitoral, alegou que na época não sabia identificar a voz que falava no áudio, mas o próprio conteúdo indicava que se tratava da cunhada da vítima, pois dizia: “o marido de Benedita junto à reciclagem bateu no meu cunhado Jubian”. Esclareceu que atualmente já sabe quem é a pessoa que aparece na gravação. Informou que esse foi o único áudio que recebeu a respeito do fato em questão, desconhecendo a existência de outros áudios ou versões diferentes da gravação. Declarou ainda que não sabe a autoria da foto que publicou em sua matéria. Algumas pessoas lhe enviaram a imagem juntamente com o áudio, outras enviaram apenas o áudio ou somente a imagem, algumas acompanhadas de sugestão para que ele fosse pessoalmente verificar os fatos no Bela Vista. No entanto, decidiu não se dirigir ao local, considerando que seria perigoso se envolver diretamente com manifestações políticas. Quanto à sua atuação como jornalista e blogueiro, afirmou que estava cobrindo todos os fatos relevantes do período eleitoral. Considerando que o episódio em questão tinha natureza policial e desfecho hospitalar, decidiu realizar a degravação do áudio recebido. Explicou que elaborou uma matéria cujo título mencionava que “Rosemária é fotografada”, mas cujo conteúdo principal abordava o episódio como um acidente em uma movimentação política. Esclareceu que a informação sobre a embriaguez de Zé de Geni foi extraída do áudio que recebeu e degravou, no qual a mulher (cunhada de Jubian) afirmava que o envolvido estava embriagado. Destacou que em nenhum momento fez tal afirmação pessoalmente; ao contrário, apenas reproduziu o conteúdo do áudio, utilizando a expressão “estaria embriagado” para indicar que não se tratava de constatação sua. Afirmou que, apesar de assumir a responsabilidade pela publicação, o conteúdo sobre a embriaguez foi exclusivamente relatado pela cunhada da vítima, não sendo de sua autoria. Questionado sobre a verificação da veracidade das informações, afirmou que não checou a autenticidade do áudio em termos de conteúdo, pois, em sua avaliação, a existência da gravação já seria suficiente: “o áudio existe”, “não é falso” e, portanto, a veracidade estaria, para ele, “inconteste”. Afirmou que esperava receber algum posicionamento oficial da assessoria de imprensa da candidata Rosemária a respeito da matéria publicada, mas não houve qualquer retorno ou esclarecimento. Disse que recebeu esse áudio de mais de uma pessoa, embora não soubesse precisar o número exato de remetentes, descrevendo o momento como uma “chuva” de informações, com conteúdos sendo compartilhados por ambos os lados da disputa. Mencionou que não divulgou grande parte do material recebido por não ter como verificar o conteúdo das alegações. Ao final, declarou que a última pergunta que lhe havia sido feita dizia respeito à fotografia em questão. Confirmou que recebeu um áudio relacionado aos fatos e afirmou que tanto a foto quanto o referido áudio viralizaram na cidade, circulando em dezenas de grupos, inclusive por meio do Facebook e, em suas palavras, “em todo canto”. Esclareceu que, inicialmente, recebeu o áudio, tendo visualizado posteriormente o conteúdo nas redes sociais e em diversos grupos de mensagens. Afirmou que, mesmo após já tê-lo recebido, continuava a recebê-lo de outras pessoas, que diziam: “Eu já tenho, eu já vi, eu já vi isso”. Acrescentou que o conteúdo circulava em dezenas de grupos, inclusive em grupos abertamente identificados como de “bacurais”, denominação popular atribuída aos eleitores da referida candidata. Indagado sobre a veracidade dos fatos divulgados nas postagens e se outras pessoas teriam presenciado uma pessoa embriagada que chegou ao local e depois retirou o veículo, respondeu que “ninguém falava em outras coisas na cidade”. Justificou tal repercussão em razão do período eleitoral em Jardim do Seridó ser “muito acirrado”, com eleitores de um lado e de outro debatendo intensamente nas esquinas. Informou que a única constatação feita por si mesmo foi ao passar de carro nas proximidades do hospital, na casa de Zeca, quando observou que o veículo ali estacionado estava com o para-choque arrancado. Ressaltou que o automóvel não pertencia a Jubian, mas sim a Benedito, também conhecido como Zé Geni, esposo de Benedita, que trabalha com coleta de recicláveis. A motocicleta envolvida, por sua vez, seria de propriedade de Jubian. Confirmou expressamente que Zé Geni colidiu com Jubian, que se encontrava na motocicleta. Por fim, questionado se a Sra. Dra. Rosemária ou algum membro de seu partido o teria procurado para esclarecer os fatos ou solicitar direito de resposta, respondeu de forma categórica: “Não, ninguém.” Com base na análise dos elementos apresentados, verifica-se que não há provas concretas da materialidade e autoria do crime de difamação imputado ao querelado, conforme previsto no art. 139, caput, do Código Penal. No presente caso, verifica-se que embora a querelante tenha sustentado que a postagem objeto da demanda veiculava afirmações inverídicas, deixou de arrolar qualquer testemunha que pudesse atestar que os acontecimentos narrados na matéria se deram de forma diversa daquela descrita na publicação. Observa-se que as provas constantes nos autos restringem-se à própria matéria publicada no blog (id 133842732), cujo conteúdo permanece sem confirmação quanto à veracidade, somando-se à palavra isolada da querelante em confronto direto com a palavra do querelado. Ressalte-se, ainda, que a própria querelante reconheceu ter retirado o veículo do local dos fatos antes da chegada da autoridade policial, circunstância esta confirmada pela imagem anexada aos autos. Ademais, é de conhecimento público que o município de Jardim do Seridó não possui qualquer avenida ou via pública que demande, por razões de segurança ou tráfego, a remoção imediata de veículo envolvido em colisão. Trata-se de cidade de pequeno porte, com trânsito notoriamente tranquilo, e a própria imagem juntada revela que a via em questão era larga, não havendo justificativa plausível para a retirada apressada do veículo, o que lança dúvidas razoáveis sobre a conduta da própria querelante. Ademais, os fatos relatados ocorreram nas eleições municipais de 2024, que em todo o território nacional foram marcadas por intensa atuação nas redes sociais, especialmente por meio de grupos de WhatsApp. Nesse cenário, é plausível a alegação do querelado de que o episódio havia ganhado ampla repercussão nos grupos de discussão política locais, limitando-se ele a reproduzir informação que já era de conhecimento geral no município. O fato é que a querelante não se desincumbiu do ônus de demonstrar a falsidade do conteúdo veiculado pelo blog, ônus que competia a acusação. Diante disso, as provas coligidas aos autos não permitem concluir, com o grau de certeza exigido no juízo penal, se a matéria é ou não verdadeira, o que inviabiliza a configuração do delito contra a honra. Assim, mesmo que se pudesse cogitar que o querelado tenha agido com imprudência ao não verificar a veracidade da notícia antes de compartilhá-la, a ampla disseminação da informação nos meios digitais locais enfraquece a tese de que teria agido com dolo específico de difamar (animus diffamandi). Nesse contexto, sua conduta se aproximaria de quem apenas repercute comentário já amplamente difundido na esfera pública. Vigora no ordenamento jurídico brasileiro o entendimento de que a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este provar sua inocência. Desse modo, no momento da valoração das provas se aparecer dúvida quanto a autoria criminosa a decisão tem de favorecer o imputado pois não é dele o dever de provar que não praticou o delito. Assim, sem haver indício probatório idôneo não se justifica qualquer juízo condenatório. Frise-se que o direito penal não se coaduna com juízos hipotéticos e superficiais. Imprescindível estruturar, pois, o decreto condenatório em robustos elementos de prova, existentes nos autos, sobre a real e efetiva participação do agente na prática da infração penal, do que não se cogita na hipótese. A dúvida, remanescendo nos autos, é impositira da absolvição. Assim, diante desse contexto, extrair conclusão segura quanto à demonstração da responsabilidade penal implica mero exercício de dedução não amparado pelo quadro probatório. A prova é frágil e apenas indiciária, não servindo de base ao decreto condenatório. Portanto, não há nos autos prova segura e idônea que permita concluir, com o grau de certeza exigido na seara penal, pela ocorrência do fato típico descrito na inicial, o que, conforme pontuado pelo Ministério Público em seu parecer, impõe o reconhecimento da insuficiência probatória. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na Queixa-Crime pela Querelante, e, em consequência, ABSOLVO PAULO GOMES DA SILVA FILHO qualificado nos autos, da imputação contida no art. 139, do Código Penal, com a causa de aumento prevista no art. 141, §2º, do Código Penal, com espeque no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal. Considerando a atuação da defensora dativa, uma vez que a Defensoria Pública não atua nesta Comarca, fixo em R$ 600,00 (seiscentos reais) os honorários advocatícios de EDUARDA KAROLINE DE LIMA BEZERRA, OAB/RN 19.951, a serem pagos pelo Estado do Rio Grande do Norte, nos termos do art. 22, §1º, da lei 8.906/94 - Estatuto da OAB. Comunicações e anotações de estilo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Ciência ao Ministério Público. Após o trânsito em julgado, arquivem-se, com baixa. Jardim do Seridó/RN, na data da assinatura eletrônica. Silmar Lima Carvalho Juiz de Direito (documento assinado eletronicamente na forma da Lei nº 11.419/06)
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Processo nº 0802603-05.2022.8.20.5112
ID: 262977844
Tribunal: TJRN
Órgão: 2ª Vara da Comarca de Apodi
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0802603-05.2022.8.20.5112
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO RAFAEL REGIS OLIVEIRA
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 2ª Vara da Comarca de Apodi BR 405, KM 76, Portal da Chapada, APODI - RN - CEP: 59700-000 Contato: (84) 3673-9757 - Email: apdsecuni@tjrn.jus.br PROC…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 2ª Vara da Comarca de Apodi BR 405, KM 76, Portal da Chapada, APODI - RN - CEP: 59700-000 Contato: (84) 3673-9757 - Email: apdsecuni@tjrn.jus.br PROCESSO: 0802603-05.2022.8.20.5112 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) PARTE AUTORA: EUGENIA RAFAELA PINTO DA SILVA PARTE RÉ: MUNICIPIO DE APODI S E N T E N Ç A I – RELATÓRIO EUGÊNIA RAFAELA PINTO DA SILVA ingressou neste Juízo com a presente Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Materiais e Morais, com pedido de tutela de urgência antecipada, em desfavor da MUNICÍPIO DE APODI/RN. Em sua exordial, alega a parte autora, em síntese, que é proprietária do imóvel localizado na Rua Tiradentes, nº 485, Bairro São Sebastião, Apodi/RN, o qual não pode mais ser habitado por danos estruturais que ocorreram devido a uma galeria pluvial aberta pela parte demandada nas proximidades de sua residência, o que levou a parte autora a deixar o local e alugar outro imóvel para residir. Em sede de tutela de urgência antecipada, a autora pugnou para que o ente público arque com o valor a título de aluguel mensal, no importe de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais), enquanto no mérito pugnou pela confirmação da tutela e condenação do réu em indenização por danos materiais e morais supostamente sofridos. Ao ensejo juntou a documentação que entendeu pertinente ao deslinde do feito. Intimado para se manifestar acerca do pleito formulado em sede de tutela de urgência antecipada, o Município de Apodi/RN pugnou pela concessão prazo suplementar, o que foi deferido por este Juízo, mas nada apresentou até o decurso do prazo. Intimada para juntar cópia do contrato de locação que cita na exordial, a autora juntou a documentação no prazo legal. Este Juízo deferiu a tutela de urgência antecipada, tendo determinado que o ente público demandado realizasse o adimplemento do aluguel do imóvel residencial locado pela parte autora, no importe de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) mensais, a serem pagos até o dia 10 (dez) de cada mês, em conta de titularidade da parte autora, sob pena de aplicação de multa, conforme decisão interlocutória proferida no dia 30/09/2022. Citado, o ente público apresentou contestação tempestiva, oportunidade em que suscitou preliminares de ausência de comprovação de propriedade, impugnação à justiça gratuita e impugnação ao valor da causa. Ademais, suscitou prejudicial de prescrição quinquenal, enquanto no mérito pugnou pela improcedência do feito. As preliminares e prejudicial foram analisadas e afastadas por este Juízo em decisão saneadora proferida em 17/07/2023, a qual também fixou os pontos controvertidos, fixou quesitos e designou perícia a ser realizada por meio de engenheiro habilitado no Núcleo de Perícias do Egrégio TJRN. Interposto Agravo de Instrumento pela Fazenda Pública (autos nº 0811335-48.2023.8.20.0000), o Egrégio TJRN manteve integralmente a decisão proferida por este Juízo. Realizada a prova pericial, a profissional concluiu que os danos encontrados no imóvel da parte autora são oriundos da deficiência no sistema de drenagem da galeria de águas pluviais, excluindo a eventual possibilidade de vícios oriundos da construção do imóvel e listando o valor correspondente à reforma do imóvel, qual seja, R$ 71.000,00 (setenta e um mil reais). Intimados para se manifestarem acerca da prova pericial, apenas a parte autora apresentou manifestação no prazo legal, tendo pugnado pela homologação do laudo e ratificado os pleitos formulados na exordial. Vieram-me os autos conclusos para sentença. É o breve relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – DA HOMOLOGAÇÃO DO LAUDO PERICIAL: Cumpre asseverar que o laudo pericial acostado ao ID 138224562 deve ser homologado judicialmente, eis que o documento é conclusivo e foi realizado por profissional imparcial e equidistante das partes, o qual prestou, de forma pormenorizada, todos os esclarecimentos, indicando as circunstâncias inerentes ao caso em análise, bem como respondendo todos os quesitos formulados. Desse modo, com base nas razões fáticas expostas acima, bem como as circunstâncias do caso concreto, HOMOLOGO o laudo pericial acostado aos autos de ID 138224562. II.2 – DA RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO DEMANDADO: Inicialmente, ressalto que as preliminares e prejudicial de mérito suscitadas pela parte ré em sua contestação já foram analisadas por este Juízo na decisão interlocutória de saneamento proferida no ID 101209917, qual fora integralmente mantida pelo Egrégio TJRN em sede de Recurso de Agravo de Instrumento (autos nº 0811335-48.2023.8.20.0000), de modo que passo à análise do mérito. Não vislumbro a necessidade de outras provas além das constantes dos autos. É caso de julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, inciso I, do CPC; e em virtude do disposto nos artigos 370 e 371 do CPC (sistema do convencimento motivado). Cinge-se a questão de mérito no presente feito a obrigação do ente público demandado em indenizar moral e materialmente a parte autora em virtude de danos estruturais significativos ocasionados em seu imóvel, oriundos de uma galeria pluvial aberta pela parte demandada nas proximidades de sua residência, o que levou a requerente a deixar o local e alugar outro imóvel para residir devido ao risco à sua vida. A responsabilidade civil do Estado pela atuação de seus agentes tem previsão no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual consagra a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, no qual basta à parte autora a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e a ação ou omissão específica do agente público para que se configure a obrigação de indenizar, sendo desnecessária a exposição de culpa do agente público para caracterização da responsabilidade civil do Estado, senão vejamos a redação legal: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Da mesma forma, preceitua o art. 43 do Código Civil: Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Em vista disso, para a configuração da responsabilidade civil do Estado, devem ser demonstrados: (i) a ocorrência do dano; (ii) a ação ou omissão administrativa; (iii) o nexo de causalidade entre os requisitos anteriores; e (iv) a ausência de qualquer causa excludente. Analisando as provas produzidas no caderno processual sob o manto do contraditório e ampla defesa, verifico que as alegações autorais restaram eficazmente comprovadas, tendo a parte autora desincumbido de seu ônus previsto no art. 373, I, do CPC. Compulsando detidamente os autos do processo em epígrafe, verifico a juntada de laudo elaborado por Engenheiro Civil contratado pela requerente, Sr. Wellington Carlos Gama (CREA/RN nº 211.169.133-0), o qual concluiu que o imóvel de propriedade da requerente se encontra sem condições de moradia devido a abalos nas estruturas causadas por um bueiro que passava em baixo da residência, resultando em um esgoto a céu aberto que se tornou um agente insalubre, sendo um importante vetor para doenças e insetos, tudo demonstrado através de fotografias e vídeos acostados aos autos (ID 85173495). Outrossim, verifico que há declaração firmada pela Defesa Civil do Município de Apodi/RN, por meio do Sr. Marcílio Reginaldo de Souza, datada de 21/06/2022, informando que o imóvel de propriedade da autora, localizado na Rua Tiradentes, nº 485, Bairro São Sebastião, Apodi/RN, não poderia ser mais habitado a fim de garantir a segurança dos moradores (ID 85173500). O próprio Município de Apodi/RN já havia elaborado documento demonstrando os danos identificados no imóvel e os riscos decorrentes dos mesmos, conforme Laudo de Vistoria Técnica nº 001/2017 (ID 85173500). Logo, verifico que se tratam de problemas que ocorrem desde o ano de 2017, ano, inclusive, em que o Município de Apodi/RN realizou obras e reparos no local e passou a adimplir auxílio mensal à autora a fim de realização locação de outro imóvel para residir com segurança, pagamento este que foi cessado a partir de maio de 2019. Considerando que as provas técnicas constantes nos autos tinham sido realizadas unilateralmente, este Juízo designou perícia a ser realizada por profissional habilitado junto ao Núcleo de Perícias do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (NUPEJ/TJRN), tendo a perita engenheira Jéssica Cristina de Abreu Romão (CREA nº 1.619.233.100) concluído que os danos identificados no imóvel são decorrentes do sistema público de drenagem pluvial, de responsabilidade do Município de Apodi/RN, senão vejamos excertos do referido laudo: “(…) Foi constatado um evidente comprometimento no sistema de drenagem pluvial na via pública em frente à residência. Observa-se na foto 3 um desnível e colapsos na calçada e na borda do pavimento asfáltico, acompanhados por uma abertura significativa que expõe o subsolo, parcialmente coberta com tecido e materiais improvisados, como tijolos e pedras. A situação indica falhas no sistema de drenagem ou insuficiência estrutural para suportar o fluxo pluvial, possivelmente agravadas pela erosão do solo ao longo do tempo. Essa patologia externa reflete diretamente na funcionalidade e na eficiência do sistema de drenagem pluvial local, que, de acordo com os documentos do processo, é apontado como a possível causa dos danos estruturais no imóvel. A infiltração de água, evidenciada pelo desmoronamento parcial da calçada, que pode está sendo causada a pelo fluxo hídrico descontrolado, o que pode estar contribuindo para a formação da cratera no interior da residência. Ademais, a situação representa um risco à segurança dos pedestres, além de contribuir para o agravamento do estado geral do imóvel afetado. Foi constatada a presença de uma cratera no piso da cozinha, a foto 4, mostra a cratera que mede aproximadamente 2,8 m². A abertura apresenta dimensões separadas, expondo um vazio estrutural abaixo do piso, com acúmulo de água no fundo da cavidade. A flexibilidade da área é evidente, com desagregação de materiais do piso e das paredes adjacentes. Os danos causados apresentam comprometimento estrutural, possivelmente relacionado a processos erosivos e à infiltração de água. Estes problemas parecem estar associados ao funcionamento inadequado da galeria pluvial situada nas proximidades do imóvel, conforme relatado no histórico processual e nos laudos preliminares apresentados (…) Durante a vistoria realizada no imóvel objeto da perícia, foi identificado um buraco significativo na superfície da parede/fundação no quarto localizado ao lado da cozinha, evidenciado na foto 5. Trata-se de uma abertura irregular, apresentando dimensões aproximadas de 1,2 m², conforme medido no local. O dano expõe elementos internos da estrutura, incluindo possíveis camadas de revestimento deteriorado e material de enchimento solto. Nota-se a presença de fragmentos de argamassa em estado avançado de degradação, bem como infiltração e sinais de desgaste acentuado. A causa está direta ou indiretamente relacionada com a galeria (…) O imóvel sofre de recalque diferencial severo, o solo abaixo do imóvel foi desestabilizado, devido à erosão ou movimentação da galeria de águas pluviais. Isso causa deformações estruturais e deslocamentos significativos, visíveis nas rachaduras. O avanço das rachaduras, associado à cratera na cozinha, indica que a estrutura do imóvel está em situação crítica”. (ID 138224562 – Destacado). Outrossim, ao responder os quesitos formulados por este Juízo e ratificados pelos litigantes, a profissional foi clara em afirmar que os danos do imóvel são decorrentes da deficiência no sistema de drenagem da galeria de águas pluviais, excluindo a eventual possibilidade de vícios oriundos da construção do imóvel: “9) Quesitos A. Qual a origem do vício no imóvel? A origem do vício no imóvel estar associada à deficiência no sistema de drenagem da galeria de águas pluviais. As evidências apontam para falhas na galeria pluvial que permitiram infiltração de água e consequente erosão do solo sob o imóvel, comprometendo sua estrutura. B. Os danos decorrem de vício de construção ou da linha de escoamento de água instalada abaixo da propriedade? Os danos identificados no imóvel decorrem predominantemente da linha de escoamento de água instalada abaixo da propriedade. A infiltração constante de água devido ao mau funcionamento da galeria pluvial contribuiu para a instabilidade do solo, levando ao surgimento de patologias estruturais. Não foram encontrados indícios significativos de vícios construtivos no imóvel que pudessem justificar, de forma isolada, os danos observados (…)”. (ID 138224562 – Destacado). Assim, a profissional elaborou clara e direta conclusão em seu laudo: “10) Conclusão Os danos estruturais identificados no imóvel, como a cratera no piso da cozinha, rachaduras nas paredes, buraco no quarto e desgaste generalizado da edificação, têm origem direta ou indireta no funcionamento inadequado da galeria pluvial situada sob a propriedade. A infiltração de água e a consequente instabilidade do solo são os principais fatores que levaram às patologias descritas. Não foram encontrados indícios de vícios construtivos no imóvel que justifiquem os danos observados. A linha de escoamento de águas pluviais é apontada como a principal responsável pelas condições atuais do imóvel, conforme evidenciado nos documentos preliminares, fotos, e pela inspeção realizada. Os danos identificados, caso não corrigidos, podem levar ao agravamento da estrutura, com potencial risco de desmoronamento parcial ou total do imóvel, representando uma ameaça à segurança dos ocupantes e da comunidade próxima. Há meios para reparação do imóvel, incluindo a readequação da galeria pluvial, estabilização do solo, reconstrução das áreas danificadas, impermeabilização e revisão das instalações elétricas e hidráulicas”. (ID 138224562 – Destacado). Como se sabe, o magistrado é livre para apreciar motivadamente as provas produzidas no processo, dando-lhes o valor que bem entender. O princípio da persuasão racional possibilita que o magistrado realize, de forma fundamentada, a aferição e sopesamento das provas produzidas no processo. Todavia, o laudo oficial ocupa grande relevância no processo. A despeito de o julgador não estar adstrito à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, por força do art. 156 do CPC, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. De fato, o magistrado dificilmente possuirá conhecimentos técnicos que o tornem apto a afastar as conclusões dos estudos detalhados realizados nos laudos periciais. O laudo do perito designado pelo Juízo realiza detalhamento minucioso sobre o fato, revelando quais as necessidades da parte autora. No caso específico dos autos, o trabalho pericial realizado deixou muito claro que os danos encontrados no imóvel da parte autora são oriundos de falhas no sistema público de drenagem pluvial. Assim, verifico que os requisitos para comprovar a responsabilidade do ente público encontram-se plenamente demonstrados nos autos: (a) a ocorrência do dano: danos estruturais relevantes no imóvel da parte autora, os quais encontram-se descritos pormenorizadamente no laudo pericial realizado; (b) a ação ou omissão administrativa: ausência de reparação eficaz da Fazenda Pública no sistema de drenagem pluvial existente nas proximidades do imóvel da parte autora; (c) o nexo de causalidade entre os requisitos anteriores: a perícia demonstrou claramente o nexo causal, concluindo que os danos no imóvel são decorrentes do sistema de drenagem pluvial; (d) a ausência de qualquer causa excludente: o Município de Apodi/RN não comprovou nos autos a ocorrência de eventual excludente de responsabilidade, como, por exemplo, culpa exclusiva da parte autora ou de terceiros, ônus que lhe cabia nos termos do art. 373, II, do CPC. Assim, estando devidamente comprovada a responsabilidade do Município de Apodi/RN, passo a analisar individualmente os pleitos formulados a título de indenização por danos materiais e morais. II.3 – DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS: Com relação ao pedido de indenização por danos materiais o mesmo deverá ser dividido em duas vertentes: o pedido de adimplemento de aluguéis mensais e o valor necessário para os reparos no imóvel. Compulsando os autos, verifico ser incontroverso que o Município de Apodi/RN, no ano de 2017, ao identificar danos no imóvel descrito na exordial, realizou o adimplemento de auxílio mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais) à autora a fim de realização locação de outro imóvel para residir com segurança, porém tal auxílio deixou de ser prestado desde 2019. Em que pese o adimplemento do auxílio ter cessado e diante da impossibilidade de residir no imóvel diante dos riscos à sua incolumidade, saúde e integridade física, a autora comprovou que continuou a residir no imóvel locado, cujo preço do aluguel foi reajustado para R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) a partir de janeiro de 2022 (ID 88047695). Logo, considerando que o Município de Apodi/RN não realiza o adimplemento dos alugueis desde maio de 2019 e até o presente momento a parte autora reside em imóvel locado, são devidos os seguintes valores à autora: (a) de maio de 2019 a janeiro de 2022 = 32 meses. Logo, considerando que o aluguel mensal era de R$ 400,00 (quatrocentos reais), totaliza-se o importe, no período, de R$ 12.800 (doze mil e oitocentos reais); (b) de janeiro de 2022 até a presente data = 40 meses. Logo, considerando que o aluguel mensal era de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais), totaliza-se o importe, no período, de R$ 19.200,00 (dezenove mil, duzentos reais). Assim, o montante devido pelo Município de Apodi/RN à parte autora, a título de aluguéis pretéritos, perfaz R$ 32.000 (trinta e dois mil reais), devendo ser abatido eventuais valores pagos na esfera extrajudicial no período. Outrossim, com relação aos reparos necessários no imóvel, ao listar os valores necessários para a reforma, a perita aduziu o seguinte: “(…) F. Qual o valor orçado para realização das medidas corretivas? Segue uma estimativa detalhada para a reforma completa do imóvel considerando os danos descritos no processo e as intervenções necessárias para torná-lo habitável novamente. O orçamento foi elaborado com base nos custos médios do mercado atual para a região Nordeste. O valor estimado para as medidas corretivas dependerá do detalhamento das intervenções necessárias, mas, com base em análises preliminares, pode-se orçar: Orçamento para Reforma Completa do Imóvel: 1. Reparação do Sistema de Drenagem Pluvial • Reparação e reforço da galeria pluvial, incluindo mão de obra e materiais (tubulação, concreto e vedação): R$ 18.000,00 2. Estabilização do Solo • Preenchimento da cratera com solo compactado (brita, areia e solo estabilizado): R$ 7.500,00 • Serviços de compactação (máquinas e mão de obra): R$ 4.500,00 Subtotal: R$ 12.000,00 3. Reconstrução de Piso e Paredes • Demolição e remoção de entulho (área afetada): R$ 3.000,00 • Execução de novo piso em concreto armado (30 m²): • Material (cimento, areia, brita e aço): R$ 7.500,00 • Mão de obra: R$ 4.000,00 • Reparo das paredes rachadas (reboco e revestimento): • Material (argamassa, gesso, tinta): R$ 4.000,00 • Mão de obra: R$ 2.500,00 Subtotal: R$ 21.000,00 4. Impermeabilização • Aplicação de manta asfáltica e impermeabilizantes no piso e paredes internas: • Material: R$ 6.000,00 • Mão de obra: R$ 2.000,00 Subtotal: R$ 8.000,00 5. Instalações Elétricas e Hidráulicas • Revisão e substituição de instalações comprometidas (fiação, tomadas, pontos de luz e encanamento): • Material: R$ 4.000,00 • Mão de obra: R$ 3.000,00 Subtotal: R$ 7.000,00 6. Pintura e Acabamentos • Pintura completa do imóvel (interior e exterior): • Material (tinta, selador, massa corrida): R$ 2.500,00 • Mão de obra: R$ 2.500,00 Subtotal: R$ 5.000,00 Resumo Geral do Orçamento: Etapas Valor (R$) Reparação do sistema de drenagem 18.000,00 Estabilização do solo 12.000,00 Reconstrução de piso e paredes 21.000,00 Impermeabilização 8.000,00 Instalações elétricas e hidráulicas 7.000,00 Pintura e acabamentos 5.000,00 TOTAL GERAL: 71.000,00”. (ID 138224562 – Destacado). Ressalto que o Município de Apodi/RN sequer apresentou impugnação ao laudo pericial, o qual já se encontra devidamente homologado por este Juízo, de modo que o valor atribuído pela profissional, no importe de R$ 71.000,00 (setenta e um mil reais), deverá ser considerado no presente caso como o correto para realizar os reparos no imóvel. II.4 – DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS: Com relação à indenização por danos morais, verifico que a parte autora ficou impossibilitada de utilizar seu imóvel desde 2017 em virtude de danos ocasionados decorrentes do sistema de drenagem pluvial de responsabilidade do Município de Apodi/RN, o que a levou a locar outro imóvel, fatos que vão além do mero aborrecimento, eis que tais fatos causaram aflição psicológica e a angústia na parte autora, de modo que entendo devida a reparação moral da requerente. No que diz respeito ao valor atribuído aos danos morais, firmou-se entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que este montante ficará sempre a cargo do prudente arbítrio do magistrado. Em consequência, na fixação do quantum compensatório, tem-se que o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Dessa maneira, a indenização deve ter um caráter preventivo, com o fito de a conduta danosa não voltar e se repetir, assim como punitivo, visando à reparação pelo dano sofrido. Não deve, contudo, transformar-se em objeto de enriquecimento ilícito ou ser fixada em valor ínfimo que estimule a repetição de tal conduta. E, levando-se em conta os parâmetros supracitados, entendo como razoável o quantum indenizatório de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a reparação dos danos morais suportados pela parte autora. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o presente feito a fim de CONDENAR o MUNICÍPIO DE APODI/RN nos seguintes termos: a) a adimplir à autora indenização por danos materiais com relação ao adimplemento de aluguéis do imóvel localizado na Rua Tiradentes, nº 485, Bairro São Sebastião, Apodi/RN, no importe total histórico de R$ 32.000 (trinta e dois mil reais), referente ao período de 05/2019 até 04/2025, excluindo-se eventuais valores pagos na seara administrativa no período. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente, a contar de cada parcela (mês a mês), calculadas com base no INPC, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei 11.960/09; e com juros de mora, a contar da data da citação, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09; b) a título de obrigação de fazer, deverá realizar todos os reparos, manutenção, substituições e reformas necessárias no imóvel da parte autora, conforme indicado no laudo pericial homologado, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado. Alternativamente, deverá adimplir o valor correspondente aos reparos, quantificados atualmente no importe de R$ 71.00,00 (setenta e um mil reais); c) confirmo a decisão que deferiu o pleito formulado em sede de tutela de urgência antecipada (ID 89481783), ao passo que determino que o demandado realize o adimplemento mensal dos aluguéis da parte autora até que os defeitos no imóvel sejam saneados, no importe de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) mensal, cujos pagamentos deverão ocorrer até o 10 (dez) de cada mês em conta de titularidade da parte autora; d) a pagar indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (deze mil reais), a ser acrescida correção monetária, a partir da data do arbitramento (Súmula nº 362 do STJ), e juros moratórios de 0,5% (meio por cento) ao mês, incidentes a partir do evento danoso (Súmula nº 54 do STJ), ambos a serem remunerados pela Taxa SELIC (EC nº 113/2021). Assim, resolvo no mérito o presente feito nos termos do art. 487, I, do CPC. Em razão da sucumbência total, condeno a Fazenda Pública Municipal em honorários sucumbenciais no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (art. 85, § 3º, I, do CPC). Deixo de condenar a ré em custas em virtude da isenção que goza a Fazenda Pública. Sentença NÃO sujeita a remessa necessária, eis que o valor da condenação é abaixo de 100 (cem) salários-mínimos (artigo 496, § 3º, III, do CPC). Caso haja a interposição de Recurso de Apelação, intime-se a parte recorrida, para, no prazo legal, oferecer contrarrazões, remetendo-se os autos em seguida para o Juízo ad quem. Transitada em julgado, arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. SENTENÇA COM FORÇA DE MANDADO/OFÍCIO. Apodi/RN, conforme data do sistema eletrônico. (assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06) Thiago Lins Coelho Fonteles Juiz de Direito
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Processo nº 0801103-81.2025.8.20.5116
ID: 319954281
Tribunal: TJRN
Órgão: 1ª Vara da Comarca de Goianinha
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0801103-81.2025.8.20.5116
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDA DE MEDEIROS FARIAS
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara da Comarca de Goianinha Rua Vigário Antônio Montenegro, 353, Centro, GOIANINHA - RN - CEP: 59173-000 Processo: 0801103-81.2025.8.20.5116 AUTO…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara da Comarca de Goianinha Rua Vigário Antônio Montenegro, 353, Centro, GOIANINHA - RN - CEP: 59173-000 Processo: 0801103-81.2025.8.20.5116 AUTOR: INALDO HONORIO DE CARVALHO REU: SECRETARIA DE SAÚDE - RN, SETOR DE REGULAÇÃO - SESAP/RN, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE DECISÃO I. RELATÓRIO Trata-se de tutela provisória de urgência1 de natureza antecipada incidental, com pedido liminar (Código de Processo Civil, artigos 294, c/c 300, § 2º), ajuizada por INALDO HONORIO DE CARVALHO em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, da SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE e da CENTRAL METROPOLITANA DE REGULAÇÃO, todos devidamente qualificados nos autos. Alegou, em síntese, que: 1. O autor, atualmente com 57 (cinquenta e sete) anos de idade, encontra-se internado em unidade hospitalar de média complexidade desde 24/03/2025, como paciente do Sistema Único de Saúde – SUS. 2. Foi diagnosticado com insuficiência cardíaca descompensada, decorrente de insuficiência mitral importante secundária à febre reumática, necessitando, com urgência, de procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), conforme laudos médicos e solicitação de transferência hospitalar acostados aos autos. 3. Apesar das reiteradas tentativas de regulação junto à Central Estadual, até o momento não houve sucesso na remoção do paciente para unidade hospitalar apta à realização da cirurgia, o que, segundo o autor, o expõe a risco iminente de agravamento da enfermidade e até mesmo de óbito. 4. Sustentou ser pessoa hipossuficiente, desprovida de recursos para custear o tratamento na rede privada, razão pela qual recorreu ao Poder Judiciário a fim de assegurar o direito à saúde e à vida. 5. Requereu, liminarmente, que os demandados sejam compelidos a providenciar, com urgência, a transferência e a internação do autor em unidade hospitalar com especialidade em cirurgia cardíaca, seja na rede pública ou privada conveniada ao SUS. No mérito, pugnou pela confirmação da tutela e condenação dos réus à obrigação de fazer. Colacionou documentos aos autos (id nº 1153846120 e seguintes). Decisão determinando a realização de consulta ao e-NatJus, no intuito de obter a informação acerca da adequação e urgência do tratamento pleiteado para o quadro clínico do autor (id n° 154137801). Foi apresentada aos autos Nota Técnica emitida pelo e-NatJus (id nº 156695109), elaborada com base nos documentos médicos acostados, em especial laudos que atestam o diagnóstico de insuficiência mitral importante secundária a febre reumática, com quadro de insuficiência cardíaca descompensada. Consta que o autor se encontra internado desde 24/03/2025, e que há solicitação médica de transferência para hospital terciário dotado de serviço especializado em cirurgia cardíaca. A análise técnica confirmou a compatibilidade entre o diagnóstico clínico e o procedimento solicitado, reconhecendo que o tratamento pleiteado — cirurgia cardíaca — é apropriado para a condição apresentada. Destacou-se que o procedimento se encontra incluído na Tabela SUS (SIGTAP), sendo, portanto, previsto e custeado pelo sistema público de saúde. A equipe técnica concluiu pela existência de urgência médica, nos termos da definição do Conselho Federal de Medicina, reconhecendo risco potencial à vida do paciente em razão do agravamento da patologia cardíaca. Por fim, a nota concluiu haver elementos técnicos suficientes para justificar a transferência imediata do paciente para unidade hospitalar com especialidade em cirurgia cardíaca, seja da rede pública ou conveniada ao SUS, diante da gravidade do caso (id nº 156695109). É o relatório. Fundamento. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Os requisitos para a concessão da providência de urgência, seja ela de natureza cautelar ou satisfativa, são três: a) requerimento da parte, já que impossível é a concessão do provimento antecipatório de ofício; b) um dano potencial, um risco que ocorre o processo de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável; e c) probabilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja o fumus boni iuris2 (Código de Processo Civil, artigo 300)3. No caso dos autos, a parte autora pretende a tutela de urgência de natureza antecipada (Código de Processo Civil, artigo 294, parágrafo único), requerida em caráter incidental e liminar (Código de Processo Civil, artigo 300, § 2º). Trata-se, pois, de tutela satisfativa, que serve para evitar ou fazer cessar o perigo de dano, conferindo, provisoriamente, ao autor, a garantia imediata das vantagens de direito material para as quais se busca a tutela definitiva, cujo objetivo, pois, confunde-se, no todo ou em parte, com a finalidade do pedido principal4. Passamos à análise dos requisitos: requerimento da parte interessada, dano potencial (periculum in mora) e probabilidade do direito substancial (fumus boni iuris). O primeiro requisito a ser observado, é o requerimento da parte, já que impossível é a concessão do provimento antecipatório de ofício. Verifica-se sua presença pela simples leitura da exordial (id n° 153846119). A parte interessada deve demonstrar, ainda, através de alegações e provas em sumário cognitivo, que seu direito é plausível (provável). Não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, até porque esse somente é possível ao final, com o mérito da lide; contudo, para merecer a tutela – direito de risco – há de revelar-se como o interesse que justifica o direito ao processo de mérito. URGO ROCCO5 revela como um "interesse amparado pelo direito objetivo, na forma de um direito subjetivo, do qual o suplicante se considera titular, apresentando os elementos que prima facie possam formar no juiz uma opinião de credibilidade mediante um conhecimento sumário e superficial". Lado outro, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela6. O perigo de dano refere-se, pois, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido, que surge de danos concretos, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave7. Analisando os autos, verifica-se tratar de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por Inaldo Honorio de Carvalho em face do Estado do Rio Grande do Norte, da Secretaria Estadual de Saúde e da Central Metropolitana de Regulação, visando compelir os réus a custear e viabilizar, de forma imediata, a realização de procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), necessário para o tratamento de quadro clínico decorrente de insuficiência mitral importante, com insuficiência cardíaca descompensada, secundária a febre reumática. O autor, atualmente internado desde 24/03/2025 em unidade hospitalar de média complexidade, encontra-se em situação de urgência médica, conforme laudos e nota técnica juntados aos autos (id nº 156695109), não havendo até o momento previsão para realização da cirurgia, mesmo após sucessivas tentativas de regulação via sistema público, o que representa risco concreto à sua vida e integridade física, diante da omissão administrativa do ente público na prestação do serviço essencial de saúde. A probabilidade do direito substancial invocado está devidamente evidenciada pela documentação acostada aos autos, especialmente pelos laudos médicos apresentados e pela Nota Técnica emitida pelo e-NatJus (id nº 156695109). Os documentos atestam que o autor se encontra internado em unidade hospitalar de média complexidade desde 24/03/2025, acometido por insuficiência cardíaca descompensada, decorrente de insuficiência mitral importante, sendo imprescindível a realização de cirurgia cardíaca (valvoplastia) com urgência. Embora a solicitação de regulação tenha sido realizada, não há previsão para a realização do procedimento cirúrgico, revelando flagrante incompatibilidade entre a gravidade da condição clínica e a demora na efetivação da medida. Tal contexto, aliado à ausência de resposta eficaz do Estado do Rio Grande do Norte, configura inércia administrativa e demonstra violação ao dever constitucional de assegurar o direito à saúde e à vida, conforme dispõe o artigo 196 da Constituição Federal. O direito constitutivo da parte autora também resta amparado pelas provas produzidas em juízo sumário (id n° 153846120 e seguintes). O perigo de dano resta igualmente caracterizado, pois a não realização do procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), em tempo hábil, pode acarretar agravamento da insuficiência cardíaca descompensada, com risco de complicações graves, sequelas irreversíveis e, no limite, óbito do autor, conforme reconhecido pela Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109). Tal situação evidencia a urgência médica efetiva e reforça a necessidade da intervenção judicial imediata, justificando plenamente a concessão da tutela antecipada para garantir o acesso ao tratamento indicado. Ademais, a documentação colacionada aos autos, especialmente a Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109), demonstra que o procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia) solicitado ao autor encontra-se previsto na Tabela do Sistema Único de Saúde (SIGTAP), sendo, portanto, ofertado e custeado pelo SUS, o que reforça o dever do ente público em garantir sua efetivação de forma tempestiva. Desta feita, diante da prevalência do direito à saúde e à vida, devem ser superados os argumentos que defendem a proibição de concessão de liminar que antecipe total ou parcialmente os efeitos da sentença contra a Fazenda Pública. A presente lide trata da responsabilidade da realização de procedimento cirúrgico, matéria que se encontra delineada na Constituição Federal, em seu art. 198, § 1º, in verbis: "O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes". Com efeito, a prestação de serviços e a prática de ações que visem resguardar a saúde dos cidadãos constituem obrigações solidárias da União, Estados e Municípios, razão pela qual é possível se exigir de qualquer um dos entes, ora elencados, isoladamente. Quanto à verossimilhança da pretensão, convém asseverar que a saúde é um direito público subjetivo indisponível, assegurado a todos e consagrado no art. 196 da Constituição Federal. Ademais, não fossem suficientes tais comandos legais, a Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde) que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, determina em seu art. 2º, o dever do Estado em dar condições para o exercício do direito à saúde, nos seguintes termos: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Pois bem, conforme se depreende dos autos, o requerente apresenta quadro clínico grave de insuficiência cardíaca descompensada, decorrente de insuficiência mitral importante secundária à febre reumática, encontrando-se internado desde 24/03/2025 em unidade hospitalar de média complexidade. Necessita, com urgência, submeter-se a procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), devidamente indicado por profissional médico como medida imprescindível à preservação de sua saúde e à prevenção de agravamentos irreversíveis ou risco de morte, conforme evidenciado nos laudos médicos e na Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109). Diante desse contexto, em sede de cognição sumária, evidencia-se a obrigação do Estado do Rio Grande do Norte em assegurar o tratamento necessário, considerando a afronta direta a direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, notadamente os direitos à vida e à saúde, os quais devem ser efetivados por qualquer dos entes federativos, em regime de responsabilidade solidária. Sobre o tema, são precedentes do Supremo Tribunal Federal: DIREITO CONSTITUCIONAL. SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE ESTRABISMO. CIRURGIA CORRETIVA. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARA ÇÃO DE PODERES NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 13.02.2014. A jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que a saúde é direito de todos. É dever do estado prestar assistência à saúde, conforme o art. 196 da Constituição Federal, podendo o requerente pleitear de qualquer um dos entes federativos. União, estados, Distrito Federal ou municípios. Precedentes. O exame da legalidade dos atos administrativos pelo poder judiciário não ofende o princípio da separação dos poderes. Controvérsia divergente daquela em que reconhecida a repercussão geral pelo plenário desta casa. Re 566.471 - Rg/rn. Inadequada a aplicação da sistemática da repercussão geral (art. 543 - B do cpc). Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; RE-AgR 858.044; AL; Primeira Turma; Relª Min. Rosa Weber; Julg. 24/02/2015; DJE 10/03/2015; Pág. 47). AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO. CIRURGIA. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O recurso extraordinário, ao alegar que o acórdão recorrido ofende o preceito do art. 198, versa questão constitucional não ventilada na decisão recorrida e que não foi objeto de embargos de declaração, faltando-lhe, pois, o indispensável prequestionamento (Súmulas nºs 282 e 356). O acórdão impugnado, ao garantir o acesso da agravada, pessoa de insuficientes recursos financeiros, a tratamento médico condigno ao quadro clínico apresentado, resguardando-lhe o direito à saúde, decidiu em consonância com a jurisprudência desta corte sobre o tema. Precedentes. Consolidou-se a jurisprudência desta corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da união, do estado e do município providenciá- lo. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (STF; AI-AgR 550.530; PR; Segunda Turma; Rel. Min. Joaquim Barbosa; Julg. 26/06/2012; DJE 16/08/2012; Pág. 41). De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça, analisando casos semelhantes, assim se posicionou (grafitamos): CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MP E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE PÚBLICO ESTADUAL. REJEIÇÃO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. DESCABIDA. CIRURGIA E EXAME. NECESSIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. ARTIGO 196 DA CRF. APLICAÇÃO DA TABELA DO SUS PARA PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de direitos de pessoa individualmente considerada (art. 127, CRF/88). Sendo o Sistema Único de Saúde composto pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é de se reconhecer, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer um deles para responder pelo cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. Em vista de a responsabilidade, nos casos referentes ao direito à saúde, ser solidária entre os entes federados, descabida a denunciação à lide pretendida. O direito à vida e à saúde deve ser resguardado pelos entes públicos, mediante o custeio de consultas, realização de exames, medicamentos e cirurgias indispensáveis ao cidadão (CRF, art. 196). O particular, obrigado a prestar serviços necessários ao restabelecimento da saúde do cidadão, não deve suportar os prejuízos de ser ressarcido, conforme a tabela de preços adotada pelo SUS. (TJMT; APL 5873/2018; Juína; Rel. Des. Márcio Vidal; Julg. 15/10/2018; DJMT 23/10/2018; Pág. 132). Por fim destaco que os nossos Tribunais de Justiça também têm decidido nesse sentido, conforme recente julgado abaixo (grifamos): AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LIMINAR. PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE FÓRMULA ALIMENTAR. RELATÓRIO SUBSCRITO POR MÉDICO VINCULADO AO SUS. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. EXCLUSÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DESCABIMENTO. REFORMA PARCIAL DO DECISUM. 1. Compete privativamente à Justiça da Infância e da Juventude conhecer e processar as causas que envolvam o acesso de crianças e adolescentes às ações e serviços da saúde, em observância ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente e conforme o art. 1º da Resolução nº 829, de 29 de junho de 2016, editada pelo eg. Órgão Especial deste Tribunal. 2. Por se tratar de ação civil pública em que se colima a execução de obrigação de fazer, o pedido de provimento de urgência deve ser apreciado com base no art. 12 da Lei nº 7.347/85, cujos requisitos são meramente o fumus boni iuris e o periculum in mora. 3. Mantém-se, no caso concreto, o provimento de urgência para o fornecimento de suplemento alimentar destinado à manutenção do estado nutricional do menor substituído, se há nos autos prescrições médicas firmadas por profissional vinculado ao SUS as quais se consubstanciam em início de prova dos fatos alegados, ademais de insubsistente a tese do Município de que não teria responsabilidade pelo tratamento. 4. À luz do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do RE 855.178-RG/PE, é de se reconhecer o caráter solidário da responsabilidade dos entes federados pela prestação dos serviços de saúde, donde descabida a exclusão prematura do Estado de Minas Gerais da lide. (TJMG; AI 1.0701.17.027032-9/001; Rel. Des. Edgard Penna Amorim; Julg. 16/10/2018; DJEMG 22/10/2018). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO QUE DEFERE A EXTENSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA PARA A REALIZAÇÃO DO EXAME DE POLISSONOGRAFIA NOTURNA COM TITULAÇÂO CPAP, NO PRAZO DE 10 (DEZ) DIAS, SOB PENA DE BLOQUEIO DE VALORES PARA O CUSTEIO DO EXAME NA REDE PRIVADA. Agravante que requer a reforma do decisum. Ausência de nulidade da decisão, por suposta falta de fundamentação. Tutela de urgência já deferida no processo, no sentido de determinar aos réus o fornecimento dos medicamentos descritos na inicial, necessários ao tratamento da doença da autora. Decisão agravada que se trata de extensão da tutela deferida, devidamente fundamentada no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde assegurado pela CRFB/88. Laudo que atesta a urgência na realização do exame, para minimizar a possibilidade de eventos cardiovasculares que colocam a vida da paciente em risco. Autora que apresenta síndrome de apneia hipopneia do sono. Decisão de bloqueio das contas dos réus que se mostra como medida eficaz, em caso de descumprimento da obrigação, considerando a urgência na realização do exame e no fornecimento dos medicamentos prescritos à autora. Súmula nº 178 do TJRJ. Precedentes desta Corte. Responsabilidade solidária existente entre o ESTADO DO Rio de Janeiro e o Município de Nova Friburgo. Art. 196 e 198 da CRFB. Súmula nº 65 do TJRJ. Ausência de afronta ao princípio constitucional da independência e da harmonia dos poderes, tratando-se de preservação da vida da autora, mediante medida que tem previsão constitucional (proteção à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana). Custeio de exame na rede privada que somente ocorrerá em caso de descumprimento da tutela, pelos réus. Havendo vaga para realização do exame na rede pública, pelo SUS, não há que se falar em custeio na rede privada. Decisão que não se mostra teratológica, contrária à prova dos autos ou à Lei. Súmula nº 59 do TJRJ. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJRJ; AI 0050263-07.2018.8.19.0000; Nova Friburgo; Segunda Câmara Cível; Relª Desig. Desª Maria Celeste Pinto de Castro Jatahy; DORJ 18/10/2018; Pág. 206). RECURSO DE APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PROCEDIMENTO CIRURGICO. CRIANÇA. AÇÃO AJUIZADA INICIALMENTE TAMBÉM EM DESFAVOR DO ESTADO DE MATO GROSSO. EXCLUSÃO DO POLO PASSIVO EM FACE DA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. OBRIGAÇÃO CUMPRIDA EXCLUSIVAMENTE PELO MUNICIPIO. NENHUMA IRRESIGNAÇÃO A ESTE RESPEITO. PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA SENTENÇA PROFERIA SOB A ÉGIDE DO CPC/73 E ANTES DA EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 80/2014. SÚMULA Nº 421/STJ. OBEDIÊNCIA AOS ARTIDOS 3º E 4º DO CPC/73. APELO PROVIDO. 1. A saúde é direito de todos e dever do estado, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, que deve garantir aos cidadãos o fornecimento de todos os meios indispensáveis para manutenção e restabelecimento da saúde. 2. A Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho de 2014, conferiu iguais prerrogativas do ministério público, autonomia funcional, administrativa e financeira (orçamentária), à defensoria pública não sendo mais possível a condenação de município ao pagamento de honorários advocatícios em seu favor. 3. A sentença recorrida foi proferida antes da edição da Emenda Constitucional nº 80/2014, incidindo o entendimento contido na Súmula nº 421/STJ, que permitia a fixação de honorários à defensoria pública quando a sua atuação se dava contra pessoa jurídica diversa da qual pertença, como no caso, o município de barra do bugres. 4. Apelo provido. (TJMT; APL 78129/2017; Barra do Bugres; Relª Desª Maria Erotides Kneip Baranjak; Julg. 18/12/2017; DJMT 05/02/2018; Pág. 68). Além disso, a Nota Técnica nº 360506 do e-NatJus (id nº 156695109), elaborada no caso em apreço, consignou que o procedimento cirúrgico cardíaco solicitado é necessário e compatível com a condição clínica apresentada, devendo ser realizado com urgência, em vista do risco potencial à vida do paciente, o que reforça a premência da medida e a necessidade de evitar a perda da janela terapêutica adequada. Deste modo, tratando-se de procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), de natureza invasiva e classificado como urgente, é plenamente aplicável o entendimento de que a atuação do Poder Judiciário para determinar sua realização, sem a observância da lista de espera, é legítima quando demonstrada a urgência do caso e/ou a omissão do ente público. No presente feito, tal urgência restou devidamente comprovada pela Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109), que reconhece o risco potencial de vida em razão do agravamento da insuficiência cardíaca descompensada. Além disso, a ausência de previsão concreta para a realização do procedimento, mesmo após sucessivas tentativas de regulação, evidencia omissão estatal inaceitável. Nos termos dos Enunciados nº 92 e 93 da Jornada de Direito à Saúde do CNJ, é desarrazoada a manutenção do paciente em lista de espera quando há risco iminente à vida e comprovação médica da urgência do tratamento pleiteado. Em casos análogos, os Tribunais vem decidindo nesse mesmo sentido, vejamos: EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA - SAÚDE - TRANSFERÊNCIA HOSPITALAR - CATETERISMO - NECESSIDADE ESPECÍFICA DO TRATAMENTO MÉDICO PRESCRITO – DEMONSTRAÇÃO 1. O direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas às pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. 2. Restando demonstrada a imprescindibilidade do tratamento indicado ao paciente para seu quadro clínico (infarto agudo do miocárdio), bem como a urgência e a necessidade de sua transferência para hospital com estrutura para a realização de cateterismo, deve ser mantida a sentença que, confirmando a antecipação de tutela, impôs a sua realização pelo Município de Uberlândia. 3. Sentença confirmada, em reexame necessário (TJMG, Remessa Necessária-Cv 1.0702.15.064568-8/001, julgado em 30/11/2017). AGRAVO DE INSTRUMENTO – REALIZAÇÃO DE EXAMES - Tutela de urgência deferida em primeiro grau – Decisório que merece subsistir – Atestado médico indicativo da doença e urgência para realização de cateterismo – Presentes os requisitos do artigo 300 do CPC - Probabilidade do direito e perigo de dano devidamente caracterizados no tocante à realização do exame – Recurso não provido (TJSP, Agravo de Instrumento 3003702-05.2020.8.26.0000, julgado em 06/08/2020). Deste modo, restando suficientemente demonstrada neste juízo inicial a verossimilhança jurídica favorável à pretensão do autor e sendo crível a alegação de responsabilidade do Estado do Rio Grande do Norte em realizar procedimento cirúrgico, o pedido autoral deve, por conseguinte, ser acolhido. Temos ainda, o fato da tutela de urgência ter sido requerida em caráter liminar (artigo 300, § 2º, Código de Processo Civil). Para justificar a concessão de providência cautelar ou de antecipação de tutela antes de ouvida a parte contrária (inaudita altera parte), exige que sua prévia ciência possa comprometer, tornar inócua ou ineficaz a medida pleiteada. O sacrifício do contraditório, nesse momento, justifica-se apenas e tão somente para evitar o sacrifício da própria tutela jurisdicional efetiva, diante de uma premente necessidade advinda de uma situação de urgência, que, no caso dos autos, está demonstrada pelos danos e riscos que podem ser causados à parte autora. Portanto, preenchidos os requisitos legais para concessão da tutela de urgência, e diante da demonstração inequívoca da urgência e da responsabilidade do Estado em assegurar o direito à saúde, impõe-se o deferimento da medida liminar pleiteada. III. DISPOSITIVO ISSO POSTO, com fundamento nos artigos 294 e 300, caput, § 2º, ambos do Código de Processo Civil, DEFIRO A LIMINAR na Tutela Provisória de Urgência de Natureza Antecipada Incidental pleiteada por INALDO HONÓRIO DE CARVALHO em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, da SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE e da CENTRAL METROPOLITANA DE REGULAÇÃO, para determinar aos requeridos que REALIZE IMEDIATAMENTE, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, em favor do(a) paciente do SUS, Inaldo Honório de Carvalho, a transferência e/ou internação do autor em unidade hospitalar pública ou privada conveniada ao SUS apta à realização do procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), conforme prescrição médica constante nos autos, custeando integralmente todas as despesas necessárias ao procedimento, inclusive medicamentos, materiais e internação hospitalar. Fica advertido que o descumprimento imotivado desta decisão poderá ensejar no bloqueio das contas do Estado do Rio Grande do Norte no valor necessário à realização do procedimento ora deferido, a fim de assegurar o cumprimento desta decisão judicial (art. 139, IV, CPC). Em atenção ao princípio do impulso oficial, por oportuno: Em atenção ao princípio do impulso oficial, por oportuno: 1. Recebo a inicial por preencher os requisitos enumerados nos artigos 319 e 320, ambos do Código de Processo Civil. 2. Defiro os benefícios da gratuidade da justiça na extensão do § 1º do artigo 98 do Código de Processo Civil. 3. Deixo de designar, inicialmente, a audiência que alude o artigo 344 do Código de Processo Civil, observando-se a regra contida no § 4°, II, do mesmo dispositivo, sendo evidente a impossibilidade legal da autocomposição por não haver lei estadual que a autorize. 4. Cite-se e intime-se a parte Ré. O prazo para contestação de 30 (trinta) dias. A ausência de contestação implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. 5. A citação e a intimação deverão conter especificamente a transcrição dos §§ 8º e 9º do art. 334 do Código de Processo Civil. 6. Decorrido o prazo para contestação, intime-se a parte autora para que no prazo de 15 (quinze) dias apresente manifestação (oportunidade em que: I – havendo revelia, deverá informar se quer produzir outras provas ou se deseja o julgamento antecipado; II – havendo contestação, deverá se manifestar em réplica, inclusive com contrariedade e apresentação de provas relacionadas a eventuais questões incidentais; III – em sendo formulada reconvenção com a contestação ou no seu prazo, deverá a parte autora apresentar resposta à reconvenção). 6. Por trata-se a ré de Fazenda Pública a presente decisão deverá ser cumprida em observância ao disposto no artigo conforme dispõe o artigo 183, 1º, do Código de Processo Civil. 7. Cite(m)-se. Intime(m)-se. Goianinha/RN, data do sistema. (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06) Mark Clark Santiago Andrade Juiz de Direito 1 Esses provimentos extraordinários de tutela de urgência têm duas medidas: cautelates (conservativas) e antecipatórias (satisfativas), todas voltadas para combater o perigo de dano, que possa advir tempo necessário para cumprimento de todas as etapas do devido processo legal. 2Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. I. Ob. Cit., p. 623. 3O Fórum Permanente de Processualistas Civis, através do Enunciado 143, entendeu que os requisitos do artigo 300, caput, são comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada: "A redação do artigo 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada". 4Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Processo Civil. v. I. Ob. Cit., p. 661. 5Apud, Theodoro, idem Ob. Cit., p. 623. 6LIEBAMN, Enrico Tullio. Apud, Theodoro, idem Ob. Cit., p. 624. 7Theodoro, idem Ob. Cit., p. 624/625.
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Processo nº 0801103-81.2025.8.20.5116
ID: 319954352
Tribunal: TJRN
Órgão: 1ª Vara da Comarca de Goianinha
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0801103-81.2025.8.20.5116
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara da Comarca de Goianinha Rua Vigário Antônio Montenegro, 353, Centro, GOIANINHA - RN - CEP: 59173-000 Processo: 0801103-81.2025.8.20.5116 AUTO…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara da Comarca de Goianinha Rua Vigário Antônio Montenegro, 353, Centro, GOIANINHA - RN - CEP: 59173-000 Processo: 0801103-81.2025.8.20.5116 AUTOR: INALDO HONORIO DE CARVALHO REU: SECRETARIA DE SAÚDE - RN, SETOR DE REGULAÇÃO - SESAP/RN, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE DECISÃO I. RELATÓRIO Trata-se de tutela provisória de urgência1 de natureza antecipada incidental, com pedido liminar (Código de Processo Civil, artigos 294, c/c 300, § 2º), ajuizada por INALDO HONORIO DE CARVALHO em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, da SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE e da CENTRAL METROPOLITANA DE REGULAÇÃO, todos devidamente qualificados nos autos. Alegou, em síntese, que: 1. O autor, atualmente com 57 (cinquenta e sete) anos de idade, encontra-se internado em unidade hospitalar de média complexidade desde 24/03/2025, como paciente do Sistema Único de Saúde – SUS. 2. Foi diagnosticado com insuficiência cardíaca descompensada, decorrente de insuficiência mitral importante secundária à febre reumática, necessitando, com urgência, de procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), conforme laudos médicos e solicitação de transferência hospitalar acostados aos autos. 3. Apesar das reiteradas tentativas de regulação junto à Central Estadual, até o momento não houve sucesso na remoção do paciente para unidade hospitalar apta à realização da cirurgia, o que, segundo o autor, o expõe a risco iminente de agravamento da enfermidade e até mesmo de óbito. 4. Sustentou ser pessoa hipossuficiente, desprovida de recursos para custear o tratamento na rede privada, razão pela qual recorreu ao Poder Judiciário a fim de assegurar o direito à saúde e à vida. 5. Requereu, liminarmente, que os demandados sejam compelidos a providenciar, com urgência, a transferência e a internação do autor em unidade hospitalar com especialidade em cirurgia cardíaca, seja na rede pública ou privada conveniada ao SUS. No mérito, pugnou pela confirmação da tutela e condenação dos réus à obrigação de fazer. Colacionou documentos aos autos (id nº 1153846120 e seguintes). Decisão determinando a realização de consulta ao e-NatJus, no intuito de obter a informação acerca da adequação e urgência do tratamento pleiteado para o quadro clínico do autor (id n° 154137801). Foi apresentada aos autos Nota Técnica emitida pelo e-NatJus (id nº 156695109), elaborada com base nos documentos médicos acostados, em especial laudos que atestam o diagnóstico de insuficiência mitral importante secundária a febre reumática, com quadro de insuficiência cardíaca descompensada. Consta que o autor se encontra internado desde 24/03/2025, e que há solicitação médica de transferência para hospital terciário dotado de serviço especializado em cirurgia cardíaca. A análise técnica confirmou a compatibilidade entre o diagnóstico clínico e o procedimento solicitado, reconhecendo que o tratamento pleiteado — cirurgia cardíaca — é apropriado para a condição apresentada. Destacou-se que o procedimento se encontra incluído na Tabela SUS (SIGTAP), sendo, portanto, previsto e custeado pelo sistema público de saúde. A equipe técnica concluiu pela existência de urgência médica, nos termos da definição do Conselho Federal de Medicina, reconhecendo risco potencial à vida do paciente em razão do agravamento da patologia cardíaca. Por fim, a nota concluiu haver elementos técnicos suficientes para justificar a transferência imediata do paciente para unidade hospitalar com especialidade em cirurgia cardíaca, seja da rede pública ou conveniada ao SUS, diante da gravidade do caso (id nº 156695109). É o relatório. Fundamento. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Os requisitos para a concessão da providência de urgência, seja ela de natureza cautelar ou satisfativa, são três: a) requerimento da parte, já que impossível é a concessão do provimento antecipatório de ofício; b) um dano potencial, um risco que ocorre o processo de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável; e c) probabilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja o fumus boni iuris2 (Código de Processo Civil, artigo 300)3. No caso dos autos, a parte autora pretende a tutela de urgência de natureza antecipada (Código de Processo Civil, artigo 294, parágrafo único), requerida em caráter incidental e liminar (Código de Processo Civil, artigo 300, § 2º). Trata-se, pois, de tutela satisfativa, que serve para evitar ou fazer cessar o perigo de dano, conferindo, provisoriamente, ao autor, a garantia imediata das vantagens de direito material para as quais se busca a tutela definitiva, cujo objetivo, pois, confunde-se, no todo ou em parte, com a finalidade do pedido principal4. Passamos à análise dos requisitos: requerimento da parte interessada, dano potencial (periculum in mora) e probabilidade do direito substancial (fumus boni iuris). O primeiro requisito a ser observado, é o requerimento da parte, já que impossível é a concessão do provimento antecipatório de ofício. Verifica-se sua presença pela simples leitura da exordial (id n° 153846119). A parte interessada deve demonstrar, ainda, através de alegações e provas em sumário cognitivo, que seu direito é plausível (provável). Não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, até porque esse somente é possível ao final, com o mérito da lide; contudo, para merecer a tutela – direito de risco – há de revelar-se como o interesse que justifica o direito ao processo de mérito. URGO ROCCO5 revela como um "interesse amparado pelo direito objetivo, na forma de um direito subjetivo, do qual o suplicante se considera titular, apresentando os elementos que prima facie possam formar no juiz uma opinião de credibilidade mediante um conhecimento sumário e superficial". Lado outro, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela6. O perigo de dano refere-se, pois, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido, que surge de danos concretos, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave7. Analisando os autos, verifica-se tratar de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por Inaldo Honorio de Carvalho em face do Estado do Rio Grande do Norte, da Secretaria Estadual de Saúde e da Central Metropolitana de Regulação, visando compelir os réus a custear e viabilizar, de forma imediata, a realização de procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), necessário para o tratamento de quadro clínico decorrente de insuficiência mitral importante, com insuficiência cardíaca descompensada, secundária a febre reumática. O autor, atualmente internado desde 24/03/2025 em unidade hospitalar de média complexidade, encontra-se em situação de urgência médica, conforme laudos e nota técnica juntados aos autos (id nº 156695109), não havendo até o momento previsão para realização da cirurgia, mesmo após sucessivas tentativas de regulação via sistema público, o que representa risco concreto à sua vida e integridade física, diante da omissão administrativa do ente público na prestação do serviço essencial de saúde. A probabilidade do direito substancial invocado está devidamente evidenciada pela documentação acostada aos autos, especialmente pelos laudos médicos apresentados e pela Nota Técnica emitida pelo e-NatJus (id nº 156695109). Os documentos atestam que o autor se encontra internado em unidade hospitalar de média complexidade desde 24/03/2025, acometido por insuficiência cardíaca descompensada, decorrente de insuficiência mitral importante, sendo imprescindível a realização de cirurgia cardíaca (valvoplastia) com urgência. Embora a solicitação de regulação tenha sido realizada, não há previsão para a realização do procedimento cirúrgico, revelando flagrante incompatibilidade entre a gravidade da condição clínica e a demora na efetivação da medida. Tal contexto, aliado à ausência de resposta eficaz do Estado do Rio Grande do Norte, configura inércia administrativa e demonstra violação ao dever constitucional de assegurar o direito à saúde e à vida, conforme dispõe o artigo 196 da Constituição Federal. O direito constitutivo da parte autora também resta amparado pelas provas produzidas em juízo sumário (id n° 153846120 e seguintes). O perigo de dano resta igualmente caracterizado, pois a não realização do procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), em tempo hábil, pode acarretar agravamento da insuficiência cardíaca descompensada, com risco de complicações graves, sequelas irreversíveis e, no limite, óbito do autor, conforme reconhecido pela Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109). Tal situação evidencia a urgência médica efetiva e reforça a necessidade da intervenção judicial imediata, justificando plenamente a concessão da tutela antecipada para garantir o acesso ao tratamento indicado. Ademais, a documentação colacionada aos autos, especialmente a Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109), demonstra que o procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia) solicitado ao autor encontra-se previsto na Tabela do Sistema Único de Saúde (SIGTAP), sendo, portanto, ofertado e custeado pelo SUS, o que reforça o dever do ente público em garantir sua efetivação de forma tempestiva. Desta feita, diante da prevalência do direito à saúde e à vida, devem ser superados os argumentos que defendem a proibição de concessão de liminar que antecipe total ou parcialmente os efeitos da sentença contra a Fazenda Pública. A presente lide trata da responsabilidade da realização de procedimento cirúrgico, matéria que se encontra delineada na Constituição Federal, em seu art. 198, § 1º, in verbis: "O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes". Com efeito, a prestação de serviços e a prática de ações que visem resguardar a saúde dos cidadãos constituem obrigações solidárias da União, Estados e Municípios, razão pela qual é possível se exigir de qualquer um dos entes, ora elencados, isoladamente. Quanto à verossimilhança da pretensão, convém asseverar que a saúde é um direito público subjetivo indisponível, assegurado a todos e consagrado no art. 196 da Constituição Federal. Ademais, não fossem suficientes tais comandos legais, a Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde) que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, determina em seu art. 2º, o dever do Estado em dar condições para o exercício do direito à saúde, nos seguintes termos: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Pois bem, conforme se depreende dos autos, o requerente apresenta quadro clínico grave de insuficiência cardíaca descompensada, decorrente de insuficiência mitral importante secundária à febre reumática, encontrando-se internado desde 24/03/2025 em unidade hospitalar de média complexidade. Necessita, com urgência, submeter-se a procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), devidamente indicado por profissional médico como medida imprescindível à preservação de sua saúde e à prevenção de agravamentos irreversíveis ou risco de morte, conforme evidenciado nos laudos médicos e na Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109). Diante desse contexto, em sede de cognição sumária, evidencia-se a obrigação do Estado do Rio Grande do Norte em assegurar o tratamento necessário, considerando a afronta direta a direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, notadamente os direitos à vida e à saúde, os quais devem ser efetivados por qualquer dos entes federativos, em regime de responsabilidade solidária. Sobre o tema, são precedentes do Supremo Tribunal Federal: DIREITO CONSTITUCIONAL. SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE ESTRABISMO. CIRURGIA CORRETIVA. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARA ÇÃO DE PODERES NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 13.02.2014. A jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que a saúde é direito de todos. É dever do estado prestar assistência à saúde, conforme o art. 196 da Constituição Federal, podendo o requerente pleitear de qualquer um dos entes federativos. União, estados, Distrito Federal ou municípios. Precedentes. O exame da legalidade dos atos administrativos pelo poder judiciário não ofende o princípio da separação dos poderes. Controvérsia divergente daquela em que reconhecida a repercussão geral pelo plenário desta casa. Re 566.471 - Rg/rn. Inadequada a aplicação da sistemática da repercussão geral (art. 543 - B do cpc). Agravo regimental conhecido e não provido. (STF; RE-AgR 858.044; AL; Primeira Turma; Relª Min. Rosa Weber; Julg. 24/02/2015; DJE 10/03/2015; Pág. 47). AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO. CIRURGIA. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O recurso extraordinário, ao alegar que o acórdão recorrido ofende o preceito do art. 198, versa questão constitucional não ventilada na decisão recorrida e que não foi objeto de embargos de declaração, faltando-lhe, pois, o indispensável prequestionamento (Súmulas nºs 282 e 356). O acórdão impugnado, ao garantir o acesso da agravada, pessoa de insuficientes recursos financeiros, a tratamento médico condigno ao quadro clínico apresentado, resguardando-lhe o direito à saúde, decidiu em consonância com a jurisprudência desta corte sobre o tema. Precedentes. Consolidou-se a jurisprudência desta corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da união, do estado e do município providenciá- lo. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (STF; AI-AgR 550.530; PR; Segunda Turma; Rel. Min. Joaquim Barbosa; Julg. 26/06/2012; DJE 16/08/2012; Pág. 41). De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça, analisando casos semelhantes, assim se posicionou (grafitamos): CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MP E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE PÚBLICO ESTADUAL. REJEIÇÃO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. DESCABIDA. CIRURGIA E EXAME. NECESSIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. ARTIGO 196 DA CRF. APLICAÇÃO DA TABELA DO SUS PARA PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de direitos de pessoa individualmente considerada (art. 127, CRF/88). Sendo o Sistema Único de Saúde composto pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é de se reconhecer, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer um deles para responder pelo cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. Em vista de a responsabilidade, nos casos referentes ao direito à saúde, ser solidária entre os entes federados, descabida a denunciação à lide pretendida. O direito à vida e à saúde deve ser resguardado pelos entes públicos, mediante o custeio de consultas, realização de exames, medicamentos e cirurgias indispensáveis ao cidadão (CRF, art. 196). O particular, obrigado a prestar serviços necessários ao restabelecimento da saúde do cidadão, não deve suportar os prejuízos de ser ressarcido, conforme a tabela de preços adotada pelo SUS. (TJMT; APL 5873/2018; Juína; Rel. Des. Márcio Vidal; Julg. 15/10/2018; DJMT 23/10/2018; Pág. 132). Por fim destaco que os nossos Tribunais de Justiça também têm decidido nesse sentido, conforme recente julgado abaixo (grifamos): AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LIMINAR. PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE FÓRMULA ALIMENTAR. RELATÓRIO SUBSCRITO POR MÉDICO VINCULADO AO SUS. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. EXCLUSÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DESCABIMENTO. REFORMA PARCIAL DO DECISUM. 1. Compete privativamente à Justiça da Infância e da Juventude conhecer e processar as causas que envolvam o acesso de crianças e adolescentes às ações e serviços da saúde, em observância ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente e conforme o art. 1º da Resolução nº 829, de 29 de junho de 2016, editada pelo eg. Órgão Especial deste Tribunal. 2. Por se tratar de ação civil pública em que se colima a execução de obrigação de fazer, o pedido de provimento de urgência deve ser apreciado com base no art. 12 da Lei nº 7.347/85, cujos requisitos são meramente o fumus boni iuris e o periculum in mora. 3. Mantém-se, no caso concreto, o provimento de urgência para o fornecimento de suplemento alimentar destinado à manutenção do estado nutricional do menor substituído, se há nos autos prescrições médicas firmadas por profissional vinculado ao SUS as quais se consubstanciam em início de prova dos fatos alegados, ademais de insubsistente a tese do Município de que não teria responsabilidade pelo tratamento. 4. À luz do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do RE 855.178-RG/PE, é de se reconhecer o caráter solidário da responsabilidade dos entes federados pela prestação dos serviços de saúde, donde descabida a exclusão prematura do Estado de Minas Gerais da lide. (TJMG; AI 1.0701.17.027032-9/001; Rel. Des. Edgard Penna Amorim; Julg. 16/10/2018; DJEMG 22/10/2018). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO QUE DEFERE A EXTENSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA PARA A REALIZAÇÃO DO EXAME DE POLISSONOGRAFIA NOTURNA COM TITULAÇÂO CPAP, NO PRAZO DE 10 (DEZ) DIAS, SOB PENA DE BLOQUEIO DE VALORES PARA O CUSTEIO DO EXAME NA REDE PRIVADA. Agravante que requer a reforma do decisum. Ausência de nulidade da decisão, por suposta falta de fundamentação. Tutela de urgência já deferida no processo, no sentido de determinar aos réus o fornecimento dos medicamentos descritos na inicial, necessários ao tratamento da doença da autora. Decisão agravada que se trata de extensão da tutela deferida, devidamente fundamentada no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde assegurado pela CRFB/88. Laudo que atesta a urgência na realização do exame, para minimizar a possibilidade de eventos cardiovasculares que colocam a vida da paciente em risco. Autora que apresenta síndrome de apneia hipopneia do sono. Decisão de bloqueio das contas dos réus que se mostra como medida eficaz, em caso de descumprimento da obrigação, considerando a urgência na realização do exame e no fornecimento dos medicamentos prescritos à autora. Súmula nº 178 do TJRJ. Precedentes desta Corte. Responsabilidade solidária existente entre o ESTADO DO Rio de Janeiro e o Município de Nova Friburgo. Art. 196 e 198 da CRFB. Súmula nº 65 do TJRJ. Ausência de afronta ao princípio constitucional da independência e da harmonia dos poderes, tratando-se de preservação da vida da autora, mediante medida que tem previsão constitucional (proteção à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana). Custeio de exame na rede privada que somente ocorrerá em caso de descumprimento da tutela, pelos réus. Havendo vaga para realização do exame na rede pública, pelo SUS, não há que se falar em custeio na rede privada. Decisão que não se mostra teratológica, contrária à prova dos autos ou à Lei. Súmula nº 59 do TJRJ. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJRJ; AI 0050263-07.2018.8.19.0000; Nova Friburgo; Segunda Câmara Cível; Relª Desig. Desª Maria Celeste Pinto de Castro Jatahy; DORJ 18/10/2018; Pág. 206). RECURSO DE APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PROCEDIMENTO CIRURGICO. CRIANÇA. AÇÃO AJUIZADA INICIALMENTE TAMBÉM EM DESFAVOR DO ESTADO DE MATO GROSSO. EXCLUSÃO DO POLO PASSIVO EM FACE DA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. OBRIGAÇÃO CUMPRIDA EXCLUSIVAMENTE PELO MUNICIPIO. NENHUMA IRRESIGNAÇÃO A ESTE RESPEITO. PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA SENTENÇA PROFERIA SOB A ÉGIDE DO CPC/73 E ANTES DA EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 80/2014. SÚMULA Nº 421/STJ. OBEDIÊNCIA AOS ARTIDOS 3º E 4º DO CPC/73. APELO PROVIDO. 1. A saúde é direito de todos e dever do estado, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, que deve garantir aos cidadãos o fornecimento de todos os meios indispensáveis para manutenção e restabelecimento da saúde. 2. A Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho de 2014, conferiu iguais prerrogativas do ministério público, autonomia funcional, administrativa e financeira (orçamentária), à defensoria pública não sendo mais possível a condenação de município ao pagamento de honorários advocatícios em seu favor. 3. A sentença recorrida foi proferida antes da edição da Emenda Constitucional nº 80/2014, incidindo o entendimento contido na Súmula nº 421/STJ, que permitia a fixação de honorários à defensoria pública quando a sua atuação se dava contra pessoa jurídica diversa da qual pertença, como no caso, o município de barra do bugres. 4. Apelo provido. (TJMT; APL 78129/2017; Barra do Bugres; Relª Desª Maria Erotides Kneip Baranjak; Julg. 18/12/2017; DJMT 05/02/2018; Pág. 68). Além disso, a Nota Técnica nº 360506 do e-NatJus (id nº 156695109), elaborada no caso em apreço, consignou que o procedimento cirúrgico cardíaco solicitado é necessário e compatível com a condição clínica apresentada, devendo ser realizado com urgência, em vista do risco potencial à vida do paciente, o que reforça a premência da medida e a necessidade de evitar a perda da janela terapêutica adequada. Deste modo, tratando-se de procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), de natureza invasiva e classificado como urgente, é plenamente aplicável o entendimento de que a atuação do Poder Judiciário para determinar sua realização, sem a observância da lista de espera, é legítima quando demonstrada a urgência do caso e/ou a omissão do ente público. No presente feito, tal urgência restou devidamente comprovada pela Nota Técnica do e-NatJus (id nº 156695109), que reconhece o risco potencial de vida em razão do agravamento da insuficiência cardíaca descompensada. Além disso, a ausência de previsão concreta para a realização do procedimento, mesmo após sucessivas tentativas de regulação, evidencia omissão estatal inaceitável. Nos termos dos Enunciados nº 92 e 93 da Jornada de Direito à Saúde do CNJ, é desarrazoada a manutenção do paciente em lista de espera quando há risco iminente à vida e comprovação médica da urgência do tratamento pleiteado. Em casos análogos, os Tribunais vem decidindo nesse mesmo sentido, vejamos: EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA - SAÚDE - TRANSFERÊNCIA HOSPITALAR - CATETERISMO - NECESSIDADE ESPECÍFICA DO TRATAMENTO MÉDICO PRESCRITO – DEMONSTRAÇÃO 1. O direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas às pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. 2. Restando demonstrada a imprescindibilidade do tratamento indicado ao paciente para seu quadro clínico (infarto agudo do miocárdio), bem como a urgência e a necessidade de sua transferência para hospital com estrutura para a realização de cateterismo, deve ser mantida a sentença que, confirmando a antecipação de tutela, impôs a sua realização pelo Município de Uberlândia. 3. Sentença confirmada, em reexame necessário (TJMG, Remessa Necessária-Cv 1.0702.15.064568-8/001, julgado em 30/11/2017). AGRAVO DE INSTRUMENTO – REALIZAÇÃO DE EXAMES - Tutela de urgência deferida em primeiro grau – Decisório que merece subsistir – Atestado médico indicativo da doença e urgência para realização de cateterismo – Presentes os requisitos do artigo 300 do CPC - Probabilidade do direito e perigo de dano devidamente caracterizados no tocante à realização do exame – Recurso não provido (TJSP, Agravo de Instrumento 3003702-05.2020.8.26.0000, julgado em 06/08/2020). Deste modo, restando suficientemente demonstrada neste juízo inicial a verossimilhança jurídica favorável à pretensão do autor e sendo crível a alegação de responsabilidade do Estado do Rio Grande do Norte em realizar procedimento cirúrgico, o pedido autoral deve, por conseguinte, ser acolhido. Temos ainda, o fato da tutela de urgência ter sido requerida em caráter liminar (artigo 300, § 2º, Código de Processo Civil). Para justificar a concessão de providência cautelar ou de antecipação de tutela antes de ouvida a parte contrária (inaudita altera parte), exige que sua prévia ciência possa comprometer, tornar inócua ou ineficaz a medida pleiteada. O sacrifício do contraditório, nesse momento, justifica-se apenas e tão somente para evitar o sacrifício da própria tutela jurisdicional efetiva, diante de uma premente necessidade advinda de uma situação de urgência, que, no caso dos autos, está demonstrada pelos danos e riscos que podem ser causados à parte autora. Portanto, preenchidos os requisitos legais para concessão da tutela de urgência, e diante da demonstração inequívoca da urgência e da responsabilidade do Estado em assegurar o direito à saúde, impõe-se o deferimento da medida liminar pleiteada. III. DISPOSITIVO ISSO POSTO, com fundamento nos artigos 294 e 300, caput, § 2º, ambos do Código de Processo Civil, DEFIRO A LIMINAR na Tutela Provisória de Urgência de Natureza Antecipada Incidental pleiteada por INALDO HONÓRIO DE CARVALHO em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, da SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE e da CENTRAL METROPOLITANA DE REGULAÇÃO, para determinar aos requeridos que REALIZE IMEDIATAMENTE, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, em favor do(a) paciente do SUS, Inaldo Honório de Carvalho, a transferência e/ou internação do autor em unidade hospitalar pública ou privada conveniada ao SUS apta à realização do procedimento cirúrgico cardíaco (valvoplastia), conforme prescrição médica constante nos autos, custeando integralmente todas as despesas necessárias ao procedimento, inclusive medicamentos, materiais e internação hospitalar. Fica advertido que o descumprimento imotivado desta decisão poderá ensejar no bloqueio das contas do Estado do Rio Grande do Norte no valor necessário à realização do procedimento ora deferido, a fim de assegurar o cumprimento desta decisão judicial (art. 139, IV, CPC). Em atenção ao princípio do impulso oficial, por oportuno: Em atenção ao princípio do impulso oficial, por oportuno: 1. Recebo a inicial por preencher os requisitos enumerados nos artigos 319 e 320, ambos do Código de Processo Civil. 2. Defiro os benefícios da gratuidade da justiça na extensão do § 1º do artigo 98 do Código de Processo Civil. 3. Deixo de designar, inicialmente, a audiência que alude o artigo 344 do Código de Processo Civil, observando-se a regra contida no § 4°, II, do mesmo dispositivo, sendo evidente a impossibilidade legal da autocomposição por não haver lei estadual que a autorize. 4. Cite-se e intime-se a parte Ré. O prazo para contestação de 30 (trinta) dias. A ausência de contestação implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. 5. A citação e a intimação deverão conter especificamente a transcrição dos §§ 8º e 9º do art. 334 do Código de Processo Civil. 6. Decorrido o prazo para contestação, intime-se a parte autora para que no prazo de 15 (quinze) dias apresente manifestação (oportunidade em que: I – havendo revelia, deverá informar se quer produzir outras provas ou se deseja o julgamento antecipado; II – havendo contestação, deverá se manifestar em réplica, inclusive com contrariedade e apresentação de provas relacionadas a eventuais questões incidentais; III – em sendo formulada reconvenção com a contestação ou no seu prazo, deverá a parte autora apresentar resposta à reconvenção). 6. Por trata-se a ré de Fazenda Pública a presente decisão deverá ser cumprida em observância ao disposto no artigo conforme dispõe o artigo 183, 1º, do Código de Processo Civil. 7. Cite(m)-se. Intime(m)-se. Goianinha/RN, data do sistema. (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06) Mark Clark Santiago Andrade Juiz de Direito 1 Esses provimentos extraordinários de tutela de urgência têm duas medidas: cautelates (conservativas) e antecipatórias (satisfativas), todas voltadas para combater o perigo de dano, que possa advir tempo necessário para cumprimento de todas as etapas do devido processo legal. 2Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. I. Ob. Cit., p. 623. 3O Fórum Permanente de Processualistas Civis, através do Enunciado 143, entendeu que os requisitos do artigo 300, caput, são comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada: "A redação do artigo 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada". 4Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Processo Civil. v. I. Ob. Cit., p. 661. 5Apud, Theodoro, idem Ob. Cit., p. 623. 6LIEBAMN, Enrico Tullio. Apud, Theodoro, idem Ob. Cit., p. 624. 7Theodoro, idem Ob. Cit., p. 624/625.
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Processo nº 0855463-20.2025.8.20.5001
ID: 326644475
Tribunal: TJRN
Órgão: 13ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0855463-20.2025.8.20.5001
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIA CLARA DAMIAO DE NEGREIROS
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 13ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Candelária, NATAL - RN - CEP: 59064-250 Processo: 0855463-20.2025.8.20.5001 Parte aut…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 13ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Candelária, NATAL - RN - CEP: 59064-250 Processo: 0855463-20.2025.8.20.5001 Parte autora: BRAULIO SPINDOLA RODRIGUES Parte ré: CAIXA BENEF DOS FUNC DO BCO DO EST DE SAO PAULO CABESP D E C I S Ã O BRAULIO SPINDOLA RODRIGUES, qualificado, via advogado, ajuizou em 10/07/2025 a presente ‘AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA’ em desfavor de CAIXA BENEF DOS FUNC DO BCO DO EST DE SAO PAULO CABESP, igualmente qualificada, aduzindo em favor de sua pretensão: a) É idoso, contando com 88(oitenta e oito) anos de idade e usuário do plano de saúde réu, atualmente apresentando um quadro clínico gravíssimo e altamente debilitante, conforme narrado na inicial; b) Encontra-se, desde o dia 29 de maio de 2025, internado no Hospital do Coração, em virtude de uma infecção urinária, sendo submetido a antibioticoterapia intravenosa, porém mesmo sob cuidados hospitalares, seu quadro clínico evoluiu de forma adversa para uma broncopneumonia aspirativa, necessitando o uso de sonda nasoenteral, posteriormente substituída por gastrostomia, diante de grave dificuldade de deglutição; c) Ainda que tenha havido discreta estabilização clínica, as médicas responsáveis foram uníssonas em recomendar a transferência imediata do paciente para o regime de internação domiciliar (home care), sobretudo para afastá-lo do ambiente hospitalar e evitar contrair uma infecção; d) O réu negou a cobertura integral da internação domiciliar, mesmo diante da clara e reiterada indicação médica, ressaltando que o demandante encontra-se com alta médica desde o dia 4 de julho de 2025, restando pendente, para efetivação de sua transferência, apenas o fornecimento do suporte de internação domiciliar (home care); e) A família do Sr. Braulio foi surpreendida por um contato telefônico da operadora CABESP, que, sem qualquer razoabilidade, ameaçou diretamente a família com a cobrança das diárias hospitalares, caso o paciente não fosse removido no prazo de 48 horas, sem sequer fornecer os meios adequados para tal remoção; Com esteio em tais fatos, postulou: a concessão da tutela de urgência para compelir a ré que autorize, custeie e forneça, desde já, o home care, na forme indicada pelos médicos assistentes do paciente, bem assim a possibilidade de alteração dos itens, conforme a necessidade e reavaliação da paciente por seus médicos assistentes, incluindo todos os procedimentos e insumos necessários até a alta médica. Juntou documentos (Id 157162867). Declarou o desinteresse quanto a realização de audiência de conciliação. Decisão inicial ao Id 157181949, determinando a realização de emendas. Petição no Id 157294149, realizando a emenda, com documentos novos. É o relatório. Passo a decidir. Nos termos do que dispõe o art. 300 do CPC, para a concessão da tutela de urgência, além do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, deve a parte autora demonstrar a probabilidade do direito alegado, sendo possível a sua concessão em caráter liminar (inaudita altera parte). Demais disso, deve-se atentar, também, para a reversibilidade da medida. Feitas estas considerações, passo à análise da tutela provisória buscada nos autos. Inicialmente, cumpre ressaltar o que dispõe o enunciado 608 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, sendo aplicáveis as disposições do CDC (lei n.° 8078/90). Exceto para os planos de saúde de autogestão, como é o caso dos autos, pois trata-se de plano administrado por entidade de autogestão. Vale destacar, assim, que a demanda deve ser observada à luz das regras do Código Civil, dentre as quais estabelece no seu artigo 113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme o princípio da boa-fé objetiva, o qual estabelece um padrão ético para a conduta das partes nas relações obrigacionais. Não obstante isso, aplico todo o arcabouço contido na lei n.° 9656/98 e dos atos normativos da ANS sobre a matéria, sem prejuízo dos entendimentos jurisprudenciais sobre o tema de autorização de cirurgias e materiais (OPME). Importa mencionar, de início, que existe uma nítida diferença entre internação domiciliar (home care) e atendimento domiciliar simples para outras finalidades (programa de atenção domiciliar/ programa de atendimento domiciliar / programa de assistência domiciliar). Atualmente é disciplinada pelo Parecer Técnico nº 05/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021, publicado em 01 de abril de 2021, editado conjuntamente pela Gerência de Assistência à Saúde – GEAS; Gerência-Geral de Regulação Assistencial – GGRAS; Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO e Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, cujo teor transcrevo integralmente: "O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, atualmente regulamentado pela RN n.º 465/2021, vigente a partir de 01/04/2021, estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e naqueles adaptados, conforme previsto no artigo 35 da Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998, respeitando-se, em todos os casos, as segmentações assistenciais contratadas. Para fins deste Parecer, o termo Home Care refere-se aos Serviços de Atenção Domiciliar, nas modalidades de Assistência e Internação Domiciliar, regulamentados pela Resolução RDC nº 11, de 26 de janeiro de 2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA, que regulamenta a modalidade de atendimento em tela para todos os Serviços de Atenção Domiciliar – SAD que atuem em território nacional, sejam públicos ou privados, incluindo os SAD que prestam atendimento aos beneficiários de planos de saúde. A referida RDC estabelece, entre outras, as seguintes definições, que interessam à nossa avaliação sobre cobertura na saúde suplementar: - Atenção domiciliar: termo genérico que envolve ações de promoção à saúde, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas em domicílio. - Serviço de Atenção Domiciliar - SAD: instituição pública ou privada responsável pelo gerenciamento e operacionalização de assistência e/ou internação domiciliar. - Assistência domiciliar: conjunto de atividades de caráter ambulatorial, programadas e continuadas desenvolvidas em domicílio. - Internação Domiciliar: conjunto de atividades prestadas no domicílio, caracterizadas pela atenção em tempo integral ao paciente com quadro clínico mais complexo e com necessidade de tecnologia especializada. Cumpre assinalar que a Lei n.º 9.656/1998 não inclui a Atenção Domiciliar entre as coberturas obrigatórias.” No mesmo sentido, a RN n.º 465/20121 também não prevê cobertura obrigatória para procedimentos executados em domicílio. Compulsando detidamente os autos, encontro os subsídios necessários ao deferimento parcial da medida liminar pretendida. Isso porque, de acordo com a documentação acostada, vislumbra-se que o estado de saúde da parte autora, o qual destaco com base nos documentos médicos e tabelas ABEMID e NEAD juntada aos autos, cuida-se de um paciente apto para o serviço home care na modalidade parcial de média complexidade, vejamos: O laudo do médico assistente mais recente e juntados aos autos, corrobora a informação: “Necessidade de Home Care: O quadro clínico do paciente, que exige cuidados especializados e contínuos, torna imprescindível a implementação de um serviço de home care. O paciente é dependente para as atividades básicas da vida diária, necessitando de assistência regular para manutenção de sua saúde, conforto e segurança. A seguir, é solicitado o atendimento domiciliar com as seguintes especificações: “Técnico de enfermagem: 12 horas diárias; Fisioterapia respiratória e motora: 3 vezes por semana; Fonoaudiologia: 2 vezes por semana; Visita de enfermagem: 1 vez por semana; Visita médica: 1 vez por semana; Visita nutricional: 1 vez por mês” (Laudo médico no Id 157162872 - Pág. 2) Dessarte, se faz necessário receber tratamento domiciliar na modalidade de assistência domiciliar em regime parcial para evitar uma possível infecção hospitalar e diante da situação de difícil mobilidade e dependência do autor para as tarefas mais básicas do cotidiano. Com efeito, verifico que o referido laudo supramencionado descreve minuciosamente quais os serviços e profissionais necessários para o atendimento adequado à parte autora. Chamo atenção para o fato de que, o laudo médico mais recente foi claro ao apontar que do ponto de vista clínico e com base nas tabelas e escalas realizadas, que são utilizadas em conjunto pelo caráter complementar entre si, na data de hoje, o paciente supracitado, após a alta hospitalar, necessita de ‘Atenção Domiciliar de média complexidade’. Noutra ótica, de acordo com o documento anexo no Id 157294174, a própria parte autora juntou documento indicando que o plano de saúde réu autorizou, no presente momento o seguinte: “Visita médica por 02 (dois) meses; Visita de Enfermeiro mensal; Fisioterapia 3x por semana por 30 dias; Avaliação de fonoterapia; Procedimento de Enfermagem 1x dia por 3 dias para treino de cuidador no manuseio da SNE e aspiração; Aspirador Elétrico + Insumos para aspiração Medicare 2x dia por 6 dias.” A negativa da ré não se sustenta pois, como sabido, os contratos de planos de saúde, além de serem classificados como contratos de consumo, são também contratos de adesão. Por conseguinte, a interpretação de suas cláusulas contratuais segue as regras especiais de interpretação dos contratos de adesão ou dos negócios jurídicos estandardizados. Nesse rumo, diante da existência de dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas cláusulas do modo mais favorável ao aderente. Com base nas normas de proteção ao consumidor, o Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que é “abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar, visto que, da natureza do negócio firmado (arts. 423 e 424 do CC), há situações em que tal procedimento é altamente necessário para a recuperação do paciente sem comprometer o equilíbrio financeiro do plano considerado coletivamente” (STJ, AgInt no AREsp 1185766/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 18/06/2018). No entender da Corte Cidadã, o serviço de tratamento domiciliar constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto, que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde (STJ, REsp 1662103/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 13/12/2018). Por sua vez, a Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde nº 338, de 21 de outubro de 2013, prevê em seu artigo 13, a obrigatoriedade de fornecimento de internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, independentemente de previsão contratual, sempre que esse serviço for oferecido pela prestadora. Diante deste cenário, o Eg. TJ/RN editou a Súmula 29, que orienta no sentido de que “o serviço de tratamento domiciliar (home care) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde”. Portanto, diante do quadro clínico da demandante, há de se ponderar que, caso não seja disponibilizado o serviço de internação domiciliar, conforme prescrito por seu médico assistente, a saúde desta será afetada, em razão da comprovada necessidade de acompanhamento por profissionais da área de saúde nos termos em que alhures especificado, ainda que em regime parcial. Para tanto, entendo que o deferimento deve ser parcial, relativo aos instrumentos, insumos e fármacos que seriam utilizados em ambiente hospitalar, não sendo cabível, obrigar o plano de saúde réu a fornecer os remédios domiciliares que a autora já toma, tais como dipirona, bem como fraldas geriátricas, cadeira de rodas, cadeira de banho, por se tratar de material de higiene pessoal, sob pena de ferir o equilíbrio contratual. Nem mesmo a cama hospitalar motorizada, por fugir completamente do objeto contratual firmado entre as partes. Da mesma forma, o serviço de home care não se confunde com aquele prestado por cuidador, uma vez que esse não está expressamente previsto entre os principais serviços que devem ser fornecidos no regime de atenção domiciliar. Posto isto, o serviço de cuidador que deve ficar a cargo da família. Esse tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Eg. TJ/RN e de outros tribunais de justiça do país: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO – HOME CARE. PLANO DE SAÚDE . Pretensão da autora de obter a condenação da ré no fornecimento dos serviços de home care. Sentença de procedência anulada para determinar a realização de perícia médica. Retorno dos autos com realização da prova técnica. Laudo pericial elaborado por expert de confiança do Juízo que expressamente afastou a necessidade de que a autora seja submetida ao tratamento via "home care", consignando a necessidade de assistência por cuidador e equipe multiprofissional em sua residência, o que, porém, não se confunde com o "home care" . Impossibilidade de se exigir que a ré custeie serviços prestados por cuidador, já que a cobertura dos planos de saúde é voltada para os atos de especialidade médica ou enfermagem. Arguição de nulidade da sentença por falta de complementação do laudo. Preliminar não acolhida. Sentença de improcedência mantida . Recurso não provido. (TJ-SP - AC: 10094527120198260577 SP 1009452-71.2019.8 .26.0577, Relator.: Schmitt Corrêa, Data de Julgamento: 28/07/2022, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/07/2022) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRETENSÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TUTELA DE URGÊNCIA - PLANO DE SAÚDE - HOME CARE - URGÊNCIA NÃO VERIFICADA - CUIDADOR EM TEMPO INTEGRAL. 1. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o serviço de "home care" constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde. 2- É necessária a efetiva demonstração da indispensabilidade do tratamento pleiteado, a fim de evitar uma possível oneração desproporcional à operadora de plano de saúde . 3- O fornecimento de serviço de cuidador em período integral, não se enquadra no tratamento em regime de "home care". Além disso, os cuidados diários e básicos com o familiar não podem ser transferidos ao plano de saúde. (TJ-MG - Agravo de Instrumento: 25299569320248130000 1.0000 .24.252994-9/001, Relator.: Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres, Data de Julgamento: 02/07/2024, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/07/2024) EMENTA: CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE IDOSA. PORTADORA DE ALZHEIMER. SERVIÇO DE INTERNAÇÃO DOMICILIAR (HOME CARE) SOLICITADO PELO MÉDICO RESPONSÁVEL. PROCEDIMENTO NEGADO. RECUSA INDEVIDA. CAMA HOSPITALAR. OBRIGAÇÃO DA OPERADORA DE SAÚDE QUE DEVE SER AFASTADA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A CONTAR DA SOLICITAÇÃO ATÉ A EFETIVAÇÃO DA INTERNAÇÃO DOMICILIAR. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0801647-54.2020.8.20.5113, Des. Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 03/07/2024, PUBLICADO em 03/07/2024) – destaquei. EMENTA: CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE IDOSA. PORTADORA DE ALZHEIMER. COMPLICAÇÕES DECORRENTES DO QUADRO CLÍNICO. PRETENSÃO DE FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE “HOME CARE”. CUSTEIO DA DIETA ENTERAL. NEGATIVA DE COBERTURA. CLÁUSULA ABUSIVA. SERVIÇO QUE NÃO PODE SER LIMITADO PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. INTERPRETAÇÃO FUNDAMENTADA NA SÚMULA 29 DO TJ/RN E EM PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DOS INSUMOS NECESSÁRIOS AO TRATAMENTO DE SAÚDE CONFORME PRESCRIÇÃO MÉDICA. AFASTADA A EXIGÊNCIA DE QUE A OPERADORA RECORRENTE FORNEÇA A CAMA HOSPITALAR. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0806704-27.2024.8.20.0000, Mag. EDUARDO BEZERRA DE MEDEIROS PINHEIRO, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 22/08/2024, PUBLICADO em 22/08/2024) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA NA DISPONIBILIZAÇÃO DE HOME CARE, INDICADO POR MÉDICO ASSISTENTE, A ADOLESCENTE (13 ANOS) COM COMPROMETIMENTO NEUROLÓGICO SEVERO DECORRENTE DE ANÓXIA NEONATAL E QUE APRESENTA CRISES CONVULSIVAS DE REPETIÇÃO. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR Nº 29 DESTA CORTE POTIGUAR. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE PREVISTO NO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. OBRIGAÇÃO DA OPERADORA DE FORNECER OS INSUMOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO, SOB PENA DE DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE DO ATENDIMENTO DOMICILIAR. DEVER QUE NÃO SE ESTENDE AO FORNECIMENTO DE CADEIRAS DE RODAS/ BANHO E FRALDAS. PRECEDENTES. RECURSO INSTRUMENTAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, RESTANDO PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0800148-09.2024.8.20.0000, Desª. Berenice Capuxú, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 26/07/2024, PUBLICADO em 29/07/2024) EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO QUE DEFERIU PARCIALMENTE A TUTELA DE URGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE HOME CARE. PRESCRIÇÃO MÉDICA. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE QUE SE SUBMETE AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MATERIAIS E ALGUNS INSUMOS QUE DEVEM SER CUSTEADOS PELO PLANO DE SAÚDE. EXCEÇÃO DE FRALDAS GERIÁTRICAS E DEMAIS MATERIAIS NÃO FORNECIDOS EM HOSPITAIS, COMO OS DE HIGIENE. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0813424-44.2023.8.20.0000, Des. Virgílio Macêdo, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 18/04/2024, PUBLICADO em 22/04/2024) RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR. CUSTEIO. OPERADORA. NÃO OBRIGATORIEDADE. ANTINEOPLÁSICO ORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. LIMITAÇÃO LÍCITA. CONTRATO ACESSÓRIO DE MEDICAÇÃO DE USO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUS. POLÍTICA PÚBLICA. REMÉDIOS DE ALTO CUSTO. RELAÇÃO NACIONAL DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS (RENAME). 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se medicamento de uso domiciliar (no caso, Viekira Pak, utilizado no tratamento de Hepatite-C), e não enquadrado como antineoplásico oral, é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde. 3. É lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos no Rol da ANS para esse fim. Interpretação dos arts. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 e 19, § 1º, VI, da RN nº 338/2013 da ANS (atual art. 17, parágrafo único, VI, da RN nº 465/2021). 4. Os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde. 5. As normas do CDC aplicam-se apenas subsidiariamente nos planos de saúde, conforme previsão do art. 35-G da Lei nº 9.656/1998.Ademais, em casos de incompatibilidade de normas, pelos critérios da especialidade e da cronologia, há evidente prevalência da lei especial nova. 6. A previsão legal do art. 10, VI, da Lei nº 9.656/1998 não impede a oferta de medicação de uso domiciliar pelas operadoras de planos de assistência à saúde (i) por liberalidade; (ii) por meio de previsão no contrato principal do próprio plano de saúde ou (iii) mediante contratação acessória de caráter facultativo, conforme regulamentação da RN nº 310/2012 da ANS. 7. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica está fortemente em atividade, existindo a Política Nacional de Medicamentos (PNM), garantindo o acesso de fármacos à população, inclusive os de alto custo, por meio de instrumentos como a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). 8. Recurso especial provido. (REsp 1692938/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 04/05/2021) Ainda, há a possibilidade de fornecimentos de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), conforme Lei 11.347/2006, em caso de impossibilidade financeira de arcar com os custos do tratamento. Como também de outras despesas não alcançadas pelo plano de saúde. Conclui-se assim, que através da documentação apresentada, resta configurada a verossimilhança parcial das alegações autorais. O dano de difícil reparação a que está sujeita a parte autora reside na possibilidade de agravamento do seu estado de saúde, com nova internação hospitalar, ambiente que tende a piorar o quadro já delicado da promovente, tudo conforme laudo médico juntado, não obstante sua necessidade premente de cuidados especiais, em virtude de sua mobilidade quase zero. Por fim, considerando que o tratamento da autora, embora urgente, depende da implantação de diversos equipamentos e ajustes de profissionais, entendo prudente conceder ao plano o prazo de 5(cinco) dias úteis para o cumprimento da medida. IV - CONCLUSÃO: Ante o exposto, presentes os requisitos do art. 300, do CPC, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de tutela de urgência com a finalidade de determinar que a Ré CAIXA BENEF DOS FUNC DO BCO DO EST DE SAO PAULO CABESP, no prazo de 5(cinco) dias úteis, a contar da intimação da presente, autorize, custeie e forneça o tratamento domiciliar em prol do autor, PREFERENCIALMENTE EM SUA REDE CREDENCIADA, nos moldes do laudo médico de Id157162872, isto é, além de manter todos os procedimentos já deferidos, autorize também a assistência domiciliar em regime parcial, com o fornecimento de técnico de enfermagem por 12(doze) horas diárias, fisioterapia respiratória e motora por 3(três) vezes por semana, fonoaudiologia por 2(dois) vezes por semana, visita de enfermagem 1(uma) vez por semana, visita médica 1(uma) vez por semana, visita nutricional 1(uma) vez por mês, tudo isso sob pena de multa consistente no valor exato para cobertura do tratamento, sem prejuízo da adoção de outras medidas mais enérgicas (Art. 139, IV, CPC). Noutra ótica, conforme fundamentação esposada, indefiro: a disponibilização de cuidador, os remédios domiciliares que a parte autora já toma, bem como fraldas geriátricas, cadeira de rodas, cadeira de banho, por se tratar de material de higiene pessoal, sob pena de ferir o equilíbrio contratual, nem mesmo a cama hospitalar motorizada. Intime-se pessoalmente o réu sobre a presente decisão, na forma da súmula 410-STJ. O mandado deve ser cadastrado como URGENTE, em virtude da fragilizada situação de saúde da parte autora. Finalmente, considerando a ausência de manifestação autoral nesse sentido e o fato de que as audiências no CEJUSC estão com pauta sobrecarregada, disponível apenas para o ano de 2026, passo excepcionalmente a dispensar a realização da audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC. CITE-SE a parte ré para, no prazo legal de 15 (quinze) dias, apresentar sua defesa, sob pena de revelia. Logo, determino que a secretaria dessa Vara providencie a citação dos réus, no prazo de 02 (dois) dias úteis, contados desta decisão, por meio dos endereços eletrônicos (portal do PJE, e-mail ou WhatsApp), conforme artigo 246 do Código de Processo Civil (CPC), diante da nova redação dada pela Lei n.º 14.195, de 26 de agosto de 2021, utilizando-se o endereço eletrônico indicado pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário. Na falta de endereço eletrônico cadastrado perante o Poder Judiciário, será utilizado o endereço da empresa cadastrado no sistema integrado da Redesim (art. 246, § 5º, do CPC). A Secretaria deverá fazer constar da citação que “a parte ré tem a obrigação de confirmar o recebimento da citação enviada eletronicamente em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, sob pena de multa de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 246, § 1º-C e § 4º do CPC”. O prazo de contestação dos réus será contado do quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação pela parte ré (art. 231, IX, do CPC). Não havendo a confirmação do recebimento no prazo acima, cite-se a parte ré pelo correio ou por oficial de justiça, nessa ordem (art. 246, §1º-A, I e II, CPC). Se vier a ser realizada a citação pelo correio ou por oficial de justiça, o dia de começo do prazo será contado da data da juntada do aviso de recebimento ou do mandado cumprido, respectivamente (art. 231, I e II, CPC). Após, intime-se a parte autora para réplica, por meio de ato ordinatório. Intimem-se as partes. Em Natal, data/hora de registro no sistema. THEREZA CRISTINA COSTA ROCHA GOMES Juíza de Direito em substituição legal. (documento assinado digitalmente na forma da Lei n° 11.419/06)
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Processo nº 0858594-76.2020.8.20.5001
ID: 326415417
Tribunal: TJRN
Órgão: 15ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0858594-76.2020.8.20.5001
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO ROGERIO PEREIRA DE OLIVEIRA
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 15ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Fórum Seabra Fagundes, Lagoa Nova, NATAL - RN - CEP: 59064-972 Email: nt15civ@tjrn.ju…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 15ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Fórum Seabra Fagundes, Lagoa Nova, NATAL - RN - CEP: 59064-972 Email: nt15civ@tjrn.jus.br Processo: 0858594-76.2020.8.20.5001 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Parte autora: Condomínio Residencial Porto do Alto Parte ré: JOSE W. M. DA SILVA - ME e outros (2) SENTENÇA Condomínio Porto do Alto, devidamente qualificado, representado por seu síndico Marcelo Bruno Dantas Bezerra, por procurador judicial, ajuizou Ação de Reparação por Danos Materiais e Morais em face de José W. M. da Silva - ME, bem como dos ex-síndicos Nicácio da Silva e Paula e André Paulino Pereira, todos devidamente qualificados na petição inicial. Em suma, narra o autor que o empreendimento, entregue em 2010, possuía sistema hidrossanitário composto por quatro fossas sépticas, suficiente para a demanda e atestado pela CAERN. Até 2015, o gasto mensal médio com “carros-fossa” girava em torno de R$ 4.080,00; contudo, de forma abrupta, as despesas aumentaram mais de 500 %, alcançando cerca de R$ 15.000,00 mensais, sem acréscimo de moradores. Segundo a inicial, o então síndico interino Nicácio da Silva e Paula, auxiliado pela gerente condominial Sra. Regina, alegou a necessidade de construir sumidouros para solucionar o problema, comprometendo-se a apresentar cotações de três empresas. Todavia, foram efetivamente ignoradas propostas mais econômicas das empresas MCS Construções e Suprema, e a Construtora Fundamento — cujo orçamento era cerca de quatro vezes superior — foi imposta à assembleia, sem votação, sob aduzida falsa alegação de ter oferecido o menor preço. Narrou que a obra iniciou em 2016, já na gestão do réu Nicácio da Silva e Paula, e foi concluída na administração de André Paulino Pereira. Em lugar de um sumidouro aprovado em assembleia por R$ 85.000,00, edificaram-se doze compartimentos (sete caixas de lodo, quatro sumidouros e uma caixa de registro), atingindo o valor de R$ 117.869,14, sem projeto técnico, sem ART e sem fiscalização profissional adequada. Posteriormente, a SEMURB constatou que os sumidouros haviam sido indevidamente concretados no fundo, impedindo a infiltração e causando transbordamentos recorrentes. Laudo técnico da engenheira Maria Jéssica Câmara da Luz confirmou a concretagem irregular, apontando que o defeito gerava mau cheiro, proliferação de insetos e necessidade de esgotamento diário, com custo estimado de R$ 9.000,00 mensais, além de risco sanitário aos condôminos. O condomínio arcou com R$ 6.600,04 para demolir a concretagem e contratar a profissional. A inicial sustenta que os réus atuaram de forma premeditada e orquestrada: (i) Nicácio da Silva e Paula teria ligado irregularmente águas pluviais, servidas e de piscina às fossas, criando falsa situação de emergência; (ii) ambos os síndicos teriam negligenciado estudos prévios, omitido propostas mais vantajosas e aprovado obra sem respaldo técnico; (iii) a Construtora Fundamento, ciente da ausência de fiscalização, executou o serviço defeituoso, assumindo em assembleia responsabilidade por qualquer dano subsequente. A conduta conjunta teria produzido prejuízo global estimado em R$ 538.621,06, entre custos da obra, retiradas de concreto e gastos extraordinários com carros-fossa, além de desvalorização das unidades e danos morais decorrentes do ambiente insalubre. Requereu, no mérito, a condenação solidária dos demandados ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 124.469,18 em favor do condomínio. Juntou procuração e documentos. Nicácio da Silva e Paula foi citado e apresentou contestação, acompanhada de reconvenção. Na sequência, suscita diversas preliminares: (i) inadequação do procedimento e inépcia da inicial, por cumulação indevida de pretensão de prestação de contas com pedido indenizatório; (ii) pedido genérico e indeterminado, bem como impugnação ao valor da causa; (iii) falta de interesse de agir e cerceamento de defesa, porque o condomínio não teria esgotado as vias assembleares; (iv) ilegitimidade ativa e perda do objeto, ante a impossibilidade de ente despersonalizado pleitear danos morais; (v) prescrição trienal do art. 206, § 3º, V, do Código Civil; e (vi) ausência de competência do atual síndico para propor a demanda sem autorização assemblear. Superadas as preliminares, afirma a total improcedência da ação. Sustenta que a construção dos sumidouros foi deliberada em três assembleias, com orçamento inicial de R$ 85.000,00 e posterior ampliação já sob gestão diversa, inexistindo fraude ou superfaturamento. Afirmou que o sistema hidrossanitário do condomínio já se encontrava colapsado desde 2012, razão pela qual as despesas com caminhões-fossa eram necessárias. Ao final da contestação, requer: (a) acolhimento das preliminares, com extinção do feito sem resolução do mérito nos termos do art. 485, VI, do CPC; (b) subsidiariamente, julgamento de improcedência total dos pedidos; (c) condenação do autor por litigância de má-fé. O réu, na qualidade de reconvinte, ajuíza reconvenção em face do Condomínio Porto do Alto, do atual síndico Marcelo Bruno Dantas Bezerra e do ex-síndico Guy Garrido de Lucena. No mérito, requer condenação solidária do condomínio e de Marcelo Bruno ao pagamento de R$ 50.000,00, e de Guy Garrido a R$ 40.000,00, a título de danos morais, além de aplicação de multa por litigância temerária e expedição de ofício à OAB para apuração de eventual infração ética da patrona do autor. Juntou procuração e documentos. A decisão de id. 66228609 indeferiu a tutela provisória postulada em reconvenção, manteve a gratuidade de justiça já deferida ao réu-reconvinte, rechaçou o afastamento do síndico e a inclusão de pessoas físicas no polo passivo. Em réplica e contestação, a parte autora reiterou os termos da exordial e rechaçou os argumentos apresentados pelo réu reconvinte. A Defensoria Pública apresentou contestação (id. 100741763), representando o réu José W. M. da Silva – ME. A decisão de id. 104773512 saneou o feito, rejeitando as preliminares arguidas em defesa e determinando a realização de audiência de instrução. Fora realizada a audiência de instrução (id. 146711679). As partes apresentaram as razões finais por escrito. É o que importa relatar, passo a decidir. Contextualizadas as premissas fáticas, já expostas no relatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cumpre ingressar na etapa decisória propriamente dita. Desde logo, impende reconhecer a revelia de José W. M. da Silva – ME e André Paulino Pereira. Ambos foram validamente citados por via postal, consoante os ARs juntados aos autos, e permaneceram silentes no prazo legal, de acordo com a certidão de id. 99795665. Não é possível aplicar, entretanto, a presunção de veracidade dos fatos, diante da ressalva prevista no inciso I, do art. 345, do Código de Processo Civil, diante da contestação apresentada pelo corréu. A despeito de posterior peça subscrita pela Defensoria Pública (id. 100741763), sua apresentação revelou-se manifestamente extemporânea. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou que o prazo em dobro previsto no art. 186 do CPC somente se aplica quando a Defensoria se habilita dentro do interregno simples conferido à parte assistida; ultrapassado esse marco, não há falar em benefício de contagem ampliada. Nesse sentido, colhe-se o precedente do REsp 1949271 SC 2021/0220496-7. Passa-se à delimitação da lide. A atividade jurisdicional é regida pelo princípio da congruência, o que impõe ao julgador ater-se aos contornos definidos pelas partes, sem extrapolar a causa de pedir nem conceder tutela diversa da pleiteada. No caso sub judice discute-se, exclusivamente, (i) a ocorrência de danos materiais e morais suportados pelo Condomínio Porto do Alto em razão de supostos atos culposos ou dolosos de seus ex-síndicos, bem como da empresa contratada para execução de obra de readequação do sistema hidrossanitário, e (ii) a consequente responsabilização solidária dos réus. Paralelamente, na reconvenção, aprecia-se apenas a alegação de que o autor, por meio de sua administração, teria violado a honra do ex-síndico Nicácio da Silva e Paula, divulgando suposto “dossiê” difamatório, razão pela qual este postula reparação moral e direito de resposta. Fora dessas balizas, nenhuma outra matéria será objeto de pronunciamento, pois a jurisdição se esgota nos limites em que foi provocada. Estabelecidas, pois, as fronteiras processuais, avança-se à análise das questões controvertidas. Traçados os pontos, tem-se que o Condomínio Porto do Alto pleiteia reparação por danos materiais e morais que alega ter suportado em virtude de falhas na construção de doze compartimentos hidrossanitários (sete caixas de lodo, quatro sumidouros e uma caixa de registro) executados pela empresa José W. M. da Silva – ME (Construtora Fundamento) dentro do seu perímetro interno. Segundo a inicial, a obra foi aprovada em assembleia sob a gestão do síndico Nicácio da Silva e Paula, ao custo inicial de R$ 85.000,00, mas foi concluída na gestão de André Paulino Pereira por R$ 117.869,14, sem projeto técnico, sem ART e sem fiscalização adequada. Posteriormente, laudo da SEMURB e parecer da engenheira Maria Jéssica Câmara Luz apontaram que os fundilhos dos sumidouros haviam sido totalmente concretados, impedindo a infiltração de efluentes e gerando dispêndios extraordinários com caminhões-fossa, além de risco sanitário aos condôminos. A figura do síndico, eleita pela assembleia (art. 1.347 do Código Civil), assume o papel de administrador do condomínio, incumbindo-lhe: representar ativa e passivamente o ente condominial (art. 1.348, II), diligenciar pela conservação e guarda das partes comuns (art. 1.348, V) e prestar contas à assembleia (art. 1.348, VIII). O descumprimento desses deveres atrai a responsabilidade pessoal do gestor, fundada no art. 186 (ilícito), combinada com o art. 927 (obrigação de reparar). A culpa in vigilando ou in eligendo do síndico pode ensejar responsabilização solidária com eventuais prestadores de serviço quando comprovado nexo causal entre sua omissão ou ação e o dano coletivo, quando pertinente. Para delimitação das questões fáticas, que envolvem a celeuma dos autos, observa-se que a gestão do réu Nicácio da Silva e Paula ocorrera de outubro/2015 a março/2016, enquanto a do réu André Paulino Pereira de abril/2016 a agosto/2017. Já a competência da Construtora Fundamento estendeu-se durante ambas as gestões, compreendendo o período de março/2016 (assinatura do contrato) até a conclusão física dos sumidouros na administração subsequente. Em relação ao réu José W. M. da Silva, de acordo com a teoria finalista mitigada, o condomínio, embora ente equiparado a pessoa jurídica, figura como destinatário final do serviço de construção dos sumidouros, qualificando-se como consumidor (art. 2.º do CDC), ao passo que a Construtora Fundamento se enquadra como fornecedora (art. 3.º). Consequentemente, incidem as normas de responsabilidade objetiva do CDC (arts. 12 e 14), além do dever de informação. Ato contínuo, o art. 371 do Código de Processo Civil consagra a persuasão racional, segundo a qual o magistrado, destinatário final das provas, deve apreciá-las motivadamente à luz da lei e da experiência comum. No presente feito, as partes produziram farta prova documental e também prova oral em audiência; entretanto, não houve perícia judicial, e cada litigante apresentou razões finais interpretando o acervo segundo a respectiva tese. A controvérsia restringe-se à verificação de eventuais danos materiais e morais suportados pelo Condomínio Porto do Alto em razão da obra hidrossanitária executada pela empresa José W. M. da Silva – ME (Construtora Fundamento) e da forma como os então síndicos, Nicácio da Silva e Paula e André Paulino Pereira, conduziram a contratação e a fiscalização dos serviços. À luz do Código de Defesa do Consumidor, o condomínio é destinatário final do serviço e, portanto, consumidor, ao passo que a Construtora Fundamento é fornecedora, submetendo-se à responsabilidade objetiva do art. 14. Deveria ter a empresa ré demonstrado a inexistência de defeito ou culpa exclusiva do consumidor; não o fazendo, permanece o dever de reparar. O laudo técnico de id. 61460922 concluiu que os sumidouros foram construídos com o fundo integralmente concretado, transformando-os em tanques estanques incapazes de promover a infiltração dos efluentes, o que ocasionou transbordamentos, mau cheiro e necessidade de esgotamento diário, além de risco sanitário, situação corroborada pelas notificações expedidas pela SEMURB, que atestaram a permanência do problema mesmo após a conclusão da obra. Na assembleia de 28 de janeiro de 2016 (id. 61460899), o próprio representante da construtora admitiu a inexistência de ART e de fiscalização técnica formal, revelando que a execução se baseara unicamente na experiência prática da equipe. A combinação desses elementos demonstra falha grave na prestação do serviço: a ausência de projeto técnico e de responsável habilitado viola a Lei 6.496/1977, as normas da ABNT e o Código de Obras municipal, configurando imperícia. Estão, pois, presentes os pressupostos da responsabilidade civil objetiva: a conduta (execução da obra sem observância das normas técnicas), o defeito do serviço (concretagem indevida que impede a infiltração), o dano e o nexo causal demonstrado pelos documentos públicos e pelo laudo. Não existindo prova de causa excludente, emerge o dever de indenizar, cujo quantum será fixado oportunamente ao se apurar a extensão dos prejuízos materiais. Passa-se, agora, à análise da gestão dos ex-síndicos, réus nesta demanda. Conforme já consignado, esta demanda não se confunde com a ação de exigir contas regulada pelos arts. 550 e seguintes do Código de Processo Civil; a pretensão deduzida limita-se à reparação por danos vinculados à crise hidrossanitária, de modo que o litisconsórcio passivo apenas se justifica enquanto houver nexo lógico entre as gestões de Nicácio da Silva e Paula e André Paulino Pereira e o resultado danoso. Questões outras — como eventual favorecimento pessoal, pagamentos indevidos ou uso de serviços de empresa pertencente a familiar — não integram, por falta de causa de pedir comum, o objeto efetivamente deduzido. Impõe-se, portanto, o afastamento de todo debate que extrapole tal recorte, sob pena de violação ao princípio da adstrição. Superada essa premissa, observo que as imputações de enriquecimento ilícito ou benefício próprio feitas ao réu Nicácio carecem de suporte probatório idôneo. O condomínio não produziu documentos bancários, fiscais ou societários capazes de demonstrar transferência de valores a parentes do ex-síndico ou pagamento irregular à empresa Riograndense, restringindo-se a ilações. Já em relação à suposta omissão, dolosa, de outros orçamentos em menor valor, apresentados por diversas empresas, observa-se que estes ocorreram em momento anterior à gestão do réu, que se iniciou em outubro de 2015. De acordo com os ids. 61460897 e 61460897, os orçamentos foram apresentados ainda em gestão anterior (julho/2015). Sabe-se, igualmente, que tais propostas possuem prazo de validade, não sendo possível afirmar, com exatidão, a permanência destas na data posterior de deliberação, em janeiro do ano seguinte, a partir das atas acostadas. Em matéria tão gravosa — pois envolve imputação de má-gestão dolosa — incide o art. 373, inciso I, do CPC: cabia ao autor comprovar, com mínima robustez, a vantagem patrimonial indevida, ônus que não se desincumbiu. A simples contratação posterior de empresa de propriedade do filho do réu, já fora do período de sua sindicância, não autoriza presunção de favorecimento, tampouco pode ser investigada nesta sede, visto que o suposto beneficiário sequer integra a lide. Remanesce, todavia, a análise do comportamento do Sr. Nicácio no que se refere à contratação da Construtora Fundamento e ao início das obras dos sumidouros. Os autos revelam que, já na assembleia de 28 de janeiro de 2016, durante a gestão do réu, não se exigiu projeto executivo nem ART antes da ordem de serviço, circunstâncias confirmadas pelo próprio representante da fornecedora quando admitiu a inexistência de fiscalização técnica. Cabe avaliar, portanto, se os atos ou omissões de cada ex-síndico — avaliados à luz do padrão de diligência exigível — estabelecem nexo causal suficiente com os danos comprovados, de forma a atrair responsabilidade solidária com a fornecedora. Passe-se, agora, à verificação da responsabilidade atribuída ao Sr. Nicácio da Silva e Paula pela escolha da Construtora Fundamento para executar a obra dos sumidouros, marco inicial da cadeia de eventos que culminou nos danos reconhecidos. Comprovou-se nos autos que, em assembleia realizada em 28 de janeiro de 2016, ainda sob sua administração interina, o representante da empresa ré admitiu, perante os condôminos, inexistir fiscalização técnica formal sobre o projeto, limitando-se a prometer que “assumiria qualquer responsabilidade” caso surgissem problemas futuros, sem exibir ART ou indicar engenheiro responsável. A despeito dessa confissão pública de falha estrutural — fato bastante para alertar qualquer gestor diligente quanto ao risco ambiental e sanitário envolvido — o síndico manteve o encaminhamento da contratação. Embora o instrumento contratual tenha sido formalizado apenas em 21 de março de 2016, já na gestão subsequente, os elementos probatórios revelam que as tratativas decisivas ocorreram sob a égide do supracitado réu, que presidiu as reuniões e anuiu, de forma consciente, à execução de obra complexa sem respaldo técnico. Ao agir assim, violou o padrão de diligência exigido do administrador condominial, que, pela norma do art. 1.348, V, do Código Civil, lhe impõe zelar pela conservação e segurança das partes comuns. O nexo causal entre essa omissão culposa e o dano restou evidenciado: a contratação de empresa sabidamente carente de fiscalização conduziu à construção de sumidouros com fundo concretado — defeito grosseiro apontado pelo laudo técnico de id. 61460922 —, ocasionando transbordamentos contínuos, necessidade de esgotamento diário e dispêndios extraordinários já quantificados. A previsibilidade do resultado era manifesta, pois o próprio fornecedor, ao confessar a inexistência de controle engenheirado, sinalizou o risco concreto de falha funcional, o que tornava imperativa a suspensão das negociações até a obtenção de garantia técnica adequada, medida que o síndico não adotou. Na sequência da análise, caberá averiguar a atuação de André Paulino Pereira, que assumiu a sindicância logo após a gestão do corréu – ocasião em que já se sabia inexistir fiscalização técnica regular sobre o projeto, conforme declaração expressa do representante da Construtora Fundamento – e, não obstante esse alerta, deu continuidade ao empreendimento, formalizando o contrato em 21 de março de 2016 e permitindo que a execução prosseguisse sem apresentação de ART nem acompanhamento profissional habilitado. Frise-se que o réu, por não apresentar defesa, não combateu a alegação de que, sob sua gestão, o custo originalmente aprovado de R$ 85.000,00 fora majorado para R$ 117.869,14, sem nova deliberação assemblear, e que a obra foi concluída sem qualquer correção do vício estrutural de concretagem do fundo dos sumidouros, posteriormente constatado no laudo técnico de id. 61460922 e nas notificações da SEMURB. Reitera-se, não há, nos autos, comprovação documental que as despesas posteriores foram aprovadas pelos condôminos, visto que deixou a parte demandada de impugnar tal questão, mantendo-se silente. Ao optar por manter a contratação em moldes sabidamente irregulares, o réu afastou-se do padrão de diligência imposto pelo inciso V do art. 1.348 do Código Civil, que exige zelo pela conservação das partes comuns do condomínio. O gestor condominial, diferentemente de um mandatário comum, administra patrimônio coletivo submetido a regime estatutário peculiar e deve adotar postura proativa na mitigação de riscos ambientais e sanitários inerentes à sua função. Ao não exigir a regularização técnica, ao autorizar aditivo financeiro substancial sem aparente aprovação dos condôminos e, sobretudo, ao não reagir de forma eficaz à continuidade dos transbordamentos – situação que implicou gastos mensais –, o ex-síndico incorreu em culpa por negligência. Tal comportamento omissivo revela infringência direta ao art. 186 do Código Civil, pois deixou de impedir resultado que podia e devia evitar; ademais, pelo art. 927, responde pela reparação do dano decorrente da sua ausência de diligência. Dessa forma, restam demonstrados a conduta omissiva antijurídica, o dano efetivo experimentado pelo autor e o nexo causal direto entre a inércia do síndico e a continuidade do problema hidrossanitário. Reconhecida, com base na prova dos autos, a ilicitude da conduta atribuída aos três réus – Construtora Fundamento (José W. M. da Silva – ME), Nicácio da Silva e Paula e André Paulino Pereira –, impõe-se concluir que todos concorreram causalmente para o prejuízo experimentado pelo Condomínio Porto do Alto, devendo responder de forma solidária. A empresa ré, ao executar serviço defeituoso sem observância das normas técnicas e sem responsável habilitado, praticou ato ilícito objetivo nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. O Sr. Nicácio, ao indicar o fornecedor e dar início à obra apesar da advertência pública de inexistência de fiscalização, violou o dever de diligência previsto no inciso V do art. 1.348 do Código Civil. Já o Sr. André, ao formalizar o contrato, ampliar o custo sem nova deliberação assemblear e permitir a conclusão do sistema imperfeito, incorreu em negligência grave que perpetuou e agravou o dano. As três condutas, avaliadas em conjunto, formam elo indissociável de uma mesma cadeia fática: se qualquer delas tivesse sido evitada, o resultado danoso – consistente na construção de sumidouros ineficazes, no transbordamento de efluentes e nas despesas extraordinárias com esgotamento e demolição – não teria se consumado. No plano jurídico, o art. 942 do Código Civil dispõe que os co-autores de ato ilícito respondem solidariamente pelos danos decorrentes. A solidariedade, nessa hipótese, decorre da própria lei e da indivisibilidade do prejuízo causado à coletividade condominial. Estabelecida a solidariedade, cumpre agora apreciar o quantum indenizatório a ser arbitrado, em relação aos danos materiais aduzidos pela parte autora. Quanto ao dano material, a petição inicial adstringe o juízo à pretensão de condenação solidária dos réus no montante de R$ 124.469,18, desdobrado em dois blocos: (a) R$ 6.600,04, correspondentes aos honorários da engenheira responsável pelo laudo técnico e à despesa para remoção do concreto que obstruiu os sumidouros, e (b) R$ 117.869,14, referentes ao preço integral pago pela construção dos doze compartimentos hidrossanitários. No que toca ao primeiro item, a documentação encartada evidencia a efetiva saída de numerário do caixa condominial para custear tanto o diagnóstico técnico quanto a demolição do revestimento irregular. Trata-se de dispêndio diretamente vinculado à falha de serviço reconhecida — condição suficiente para atrair o dever de ressarcir, nos termos do art. 927 do Código Civil e do art. 20, caput, do Código de Defesa do Consumidor. O valor é modesto, proporcional ao serviço executado e incontroverso, impondo-se integral procedência neste ponto. Diversa é a análise do segundo bloco indenizatório. Embora o contrato de 21 de março de 2016 (id. 64060434) tenha sido celebrado de forma irregular — sem ART e sem fiscalização idônea —, a prova coligida não demonstra que a estrutura, uma vez corrigida pela retirada do concreto, se tenha tornado totalmente inaproveitável. Os sumidouros permanecem em uso e integram hoje o sistema hidrossanitário do condomínio. Ressalta-se: as obras realizadas foram apenas para retirada do revestimento de concreto, mas hoje são, a partir das provas inseridas na ação, aparentemente utilizados e úteis ao condomínio autor. À luz do art. 20, § 1.º, do CDC, quando o serviço defeituoso ainda pode ser aproveitado, a pretensão ressarcitória não se satisfaz com a simples restituição integral do preço; cabe, antes, o abatimento proporcional, de modo a evitar enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil). O autor, contudo, limitou-se a requerer a devolução total de R$ 117.869,14, sem indicar, nem por estimativa, qual seria a porção do valor que efetivamente excede o benefício econômico hoje desfrutado — ônus probatório que lhe incumbia à vista do art. 373, I, do CPC. Inexistindo elementos seguros para fixar desde logo a diferença patrimonial, e considerando que o magistrado não pode deferir prestação diversa da postulada (princípio da congruência), a verba reclamada não pode ser acolhida tal como formulada. Não houve pleito de reparação moral, nem tampouco reparação pelos gastos com escoamento do esgoto. A indenização requerida trata, especificamente, sobre a despesa com os sumidouros, e a obra de reparação destes. No caso em comento, a consequente reparação da estrutura já está sendo indenizada, sendo uma opção autoral limitar as discussões dos danos quanto aos listados, como asseverou na exordial, no parágrafo final do item 2.4 da referida peça. Apreciadas todas as questões da demanda principal, passa-se à análise da reconvenção apresentada pelo réu Nicácio da Silva e Paula. Em suma, afirmou que a parte reconvinda passou a fazer severas críticas a sua honra, dignidade, caráter, imagem e moral, perante toda a vizinhança, clientes e amigos. Destacou que o reconvindo lhe atribuiu uma série de irregularidades na condução do Condomínio. Requereu o pagamento de indenização por danos morais. Como já delimitado na decisão de id. 66228609, a reconvenção prosseguiu apenas no que se reporta ao Condomínio-autor, visto que foram excluídos os demais reconvindos listados na peça de defesa. A questão, inclusive, fora apreciada, em relação aos demais, em ação ajuizada perante este juízo, sob a numeração 0820651-88.2021.8.20.5001. Sob essa perspectiva, este juízo passa a replicar o entendimento ali adotado, visto se enquadrar nas hipóteses destes autos. Para que se configure o dever de indenizar, é necessário que se demonstre a efetiva ocorrência do dano, a configuração de realização de ato ilícito por parte do condomínio reconvindo e o nexo de causalidade entre a ação do reconvindo e o dano ocasionado ao reconvinte. Dentro dos fatos expostos, entendo que não restou comprovada a ocorrência de efetivo prejuízo sofrido pelo reconvinte, bem como não se verifica a configuração de ato ilícito por parte do reconvindo e, por fim, não é possível estabelecer nexo de causalidade entre um dano não configurado e um ato ilícito não cometido. O que se constata no caso em tela é a ocorrência de discussões entre condôminos que não ultrapassam o mero dissabor cotidiano. Neste passo, inexistindo comprovação dos requisitos legais, não há o que se falar em responsabilização civil, ante a imprescindibilidade da concomitância dos requisitos legais. O reconvinte não foi capaz de apresentar comprovação de danos efetivamente sofridos nem das condutas do reconvindo que teriam ensejado esses danos. Não se vislumbra, na presente hipótese, ofensa aos direitos da personalidade do reconvinte, bem como não foram comprovados quaisquer danos extrapatrimoniais no caso em comento. Isto posto, não merecem prosperar os pedidos de indenização por danos morais, bem como a condenação pessoal do reconvindo por litigância temerária e de má-fé. Deixo de condenar qualquer das partes à pena por litigância de má-fé, por não verificar a ocorrência das hipóteses legais, previstas no art. 80 do CPC, sendo permitido aos litigantes o exercício de utilização das ferramentas processuais que entendam cabíveis, não se podendo confundir o insucesso do mérito com a ausência de conduta pautada na boa-fé processual. Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos autorais, condenando os réus, solidariamente, à reparação material, no valor de R$ 6.600,04 (seis mil, seiscentos reais e quatro centavos), corrigidos e atualizados pela taxa SELIC, desde o desembolso. Sopesados os critérios legais do art. 85, do CPC, e diante da sucumbência recíproca dos litigantes, condeno-os ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada. Ressalte-se a suspensão da exigibilidade da condenação em relação ao réu Nicácio da Silva e Paula, diante da gratuidade judiciária outrora deferida. Ato contínuo, julgo improcedente a reconvenção. Condeno a parte reconvinte ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor dos danos requeridos na reconvenção, em favor da parte reconvinda. Ressalte-se a suspensão da exigibilidade da condenação em relação ao reconvinte Nicácio da Silva e Paula, diante da gratuidade judiciária outrora deferida. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte adversa, por procurador judicial, para, no prazo de 15 (quinze) dias, contrarrazoar o recurso. Transcorrido o prazo, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Publique-se. Intime-se. Em Natal, data registrada no sistema. Martha Danyelle Sant'Anna Costa Barbosa Juíza de Direito (Documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/06)
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