Processo nº 0906632-51.2022.8.20.5001
ID: 295062853
Tribunal: TJRN
Órgão: 11ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0906632-51.2022.8.20.5001
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO MARQUES CALAZANS DUARTE
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 11ª Vara Cível da Comarca de Natal PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Processo nº 0906632-51.2022.8.20.5001 Parte autora: ADERSON DANTAS DE LIRA Parte ré: …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 11ª Vara Cível da Comarca de Natal PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Processo nº 0906632-51.2022.8.20.5001 Parte autora: ADERSON DANTAS DE LIRA Parte ré: UP BRASIL ADMINISTRACAO E SERVICOS LTDA. SENTENÇA Vistos etc. Aderson Dantas de Lira, já qualificado nos autos, via advogado, ingressou com "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA E REVISÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO" em desfavor de Up Brasil Administração e Serviços Ltda., também qualificada, alegando, em síntese, que: a) por volta do mês de julho de 2011, celebrou com a ré, por contato telefônico, contrato de empréstimo consignado, ocasião em que lhe foi informado o valor do crédito disponível, a quantidade de prestações a serem adimplidas e o valor das parcelas, sendo omitidas pela demandada informações relativas às taxas de juros mensal e anual aplicadas; b) após um período de descontos, renovou junto à requerida a operação de crédito contratada, renegociando o saldo devedor do pacto anterior, o que foi realizado também em conversa telefônica, porém novamente não foi informado sobre os juros aplicados ao contrato; c) autorizou de boa-fé o desconto das parcelas em sua folha de pagamento, já tendo pago 117 (cento e dezessete) prestações que, somadas, totalizam o montante de R$ 39.116,47 (trinta e nove mil cento e dezesseis reais e quarenta e sete centavos); d) em momento nenhum foi expressamente informado sobre as taxas de juros mensal e anual praticadas pela ré nos contratos celebrados, de modo que eventual capitalização de juros aplicada nas operações é manifestamente indevida; e) não há cláusula expressa e não é possível saber se o duodécuplo da taxa mensal é inferior ao valor da taxa anual; f) no caso, os juros remuneratórios devem ser fixados de acordo com o percentual da taxa média do mercado, limitado à taxa contratada, se mais vantajosa ao consumidor, uma vez que não houve pactuação expressa; g) não há falar em aplicação da Tabela Price e do Sistema de Amortização Constante (SAC); h) possui direito à devolução do valor referente à "devolução no troco"; e, i) a devolução dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma dobrada. Escorada nos fatos narrados, a parte autora requereu: a) a declaração de nulidade da aplicação de capitalização mensal de juros compostos em todas as operações financeiras contratadas entre as partes, em razão da inexistência de contrato e/ou cláusula expressa de pactuação, devendo ser realizado o recálculo com aplicação de juros simples; b) a revisão dos juros remuneratórios para que fosse aplicada a taxa média de mercado, limitados à taxa contratada, se mais vantajosa ao consumidor, uma vez que não houve pactuação expressa; c) recálculo integral das prestações acordadas a juros simples, com a aplicação do Método Gauss, com a consequente condenação da parte ré à devolução dos valores pagos a maior em decorrência dos contratos, sem compensação com as parcelas pendentes, na forma simples, exceto no caso dos contratos celebrados a partir de 31 de março de 2021, os quais devem ser devolvidos em dobro; d) que seja determinada a devolução do valor referente à "diferença no troco"; e, e) a condenação da demandada à restituição, em dobro, das quantias adimplidas a título de eventuais serviços não contratados. Pleiteou, ainda, a inversão do ônus da prova em seu favor, com a consequente determinação de que a demandada apresentasse, no prazo de resposta, cópia dos áudios, extratos e/ou contratos financeiros de mútuo firmados entre as partes. Anexou à inicial os documentos de IDs nos 90604930, 90604931, 90604935, 90604936 e 90604938. O autor anexou guia e comprovante de recolhimento de custas judiciais na petição de ID n.º 90800494. Citada, a ré ofereceu contestação (ID nº 92628694), na qual arguiu preliminar de inépcia da petição inicial, bem como apresentou questões prejudiciais de mérito de decadência e prescrição da pretensão autoral. No mérito propriamente dito, aduziu, em suma, que: a) o autor teve acesso a todas as condições dos contratos entabulados entre as partes; b) ao anuir com a celebração dos pactos, o demandante demonstrou ter concordado com todas as suas condições, fazendo com que elas se transformassem em lei entre as partes, em decorrência do princípio do pacta sunt servanda; c) não restou demonstrada, no presente caso, a ocorrência de situação excepcional ou onerosidade excessiva apta a justificar a revisão judicial dos instrumentos celebrados; d) mesmo ciente do valor das parcelas que seriam adimplidas e das taxas de juros aplicadas, o autor concordou expressamente com a celebração dos negócios jurídicos, sem apresentar ressalvas; e) não está sujeita à limitação de juros imposta pela Lei de Usura; f) não é possível falar em lucros excessivos na relação mantida entre as partes, dado que coerentes com os praticados pelo mercado; g) o demandante realizou diversas operações de aditamento ao contrato original celebrado, sendo sempre informado das taxas de juros pactuadas; h) inexiste ato ilícito ou má-fé da sua parte a ensejar a repetição, seja ela simples ou em dobro, requerida pelo autor; i) é incabível o deferimento da inversão do ônus da prova pleiteada pelo requerente; e, j) o Método Gauss é inaplicável no cálculo dos valores objeto do contrato em debate. Ao final, pleiteou o acolhimento da preliminar apresentada e da prejudicial de mérito suscitada e, acaso superadas, pugnou pela total improcedência da pretensão autoral. Com a peça contestatória vieram os documentos de IDs nºs 92628696, 92628698, 92628699, 92628700, 92628701, 92628702 e 92628703. O autor apresentou réplica à contestação, oportunidade na qual rebateu as argumentações trazidas pela ré, reiterou os termos e pedidos da inicial e requereu a intimação da ré para que esta promovesse a juntada dos áudios das contratações (ID nº 92764225). Intimadas a manifestar interesse na produção de outras provas (ID nº 92880492), a parte autora pugnou pela intimação da parte demandada para colacionar aos autos os áudios referentes às contratações discutidas na presente lide (ID n.º 92929274), enquanto a parte ré pugnou pela realização de audiência de instrução (ID nº 94572969). No despacho de ID nº 101485599, este Juízo determinou a intimação da parte autora para cumprir o requisito previsto no art. 330, §2º, do CPC, que exige a quantificação do valor incontroverso do débito em ações revisionais, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito. A parte autora, na petição de ID nº 101540759, requereu a reconsideração da determinação judicial. Na decisão de ID nº 113296396, este Juízo reiterou a determinação de quantificação do valor incontroverso do débito, sob pena de extinção. Petição da parte autora anexando planilha de cálculos e atualização do valor da causa em ID n.º 115122422. Intimada, a ré aduziu que o autor não quantificou o valor incontroverso, mas sim o controverso do débito (ID nº 126323962). Petição do autor na qual argumentou que quantificou tanto os valores controversos quanto os incontroversos do débito (ID nº 128788575). É o que importa relatar. Fundamenta-se e decide-se. De início, impende anotar que a lide em apreço comporta julgamento antecipado, por força do disposto no art. 355, I, do CPC, tendo em mira que as provas acostadas aos autos são suficientes para o deslinde da demanda. Frise-se que não se mostra necessária a realização de audiência de instrução e julgamento pugnada pela parte ré em ID n.º 94572969, dado que as cláusulas contratuais devem ser comprovadas por meio próprio, seja instrumento impresso, eletrônico ou áudios de gravações com as informações dos contratos. Ora, se a parte demandada não impugnou a alegação de que o contrato foi firmado pelo telefone, a forma de comprovar a ciência da parte demandada seria via gravação, ônus que lhe incumbia, por serem elementos voltados a provar fato extintivo, modificativo e/ou impeditivo do direito da autora (art. 373, II do CPC). I – Da preliminar de inépcia da petição inicial Da deambulação dos autos, colhe-se que, uma vez intimada, a parte autora regularizou o pleito vertido na exordial ao apresentar os valores incontroversos acompanhados das respectivas planilhas através do petitório e documentos de ID n.º 115122422 a 115122428. Ademais, a discussão acerca da suficiência probatória é matéria relativa ao mérito da lide, razão pela qual a presente preliminar deve ser rechaçada quanto a esse ponto. Dessa forma, uma vez sanado o vício apontado, rechaça-se a preliminar em comento. II – Da questão prejudicial de mérito referente à prescrição e da decadência Sabe-se que o instituto da prescrição é necessário para que haja tranquilidade na ordem jurídica. A prescrição é a perda do direito de ação quando este não é exercido no prazo fixado pela lei. Da deambulação dos autos, observa-se que a alegação da parte ré acerca da prescrição da pretensão autoral amparou-se no prazo decenal previsto no art. 205 do Código Civil. Da leitura da peça inaugural, tem-se que a presente ação tem como objeto a revisão do contrato firmado entre as partes, com a declaração de inexistência de cláusulas tidas como abusivas. Nessa perspectiva, tendo em mira o grande número de ações que se repetem neste Juízo versando sobre o tema em vergasta, realizou-se pesquisa mais aprofundada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a partir da qual se percebeu a necessidade de alterar o posicionamento que vinha sendo adotado anteriormente. Consoante entendimento pacificado naquela Corte de Justiça, o prazo prescricional nas ações revisionais de contrato bancário é de 10 (dez) anos, nos termos do art. 205 do Código Civil, e tem início a partir da data da celebração do pacto. Nesse sentido, importante colacionar os seguintes julgados do STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE DEMANDADA. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é pacífica no sentido de que a falta de indicação expressa de dispositivo de lei considerado violado configura fundamentação deficiente, aplicando-se, por analogia, a Súmula 284 do STF. 2. Nas ações revisionais de contrato de empréstimo pessoal, nas quais se discute a legalidade das cláusulas pactuadas, a contagem do prazo prescricional é decenal. Precedentes. 3. Agravo interno desprovido (STJ - AgInt no AREsp: 2237354 MS 2022/0340547-4, Relator: MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 29/05/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2023) (grifos acrescidos). AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. O prazo prescricional nas ações revisionais de contrato bancário em que se discute a legalidade das cláusulas pactuadas, a orientação desta Corte Superior é clara ao entender que “As ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, motivo pelo qual o prazo prescricional, sob a égide do Código Civil de 1.916 era vintenário, e passou a ser decenal, a partir do Código Civil de 2.002” (REsp 1.326.445/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/02/2014, Dje de 17/02/2014). 2. No caso concreto, o período da avença iniciou-se em setembro de 1996, data a partir da qual se iniciou o prazo prescricional, que se encerrou em 11 de janeiro de 2013 (dez anos, a contar da vigência do novo código). Os autores ajuizaram a ação em maio de 2010, portanto sua pretensão não está alcançada pela prescrição. 3. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, na extensão, dar provimento ao recurso especial, no sentido de determinar o retorno dos autos à eg. Corte de origem a fim de que, afastada a prescrição, profira nova decisão, dando ao caso a solução que entender cabível (STJ. Quarta Turma. AgInt no REsp 1653189 / PR. Relator: Ministro Lázaro Guimarães. Julgado em 21/08/2018. Dje 20/09/2018) (grifo proposital). RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. MÚTUO. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. PROPOSITURA DA DEMANDA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ILEGITIMIDADE ATIVA DO FIADOR. ACESSORIEDADE DO CONTRATO DE FIANÇA. RELAÇÃO DE DIREITO MATERIAL DE NATUREZA DISTINTA DA QUE SE ESTABELECE NO CONTRATO PRINCIPAL. (…) 5. A pretensão revisional de contrato bancário, diante da ausência de previsão legal específica de prazo distinto, prescreve em 10 (dez) anos (sob a égide do Código Civil vigente) ou 20 (vinte) anos (na vigência do revogado Código Civil de 1916), pois fundada em direito pessoal, sendo completamente descabido falar, em casos tais, na aplicação do prazo quinquenal a que se referia o art. 178, §10, do Código Civil revogado. 6. Recurso especial parcialmente provido para, afastando a prescrição indevidamente reconhecida na origem, determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para que dê regular processamento ao pleito revisional/repetitório apenas no tocante ao contrato de fls. 210/218 (e-STJ) (STJ. Terceira Turma. REsp 926792 / SC. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em: 14/04/2015. Dje: 17/04/2015) (destacou-se). No caso em mesa, em relação ao contrato firmado em julho de 2011, descrito pela parte autora na exordial, é patente a incidência da prescrição decenal prevista no art. 205 do Código Civil, pois embora não se tenha apensado aos autos o instrumento contratual pactuado, da leitura da ficha financeira acostada ao caderno processual pelo demandante (ID nº 90604935), é possível atestar a realização de descontos, sob a rubrica da "AGN - Policard", ainda em agosto de 2011, no valor de R$ 334,79 (trezentos e trinta e quatro reais e setenta e nove centavos), denotando que o mês de formalização foi, inequivocamente, julho de 2011, conforme sustentado pela demandada em sua peça contestatória e pela própria parte autora em sua exordial. Dessa forma, considerando que a celebração descrita pelo autor ocorreu em julho de 2011 e que a presente ação foi intentada apenas em outubro de 2022, conclui-se que transcorreram mais de 10 (dez) anos entre uma data e outra, mostrando-se evidente, portanto, a ocorrência do fenômeno da prescrição. Quanto aos demais contratos e respectivas renovações, descritos pela demandada em sua peça contestatória (ID nº 92628694, pg. 3), percebe-se que não foram alcançados pelo fenômeno da prescrição, haja vista que não decorreu o prazo de 10 (dez) anos entre as suas respectivas datas de celebração e a data de ajuizamento do presente feito. Sendo assim, acolhe-se a prejudicial de mérito suscitada pela parte ré apenas em relação à operação celebrada em julho de 2011. No que toca aos demais contratos assinalados, serão objeto de análise do mérito propriamente dito. Por fim, não há falar em decadência, com fulcro no art. 179 do Código Civil, uma vez que não se trata de ação de anulação de negócio jurídico, mas sim de revisão de cláusulas de contrato bancário. Sendo assim, passa-se à análise do mérito propriamente dito. III – Do mérito III.1 - Da relação de consumo Está caracterizada a relação de consumo quando, de um lado, tem-se o consumidor, que em consonância com o disposto no Código de Defesa do Consumidor - CDC, "é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", e do outro o fornecedor, conceituado como "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional e estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços". Do garimpo dos autos, e albergando-se nos conceitos mencionados, nota-se que a lide em tela tem como esteio uma relação de consumo, na qual figura como consumidora a parte autora, e como fornecedora a parte ré. Logo, é plenamente aplicável o Código Consumerista ao caso sub judice. III.2 - Da possibilidade de revisão contratual Sob o escudo do princípio do pacta sunt servanda, alegou a parte ré na peça defensiva, que a autora não pode buscar o Judiciário para alterar as cláusulas pactuadas. Cumpre argumentar, todavia, que o entendimento ventilado há muito foi alijado do palco das decisões judiciais. O mundo hodierno exige do Poder Judiciário um papel fiscalizador no que diz respeito ao combate a excessiva onerosidade imposta a uma das partes contratantes, buscando-se o desejado equilíbrio contratual. As razões que justificavam o pacta sunt servanda estavam atreladas a uma outra realidade histórica. Atualmente, a realidade difere daquela, por isso outros são os princípios que norteiam o direito contratual. Desse modo, cabe ao Judiciário moderno intervir na relação contratual sempre que, pela desigualdade das partes, uma delas obtenha sobre a outra vantagem excessiva. Na atualidade. a autonomia privada, a intangibilidade do conteúdo dos contratos e a relatividade de seus efeitos, princípios fundamentais do sistema anterior (CC/1916), devem amoldar-se a uma série de novos princípios, quais sejam, o da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico entre as prestações e da função social do contrato. III.3 - Da capitalização mensal e da taxa de juros Inicialmente, é importante destacar que a ré exerce a atividade de instituição de pagamento, dado que é emissora de instrumento de pagamento pós-pago (Circular BACEN nº 3.885/2018, art. 4º), equivalente a uma administradora de cartão de crédito, conforme, aliás, depreende-se das atividades elencadas em seu CNPJ, atuando em conjunto com a AGN, sociedade de economia mista, na disponibilização aos servidores públicos estaduais do cartão Policard/AGN. Nesse sentido, a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça - STJ consolida o entendimento segundo o qual as administradoras de cartões de crédito não se submetem ao limite de juros definido pelo Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura): "as empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura" (Súmula nº 283, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/04/2004, DJ 13/05/2004, p. 201). Outrossim, a jurisprudência pacífica do STJ admite como cláusula contratual expressa de capitalização a mera divergência numérica entre as taxas de juros remuneratórios mensais e anuais constantes do contrato. Sobre o tema, destaca-se a Súmula nº 541, que consolida o entendimento da Corte Superior de Justiça acerca da matéria: Súmula nº 541 - A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Na mesma vertente orienta a jurisprudência do TJRN, notadamente após o julgamento, em 25/02/2015, dos Embargos Infringentes nº 2014.026005-6, oportunidade em que, com fundamento no art. 243, inciso II, §1º, do RITJRN, a egrégia Corte afastou a aplicação da decisão exarada na Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível nº 2008.004025-9/0002.00 para aplicar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Posteriormente, em 27/03/2019, o Tribunal de Justiça do RN editou as Súmulas nos 27 e 28 sobre o assunto: Súmula 27: Desde que expressamente pactuada, será válida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP n. 2.170-36/2001). Súmula 28: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Como reforço, esclareça-se que a jurisprudência pátria consolidou entendimento no sentido de que a divergência numérica necessária para a constatação da existência de cláusula expressa de capitalização também pode ser expressada por meio da diferença entre o Custo Efetivo Total - CET mensal e anual previstos, uma vez que a referida informação indica a taxa efetiva aplicada na operação, incluindo os juros remuneratórios e demais encargos e despesas do contrato. Além disso, o contrato cerne da presente lide foi celebrado após a vigência da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (reeditada sob o nº 2.170-36/2001), razão pela qual inaplicável a restrição à capitalização mensal de juros. Para espancar qualquer dúvida, colaciona-se o entendimento já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, do qual se destaca a permissão à capitalização desde que expressamente pactuada: Súmula 539: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. Nesse passo, tramitou no Supremo Tribunal Federal – STF a ADI nº 2316 MC/DF, relatada pelo Min. Nunes Marques, cujo entendimento foi o de "declarar a constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/2001, ficando prejudicado o exame da medida cautelar.". Veja-se: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DEFINITIVO. PREJUÍZO DO EXAME DA MEDIDA CAUTELAR. CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAIS. MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.170-36/2001, ART. 5º. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO, JUROS SOBRE JUROS OU ANATOCISMO. INCOMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA SINDICAR OS PRESSUPOSTOS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA NA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. DESVIO DE FINALIDADE OU ABUSO DO PODER POLÍTICO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA. PREVISÃO DE LEI COMPLEMENTAR LIMITADA À ESTRUTURA DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, E NÃO A NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS ENTRE AS INSTITUIÇÕES INTEGRANTES E SEUS CLIENTES (CF, ART. 192). LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL NÃO REVESTIDA DE PARAMETRICIDADE EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO (LINDB, ART. 2º). MATÉRIA ESTRANHA AO OBJETO DO DIPLOMA LEGISLATIVO. ATECNIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA NORMA, POR FORÇA DO ART. 18 DA LEI COMPLEMENTAR N. 95/1998. 1. Transcorridos 23 anos desde o ajuizamento da ação e aparelhado o processo para análise definitiva da controvérsia – presentes as informações, a manifestação da Advocacia-Geral da União e o parecer da Procuradoria-Geral da República –, não subsiste utilidade em ultimar o exame da medida cautelar iniciado. Em observância dos imperativos constitucionais da celeridade e economia processuais, cumpre providenciar-se a apreciação do mérito. Precedentes. 2. O Poder Judiciário deve abster-se de emitir juízo sobre a presença dos pressupostos de relevância e urgência na edição de medida provisória (CF, art. 62, caput), limitando-se a fazê-lo nas hipóteses marcadas por desvio de finalidade ou por abuso do poder político do Chefe do Executivo, o que não ocorre na espécie. 3. A regulação por meio de lei complementar prevista no art. 192 da Constituição Federal se refere à estrutura do Sistema Financeiro Nacional (SFN), e não aos negócios jurídicos celebrados nesse ambiente. Aludida exigência formal não se aplica, portanto, à periodicidade de capitalização dos juros contratados nos empréstimos concedidos pelas instituições integrantes do SFN. 4. A norma do art. 4º da Decreto n. 22.626/1933, por ter estatura infraconstitucional, expõe-se sem maior dificuldade a supervenientes modificações ou revogações (LINDB, art. 2º). As leis posteriores que assim fizeram não são, apenas por isso, incompatíveis com a Constituição Federal. 5. Eventual discrepância entre certa norma e o objeto do diploma legislativo que a abriga revela atecnia insuficiente para provocar nulidade, nos termos do art. 18 da Lei Complementar n. 95/1998, não havendo falar em violação à Carta da República. 6. Para que a declaração de constitucionalidade de uma norma alcance eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, inclusive em face dos órgãos da Administração Pública, é necessário que o pronunciamento ocorra em sede de controle abstrato. 7. Pedido julgado improcedente, para declarar a constitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/2001, ficando prejudicado o exame da medida cautelar. (ADI 2316, Relator(a): NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 01-07-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 21-08-2024 PUBLIC 22-08-2024) Destaque-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.377/RS, com Repercussão Geral reconhecida, ocorrido em 04 de fevereiro de 2015, consolidou o entendimento de que o art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 é formalmente constitucional, uma vez que não desrespeitou os requisitos previstos no art. 62 da Carta Maior para a sua edição. No caso dos autos, no que concerne aos contratos firmados, levando em consideração o fato alegado pelo autor de que não foi informado das taxas de juros incidentes sobre a operação financeira. bem como sobre a capitalização, e deixando a ré de demonstrar o contrário, na medida em que não colacionou o áudio da ligação e/ou documento comprobatório nesse tocante, tem-se por verossímeis as alegações da parte requerente. Nesse contexto, caberia à requerida demonstrar que observou objetivamente todos os procedimentos regulamentares na contratação em exame, notadamente no que pertine ao direito à informação assegurado pelo art. 6º, inciso III, do CDC, o que não ocorreu na presente hipótese, dado que a contestação não foi instruída por nenhum documento capaz de demonstrar que a tomadora do empréstimo objeto da ação, ora autora, foi informada sobre a capitalização composta dos juros ou sobre as taxas mensais e anuais contratadas. Logo, conclui-se que a parte autora não foi informada em momento algum sobre a capitalização composta dos juros, nem tomou conhecimento da taxa mensal e anual contratadas nos contratos firmados entre as partes, notadamente os entabulados em abril de 2013 (contrato nº 159501), março de 2014 (contrato nº 171947), maio de 2015 (contrato nº 187517) e maio de 2018 (contrato nº 722639). De acordo com precedentes do TJRN, a ausência de pactuação dos juros compostos impõe o recálculo das parcelas com a incidência de juros simples: TJRN - CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ESTIPULADAS EM FLAGRANTE PREJUÍZO AO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE JUNTADA AOS AUTOS DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO CONSUMIDOR. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. INVIABILIDADE. PRESUNÇÃO DE NÃO TER SIDO A MESMA CONTRATUALMENTE ESTIPULADA, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE JUNTADA DO RESPECTIVO INSTRUMENTO AOS AUTOS.COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VEDADA CUMULAÇÃO. SÚMULA 472/STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO CONHECIDO. NÃO OBJETO DA AÇÃO. DEVER DE COMPENSAÇÃO E RESTITUIÇÃO DOS VALORES EVENTUALMENTE PAGOS A MAIOR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO (TJRN – Apelação Cível nº 2017.020463-1, Rel. Des. Vivaldo Pinheiro, 3ª Câmara Cível, Julgamento: 30/07/2019) (destaques não constantes do original). AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE JULGOU DESPROVIDO O APELO INTERPOSTO, COM FULCRO NO ART. 932, INCISO IV, ALÍNEA "B", DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALEGAÇÃO DE QUE O JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO APELO AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. IMPERTINÊNCIA. RECURSO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO A JULGAMENTO PROFERIDO PELO STF EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. REVISÃO CONTRATUAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. NÃO APRESENTAÇÃO DO CONTRATO PELO BANCO. PRESUNÇÃO DE AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO EXPRESSA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, VIII, DO CDC. ANATOCISMO NÃO PERMITIDO. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE SE IMPÕE (TJRN – AIAC nº 2016.008774-0/0001.00, Rel. Des. Expedito Ferreira, julgamento: 01/12/2016) (grifou-se). CIVIL E CONSUMIDOR. REVISÃO DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA N.º 297 DO STJ. PODER DE EXIGIBILIDADE DOS CONTRATOS DE ADESÃO E PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA RESPEITADOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. INVIABILIDADE. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO NÃO APRESENTADO PELAS PARTES. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO EM FAVOR DO CONSUMIDOR. ART. 6º, VIII, DO CDC C/C ART. 359 DO CPC. ENTENDE-SE COMO VERDADEIRA A ALEGAÇÃO DE QUE ESTE ENCARGO NÃO FOI PACTUADO. COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA CUMULADA COM MULTA, JUROS E DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. INVIABILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N.º 472 DO STJ. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES (TJRN, Apelação Cível n.° 2014.018669-5, Relator: Desembargador João Rebouças, julgamento: 10/03/2015) (destaques acrescidos). Por outro lado, diante da omissão quanto à taxa de juros efetivamente contratada, impõe-se o acolhimento, em parte, da pretensão revisional, não para a aplicação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, mas para que se faça incidir sobre a operação financeira a média de juros do mercado, conforme apurado mensalmente pelo Banco Central do Brasil nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o autor, nos termos definidos pela Súmula nº 530 do Superior Tribunal de Justiça, a seguir transcrita: "Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor." (Súmula 530, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015). Portanto, deverão incidir juros simples e a taxa média do mercado divulgada pelo BCB praticada nas operações da mesma espécie à época da contratação (Súmula nº 530 do STJ), salvo se superior à taxa contratada. III.3 - Da restituição em dobro Quanto à restituição dos encargos tidos por abusivos, deve-se ressaltar que eventuais valores pagos a maior pela parte requerente deverão ser compensados com eventuais débitos pendentes ou, quitada a dívida, deverão ser restituídos, de forma simples, já que não é o caso de quebra da boa-fé objetiva (ver EAREsp nº 676.608). III.4 - Diferença no troco Em relação ao pedido de devolução do "valor referente à 'diferença no troco'", entende-se que o referido valor já consta no cálculo do valor total pactuado, não sendo viável buscá-lo em separado, tal como pretendido. Ou seja, ao revisar o contrato, por consequência, já fica recalculado o referido "troco". Assim, a condenação da parte ré ao pagamento de “diferença de troco” à parte autora, implicaria bis in idem, pois esse crédito já estará incluso no montante devido pela parte ré à autora em razão de eventual pagamento a maior. Nesse sentido: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA PRETENSÃO. APELAÇÃO DA PARTE RÉ: PLEITO DE REVISÃO DE CONTRATO. NÃO APLICAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE CONTRATO FORMAL. CONTRATAÇÃO POR TELEFONE. CARÊNCIA DE INFORMAÇÕES AO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO. VANTAGEM ABUSIVA. APLICAÇÃO DA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS AFASTADA. CARÊNCIA DE PREVISÃO. ILEGALIDADE. DESPROVIMENTO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA: REPETIÇÃO DO INDÉBITO. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. FORMA DOBRADA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO MÉTODO GAUSS. MATEMÁTICA FINANCEIRA. QUESTÃO DE FATO A SER DEFINIDA POR MEIO DE PROVA TÉCNICA EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. VALORES A TÍTULO DE DIFERENÇA DE “TROCO”. VALOR JÁ RECALCULADO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA. OBRIGAÇÃO DA RÉ ARCAR INTEGRALMENTE COM AS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 86, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0884761-62.2022.8.20.5001, Des. Ibanez Monteiro, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 14/12/2023, PUBLICADO em 15/12/2023) Portanto, rejeita-se o pleito autoral. III.5 - Da utilização do Método Gauss Insta acrescentar que o método de cálculo dos juros simples deverá ser o Sistema de Amortização Constante - SAC, não sendo de se acolher a pretensão autoral neste particular, quando pugna pela adoção do Método Gauss. A respeito do tema, destaque-se a doutrina de Luiz Donizete Teles: “O Método de Gauss é um modelo de cálculo perfeito nas aplicações para as quais ele foi criado, mas não serve como alternativa de juros simples em operações financeiras. Se levarmos em consideração que nas operações de empréstimo não pode haver a capitalização composta de juros, devemos supor que isto não pode ocorrer a favor de quem está fornecendo os recursos e nem a favor de quem os está recebendo. O Método de Gauss toma como referência o retorno do investimento que um determinado valor poderá propiciar. Ocorre que, no caso de operações de empréstimos, as prestações são compostas de capital e juros, juros estes que, em razão dos cálculos que são feitos para apurar o retorno do investimento, sofrem a incidência de novos juros. Isto causa uma distorção a favor do devedor, na medida em que, justamente por causa da capitalização composta que ocorre no cálculo do retorno, para se alcançar o retorno esperado, a prestação calculada pelo Método de Gauss é menor” (TELES, Luiz Donizete. Método de Gauss não serve como alternativa de juros simples. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3274, 18 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22021. Acesso em: 26 out. 2019). No mesmo passo, tem-se acórdão do TJSP: Agravo de instrumento. Revisão de contrato de financiamento imobiliário. Liquidação de sentença. Título executivo que determinou o recálculo das prestações "adotado o sistema linear de juros". Decisão recorrida que homologou os cálculos periciais efetuados pelo Método de Gauss. Inconformismo da instituição financeira. O Método de Gauss, à míngua de determinação expressa no título executivo, mostra-se inadequado para recomposição das parcelas do financiamento imobiliário, uma vez que consiste em fórmula matemática para fins estatísticos e acaba por alterar o equilíbrio contratual inicialmente ajustado. Substituição, conforme requerido, pelo Sistema de Amortização Constante - SAC, que, respeitadas as posições em sentido diverso, não induz capitalização composta de juros e melhor se adequa à hipótese. Precedentes desta Câmara. Recurso provido (TJSP; Agravo de Instrumento 2028046-04.2019.8.26.0000; Relator (a): Jonize Sacchi de Oliveira; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 10ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 02/09/2019; Data de Registro: 02/09/2019) (destacou-se). Em suma, não há falar em aplicação do denominado "método linear ponderado", também conhecido como "Método Gauss", porque este não se constitui em um sistema de amortização de débito, mas um modelo matemático de equações lineares, sem reconhecimento científico. III.6 - Dos serviços não contratados No que tange aos pleitos de declaração de nulidade e condenação da parte requerida à restituição, em dobro, das quantias adimplidas a título de eventuais serviços não contratados, a exemplo de seguros, cabe esclarecer que os pedidos foram formulados pelo requerente de forma absolutamente genérica, sem qualquer indicativo ou especificação dos serviços discutidos e reputados indevidos. Registre-se, por oportuno, que para possibilitar a revisão do negócio jurídico de modo a declarar a nulidade de disposições contratuais que ensejem a contratação de serviços indevidos e/ou indesejados, é imprescindível a indicação pormenorizada das supostas abusividades praticadas, notadamente porque é assente na jurisprudência do STJ (Súmula nº 381) que "nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas", em razão da natureza eminentemente patrimonial e, portanto, disponível do direito neles consubstanciado. Dessa forma, tem-se por incabível o acolhimento dos pedidos mencionados. Ante o exposto: a) REJEITO A PRELIMINAR de inépcia da inicial; b) ACOLHO PARCIALMENTE a questão prejudicial de mérito arguida pela parte demandada na peça de defesa e, em decorrência, RECONHEÇO A PRESCRIÇÃO da pretensão autoral em relação ao contrato celebrado em julho de 2011 (anterior a outubro de 2012), com fundamento no art. 205 do Código Civil brasileiro; e, c) JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, a pretensão autoral e, de consequência: c.1) a incidência nas operações financeiras de n.º 159501, 171947, 187517 e 722639, firmadas entre as partes, da taxa média de juros do mercado divulgada pelo BCB praticada nas operações da mesma espécie (Súmula nº 530 do STJ), salvo se superior à taxa contratada; e, c.2) declaro abusiva a capitalização composta de juros, diante da ausência de pactuação das taxas de juros mensal e anual (Súmulas nº 539 e 541 – STJ), motivo pelo qual determino o recálculo das parcelas com a incidência de juros simples. Em decorrência, condeno a demandada a restituir, na forma simples, o valor pago a maior pelo demandante a título de juros compostos superiores à média de mercado em razão das referidas operações (n.º 159501, 171947, 187517 e 722639), sendo realizada a sua compensação com eventuais débitos da parte demandante. Advirta-se que sobre o valor a ser repetido à parte requerente também deverá incidir correção monetária (IPCA a incidir a partir da data do efetivo pagamento declarado como indevido) e juros de mora (SELIC deduzida a taxa relativa ao IPCA), nos termos da Lei nº 14.905/2024, a contar da citação, por se tratar de responsabilidade contratual. Diante da sucumbência recíproca, condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, e a parte autora ao pagamento de 10% sobre o valor do proveito econômico obtido pela parte ré (art. 85, §2º, c/c art. 86, caput, ambos do CPC). Condeno, ainda, a parte demandada ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais e a parte demandante ao pagamento dos 30% (trinta por cento) restantes. De consequência, julgo extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do art. 487, incisos I e II do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, arquivem-se. NATAL/RN, 09 de junho de 2025. KARYNE CHAGAS DE MENDONÇA BRANDÃO Juíza de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/06)
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