Processo nº 0804175-86.2024.8.20.5124
ID: 281425409
Tribunal: TJRN
Órgão: 4ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0804175-86.2024.8.20.5124
Data de Disponibilização:
28/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FELIPE OTAVIO MORAES ALVES
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim
Fórum Tabelião Otávio Gomes de Castro, Rua Suboficial Farias, nº 280, Monte Castelo, Cent…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Juízo de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim
Fórum Tabelião Otávio Gomes de Castro, Rua Suboficial Farias, nº 280, Monte Castelo, Centro, Parnamirim/RN CEP: 59146-200
Processo nº 0804175-86.2024.8.20.5124
Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Exequente: ANTONIO ALCIMAR DA SILVA
Executado: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
SENTENÇA
Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos
materiais e morais, com pedido de tutela provisória de urgência, promovida por Antônio Alcimar
da Silva em face de Uber do Brasil Tecnologia Ltda., fundada na alegação de que o autor,
motorista vinculado à plataforma da ré, teve seu cadastro desativado de forma unilateral,
definitiva e sem prévio aviso, fato que comprometeu a sua principal fonte de sustento.
Narrou o autor que utilizava o aplicativo da ré para prestação de serviços de
transporte remunerado, mantendo uma excelente avaliação de 4,82 pontos, em uma escala
máxima de 5, e uma taxa de satisfação de 96,4%, o que, segundo afirma, evidencia sua boa
conduta e a satisfação dos usuários.
Alegou que, subitamente, teve sua conta suspensa de maneira definitiva e
sem comunicação prévia ou justificativa específica, tendo recebido apenas respostas
automáticas e genéricas quando buscou esclarecimentos junto à empresa demandada.
Sustentou que a sua atividade profissional, enquanto motorista de aplicativo,
constituía a principal fonte de renda para o seu sustento e de sua família, razão pela qual a
desativação indevida de seu cadastro lhe causou graves prejuízos de ordem material, além de
abalo moral.
Defendeu que a relação entre as partes é regida pelo Código de Defesa do
Consumidor, por se tratar de contrato de adesão, firmado entre fornecedor de serviços e
consumidor hipossuficiente, no qual não lhe foi facultado qualquer poder de negociação ou
alteração das cláusulas estipuladas unilateralmente pela empresa.
Postulou, assim, a concessão da tutela provisória de urgência para a imediata
reativação de sua conta, com a consequente liberação do acesso à Plataforma Uber Drive, a
fim de que possa continuar exercendo suas atividades.
No mérito, pretendeu a confirmação da tutela de urgência, condenando a ré a
obrigação de fazer, consistente na manutenção do seu cadastro ativo na plataforma, bem como
indenização por danos morais no valor de R$ 7.060,00.
Instruiu a inicial com documentos.
A tutela de urgência foi indeferida da Decisão anexada ao id. 117309066. No
mesmo ato foi concedida a gratuidade judiciária em favor do autor.
A ré apresentou contestação no id. 119360148, tendo, inicialmente,
impugnado o pedido de gratuidade de justiça, sob o argumento de ausência de comprovação
da hipossuficiência financeira, especialmente por estar o autor assistido por advogado
particular. Arguiu, também, a preliminar de inépcia da petição inicial, por ausência de indicação
e quantificação do valor pleiteado a título de danos materiais, em afronta ao disposto nos
artigos 292, inciso V, 322 e 324, todos do Código de Processo Civil, requerendo, em
consequência, a extinção do feito sem resolução do mérito, com base nos artigos 330, inciso I,
e 485, inciso I, do mesmo diploma legal. Arguiu a prejudicial de mérito alusiva à prescrição
trienal, com fulcro no artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, sustentando que a desativação
da conta do autor teria ocorrido em 2019, enquanto a propositura da ação somente se deu em
março de 2024, restando, portanto, exaurido o prazo prescricional para a propositura da
presente demanda. No mérito, asseverou que não exerce atividade de transporte, mas tão
somente atua como plataforma de intermediação tecnológica entre motoristas independentes e
usuários interessados nos serviços, não havendo, portanto, relação de consumo que justifique
a aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. Alegou que os
motoristas cadastrados são empreendedores individuais que utilizam a plataforma como meio
de desenvolvimento de sua própria atividade econômica, o que afasta a incidência da teoria
finalista e, consequentemente, a inversão do ônus da prova. Defendeu, outrossim, que a
desativação do cadastro do autor deu-se por justo motivo, consubstanciado em denúncias de
usuários quanto à prática de condutas graves por parte do motorista, violadoras das políticas
internas da plataforma, as quais foram aceitas pelo autor no momento de sua adesão. Afirmou
que agiu no exercício regular de direito, inexistindo, portanto, ato ilícito, dano ou nexo causal
que autorizem a responsabilização civil, sendo indevida, por conseguinte, qualquer indenização
por danos morais ou materiais. Por fim, impugnou o valor pleiteado a título de danos morais,
afirmando que, ainda que se admitisse a condenação, esta deveria ser fixada em patamar
módico, suficiente para reparar eventual lesão, mas sem ensejar enriquecimento sem causa.
Designada audiência conciliatória, não houve acordo entre as partes (id.
119628455).
Em réplica (id. 120116223), o autor reiterou integralmente os argumentos
expostos na petição inicial, refutando as alegações defensivas. Insistiu na configuração de
relação de consumo entre as partes, destacando a hipossuficiência técnica, econômica e
jurídica do motorista frente à empresa de grande porte, o caráter de contrato de adesão das
cláusulas estabelecidas pela ré, e a impossibilidade de discussão ou alteração de seu
conteúdo.
Sustentou que a desativação do cadastro ocorreu sem a devida motivação e
sem oportunizar o contraditório e a ampla defesa, o que violaria princípios fundamentais do
ordenamento jurídico, especialmente o da função social do contrato e o da boa-fé objetiva.
Rebateu a alegação de prescrição, afirmando que não houve ciência
inequívoca do motivo da desativação e tampouco transparência por parte da ré, o que obstaria
a fluência do prazo prescricional ou, ao menos, justificaria sua contagem a partir de momento
diverso.
Requereu, ao final, a rejeição de todas as preliminares e da tese meritória
apresentada pela ré, com a consequente procedência total dos pedidos formulados na exordial,
em especial a reativação de sua conta e a condenação da ré ao pagamento de indenização por
danos materiais e morais.
Intimadas as partes para fins de especificação de outras provas, ambas
pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (ids. 123499723 e 124067725).
Era o importante relatar. Fundamento e Decido.
1 – Das Questões Processuais Pendentes.
1.1 – Impugnação à Gratuidade Judiciária
Inicialmente, aprecio a questão processual pendente, alusiva à impugnação à
gratuidade judiciária requerida pela autora, formulada pela UBER do Brasil em sua
contestação.
O benefício da assistência judiciária gratuita libera a parte que dele dispõe de
prover as despesas dos atos que realizam e requerem no processo (artigo 82 do CPC), bem
como de responder pelas custas e honorários advocatícios.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXIV, ao garantir assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, não revogou o artigo
4º da Lei 1.060/50, o qual estabelece que basta a simples declaração do interessado para que
o juiz possa conceder-lhe o benefício, salvo prova em contrário.
In casu, a parte ré, Uber do Brasil Tecnologia Ltda, limitou-se a alegar
genericamente que o autor possuiria capacidade financeira para suportar as despesas
processuais. Contudo, não acostou qualquer prova concreta que demonstrasse a ausência de
hipossuficiência econômica da parte autora.
Registre-se que a gratuidade judiciária em favor da parte autora foi deferida a
partir da análise dos documentos anexados com a inicial, em especial o extrato bancário de id.
117188054.
Em arremate, a própria causa de pedir (fundada em desligamento de
plataforma em que o autor exercia sua atividade laborativa) também é elemento a indicar a
incapacidade econômica de suportar as despesas do processo.
Assim, competia à parte impugnante demonstrar a capacidade econômica da
parte contrária, o que não ocorreu.
Diante disso, rejeito a impugnação apresentada e mantenho os benefícios da
gratuidade de justiça concedidos ao autor.
Ultrapassada tal questão processual pendente, impende anotar que a lide em
apreço comporta julgamento antecipado, por força do art. 355, I, do Código de Processo Civil,
tendo em vista que somente há questões de direito a serem dirimidas, além do que os fatos já
se encontram demonstrados pela documentação anexada aos autos, tudo à luz do princípio da
persuasão racional (art. 371 do CPC).
Passo ao exame da preliminar suscitada na contestação.
2 – Da Preliminar de Inépcia da Inicial
Suscitou a ré a preliminar em destaque, por ausência de indicação e
quantificação do valor pleiteado a título de danos materiais, em afronta ao disposto nos artigos
292, inciso V, 322 e 324, todos do Código de Processo Civil.
Inicialmente, ressalta-se que a petição inicial deve atender aos requisitos
previstos no art. 319 do Código de Processo Civil, contendo os elementos essenciais para a
propositura da ação, notadamente a exposição dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, a
indicação do objeto da demanda e o requerimento da respectiva tutela jurisdicional.
No caso em análise, observa-se que a inicial preenche os requisitos legais,
descrevendo, de forma clara e coerente, os fatos relacionados à suposta arbitrariedade no
desligamento do autor da plataforma, os fundamentos jurídicos que embasam o pedido e a
tutela pretendida pela parte autora.
Em que pese a parte autora tenha mencionado o dano material no nome da
ação, não se vê dos pedidos qualquer pedido a esse respeito, mas tão somente aqueles
relacionados à obrigação de fazer e ao pedido de dano moral.
De fato, é imprescindível que os pedidos sejam certos e determinados, nos
termos dos artigos 322 e 324 do CPC, sendo possível a sua formulação genérica apenas nos
casos previstos em lei, o que não se verifica na presente demanda. Como dito, o autor não
formulou pedido específico de danos materiais, tampouco requereu valor determinado a tal
título. O que constou foi apenas a referência genérica no nome da ação, mas sem
desdobramento nos pedidos.
Isso posto, rejeito a preliminar de inépcia.
3 – Da Prejudicial de Mérito. Da Prescrição.
A ré suscitou a ocorrência da prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º,
inciso V, do Código Civil.
Não assiste razão à parte requerida.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que as
relações entre motoristas parceiros e plataformas digitais não configuram relação de consumo
tampouco de natureza trabalhista, sendo regidas pelo Direito Civil, em especial pela teoria
geral dos contratos (STJ - AREsp: 2686942, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
Data de Publicação: 27/08/2024).
No caso, trata-se de relação obrigacional que não possui previsão específica
de prescrição, devendo incidir, portanto, o prazo geral decenal previsto no art. 205 do Código
Civil, afastando-se, assim, o prazo trienal invocado pela ré.
Sobre a prescrição decenal, assim já entendeu nosso egrégio TJRN:
SÚMULA DO JULGAMENTO . RECURSO INOMINADO.
AUTOR MOTORISTA DE APLICATIVO. ALEGADA
SUSPENSÃO INJUSTIFICADA DO CADASTRO AUTORAL
JUNTO À PLATAFORMA. VIOLAÇÃO, PELO USUÁRIO, DAS
POLÍTICAS DE USO DOS SERVIÇOS DA RÉ . CADASTRO
BLOQUEADO POR FRAUDE À PLATAFORMA.
COMPARTILHAMENTO DA CONTA DO MOTORISTA COM
TERCEIRO. CONDUTA QUE VIOLA OS TERMOS DE USO
DO APLICATIVO. RESPEITO À LIBERDADE DE CONTRATAR
DA RÉ . AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DEFERIMENTO DA
JUSTIÇA GRATUITA EM FAVOR DO POSTULANTE.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. ART . 46, DA LEI Nº 9.099/95.
FUNDAMENTAÇÃO “PER RELATIONEM”. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO . – REJEITO a preliminar de
ausência de dialeticidade recursal, suscitada pela recorrida, por
compreender que as razões recursais atacaram os
fundamentos da sentença, estando em acordo com o discutido
nos autos na fase de instrução probatória. - Da mesma forma,
REJEITO a prejudicial de prescrição erguida pelo recorrido,
vez que, segundo o entendimento firmado pelo Superior
Tribunal de Justiça, nas pretensões relacionadas a
responsabilidade contratual se aplica a regra geral prevista
no artigo 205 /CC, que prevê dez anos de prazo
prescricional. Destarte, decorrendo a pretensão autoral de
responsabilidade civil contratual, dessume-se que o prazo
prescricional a ser observado é decenal, não havendo, pois,
que se falar em prescrição do direito autoral, já que a conta do
postulante foi desativada em 23/10/2017, e a presente ação foi
proposta em junho de 2023. (TJ-RN - RECURSO INOMINADO
CÍVEL: 08111155820238205106, Relator.: JOSÉ CONRADO
FILHO, Data de Julgamento: 09/05/2024, 2ª Turma Recursal,
Data de Publicação: 15/05/2024) - GRIFEI
Nesse contexto, não há que se falar em prescrição trienal, devendo seguir a
regra geral, de 10 (dez) anos.
Não havendo outras questões processuais, preliminares ou prejudiciais de
mérito, passo ao exame do mérito propriamente dito.
4 – Do Mérito
A controvérsia cinge-se à análise da validade do descredenciamento do autor
da plataforma da ré, bem como à eventual configuração de ilícito apto a ensejar a reparação
por danos morais.
Verifica-se que, no presente caso, Antônio Alcimar da Silva discute seu
descredenciamento perante a plataforma fornecida pela Uber, alegando que ocorreu
indevidamente e sem lhe fornecer informações específicas para apresentação de defesa,
motivo pelo qual requereu que a ré seja compelida a restabelecer seu cadastro, além de pagar
indenização por danos morais.
De outro lado, a Uber do Brasil Tecnologia Ltda defendeu que possui
autonomia privada e liberdade contratual para selecionar e gerenciar os cadastros dos
motoristas conforme suas políticas internas.
Sobre o caso específico dos autos, alegou que o autor foi notificado acerca de
um problema relatado por uma consumidora final, consistentes em assédio e má conduta,
entendendo, assim, que o bloqueio teria sido legítimo diante das disposições contratuais
existentes entre as partes, requerendo, por conseguinte, a improcedência dos pedidos iniciais.
Em primeiro lugar, pode ser tido como fato notório que o cadastro de qualquer
motorista realizado perante as diversas plataformas de transporte existentes no mercado
pressupõe a aceitação das condições por ela impostas. E, mesmo que assim não fosse,
decorre das máximas de experiência que a atuação como motorista de aplicativo, como todo
prestador de serviço, depende necessariamente da observância de diversos critérios
determinados, especialmente de qualidade, submetendo-se inclusive a constantes avaliações
dos usuários (artigo 375 do Código de Processo Civil).
Destarte, tem-se que a empresa responsável pela plataforma, então, pode – e
até mesmo deve – efetuar controle de qualidade quanto aos prestadores de serviços,
acarretando a aplicação de sanções e culminando, eventualmente, com o descredenciamento
destes.
Inclusive, vale destacar que a jurisprudência, exatamente para que possa ser
garantida a qualidade dos serviços para os passageiros, reconhece a liberdade da plataforma
em verificar a conveniência em manter cadastrado determinado motorista. Neste sentido:
Colégio Recursal do Estado de São Paulo – 6ª Turma Cível – Recurso Inominado 1003673-
30.2023.8.26.0405/Osasco – Relª. Juíza Marcia Rezende Barbosa de Oliveira – j. 17.06.2024.
Deste modo, a plataforma pode, inclusive, rescindir o contrato unilateralmente,
sem que seja devido o pagamento de qualquer encargo, sempre que constatado
comportamento incompatível com as políticas internas.
Sobre a desplataformização, também conhecida pelo termo em inglês
“deplatforming”, esta se consubstancia no ato de remover ou banir um usuário, grupo ou
conteúdo de uma plataforma digital, geralmente por violar as políticas de uso ou por promover
comportamentos considerados inaceitáveis pela administração da plataforma.
Se o ato cometido pelo motorista for suficientemente gravoso, trazendo riscos
ao funcionamento da plataforma ou a seus usuários, a plataforma poderá fazer a imediata
suspensão do perfil do profissional, assegurando posteriormente o exercício de defesa para
que o motorista possa ser recredenciado.
Como exemplos de casos graves poderíamos citar: comportamento
inadequado do motorista em razão de assédio ou importunação sexual, racismo, crimes contra
o patrimônio, agressões físicas e verbais, dentre outras questões que envolvem não somente o
contratante, senão o consumidor, seu bem-estar, segurança e dignidade.
Pode, inclusive, o motorista ser suspenso de imediato, diante da suposta
violação às políticas da plataforma, sem prejuízo da posterior garantia ao contraditório.
Vejamos o entendimento do STJ a respeito da matéria:
“A plataforma pode suspender imediatamente o perfil do
motorista quando entender que a acusação é suficientemente
gravosa, informando-lhe a razão dessa medida, mas ele
poderá requerer a revisão dessa decisão, garantindo o
contraditório” (STJ. 3ª Turma.REsp 2.135.783-DF. Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 18/06/2024 (Info 817)
Feitas estas anotações, no caso dos autos, restou comprovado que a
desativação do autor decorreu de relatos de usuários acerca de condutas inadequadas, de
natureza grave, imputadas ao autor, especialmente relacionadas ao comportamento
inapropriado durante a condução de uma passageira, tais como contato físico indevido (mão na
perna) e conversas invasivas.
Conforme a narrativa defensiva, esses episódios foram comunicados à
plataforma por meio de denúncia formalizada pela passageira, que demonstrou ter se sentido
constrangida e desconfortável com a conduta do motorista, o que caracteriza infração
contratual e violação ao Código de Conduta da plataforma, especialmente aos tópicos
"Violência e má conduta sexual" e "Trate todas as pessoas com respeito" (id. 119360153).
Vê-se dos termos da política de desativação, acostado no id. 119360154, que
uma das causas de desativação “inclui perguntas íntimas” ao usuário que possam constrangê-
lo.
A cláusula 12.2, dos Termos Gerais dos Serviços de Tecnologia, acostado no
id. 119360156, expressamente prevê que a Uber poderá rescindir imediatamente o contrato,
caso o usuário viole qualquer disposição do contrato ou termos suplementares.
Por fim, verifica-se do corpo da contestação e na documentação acostada
com a inicial, que a parte ré comunicou sua decisão de desligamento (id. 117188056).
Diante de todo exposto, verifica-se que a ré procedeu à desativação do autor
com base em relato violador de suas políticas de uso.
Importante ressaltar que a dinâmica operacional da plataforma, baseada em
tecnologia de intermediação, exige confiança plena nos motoristas cadastrados, sendo
imprescindível a manutenção de padrões elevados de segurança e qualidade, sob pena de
comprometer a experiência e a segurança dos usuários.
Destaco, ainda, que o exercício da autonomia privada e da liberdade
contratual, faculta às partes a celebração e rescisão de contratos, conforme sua conveniência e
dentro dos limites legais e contratuais. Assim, não há como compelir a plataforma a manter
vínculo com motorista cuja conduta, no âmbito da relação contratual, revelou-se inadequada e
incompatível com as políticas de uso.
Aliás, em casos semelhantes ao dos autos, a jurisprudência reconheceu:
Recurso Inominado. Princípio da Dialeticidade. Autonomia
Privada e Liberdade Contratual. Descredenciamento de
Motorista. Uber. Ausência de violação de direito do autor.
Medida fundamentada e de acordo com as regras internas do
aplicativo. Recurso Desprovido" (Colégio Recursal do Estado
de São Paulo – 6ª Turma Cível –Recurso Inominado 1000576-
06.2024.8.26.0011/São Paulo – Relª. Juíza Flavia Beatriz
Goncalez da Silva – j. 10.09.2024)
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM
INDENIZAÇÃO PORDANOS MATERIAIS E MORAIS -
Prestação de serviços de transporte por aplicativo (Uber) -
Descredenciamento do motorista em razão de acusação de
discriminação racial - Sentença de parcial procedência -
Irresignação da ré - Não incidência do Sistema de Defesa do
Consumidor - Inexistência de relação de consumo – Motorista
que não é destinatário final fático - Descredenciamento previsto
em cláusula contratual - Empresa que não está obrigada a
manter o vínculo com o motorista parceiro, podendo rescindir o
contrato ao verificar comportamento em desacordo com seus
termos - Ausência de obrigação da contratante de investigar a
veracidade das reclamações - Rescisão unilateral motivada –
Sentença reformada, para julgar improcedentes os pedidos
iniciais – Recurso provido, com inversão do ônus
sucumbencial, ressalvados os benefícios da gratuidade
processual. (TJSP – 11ªCâmara de Direito Privado – Ap
1000134-02.2022.8.26.0596/Serrana – Rel. Des. MarcoFábio
Morsello – j. 27.02.2024)
Por conseguinte, ausente ato ilícito, não há falar em reativação da conta e
muito menos no dever de indenizar, pois a exclusão do autor decorreu de exercício regular de
direito, em observância às cláusulas contratuais livremente pactuadas e às políticas internas da
plataforma, que zelam pelo bom funcionamento e segurança dos serviços prestados.
Sobre o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), as
avenças livremente pactuadas devem ser cumpridas em seus exatos termos, sob pena de
grave violação à segurança jurídica e à estabilidade das relações negociais.
Trata-se de postulado fundamental do Direito Privado, alicerçado nos artigos
421 e 422 do Código Civil, que consagram a função social do contrato e a observância da boa-
fé objetiva como vetores interpretativos e limitadores da autonomia privada.
Ademais, nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da
intervenção mínima.
Ante o exposto, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos
consubstanciados na inicial. Por conseguinte, declaro extinto o processo com julgamento do
mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de
sucumbência, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Contudo, com arrimo
no art. 98, § 3º, da Lei 13.105/2015, suspendo a cobrança/execução das verbas a serem
suportadas pela parte autora, haja vista o deferimento do pedido de Justiça Gratuita.
Publique-se. Registre-se na forma determinada pelo Código de Normas da
CGJ/RN. Intimações necessárias.
No caso de serem interpostos embargos, intime-se a parte contrária para
manifestação no prazo de 5 (cinco) dias, caso seu eventual acolhimento implique a modificação
da decisão embargada, nos termos do § 2º, do art. 1.023, do CPC, vindo os autos conclusos
em seguida.
Em caso de embargos manifestamente protelatórios, ficam as partes
advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais
e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo
artigo 1.026, §2º, do CPC.
Havendo apelação, nos termos do § 1º, do art. 1.010, do CPC, intime-se o
apelado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, adotando-se igual
providência em relação ao apelante, no caso de interposição de apelação adesiva (§ 2º, art.
1.010, do CPC), remetendo-se os autos ao TJRN, independente de juízo de admissibilidade (§
3º, art. 1.010, do CPC).
Havendo pedido de cumprimento de sentença, deverá o autor acostar aos
autos memorial com a metodologia utilizada, incluindo o índice de correção monetária adotado;
os juros aplicados e as respectivas taxas; o termo inicial e o termo final dos juros e da correção
monetária utilizados; a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso; e a
especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
Registro que a parte deverá utilizar, preferencialmente, a Calculadora
Automática disponível no site do TJRN.
Transitada em julgado:
a) Havendo cumprimento espontâneo da sentença, através de depósito
judicial instruído com a memória discriminada dos cálculos:
a.1) expeçam-se alvarás em favor da parte vencedora e de seu advogado,
autorizando o pagamento das quantias (condenação e honorários advocatícios) a que fazem
jus;
a.2) intime-se a parte vencedora para, no prazo de 5 (cinco) dias, querendo,
impugnar o valor depositado;
a.3) não havendo oposição, sejam os autos conclusos para declaração de
satisfação da obrigação e extinção do processo (art. 526, § 3º do CPC);
a.4) se houver impugnação, após liberada a quantia incontroversa, tornem os
autos conclusos para decisão;
b) Inexistindo pagamento espontâneo:
b.1) nada sendo requerido, arquivem-se os autos com as devidas cautelas,
ressalvando-se a possibilidade de reativação;
b.2) Caso haja requerimento de cumprimento de sentença até 01 (um) ano da
certidão de trânsito em julgado e, desde que acompanhado de memória discriminativa do
débito, intime-se a parte devedora, por seu advogado, para, no prazo de 15 (quinze) dias,
pagar voluntariamente o crédito em que se especifica a condenação, conforme a planilha
juntada, acrescido de custas, se houver, advertindo-a que: a) transcorrido o lapso sem o
pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que, independentemente de
penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação; e, b) não
ocorrendo pagamento voluntário, o débito será acrescido de multa de 10% (dez por cento)
sobre o valor da dívida e, também, de honorários de advogado, no mesmo patamar.
Observe-se que o processo somente deverá ser concluso se houver algum
requerimento de alguma das partes que demande decisão do Juízo de 1º grau.
Parnamirim, na data do sistema.
ANA KARINA DE CARVALHO COSTA CARLOS DA SILVA
Juíza de Direito
(documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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