Processo nº 0246552-63.2007.8.20.0001
ID: 277691959
Tribunal: TJRN
Órgão: 8ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0246552-63.2007.8.20.0001
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 8ª Vara Cível da Comarca de Natal PROCESSO: 0246552-63.2007.8.20.0001 AUTOR: MPRN - 22ª PROMOTORIA NATAL RÉU: FUNDACAO DE APOIO A EDUCACAO E AO DESEN…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 8ª Vara Cível da Comarca de Natal PROCESSO: 0246552-63.2007.8.20.0001 AUTOR: MPRN - 22ª PROMOTORIA NATAL RÉU: FUNDACAO DE APOIO A EDUCACAO E AO DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO DO RN e outros (7) SENTENÇA Trata-se de Ação Civil de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por seu representante legal, em face de Fernando Antônio da Câmara Freire, Antônio Fernando dos Santos, José Ricardo Lia Fook, Jairo José dos Santos, Robson Medina Catão, Georges Campbell Saint Laurent III, Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda, igualmente qualificados. Aduziu a parte autora que, em 30/05/2003 foi instaurado Inquérito Civil n.º 065/03 com a finalidade de investigar a contratação da demandada Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN pela Secretaria de Estado da Defesa Social com dispensa de licitação para implantação do Sistema de Apoio e Monitoramento Automatizado de Viaturas e Comunicação Móvel de Dados. Relatou que o inquérito foi instaurado a partir das conclusões da Comissão Especial de Auditoria constituída pelo Poder Executivo que concluiu pela existência de irregularidades tais como ausência de aprovação do projeto básico, irregularidade na escolha e desvio de finalidade na contratação da FUNCERN, sub-contratação do objeto da avença e pagamento antecipado de despesa. Afirmou que, além de sub-contratação do objeto da avença, há contradição de ordem financeira, pois a FUNCERN pagou à MICROTEC a quantia de R$1.383.836,26 (um milhão, trezentos e oitenta e três mil oitocentos e trinta e seis reais e vinte e seis centavos), mas os equipamentos faturados somavam R$752.000,40 (setecentos e cinquenta e dois mil reais e quarenta centavos). Narrou que os réus Fernando Antônio da Câmara Freire, Antônio Fernando dos Santos, José Ricardo Lia Fook, na condição de agentes públicos estaduais, praticaram ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, VIII, da Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que os dois primeiros agiram em comunhão de interesses para contratar a Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN com dispensa de licitação, prevista no art. 24, XIII, da Lei 8.666/93. Sustentou, contudo, que o dispositivo legal prevê a necessidade de inquestionável reputação ético-profissional da demandada Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN, o que não era atributo da referida demandada que teria funcionado como espécie de intermediária entre contratante e contratado. Asseverou que a condição de intermediária era evidente na medida em que se constata que, do valor de R$1.644.810,00 (um milhão, seiscentos e quarenta e quatro mil, oitocentos e dez reais), repassados pela Secretaria de Estado da Defesa Social, R$1.383.836,26 (um milhão, trezentos e oitenta e três mil, oitocentos e trinta e seis reais e vinte e seis centavos) foi repassado à MICROTEC. Esclareceu que a contratação fraudulenta foi realizada por ato praticado pelo demandado Antônio Fernando dos Santos, que à época era Secretário Adjunto da Secretaria de Estado da Defesa Social, sob orientação do demandado Antônio Fernando da Câmara Freire o qual ocupava o cargo de Governador do Estado do Rio Grande do Norte. Mencionou que o demandado José Ricardo Lia Fook contribuiu decisivamente para o ato, pois, na condição de coordenador de informática da Secretaria de Estado de Defesa Social indicou a contratação da FUNCERN, e recebeu, mediante depósito bancário, parte dos recursos desviados. Disse que a contratação da FUNCERN permitiu a prática de enriquecimento ilícito por parte dos demandados Fernando Antônio da Câmara Freire, porque, à medida que a fundação repassava valores à MICROTEC, esta devolvia os valores a pessoas que residiam no Estado do Rio Grande do Norte e que trabalhavam na campanha eleitoral do demandado Fernando Antônio da Câmara Freire. Informou que o demandado Fernando Antônio da Câmara Freire também auferiu vantagem indevida por meio de operação mais complexa que envolvia o repasse de valores pela FUNCERN à MICROTEC e, posteriormente, esta repassava, por determinação de Georges Campbell Saint Laurent III, ao demandado Robson Medina Catão valores que seriam utilizados na campanha de Fernando Antônio da Câmara Freire. Pediu a condenação dos demandados Fernando Antônio da Câmara Freire, Antônio Fernando dos Santos, José Ricardo Lia Fook, Jairo José dos Santos, Robson Medina Catão, Georges Campbell Saint Laurent III, Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda nas sanções previstas no art. 12, II (duas vezes) da Lei 8.429/92. Requereu a condenação dos demandados José Ricardo Lia Fook, Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda nas sanções previstas no art. 12, I, da Lei 8.429/92. Pleiteou a quebra do sigilo bancário de José Ricardo Lia Fook, Jairo José dos Santos, Robson Medina Catão e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda. Juntou documentos. Foi determinada a notificação dos demandados para apresentação de defesa prévia. O demandado Jairo José dos Santos apresentou defesa preliminar no ID. 67370150 - Pág. 1. Em preliminar, suscitou a inépcia da inicial por ausência de descrição da sua conduta nos fatos narrados na inicial. No mérito, alegou que, em fevereiro de 2002, a empresa Autotrac formalizou proposta de fornecimento de serviços do Sistema de Telecomunicações OminiSAT ao Governo do Estado. Relatou que a Coordenadoria de Informática e solicitou a formalização de convite a outras empresas fornecedoras da tecnologia e da solução projetadas e, em atenção a isso, a Secretaria de Defesa Social formulou convite à FUNCERN para que apresentasse proposta técnico comercial, objetivando a implantação do sistema – CIODS/SDS. Disse que, após a apresentação da proposta pela FUNCERN, o secretário adjunto de Defesa Social, solicitou à Coordenadoria de Informática e Estatística - COINE, parecer técnico acerca da proposta apresentada pela FUNCERN, tendo o Coordenador da COINE emitido parecer favorável à proposta por ser a que apresentava melhor relação de custo/benefício. Mencionou que foi expedido termo de dispensa de licitação pelo Secretário Adjunto de Defesa Social, respaldado em parecer da Assessoria Jurídica da secretaria de Defesa Social, sendo o processo encaminhado à Procuradoria do Estado do Rio Grande do Norte, a qual emitiu parecer favorável à contratação. Relatou que foi realizada a contratação com fixação de 05 (cinco) etapas, sendo que, finda cada etapa, era emitida nota fiscal e o respectivo recibo com encaminhamento à Secretaria de Defesa Social a qual, por sua vez, encaminhou a documentação à Secretaria de Administração Financeira, que atestou a realização do serviço e efetuou os pagamentos. Alegou que a MICROTEC efetuou repasses dos equipamentos os quais foram testados e, após, implantado o curso de capacitação profissional para operacionalizar o sistema. Discorreu sobre a capacidade ético-profissional da FUNCERN para o desempenho do contrato. Defendeu a inexistência de caracterização da irregularidade na dispensa de licitação. Argumentou que a parceria com a MICROTEC não representa subcontratação, de forma que o contrato celebrado com a FUNCERN representa obrigação de fim e de natureza complexa, o que não representa vedação para impedir a busca, em sua carta de parceiros, que pudessem auxiliá-la na consecução do ajuste. Mencionou que não há divergência entre o total faturado e o repassado à MICROTEC, pois o Ministério Público apenas considerou os equipamentos, sem considerar os softwares fornecidos. Pediu o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial, extinguindo o processo sem resolução de mérito. Postulou o indeferimento do pedido de decretação de indisponibilidade de bens. No mérito, postulou pela improcedência dos pedidos contidos na inicial. Juntou documentos. A Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN apresentou defesa preliminar no ID. 67370154 - Pág. 1, comungando das teses suscitadas pelo demandado Jairo José dos Santos. Suscitou, ainda, sua ilegitimidade passiva para figurar no polo passivo do feito, tendo em vista que as condutas de indução e colaboração são próprias de pessoas físicas. Pediu o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial, extinguindo o processo sem resolução de mérito. Requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva. Postulou o indeferimento do pedido de decretação de indisponibilidade de bens. No mérito, postulou pela improcedência dos pedidos contidos na inicial. Juntou documentos. O demandado José Ricardo Lia Fook apresentou manifestação prévia no ID. 67370158 - Pág. 1. Em preliminar, suscitou a inépcia da inicial, tendo em vista que o Ministério Público não descreveu com todos os pormenores a sua conduta, já que a inicial se remete a peças do inquérito. Suscitou a inexistência de justa causa e início de prova, tendo em vista que não deu parecer favorável à contratação da FUNCERN, mas apenas atestou a capacidade técnica da instituição para cumprir o objeto do contrato. Disse que é proprietário de uma empresa de tecnologia e foi contratado pela MICROTEC para desenvolver sistemas de boletins eletrônicos de ocorrências policiais, tendo o serviço sido prestado e, por isso, recebido o pagamento. Relatou que a MICROTEC vendeu, posteriormente o sistema à FUNCERN, sendo a contratação pela Secretaria de Defesa Social o objeto do processo. Por fim, pediu a extinção do processo sem resolução de mérito. Trouxe documentos. Robson Medina Catão apresentou contestação no ID. 67370159 - Pág. 3. Em preliminar, suscitou a nulidade de citação, uma vez que o AR referente ao ato foi assinado por pessoa diversa. Ainda em preliminar, suscitou a prescrição da pretensão, uma vez que os fatos teriam sido praticados em outubro de 2002 e somente em dezembro de 2007 a ação foi ajuizada. Suscitou a sua ilegitimidade passiva para o feito, pois é mero funcionário da empresa MICROTEC e nunca foi proprietário, sócio ou cotista da empresa. No mérito, defendeu que não praticou ato de improbidade, pois se houve transferência a uma pessoa isto se deu a nível particular ou em cumprimento a ordem de seu superior hierárquico. Pediu, por fim, o acolhimento das preliminares suscitadas, extinguindo o processo. No mérito, pediu a improcedência dos pedidos formulados. Trouxe documentos. Fernando Antônio da Câmara Freire apresentou manifestação no ID. 67370160 - Pág. 1. Em preliminar, defendeu a impossibilidade jurídica do pedido por inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos. No mérito, defendeu a impossibilidade de sua condenação, tendo em vista que na inicial há referências apenas genéricas. Disse que inexistem demonstrações da sua participação no processo de dispensa de licitação e que durante o inquérito as pessoas ouvidas não indicaram conhecer o réu. Aduziu que não pode responder pelo simples fato de ter ocupado o cargo e Governador do Estado. Por fim, pede o acolhimento da preliminar de impossibilidade jurídica deste Estado ou que seja acolhida a preliminar de inépcia da inicial. No mérito, postula a improcedência dos pedidos formulados na inicial. Juntou documentos. Antônio Fernando dos Santos apresentou manifestação (ID. 67370161 - Pág. 1). Em preliminar, suscitou a necessidade de que os demais agentes públicos que praticaram atos decisório no processo administrativo de dispensa de licitação sejam incluídas no polo passivo. Invocou a prescrição. Defendeu que deveria ter sido chamado para tomar ciência dos atos do inquérito, mas não o foi. Sustentou a legalidade do ato praticado, pois cumpriu ordens do secretário de Estado, bem como tomou por base os pareceres oficiais emanados. Descreveu o processo de contratação por dispensa de licitação. Pediu que a inicial não seja recebida. Caso não seja este o entendimento, requereu a sua exclusão do processo. Requereu o chamamento à lide dos gestores públicos denunciados. Trouxe documentos. Por meio da decisão de ID. 67370164 - Pág. 3, houve declínio de competência pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública em favor de uma das varas cíveis da Comarca de Natal por ausência de interesse do Estado do Rio Grande do Norte. Após sucessivas afirmações de suspeição (5ª Vara Cível, 6ª Vara Cível e 7ª Vara Cível todas da Comarca de Natal), o processo foi distribuído a este Juízo. O Ministério Público apresentou réplica às defesas prévias que já se encontravam nos autos (ID. 67370167 - Pág. 1). Os réus Georges Campbell Saint Laurent III e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda foram chamados ao feito por edital, tendo a Defensoria Pública sido nomeada curadora especial e apresentado defesa preliminar no ID. 67370167 - Pág. 43, arguindo que não foram esgotadas as medidas necessárias à intimação dos demandados, bem como apresentou negativa geral dos fatos. Pleiteou, ao fim, o acolhimento da preliminar suscitada e, no mérito, a improcedência dos pedidos. O Ministério Público apresentou resposta à defesa preliminar dos réus Georges Campbell Saint Laurent III e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda no ID. 67370167 - Pág. 83, pleiteando a tentativa de notificação pessoal dos réus. Despacho de ID. 67370168 - Pág. 1 deferiu o pedido do Ministério Público. Apesar da tentativa de notificação pessoal, não houve êxito, sendo realizada a intimação por edital com posterior remessa dos autos à Defensoria Pública para atuar na qualidade de curador especial. Defesa preliminar apresentada no ID. 75580424 pela negativa geral dos fatos. As partes foram intimadas para se manifestar sobre a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 843.989/PR, Tema 1.199 do STF. (ID. 83068673). O Ministério Público se manifestou pela não aplicação retroativa da Lei 14230/2021 e, caso assim não entendido, defendeu o dolo dos réus e a imprescritibilidade da ação de ressarcimento. A curadoria dos réus Georges Campbell Saint Laurent III e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda apresentou manifestação no ID. 84892267. Os demais réus, apesar de intimados, não se manifestaram (certidão de ID. 88433773). Decisão de ID. 92856482 afastou a preliminar de carência de ação e recebeu a inicial, determinando a citação dos réus. A Defensoria Pública ratificou os termos da defesa anteriormente apresentada em favor de Georges Campbell Saint Laurent III e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda (ID. Georges Campbell Saint Laurent III e MICROTEC Sistemas Indústria e Comércio Ltda). José Ricardo Lia Fook apresentou contestação no ID. 96099849, suscitando preliminar de inépcia da inicial Em preliminar, suscitou a inépcia da inicial, tendo em vista que o Ministério Público não descreveu com todos os pormenores a sua conduta, já que a inicial se remete a peças do inquérito. Defendeu a aplicação das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa, inclusive, da prescrição. Sustentou a inexistência de dolo específico ou má-fé. Asseverou a prescritibilidade da ação de ressarcimento. Disso que apenas atestou a capacidade técnica daquela instituição para cumprir o objeto do contrato a ser avençado, sendo que o gestor é quem decide pela adequação da contratação pelos permissivos da Lei nº 8.666/93. Afirmou que os valores encontrados na sua conta corrente não tiveram origem em qualquer ato ímprobo ou criminoso, mas, em estreita prestação de serviços. Pediu o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial. Requereu o acolhimento da prescrição da pretensão. No mérito, pediu a improcedência dos pedidos formulados na inicial. O demandado Jairo José dos Santos apresentou contestação no ID. 96609760 e ratificou os termos da defesa preliminar. Suscitou a inépcia da inicial por ausência de individualização da conduta. Ainda, afirmou que os fatos narrados foram apurados na instância criminal, sendo os réus absolvidos. Alertou que foi absolvido com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal. Sustentou cerceamento de defesa, tendo em vista que os autos do inquérito civil não se encontram disponibilizados nos autos. Afirmou que as provas trazidas aos autos não revelam que tenha concorrido dolosamente para a dispensa de licitação. Discorreu sobre a capacidade ético-profissional da FUNCERN para o desempenho do contrato. Asseverou que houve efetiva prestação de serviços e que inexiste dano ao erário. Argumentou que a parceria com a MICROTEC não representa subcontratação, de forma que o contrato celebrado com a FUNCERN representa obrigação de fim e de natureza complexa, o que não representa vedação para impedir a busca, em sua carta de parceiros, que pudessem auxiliá-la na consecução do ajuste. Mencionou que não há divergência entre o total faturado e o repassado à MICROTEC, pois o Ministério Público apenas considerou os equipamentos, sem considerar os softwares fornecidos. Defendeu que não estão presentes os requisitos legais para a indisponibilidade de bens. Pediu o julgamento conforme o estado do processo, observada a inexistência manifesta do ato de improbidade. Postulou que seja acatada a preliminar de nulidade processual arguida pelo cerceamento de defesa. Pugnou pelo acolhimento da inépcia da inicial com sua rejeição. Pediu a improcedência dos pedidos contidos na inicial. Trouxe documentos. A Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN apresentou defesa preliminar no ID. 67370154 - Pág. 1, comungando das teses suscitadas pelo demandado Jairo José dos Santos. Pediu o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial, extinguindo o processo sem resolução de mérito. Postulou o indeferimento do pedido de decretação de indisponibilidade de bens. No mérito, postulou pela improcedência dos pedidos contidos na inicial. Requereu que seja oficiado ao Juízo da 6ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN, solicitando os depoimentos gravados das testemunhas ouvidas na Ação Penal nº 0023560-97.2004.8.20.0001, como prova emprestada. Juntou documentos. O Ministério Público apresentou manifestação quanto às defesas apresentadas por José Ricardo Lia Fook, Jairo José dos Santos e Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN, conforme documento de ID. 103974741. Decisão de ID. 105389963 determinou a realização de diligências. Robson Medina Catão informou, por meio de petição de ID. 120703168, que já apresentou contestação. Informações sobre digitalização de peças processuais no ID. 122978844. Documento de ID. 122982979 - Pág. 11. O réu Antônio Fernando dos Santos apresentou contestação no ID. 124980518. Alegou que houve absolvição na seara criminal em que se discutiam os mesmos fatos. Defendeu que obedeceu a todos os atos pautados ao princípio da legalidade exigidos pelas normas da Administração Pública do Estado e Legislação aplicada à espécie, recebendo os pareceres técnicos e jurídicos previamente de todos os órgãos de controle interno da SDS e externo do Estado/RN, o que comprova a legalidade e formalidades para fosse efetivada a contratação. Disse que respondeu a processo administrativo disciplinar sob o nº 058/09, visando apurar os mesmos fatos desta ação civil pública e a conclusão foi a ausência de responsabilidade. Por fim, pediu o acolhimento de questões preliminares e, no mérito, a improcedência dos pedidos contidos na inicial. Trouxe documentos. O demandado Fernando Antônio da Câmara Freire foi citado, conforme certidão de ID. 130193400 - Pág. 1, requerendo a designação de defensor público. Petição de Jairo José dos Santos no ID. 134346405, acompanhada de documentos. Ofício oriundo da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte acostado ao ID. 134370028. Decisão de ID. 134416791 indeferiu o pedido de designação de defensor ao réu Fernando Antônio da Câmara Freire, determinando que fosse certificado se houve transcurso de prazo para a contestação, a intimação do Ministério Público para apresentar réplica às contestações, dizer sobre a produção de provas, bem como sobre a possibilidade de acordo de não persecução cível. Ainda, foi determinada a intimação dos réus para dizerem sobre as provas a serem produzidas. Manifestação do Ministério Público no ID. 137726442, requerendo como prova nos autos apenas a produção de prova emprestada com a expedição de ofício a 6ª Vara Criminal da Comarca de Natal, para que remeta os depoimentos colhidos em sede de audiência de instrução nos autos da Ação Penal n. 0023560-97.2004.8.20.0001. Despacho de ID. 140897615 autorizou a produção de prova emprestada, mas determinou a juntada pelo próprio Ministério Público. Jairo José dos Santos e a Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN pleitearam a apreciação da petição de ID. 134346405. Subsidiariamente, pediram que seja prolatada decisão de organização e saneamento do processo com precisão, a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável aos réus. Ainda de forma subsidiária, pediram a produção de prova testemunhal. Petição do Ministério Público no ID. 142567534 para juntar termo de depoimentos transcritos na ação penal e pleitear que seja oficiado ao Juízo Criminal para remessa dos demais depoimentos. Antônio Fernando dos Santos apresentou petição no ID. 143387236 corroborando a petição de Jairo José dos Santos e a produção de prova testemunhal. José Ricardo Lia Fook, por meio da petição de ID. 143420111 informou concordância com a utilização de prova emprestada. A Defensoria Pública indicou não haver mais provas a serem produzidas. Decisão saneadora proferida no ID. 146626796, afastando as preliminares suscitadas, declarou o feito saneado e especificou os dispositivos legais em que teriam incorrido os demandados. Intimou-se, ainda, o Ministério Público para juntar aos autos documentação referente a prova emprestada; o demandado Antônio Fernando dos Santos para especificar a necessidade de produção de prova testemunhal; e intimou todas as partes para dizer sobre a necessidade de produção de outras provas. Petição do Ministério Público no ID. 147392787, requerendo o prazo de 10 (dez) dias para a juntada das mídias, após disponibilização pelo Juízo Criminal. A defensoria pública ratificou a ausência de interesse na produção de provas (ID. 147865718). O demandado Jairo José dos Santos ratificou o pedido de produção de prova oral em audiência (ID. 148233244). Despacho de ID. 148233244 deferiu o pedido do Ministério Público quanto ao prazo para a juntada de mídias. José Ricardo Lia Fook informou não possuir outras provas a produzir (ID. 148802499). Antônio Fernando dos Santos requereu a produção de provas em audiência (ID. 149025338). Juntada de mídias de instrução e julgamento realizadas no Juízo Criminal, conforme petições de ID. 148814362 e 148814362. O demandado Jairo José dos Santos informou a interposição de agravo de instrumento contra a decisão saneadora. Por meio do despacho de ID. 149374375 foi determinada a intimação dos réus para se manifestarem quanto as mídias juntadas. Os demandados Jairo José dos Santos, Antônio Fernando dos Santos e José Ricardo Lia Fook se manifestaram e não se opuseram às mídias juntadas, tendo o primeiro ratificado a necessidade de audiência de instrução e julgamento. Os demais demandados, apesar de intimados, não se manifestaram. Vieram-me os autos conclusos. É o que importa relatar. Decido. Trata-se de ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte em que se imputa aos réus a prática de atos de improbidade consistentes em dispensa indevida de licitação e enriquecimento ilícito decorrente do auferimento de vantagens com a suposta prática de emprego de dinheiro público na campanha de reeleição de um dos réus ao governo do Estado do Rio Grande do Norte. Inicialmente, observa-se que todas as preliminares processuais foram analisadas na decisão saneadora de ID. 146626796 cujo teor confirmo por seus próprios fundamentos. Por sua vez, observo que apenas os réus Jairo José dos Santos e Antônio Fernando dos Santos requereram a produção de provas em audiência. Em relação ao pedido formulado pelos réus, entendo que a audiência de instrução e julgamento pode ser dispensada diante das mídias de audiência de instrução, realizada perante o Juízo criminal, e utilizadas como prova emprestada nestes autos, conforme requerido pelo próprio Ministério Público. O demandado Antônio Fernando dos Santos pleiteou a oitiva das pessoas de Anísio Marinho Neto, Adriana Torquato da Silva Ringelsen e Carlos Roberto de Miranda Gomes os quais foram todos ouvidos em sede criminal e cujos depoimentos já se encontram anexos ao presente caso. Já o demandado Jairo José dos Santos requer a oitiva de testemunhas com a finalidade de comprovar a ausência de dolo específico em sua conduta; comprovar a inexistência de enriquecimento ilícito e dano ao erário; comprovar que não concorreu para a prática de ato ímprobo e a licitude do processo licitatório e do subjacente à demanda; comprovar a capacidade ético profissional da FUNCERN e que ela se enquadra nas disposições do art. 24, XIII, da Lei 8.666/93; comprovar que não procurou o Estado do Rio Grande do Norte para fornecer os serviços; comprovar o cumprimento do contrato. Para tanto, arrolou as testemunhas elencadas na petição de ID. 148233244. Ocorre que, ao analisar o rol de testemunhas e a finalidade da produção da prova, entendo, mais uma vez, que a maior parte delas já foi ouvida pelo Juízo criminal, bem como as mídias juntadas indicam que houve debate sobre os pontos levantados pelo demandado. Além disso, entendo que eventual comprovação acerca da capacidade ético-profissional da FUNCERN deve ocorrer por meio de prova documental. Assim, superados tais pontos processuais, não havendo outros a serem analisados, passo ao julgamento do mérito da demanda. A ação de improbidade administrativa visa apurar a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, conforme disciplina o art. 1º da Lei de 8.429/92. Para que haja a responsabilização por ato de improbidade administrativa, é necessário que a conduta praticada pelo agente público ou particular, pessoa jurídica ou natural, seja praticada com dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente dirigida especificamente aos resultados típicos previstos na lei, conforme estabelecido no art. 1º, § 2º da Lei 8.429/92, com redação da Lei 14.230/2021. Diante disto, conforme os arts. 1º e 2º, da Lei de Improbidade Administrativa, somente o dolo é capaz de gerar a responsabilidade por ato de improbidade, afastando-se a responsabilidade por atos eventualmente culposos. Embora os fatos tenham ocorrido entre 2002/2003, aplico as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, especificamente quanto à exigência de dolo específico e dano efetivo, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a nova lei expressa a vontade do legislador de não admitir condenações baseadas em dolo genérico ou dano presumido, devendo tal orientação prevalecer mesmo em processos anteriores ainda em tramitação. Sobre o assunto, confira-se a ementa do julgado: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (STJ, REsp n. 1.929.685/TO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/8/2024, DJe de 2/9/2024). Vale enfatizar que a irretroatividade, segundo o tema 1.199 do Supremo Tribunal Federal, se aplica apenas ao regime prescricional, não havendo impedimento para aplicação da nova Lei aos demais temas nela tratados. A partir do contexto narrado, deve-se apurar as condutas dos réus, observando-se as provas constantes dos autos, a partir das tipificações estabelecidas na decisão de ID. 146626796. Assim, acerca da conduta de dispensa indevida de licitação, em tese praticada pelos réus Fernando Antônio da Câmara Freire Antônio Fernando dos Santos e José Ricardo Lia Fook, Jairo José dos Santos, Robson Medina Catão, Georges Campbell Saint Laurent III, Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN e MICROTEC, é preciso destacar que a Lei 8.666/93 a qual regia os procedimentos licitatórios perante as administrações públicas de todas as esferas, permitia a dispensa de licitação quando houvesse contratação de instituição nacional sem fins lucrativos, incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, ensino ou do desenvolvimento institucional ou tecnológico, desde que a pretensa contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional, conforme o disposto no art. 24, XIII, da referida Lei. A dispensa de licitação é uma permissão de contratação direta, promovida pela lei de licitações, em que é dada ao administrador público a faculdade de contratar diretamente com o prestador. Nestes casos, embora haja viabilidade de competição entre licitantes, a lei possibilita a contratação direta, sendo critérios de conveniência e oportunidade. O Ministério Público do Rio Grande do Norte indica que os réus teriam dispensado indevidamente a licitação, sobretudo pela ausência de “inquestionável reputação ético-profissional” da Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN. Quanto a isto, ao exigir o referido requisito, a Lei intenta que as contratações por meio de dispensa de licitação não ocorram de forma aleatória, prescrevendo, em razão disso, a inexistência de questionamentos sobre a conduta ética ou profissional, a idoneidade técnica, financeira e moral da fundação para a executar o projeto. Ao analisar o contexto dos autos, entendo que não resta configurado qualquer elemento volitivo específico que evidencie a prática de ato de improbidade administrativa pelos réus quanto à dispensa indevida de licitação. Isto porque, em relação à FUNCERN observa-se que se trata de Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Rio Grande do Norte – FUNCERN, sendo certo que possui inquestionável reputação ético-profissional. Além disso, o projeto, a ser implantado no âmbito da Secretaria de Defesa Social consistia na aquisição de produtos e contratação de serviços para o sistema de apoio e monitoramento automatizado de viaturas. Isto implicou no desenvolvimento de tecnologia pela FUNCERN e aquisição de equipamentos para implementação da ideia desenvolvida. Segundo o depoimento prestado pela pessoa de Augusto José Pires Machado (ID. 148815456), o qual atuou como Coordenador de Projetos da FUNCERN, inicialmente foi desenvolvida a ideia da tecnologia e, posteriormente, haveria o que se denomina de “embarcação” ou implantação dos equipamentos necessários à concretização das ideias com a necessária aquisição deles, parte do projeto que denominou de “mais cara”. Logo, o desenvolvimento de tecnologias se inclui dentre as atribuições institucionais da FUNCERN, o que se extrai, inclusive, da sua própria denominação. Por outro lado, os documentos que foram anexados junto ao procedimento administrativo, informam que a FUNCERN havia desenvolvido tecnologia parecida em estados vizinhos, como Pernambuco/PE. O fato de a tecnologia não ser exatamente igual, mas poder ter a sua ideia adaptada às necessidades do Rio Grande do Norte, a meu ver, não desqualifica a fundação para a prestação do serviço a que foi contratada. Especificamente sobre a conduta dos réus, observa-se que em relação ao réu Fernando Antônio da Câmara Freire não se comprovou o dolo específico para a sua concorrência ou indução à prática de ato de improbidade administrativa. O simples exercício do cargo de Governador não implica conhecimento de todos os atos administrativos praticados nas diversas secretarias. O depoimento da testemunha Sr. Anísio Marinho, à época Secretário de Defesa Social, titular da pasta, confirma que os assuntos da referida Secretaria eram tratados com ele (secretário titular), o que se alia ao depoimento do próprio réu (Fernando Freire) em audiência criminal, não havendo evidência de participação do ex-Governador no processo de dispensa. Por sua vez, em relação a Antônio Fernando dos Santos não restou evidenciada o dolo específico, ou seja, a comprovação do elemento volitivo voltado a causar prejuízos à administração pública. Ademais, observa-se que o réu anuiu a pareceres da assessoria técnica e jurídica, o que, embora não vinculantes, demonstram a inexistência de má-fé do réu. Aliás, o processo administrativo que dispensou a licitação foi instruído com a apresentação de propostas de outras 02 (duas) empresas, quais sejam, a Tal – Tecnologias Avançadas Ltda e Engenho Soluções Ltda cujos representantes legais, em oitiva durante a investigação preliminar, afirmaram que os preços apresentados à época, eram compatíveis com a prestação do serviço solicitado (ID. 122982160). Quanto a Jairo José dos Santos não vislumbro a existência de provas que façam concluir pela existência de conluio com os réus para a prática da dispensa da licitação. Enfatizo que o termo de referência do projeto não previa a impossibilidade de aquisição de equipamentos, pela contratada, por meio de outras empresas, sendo, aparentemente, isto que ocorreu. Vale dizer, não havia impossibilidade de que a FUNCERN, após o desenvolvimento da ideia da tecnologia a ser implantada, para tanto, adquirisse os equipamentos de terceiros, como o foi a MICROTEC e Geosoluções. A FUNCERN é uma entidade de apoio que administra o desenvolvimento de soluções tecnológicas e como tal possui parcerias com empresas para que estas soluções sejam devidamente concretizadas. A possibilidade de dispensa de licitação para a contratação da fundação, ora demandada, está, inclusive, prevista na Lei 8.958/1994. Por sua vez, o art. 3º, parágrafo 1º, da Lei de Improbidade Administrativa estabelece que “Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação”. No caso em questão, não restou demonstrada a participação e benefício direto obtidos pelo demandado Jairo José dos Santos com a alegada dispensa ilegal de licitação, sequer que seria apoiador do ex-governador Fernando Freire, para que se conclui-se por eventual benefício indireto da dispensa. Ademais, em relação à FUNCERN, o Ministério Público alega que a FUNCERN funcionou como mera intermediária, repassando R$ 1.383.836,26 dos R$ 1.644.810,00 recebidos à empresa MICROTEC. Esta alegação não prospera tendo em vista que o contrato envolvia desenvolvimento de tecnologia complexa e aquisição de equipamentos especializados e a própria lei de regência das Fundações de Apoio prevê a possibilidade de formalização de parcerias com pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado. Quanto ao demandado José Ricardo Lia Fook, à época, coordenador de informática da Secretaria de Estado de Defesa Social, entendo que igualmente não se logrou êxito em demonstrar que tenha induzido ou concorrido para a prática de ato de improbidade administrativa. Isto porque, deve ser repisado que o parecer emitido pelo referido réu não tinha caráter vinculante e poderia ser recusado pelo Secretário Adjunto, também demandado neste processo. Acrescente-se que, pelo documento de ID. 122982164 – Pág. 26, o demandado, à vista da existência de pesquisas para fornecedores da solução almejada, vislumbrou, após convite da FUNCERN para conhecer tecnologia semelhante implantada em Recife e João Pessoa, sugeriu que a fundação também fosse convidada a apresentar sua proposta. Não há nos autos indicação de que o réu tenha formalizado acordo prévio com a Microtec, seus representantes e os demais réus, para que a licitação fosse dispensada. Em relação à Robson Medina Catão, Georges Campbell Saint Laurent III e a Microtec, igualmente não se vislumbra qualquer indicação probatória no sentido de que tenham influenciado para a dispensa de licitação. Inclusive, os depoimentos prestados pelas testemunhas Michele de Arruda Sales (ID. 148815468) e Adriana Torquato da Silva Ringelsen (ID. 148815457), demonstram que ambas foram uníssonas em afirmar que não receberam qualquer pressão ou influência para que emitissem parecer favorável à contratação por licitação dispensável. Em suma, não há dolo específico dos réus para a prática de ato de improbidade consistente em dispensa indevida de licitação ou a finalidade de causar prejuízos ao erário. Ainda que houvesse irregularidade no procedimento administrativo de dispensa de licitação, descaberia a condenação por ato de improbidade se não provado o prejuízo ao erário, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já mencionada anteriormente. No caso, a proposta da FUNCERN era economicamente mais vantajosa que a da AUTOTRAC, principal concorrente, pois utilizava tecnologia de rádio sem custos posteriores por transmissão de dados, ao contrário do sistema via satélite que geraria despesas contínuas para a administração pública. Os serviços foram efetivamente prestados e o sistema implantado, sendo os problemas posteriores decorrentes de boicote de alguns policiais e falta de disponibilização de viaturas pelo próprio Estado, fatos alheios à responsabilidade da contratada. O contrato foi inclusive aditado pela gestão seguinte, demonstrando sua regularidade, utilidade e reconhecimento da qualidade dos serviços prestados. O Juízo criminal chegou a mesma conclusão quando proferiu sentença absolutória em relação aos mesmos fatos aqui discutidos. Veja-se: "De fato, restou apurado nos autos que o serviço contratado foi disponibilizado e efetivamente, prestado, muito embora não na integralidade, mas não por culpa da contratada e sim por um certo “boicote” por parte de alguns policiais que evitaram a instalação do serviço de monitoramento em algumas viaturas, consistindo, pois, fato alheio à vontade do acusado." (ID. 124980526 – Pág. 11). Ainda se afirmou: “Como já ressaltado alhures, apenas para argumentar, ainda que houvesse dispensa indevida, não restou provado o prejuízo ao erário, pois o FUNCERN apresentou a melhor proposta, não tendo o Ministério Público produzido qualquer prova em sentido contrário. Ademais, os serviços contratados pela FUNCERN foram efetivamente prestados, colocados à disposição do contratante, à exceção daqueles obstaculizados por alguns policiais militares, como forma de boicote. Corrobora esta assertiva o depoimento da testemunha AUGUSTO JOSÉ PIRES MACHADO BRAGANÇA, então Coordenador de Projetos da FUNCERN. Aduziu ainda a testemunha que a MICROTEC já era parceira da FUNCERN e que esta (FUNCERN) prestou integralmente os serviços, com relação ao software. Afirmou, também, que havia uma comissão na SESED que atestava a execução dos serviços a serem executados pela FUNCERN e que nem o Sr. JAIRO nem a FUNCERN fizeram qualquer tipo de ingerência junto aos servidores da SESED no sentido de efetivar a contratação da FUNCERN para a execução do serviço, bem como que a FUNCERN nunca contribuiu para campanha política alguma. Alegou, em complemento, que a FUNCERN obteve atestados de capacidade técnica emitidos para todos os projetos junto às empresas com quem contratava. Infere-se das razões apresentadas pelo acusado JAIRO JOSÉ DOS SANTOS que a FUNCERN, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, é entidade sem fins lucrativos e dotada de “inquestionável reputação ético-profissional”, tendo em vista a quantidade e a natureza dos inúmeros convênios e contratos celebrados com instituições públicas e privadas do país, tais como a ANP, PETROBRÁS, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE etc. Além disso, é notória a participação da FUNCERN em inúmeros projetos em parceria com o Estado do Rio Grande do Norte entre os anos de 1999 a 2003.” (ID. 124980526 – Pág. 19). Por isso, entendendo não haver prejuízos ao erário e inexistente qualquer comprovação acerca do dolo específico dos réus para a prática de dispensa indevida de licitação ou que sequer a FUNCERN não possuía inquestionável reputação ilibada, inexistem motivos para a condenação dos réus na prática de ato de improbidade administrativa que causou prejuízo ao erário. Por sua vez, o Ministério Público ainda pretende a condenação dos réus Fernando Antônio da Câmara Freire, José Ricardo Lia Fook, MICROTEC, Robson Medina Catão e Georges Campbell Saint Laurent III em razão de suposto enriquecimento ilícito. Quanto à Fernando Antônio da Câmara Freire, o enriquecimento ilícito teria ocorrido em decorrência da existência de utilização de recursos utilizados na contratação realizada pela Secretaria de Defesa Social junto a FUNCERN em sua campanha de reeleição ao governo do Estado do Rio Grande do Norte. Entendo que a alegação não prospera, uma vez que não há nos autos comprovação de que o réu soubesse de investimentos realizados em sua campanha eleitoral. Além disso, o simples fato de ser candidato à reeleição não autoriza a conclusão de que sabia de todos os gastos realizados na campanha, mesmo porque, conforme enfatizado em seu depoimento, à época dos fatos, houve a formação de coligação partidária com múltiplos candidatos. Aparentemente, à pessoa de Fernando Antônio da Câmara Freire foi imputada a prática não só de atos de improbidade administrativa, mas de crimes, pelo fato de ter sido, à época, Governador do Estado, o que, repise-se não autoriza a conclusão de que tinha conhecimento dos fatos ocorridos, sobretudo se não se demonstra a presença do elemento volitivo destinado ao enriquecimento ilícito. Em relação à José Ricardo Lia Fook, ele teria recebido valores da MICROTEC, através de Georges Campbell, para ofertar parecer favorável à contratação da FUNCERN e, por consequência, à dispensa de licitação. Em relação a José Ricardo Lia Fook, os valores por ele recebidos da MICROTEC, nas importâncias de R$ 25.000,00 e R$ 13.750,00, foram adequadamente justificados como contraprestação por serviços efetivamente prestados em sua área de especialização, qual seja, desenvolvimento de sistemas eletrônicos. Não há prova de correlação entre esses pagamentos e o parecer técnico emitido no âmbito da Secretaria de Defesa Social, sendo que o próprio Juízo criminal concluiu pela fragilidade da prova quanto à alegada corrupção, destacando que o mero recebimento de valores, desacompanhado de outras provas, é insuficiente para comprovação do ilícito.” Confira-se: “Deveras frágil também é prova do crime de corrupção passiva imputado ao acusado JOSÉ RICARDO LIA FOOK, uma vez que a única prova desse crime seria o fato de o referido ter recebido as quantias de R$ 25.000,00 (VINTE E CINCO MIL REAIS) e R$ 13.750,00 (TREZE MIL SETECENTOS E CINQUENTA REAIS), nos dias 10/10/2002 e 07/11/2002, do denunciado GEORGES CAMPBELL, por meio de transferência eletrônica disponível (TED), efetuadas a partir da empresa MICROTEC. Ora, o mero recebimento desses valores, por si só, desacompanhado de qualquer outra prova, é insuficiente para a comprovação do crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, principalmente em face da ausência de comprovação do dolo. Em sua defesa, o acusado RICARDO LIA FOOK alegou ter recebido tais valores como contraprestação de serviços prestados em sua integralidade.” (ID. 124980526 – Pág.11). No que tange à MICROTEC, Robson Medina Catão e Georges Campbell Saint Laurent III, os valores recebidos correspondem à contraprestação pelos serviços efetivamente prestados à FUNCERN no âmbito da parceria estabelecida. Eventual utilização posterior desses recursos em atividades eleitorais constitui matéria de competência da Justiça Eleitoral, não configurando enriquecimento ilícito por improbidade administrativa, uma vez que não há prova de que tais valores tenham origem em recursos públicos desviados, mas sim em legítima prestação de serviços especializados. Ainda que se alegue que pessoas que trabalharam na campanha à reeleição do réu Fernando Antônio da Câmara Freire tenham recebido valores da MICROTEC ou de Robson Medina Catão, este fato não prova a circunstância de haver associação, concorrência, indução ou qualquer participação de todos os réus para a prática dos atos de improbidade indicados pelo Ministério Público. Diante de todo o exposto, verifico que não houve dispensa indevida de licitação, pois a FUNCERN possuía inquestionável reputação ético-profissional e capacidade técnica para o objeto contratado, enquadrando-se perfeitamente no permissivo legal do art. 24, XIII da Lei 8.666/93. Inexiste dolo específico dos réus direcionado à causação de prejuízos ao erário, não havendo prova de conluio ou má-fé nas condutas analisadas. Não houve dano efetivo à administração pública, sendo a contratação economicamente vantajosa e os serviços efetivamente prestados. Por fim, não se configurou enriquecimento ilícito, pois os valores recebidos pelos réus correspondem à contraprestação por serviços legítimos prestados, sem correlação com eventual desvio de recursos públicos. Em arremate, a pretensão deve ser julgada improcedente. Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na inicial. Sem custas e honorários em razão do disposto no art. 23-B da Lei 8.429/92. Transitada a presente em julgado, arquivem-se. P. R. I. Natal/RN, data registrada no sistema ARKLENYA XEILHA SOUZA DA SILVA PEREIRA Juíza de Direito (Documento assinado digitalmente conforme a lei 11.419/06)
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear