Processo nº 0855430-35.2022.8.20.5001
ID: 334294634
Tribunal: TJRN
Órgão: 17ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0855430-35.2022.8.20.5001
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO RAIMUNDO DE OLIVEIRA FILHO
OAB/RN XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Processo nº 0855430-35.2022.8.20.5001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: JAVIER COSTA…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Processo nº 0855430-35.2022.8.20.5001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: JAVIER COSTA PORTA REU: ELIZABETH SANDRA FERREIRA DE LIMA, ECOCIL - EMPRESA DE CONSTRUÇÕES CIVIS LTDA SENTENÇA I. RELATÓRIO JAVIER COSTA PORTA, devidamente qualificado nos autos, ajuizou a presente Ação Anulatória de Escritura Pública com Pedido de Tutela Antecipada em face de ELIZABETH SANDRA FERREIRA DE LIMA e ECOCIL - Empresa de Construções Civis LTDA, igualmente qualificadas. O autor narrou que, em 22 de fevereiro de 2008, adquiriu o imóvel residencial situado na antiga Rua Enseadas dos Coqueiros, Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard, Quadra E, lote 14, pelo valor de R$ 510.000,00 (quinhentos e dez mil reais), mediante Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda firmado com o senhor Anísio Marinho Neto e sua esposa Adriana Antunes Torres Marinho, conforme documentos acostados aos autos (ID 85851719, pág. 7). Aduziu que, mesmo após a quitação integral do imóvel, a propriedade nunca foi transferida para seu nome, permanecendo registrada em nome da empresa Ecocil Construtora. Para sua surpresa, no mês de maio de 2022, descobriu que o imóvel havia sido transferido para o nome da Ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima por meio de Escritura Pública de Compra e Venda. O Autor sustentou que a Ré Elizabeth Sandra, ao lavrar a Escritura Pública em 04 de fevereiro de 2022 (ID 85851719, pág. 10), declarou seu estado civil como "SOLTEIRA E NÃO CONVIVER EM UNIÃO ESTÁVEL", inserindo, assim, informação falsa em documento público. Em contrapartida, o autor afirmou que ele e a Ré Elizabeth Sandra estavam em processo de reconhecimento e dissolução de união estável (Processo nº 0814401-39.2021.8.20.5001), e que um acordo teria sido juntado naquele processo, atestando que o imóvel em questão não faria parte do patrimônio comum a ser partilhado (ID 85851719, pág. 8). O demandante argumentou que a conduta da Ré Elizabeth Sandra configuraria, em tese, o crime de falsidade ideológica, e que a transferência fraudulenta do imóvel induziu o cartório a lavrar uma escritura anulável. Salientou que o imóvel foi adquirido exclusivamente com seus valores, o que reforçaria a necessidade de anulação da escritura pública. Mencionou, ainda, que a renda da Ré Elizabeth Sandra seria incompatível com a aquisição de um imóvel de tal padrão, requerendo a requisição das declarações de imposto de renda da Ré de 2008 a 2022 para comprovar este fato (ID 85851719, pág. 11). No plano jurídico, o Autor invocou o Princípio da Especialidade Subjetiva (Art. 176, §1º, II, nº 4 da Lei nº 6.015/73), a nulidade do negócio jurídico (Art. 166 do Código Civil) e a simulação (Art. 167 do Código Civil), defendendo a nulidade da escritura pública. Requerido o deferimento de tutela de urgência para determinar o bloqueio da matrícula de nº 20.478 do Livro 2 do Registro Geral da Terceira Circunscrição Imobiliária de Natal/RN, em razão do perigo de alienação do bem pela Ré. Pleiteou, também, a reintegração de posse do imóvel, com base no Art. 1.210 do Código Civil (ID 85851719, págs. 12-16). Ao final, pugnou pela total procedência da ação para que fosse declarada a nulidade da escritura pública de compra e venda, lavrada no livro de nº 286, fls. 174 a 144 no Cartório do 7º Ofício de Notas de Natal, com a averbação do cancelamento do Registro em nome da Ré, na matrícula de nº 20.478, e a condenação dos Réus ao pagamento de honorários advocatícios (ID 85851719, págs. 18-19). O feito foi inicialmente distribuído à 20ª Vara Cível da Comarca de Natal, que declinou da competência para uma das Varas Cíveis não Especializadas, encaminhando os autos à 17ª Vara Cível (ID 85875858). Após redistribuição, sobreveio despacho proferido por este Juízo (ID 86527288), o qual intimou a parte autora a juntar o acordo que supostamente demonstrava que o imóvel não fazia parte do patrimônio comum do casal, bem como a recolher as custas processuais. Seguiu-se certidão informando dificuldades com o CPF do autor para emissão das custas (ID 89698932). Novo despacho (ID 89800200) reiterou as determinações e solicitou que o autor comprovasse a data da união estável, mais especificamente se as partes estavam em união estável em julho de 2022 (momento da lavratura da escritura), e que anexasse a sentença de dissolução e detalhes da partilha, esclarecendo o motivo pelo qual o bem não fez parte desta, se fosse o caso. Em cumprimento, o autor juntou petição e um "ACORDO TRADUZIDO" (ID 91582886 e ID 91582888), informando que a separação do casal ocorreu em outubro de 2020 e que o imóvel em questão não era o bem comum a ser partilhado. Também comprovou o recolhimento das custas processuais (ID 91582889). Posteriormente, este Juízo proferiu despacho (ID 91778038) reconhecendo a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, determinando a inclusão da ECOCIL - Empresa de Construções Civis Ltda. no polo passivo da lide. O Autor emendou a inicial para incluir a Ecocil (ID 94844454). Este Juízo, então, suscitou Conflito Negativo de Competência (ID 95018092), por entender que a ação, ao versar sobre reivindicação de imóvel e reintegração de posse, seria de competência das Varas Cíveis especializadas em Direito Imobiliário. O Conflito foi conhecido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (ID 104680071), que declarou a competência da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal, por entender que o tema principal da demanda é a nulidade da escritura pública, e que a reintegração de posse seria mera consequência. Retornando os autos a este Juízo, foi proferida decisão (ID 107308555) que indeferiu o pedido liminar de reintegração de posse, mas deferiu a tutela de urgência para determinar o impedimento de alienação e oneração do imóvel de matrícula nº 20.478 do Livro 2 do Registro Geral da Terceira Circunscrição Imobiliária de Natal/RN, oficiando-se o 7º Ofício de Notas de Natal para anotação do impedimento. A mesma decisão determinou a citação dos réus e a designação de audiência de conciliação. A audiência de conciliação foi agendada para 29/01/2024. O Autor Javier Costa Porta requereu a realização da audiência por videoconferência, alegando residir na Espanha (ID 114144065). A audiência de conciliação (ID 114251129) restou prejudicada pela ausência das partes Requeridas Elizabeth Sandra Ferreira de Lima e Ecocil. A Ré ELIZABETH SANDRA FERREIRA DE LIMA apresentou contestação (ID 115385059). Em sua defesa, alegou má-fé do Autor, afirmando que não houve acordo na ação de separação judicial nº 0839466-65.2023.8.20.5001, que tramita na 3ª Vara de Família de Natal/RN. Sustentou que foi ludibriada pelo autor, que a teria compelido a assinar um documento em língua espanhola (o "acordo") enquanto estava em situação de fragilidade e sob efeito de medicamentos, sem que este expressasse sua real vontade. Afirmou que o imóvel em litígio pertence ao casal, tendo sido adquirido na constância da união estável, e que deveria ser objeto de partilha. Ressaltou que o cartório não cometeria irregularidades e que o apontamento de seu estado civil como solteira na escritura foi um equívoco, e não má-fé. Requereu a gratuidade de justiça e a conexão do feito com a ação de dissolução de união estável (0814401-39.2021.8.20.5001). A Ré ECOCIL - Empresa de Construções Civis Ltda. também apresentou contestação (ID 115683489). Preliminarmente, arguiu ausência de pretensão resistida, uma vez que a Construtora foi acionada apenas por ter figurado como proprietária do bem no Cartório de Registro de Imóveis, e que nunca foi procurada extrajudicialmente. Afirmou que não firmou negócio diretamente com o autor, mas sim vendeu o lote para Sr. Anísio Marinho Neto e sua esposa, que, por sua vez, cederam os direitos aquisitivos para a Ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima. Defendeu a validade da escritura pública, argumentando que a lavratura ocorreu meses após a propositura da ação de dissolução, e que a Ré Elizabeth Sandra figurava como adquirente, sem vedação legal. Concluiu que a discussão deveria ser travada na ação de dissolução de união estável. O Autor não apresentou réplica às contestações (ID 118693295). Este Juízo proferiu decisão de saneamento (ID 119722115), rejeitando a preliminar de conexão e delimitando as questões de fato controvertidas, intimando as partes a indicarem as provas que desejavam produzir e os fatos incontroversos. A Ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima manifestou interesse em produzir prova oral, especialmente o depoimento pessoal das partes, a fim de esclarecer o suposto ardil do Autor e a controvérsia sobre a propriedade do imóvel (ID 121855699). A Ré Ecocil informou não ter interesse em produzir novas provas, reiterando que o processo já estava suficientemente instruído (ID 122160524). O Autor não se manifestou (ID 122243109). Nova decisão (ID 124640750) rejeitou a preliminar de ausência de pretensão resistida da Ecocil e delimitou as questões de fato sobre as quais recairia a atividade probatória: I) Se a escritura pública está eivada de vício que enseja a nulidade; II) Se as partes reconhecem a assinatura do acordo de ID nº 91582888; III) De quem é a real propriedade do bem imóvel da ação; IV) Se houve sentença ou acordo no processo de nº 0814401-39.2021.8.20.5001 de reconhecimento e dissolução estável. Determinou, ainda, a realização de audiência de instrução presencial para depoimento das partes. A audiência de instrução foi reaprazada algumas vezes (ID 127290524, ID 127859630). A Ré Ecocil informou que não tinha testemunhas a arrolar (ID 129891762). O Autor pugnou pela realização de audiência virtual (ID 133546655). Em audiência de instrução, realizada em 15 de outubro de 2024, (ID 133555804), compareceram o advogado do autor, a ré Elizabeth Sandra e seu advogado, e a ré Ecocil representada por seu advogado. As partes solicitaram a suspensão do processo por 15 dias para tentativa de acordo, o que foi deferido. Não havendo acordo (ID 140049531), foi designada nova audiência de instrução para 13 de maio de 2025 (ID 141680610), admitindo-se a presença virtual de testemunhas que não residissem em Natal. As partes foram intimadas pessoalmente para depor. Em 13 de maio de 2025, foi realizada a audiência de instrução presencial (ID 151167445), na qual o autor e seu advogado não compareceram. A ré Elizabeth Sandra e a ré Ecocil estavam presentes e manifestaram desinteresse no depoimento pessoal do autor, sendo tal depoimento considerado desnecessário. Foi colhido o depoimento pessoal da ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima. As partes declararam-se satisfeitas com as provas produzidas e requereram a dispensa de qualquer outra prova. O Juízo concedeu prazo para alegações finais. A ré Ecocil - Empresa de Construções Civis Ltda. apresentou Alegações Finais (ID 155622872), reiterando a ausência de responsabilidade e de pretensão resistida, bem como a validade da cessão de direitos e da escritura pública. Mencionou que a prova testemunhal (depoimento da corré) confirmou a legalidade da escritura. Ressaltou a invalidade do acordo supostamente firmado entre autor e a ré Elizabeth. Certidão de decurso de prazo para a parte autora apresentar alegações finais e para a ré Elizabeth Sandra (ID 155949505). É o relatório. Fundamento e decido. A presente demanda tem como cerne a controvérsia acerca da validade da Escritura Pública de Compra e Venda que transferiu a propriedade do imóvel localizado no Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard, Quadra E, lote 14, Natal/RN, para o nome da Ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima. A parte autora fundamenta seu pedido de nulidade da escritura na suposta falsidade da declaração de estado civil da Ré Elizabeth Sandra, na alegação de que o imóvel teria sido adquirido exclusivamente com recursos do autor e que foi firmado acordo entre as partes estabelecendo que o imóvel não faria parte do patrimônio do casal. A priori, cumpre analisar a suposta falsidade documental. Em sua inicial, o autor alega que foi inserida informação falsa na escritura pública de compra e venda e venda, tendo em vista que a ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima declarou ser solteira e não conviver em união estável. Afirma ainda que a escritura foi lavrada em 04 de março de 2022. Ocorre que, posteriormente, na petição de id. 91582886, o autor afirma que a separação do casal se deu em outubro de 2020. Dessa forma, conforme as próprias alegações do autor, é evidente que não existiu falsidade documental - ora, no momento em que foi lavrada a escritura pública a ré, de fato, era solteira e não convivia em união estável, posto que a separação se deu em 2020 e a lavratura do ato apenas em 2022. Quanto à alegação de que o imóvel foi integralmente pago pelo Autor e que a renda da Ré Elizabeth Sandra seria incompatível com a aquisição do bem, observa-se que o recibo anexado pelo próprio autor (id. 85852695, página 8) demonstra que, no ato da compra do imóvel, um dos cheques repassados ao vendedor, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), estava em nome da senhora Elizabeth. De qualquer modo, pouco importa quem realizou o pagamento pelo imóvel. Em sua inicial, o autor sustenta a falsidade da escritura pública porque a ré afirmou estar solteira e não conviver em união estável - portanto, a conclusão lógica que se abstrai a partir de tal afirmação é que o autor entende que existiu união estável entre as partes. A ré, por sua vez, alega expressamente em sua contestação que convivia em união estável. Sendo assim, resta incontroversa a existência de união estável entre os anos de 2006 e 2020. Nesse sentido, o art. 1725 do Código Civil estabelece: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. No caso dos autos, as partes não tinham um contrato estabelecendo o regime de bens da união estável, ou, pelo menos, não o anexaram aos autos, presumindo-se a comunhão parcial de bens. Nessa contenda, no regime de comunhão parcial de bens, a partilha dos bens adquiridos durante o casamento não exige a comprovação do esforço comum de cada cônjuge para a sua aquisição. Bens adquiridos onerosamente na constância do casamento são presumidos como resultado do esforço comum de ambos os cônjuges e, portanto, são partilhados igualmente em caso de separação, independentemente de quem tenha contribuído financeiramente. Nesse sentido, é o entendimento do STJ: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. 1. SEPARAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO RELACIONADA À PARTILHA DE IMÓVEL ENTRE OS EX-CÔNJUGES (RECORRENTE E RECORRIDO). 2. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. QUESTÕES DEVIDAMENTE ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. 3. CASAMENTO SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. IMÓVEL ADQUIRIDO ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DO MATRIMÔNIO E REGISTRADO EM NOME DE AMBOS OS CÔNJUGES. BEM QUE INTEGRA O PATRIMÔNIO COMUM. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1659, II, E 1.660, I, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. AQUISIÇÃO DO IMÓVEL COM RECURSOS PROVENIENTES DO TRABALHO DO RECORRIDO. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. 4. RECURSO PROVIDO. 1. O propósito recursal é decidir se houve negativa de prestação jurisdicional e se o imóvel objeto do litígio deve ser partilhado entre a recorrente e o recorrido, tendo em vista que fora adquirido em nome de ambos e na constância do casamento pelo regime da comunhão parcial de bens. 2. Analisando detidamente os acórdãos proferidos pelo Tribunal de origem, não se verifica a apontada negativa de prestação jurisdicional, pois todas as questões suficientes ao deslinde da controvérsia foram devidamente examinadas. Afasta-se, portanto, a violação ao art. 1.022 do CPC/2015. 3. No regime da comunhão parcial, os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento se comunicam, pois a lei presume que a sua aquisição é resultado do esforço comum do casal, tanto que estabelece essa regra mesmo quando o bem estiver em nome de apenas um dos cônjuges. É o que estabelecem os arts. 271, I, do Código Civil 1916 e 1.660, I, do Código Civil de 2002. 3.1. Na hipótese, o Tribunal de origem excluiu a meação da recorrente em relação ao imóvel objeto do litígio, a despeito de ter sido adquirido, de forma onerosa, na constância do casamento e registrado em nome de ambos os cônjuges, sob o fundamento de que o bem teria sido adquirido com recursos "provenientes do trabalho exclusivo do varão", o que faria incidir a regra de exclusão da comunhão prevista no art. 1.659, inciso II, do CC/2002 (correspondente ao art. 269, II, do CC/1916). 3.2. Ocorre que, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, ainda que somente um dos cônjuges tenha contribuído financeiramente para a aquisição do bem na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial, como no caso, este bem passará a integrar o patrimônio do casal, em razão da presunção legal de que sua aquisição foi decorrente do esforço comum dos cônjuges. 3.3. Ademais, não obstante o inciso VI do art. 1.659 do Código Civil de 2002 estabeleça que devem ser excluídos da comunhão "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge", a incomunicabilidade prevista nesse dispositivo legal atinge apenas o direito ao recebimento dos proventos em si. Porém, os bens adquiridos mediante o recebimento desses proventos serão comunicáveis. Precedentes. 3.4. Dessa forma, sendo o imóvel adquirido de forma onerosa na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial de bens, configura patrimônio comum, independentemente de ter sido adquirido com verba exclusiva do recorrido, devendo, portanto, integrar a partilha. 3.5. Além disso, no caso, a escritura pública de compra e venda do imóvel litigioso está registrada em nome da recorrente e do recorrido, não havendo qualquer declaração de nulidade da mesma pelo Tribunal de origem. Assim, mesmo que não integrasse o patrimônio comum, metade do bem já pertenceria a cada consorte, pois no momento em que as partes compareceram em cartório e firmaram a escritura de compra e venda em nome dos dois, concordaram que o bem pertenceria a ambos. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 2.106.053/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023.) Assim, tendo sido o imóvel adquirido na constância da união estável que, na ausência de pactuação expressa, presume-se o regime de comunhão parcial de bens, entendo que o bem fazia parte do patrimônio comum do casal. Ocorre que para fundamentar suas alegações de que o imóvel localizado no Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard é patrimônio exclusivo do Sr. Javier, o autor junta aos autos o acordo supostamente firmado entre as partes (id. 91582888), sustentando que, conforme os termos do instrumento, existe um único bem comum a ser partilhado entre os ex-companheiros, que não é o bem em questão. Faz-se necessária uma análise detalhada sobre os termos e validade deste instrumento, posto que este se mostra contraditório e manifestamente desvantajoso para Elizabeth. Explico: 1 - Em sua inicial, o autor sustenta que o imóvel do Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard é de sua propriedade exclusiva, posto que a ré sequer teria condições de adquirir um imóvel naquele padrão. Todavia, no tópico “IV” do acordo firmado entre as partes - “Pensão entre os cônjuges” - é dito que não existe desequilíbrio econômico entre os comparecentes em decorrência da extinção da união, motivo pelo qual renunciam a qualquer ação reclamatória de pensão alimentícia por ambos disporem de bens privativos e meios de vida suficientes. 2 - Sobre a pensão para o filho do casal, Santiago Costa Ferreira, o acordo estabelece o valor mensal de mil euros, equivalente ao valor de R$ 6.530,00 (seis mil quinhentos e trinta reais), a serem pagos pelo genitor em favor do menor. Contudo, em análise ao processo de dissolução e reconhecimento de união estável (n° 0814401-39.2021.8.20.5001), que tramita na 9ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Natal, vê-se que foi proferida decisão interlocutória arbitrando alimentos provisórios em favor do menor em 10 (dez) salários mínimos - isto é, R$ 15.180,00 (quinze mil cento e oitenta reais), conforme documento de id. 115385067 (págs. 7 a 9). Não faria qualquer sentido a genitora firmar acordo que implicaria na diminuição do valor dos alimentos para menos da metade do arbitrado em juízo. 3 - O acordo postula que as partes são proprietárias de um único bem comum e pro indiviso, na razão de 50% (cinquenta por cento) para cada um deles, sendo este bem um imóvel em CALDES DE MONTBUI, R. SANTA ROSA 6-8, avaliado em 384.484,92€ (trezentos e oitenta e quatro mil e oitenta e dois centavos de euro). Contudo, restou devidamente comprovado que o imóvel localizado no Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard também é patrimônio comum do casal. Além disso, no processo de reconhecimento e dissolução de união estável, a Sra. Elizabeth alega que existem outros bens adquiridos na constância da união estável, sendo eles: a) 01 apartamento no Condomínio Idealle Drumond de Andrade, unidade 401, situado em Rua Projetada, Loteamento Parque das Arvóres, Nova Parnamirim, Parnamirim-RN, avaliado em R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais); 01 apartamento no Condomínio Idealle Machado de Assis, unidade 104, situado em Rua Olavo Lacerda Montenegro, Parque das Arvores, Nova Parnamirim, Parnamirim-RN, avaliado em R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais); c) 01 apartamento no Condomínio Idealle Machado de Assis, unidade 605 (Doc. 10), situado em Rua Olavo Lacerda Montenegro, Parque das Arvores, Nova Parnamirim, Parnamirim-RN, avaliado em R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais); d) 01 apartamento no Condomínio Club Residencial Paradise Garden (Doc. 11), situado na Rua Antônio Madruga, n° 1982, apartamento 201, Capim Macio, Natal-RN, avaliado em R$ 450.000,00; a empresa Nova Natal Ltda, com capital social de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), conforme o contrato social (id. 115385066, págs. 1 a 3); além de terem adquirido dois veículos no Brasil e outros na Espanha e demais imóveis na espanha. Diante disso, é flagrantemente falsa a informação constante no acordo de que existia um único bem comum do casal. 4. Existem também termos conflitantes no próprio acordo - é estabelecido que cada um dos ex-companheiros será proprietário de 50% (cinquenta por cento) do imóvel em CALDES DE MONTBUI, R. SANTA ROSA 6-8. É estabelecido ainda, já na qualificação das partes, que o Sr. Javier reside no imóvel supracitado. Outrossim, segundo a cláusula “IX - Extinção da comunidade por quotas” que JAVIER COSTA PORTA fica sub-rogado na posição jurídica de prestamista e único devedor do empréstimo hipotecário em favor do BBVA quanto a sua amortização, com total isenção para ELIZABETH SANDRA FERREIRA DE LIMA. Contudo, a mesma cláusula estabelece que Elizabeth tem uma dívida de 192.242,46€ (cento e noventa e dois mil e duzentos e quarenta e dois euros e quarenta e seis centavos), referente ao empréstimo hipotecário pendente de amortização. Isto é - o autor permanece morando e com usufruto exclusivo do “único” bem do casal, simula que será o único devedor das parcelas pendentes e impõe à ex-companheira uma dívida com ele de 192.242,46€ (cento e noventa e dois mil e duzentos e quarenta e dois euros e quarenta e seis centavos) - equivalente ao valor de R$ 1.225.565,15 (um milhão duzentos e vinte e cinco mil quinhentos e sessenta e cinco reais e quinze centavos). Ou seja, segundo tal acordo, a sra. Elizabeth saiu da união estável sem direito ao uso de nenhum bem e com uma dívida milionária. Diante apenas dos próprios termos do acordo, é flagrante o desequilíbrio e a abusividade do termo. Isso sem contar as alegações da parte ré de que estava sob o efeito de drogas no momento da assinatura do acordo, posto que estas não restaram comprovadas por ela. Mesmo constatada a abusividade do acordo entabulado entre as partes, sejam pelas informações inverídicas, sejam pelas cláusulas que impõem desvantagem excessiva à Sra. Elizabeth ou suposto vício de consentimento, verifico que existe um processo (n° 0864459-41.2024.8.20.5001) que trata exclusivamente do tema - Ação anulatória de instrumento particular, proposta por Elizabeth Sandra Ferreira em desfavor de Javier Costa Porta, que tramita na 2ª Vara Cível da Comarca de Natal. Sendo assim, não decidirei incidentalmente sobre a nulidade do acordo. Não serão considerados para este processo supostos efeitos legais do contrato, mas serão consideradas verídicas as declarações feitas nele pelo sr. Javier - isto é, que além do imóvel no condomínio Ponta Negra Boulevard, existe, pelo menos, mais um bem comum do casal: o imóvel em CALDES DE MONTBUI, R. SANTA ROSA 6-8, avaliado em 384.484,92€ (trezentos e oitenta e quatro mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e noventa e dois centavos), ou seja, R$ 2.510,686,53 (dois milhões quinhentos e dez mil seiscentos e oitenta e seis reais e cinquenta e três centavos). Diante de todo o exposto, vamos ao ponto central da resolução da demanda: é ou não válida a escritura pública em que a sra. Elizabeth consta como proprietária do imóvel do Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard, Quadra E, lote 14, Natal/RN, CEP: 59092-580? Conforme explicado anteriormente, o registro encontra-se tecnicamente correto, posto que, no momento do registro, a sra. Elizabeth de fato era solteira e não estava em união estável, não havendo que se falar em falsidade documental. Todavia, foi comprovado que o imóvel foi adquirido durante a união estável (não importando quem realizou o pagamento), de modo que integra o patrimônio do casal, devendo ser objeto da partilha de bens. Contudo, as partes estão em processo de dissolução de união estável, verificando-se ainda diversos litígios entre os ex-companheiros, de modo que impor o condomínio do bem ou registro de ambos como proprietários ensejaria não a resolução do conflito, mas sim a criação de novos problemas, inclusive quanto à moradia da ré e seu filho, uma vez que residem no imóvel. Considerando que há outros imóveis do casal a serem partilhados, inclusive imóvel de maior valor que o discutido nestes autos, que o imóvel já transferido para a ré tem aparentemente valor inferior à metade do patrimônio do casal, que as partes não têm mais interesse em morar juntas, não sendo viável determinar o condomínio e a composse, quando pretendem a dissolução da união estável e divisão do patrimônio, que a ré reside no imóvel com o filho do casal, entendo que a melhor solução no presente caso é conservar o registro do imóvel em nome da ré Elizabeth Sandra Ferreira de Lima e mantê-la na posse do imóvel até sentença na ação de dissolução da união estável. Com tais considerações, há de ser julgado improcedente o pedido de anulação do registro e da escritura pública feita no nome da ré. Ressalte-se que, por se tratar de bem comum do casal, o imóvel existente no Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard, Quadra E, lote 14m será objeto da partilha de bens, que será definitivamente feita no processo n° 0814401-39.2021.8.20.5001, que tramita na 9ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Natal. Não obstante a improcedência da ação acarrete, em regra, a revogação da liminar, no presente caso, a medida de cautela continua necessária. Como o bem será objeto de partilha na Vara de Família, impõe-se ainda a manutenção da liminar concedida na decisão de id. 107308555 para determinar o impedimento de alienação e oneração do imóvel de matrícula de n° 20.478 do Livro 2 do Registro Geral da Terceira Circunscrição Imobiliária de Natal/RN até o trânsito em julgado de sentença a ser proferida naquele processo. DISPOSITIVO: Diante do exposto, julgo improcedente o pedido autoral de declaração de nulidade da escritura pública de compra e venda, lavrada no livro de nº 286, fls. 174 a 144 no Cartório do 7º Ofício de Notas de Natal, relativa ao imóvel residencial situado na antiga Rua Enseadas dos Coqueiros, Condomínio Residencial Ponta Negra Boulevard, Quadra E, lote 14m), devendo o registro ser mantido em nome da sra. Elizabeth Sandra Ferreira de Lima até sentença a ser proferida no processo n° 0814401-39.2021.8.20.5001 (dissolução da união estável). Determino o impedimento de alienação e oneração do imóvel de matrícula de n° 20.478 do Livro 2 do Registro Geral da Terceira Circunscrição Imobiliária de Natal/RN até o trânsito em julgado de sentença do processo n° 0814401-39.2021.8.20.5001, que tramita na 9ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Natal, em que será feita a partilha e decidida a propriedade definitiva do bem. Já tendo sido expedido ofício para fins de anotação do impedimento, conforme Id. 107391337, desnecessário novo ofício. Condeno o autor ao pagamento de honorários sucumbenciais, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa. Os honorários devem ser pagos na proporção de 50% (cinquenta por cento) para os advogados de cada um dos réus. Interposta(s) apelação(ões), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentar(em) contrarrazões ao(s) recurso(s), no prazo de 15 (quinze) dias. Em seguida, encaminhem-se os autos ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte para julgamento do(s) apelo(s). Intimem-se as partes, por seus advogados, através do DJEN. Cumpra-se. Natal, 23 de julho de 2025. DIVONE MARIA PINHEIRO Juíza de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/06)
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear