Processo nº 0826039-30.2025.8.20.5001
ID: 328328995
Tribunal: TJRN
Órgão: 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal
Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública
Nº Processo: 0826039-30.2025.8.20.5001
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal Praça Sete de Setembro, s/n, Cidade Alta, NATAL - RN - CEP: 59025-300 Contato: (84) 36169655 - Email: …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal Praça Sete de Setembro, s/n, Cidade Alta, NATAL - RN - CEP: 59025-300 Contato: (84) 36169655 - Email: nt3vfp@tjrn.jus.br Processo: 0826039-30.2025.8.20.5001 REQUERENTE: VICTOR DARLAN FERNANDES DE CARVALHO OLIVEIRA REQUERIDO: FUNDACAO GETULIO VARGAS, MARIANA CHAVES SANTOS, MILENA CARLA DE MEDEIROS GONZAGA, JEFFERSON SANTANA SILVA,, EDUARDO SOUZA SILVA,, FILYPE MARIZ DE SOUSA, ANANDA LUANA LUCENA ALVES, FELIPE HUDSON DA COSTA, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE DECISÃO Vistos etc. Victor Darlan Fernandes de Carvalho Oliveira ajuizou Ação Ordinária, em face do Estado do Rio Grande do Norte e da Fundação Getúlio Vargas, tendo como litisconsortes passivo Mariana Chaves Santos, Milena Carla de Medeiros Gonzaga, Jefferson Santana Silva, Eduardo Souza Silva, Filype Mariz de Sousa, Ananda Luana Lucena Alves e Felipe Hudson da Costa, aduzindo, em síntese, que participou de concurso público, promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, para provimento do cargo de Analista Judiciário, nas vagas destinadas às cotas raciais, tendo sido aprovado nas fases iniciais do certame; alega que, após ter sido submetido a avaliação da comissão de heteroidentificação, fora considerado inapto a prosseguir no certame na condição de cotista, diante do não atendimento aos requisitos exigidos; sustenta, todavia, que atende a todos os requisitos legais para disputar a vaga destinada às cotas raciais, de maneira que o indeferimento da sua participação com base nesse aspecto seria abusiva e ilegal; além disso, sustenta também que as questões nº 44, da disciplina de direito civil e nº 55, da disciplina de direito processual civil, da prova objetiva tipo 4 – Azul, contêm vícios que as tornam passíveis de nulidade. Em razão desses fatos, veio requerer a concessão de tutela provisória de urgência, para que seja garantida a sua vaga no concurso público na condição de cotista, bem como que seja contabilizada a pontuação das questões impugnadas. A pretensão da parte autora foi ajuizada inicialmente por meio do Processo nº 0853570-28.2024.8.20.5001, o qual fora distribuído para este juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública; ocasião em que fora extinto sem resolução de mérito por incompetência, em razão do valor da causa. Posteriormente, a parte autora decidiu ingressar com a presente ação, a qual fora distribuída ao 1º Juizado da Fazenda Pública desta Comarca. Após emenda a inicial, o Juízo do 1º Juizado da Fazenda Pública decidiu suscitar conflito de competência perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Por meio da decisão ID 157323844, o eminente desembargador relator do Conflito de Competência nº 0810561-47.2025.8.20.0000, indicou este Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública para decidir as medidas urgentes, até a decisão final do tribunal acerca do conflito de competência. É o relatório. Decido. Em cumprimento à respeitável decisão proferida pelo eminente desembargador relator do Conflito de Competência nº 0810561-47.2025.8.20.0000 (ID 157323844), passo a apreciar o pedido de tutela provisória de urgência requerido pela parte autora. Na forma do art. 300, do CPC, a concessão da tutela de urgência é cabível, dentre outras hipóteses, quando, existindo a probabilidade do direito, restar configurado o fundado receio de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A parte autora alega que participou de concurso público para provimento do cargo de Analista Judiciário, promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, para concorrer as vagas destinadas às cotas raciais; entretanto, após ter se submetido a avaliação da Comissão de Heteroidentificação, fora considerado inapto, em razão da não constatação dos requisitos necessários. O requerente sustenta que a sua condição de pessoa parda encontra-se devidamente comprovada, de modo que a avalição da comissão do concurso teria sido equivocada. A parte ré, por outro lado, considerou o candidato inapto, por não atender aos parâmetros necessários para enquadramento nas cotas raciais, por meio de comissão específica com aptidão para esse tipo de análise. A priori, convém ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 41/DF, reconheceu a constitucionalidade da reserva de vagas, com base no critério étnico-racial, em concursos públicos, estabelecida pela Lei nº 12.990/2014. Na presente demanda, o edital de abertura do certame estabeleceu, de forma expressa, o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, mediante a composição de uma Comissão específica para a análise do preenchimento dos requisitos, em conformidade com as diretrizes legais previstas na Lei nº 12.990/2014 e na Lei Estadual nº 11.015/2021. Nessa perspectiva, o edital estabeleceu o critério a ser utilizado pela banca, qual seja, o fenótipo do candidato: 7.7 Os candidatos que, no ato da inscrição, declararem-se negros, aprovados para os cargos do TJRN e que não forem eliminados do concurso, serão convocados, por meio de edital de convocação, que estará disponível no endereço eletrônico https://conhecimento.fgv.br/concursos/tjrn2023, para entrevista que verificará a veracidade das informações prestadas pelos candidatos e proferirá parecer definitivo a respeito. 7.7.1 A entrevista será realizada em Natal - RN, por uma Comissão de Heteroidentificação formada pela FGV. 7.7.2 Será considerado negro, para os fins estabelecidos neste edital, o candidato que assim for reconhecido pela maioria dos membros presentes da comissão mencionada no subitem 7.7.1. 7.7.3 O candidato deverá comparecer à entrevista munido do formulário de autodeclaração, publicado no site da FGV, a fim de ser confrontado com o fenótipo declarado, além de documento de identidade (original e cópia) e cópia da certidão de nascimento. Informações adicionais constarão da convocação para a entrevista. (ID 149311708) Na hipótese vertente, a parte autora busca provimentos jurisdicional para continuar concorrendo no referido concurso público nas vagas destinadas aos candidatos cotistas, considerando a sua condição de pessoa parda. Em relação à matéria, a Lei nº 12.990/2014, que instituiu a política de cotas, estabelece o seguinte: Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei. Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Ao exame dos autos, constato que a Comissão de Heteroidentificação do concurso, instituída nos termos previstos no edital, não considerou o autor como pessoa parda, sob a justificativa de que seus integrantes, à unanimidade, não verificaram traços fenótipos que pudessem caracterizar o autor como pessoa negra/parda (vide documento ID 149311690). Desta forma, considero que a avaliação da Comissão de Heteroidentificação seguiu as diretrizes legais e os parâmetros fixados pelo edital reitor do certame, de forma que os elementos probatórios apresentados pelo autor não se mostram suficientes para desconstituir a posição adotada pelos integrantes da comissão. Ademais, não cabe ao Judiciário se imiscuir no mérito da avaliação da banca examinadora, sob pena de interferência indevida em critérios técnicos, cuja análise compete exclusivamente aos avaliadores. Registre-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade do concurso público, tomar o lugar da banca examinadora, nos critérios de correção e avaliação adotados pela banca organizadora. Nesse contexto, ao menos diante de um exame sumário da matéria, não vislumbro elementos suficientes para desconstituir a decisão adotada pela Comissão de Heteroidentificação. Assim sendo, não tenho elementos probatórios suficientes, nesse momento processual, para atestar as alegações formuladas na inicial, o que impede a concessão da pretensão antecipatória de mérito. A parte autora pretende, ainda, que seja determinada a anulação das questões nº 44, da disciplina de direito civil e nº 55, da disciplina de direito processual civil, da prova objetiva tipo 4 – Azul, sob o argumento de que contêm vícios que as tornam passíveis de invalidação. A priori, cumpre ressaltar que a intervenção do Judiciário em matérias relacionadas à correção de questões de concurso público deve ocorrer em hipóteses restritas, conforme já restou sedimentado na jurisprudência dos tribunais superiores. Nesse sentido, em regra, a atuação do Judiciário deve se restringir em apreciar a compatibilidade das questões exigidas no concurso com o conteúdo previsto no edital, sendo indevida a incursão no mérito das questões impugnadas. É o que se observa da análise do seguinte julgado: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR AMBAS AS ALÍNEAS DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO PARA O PROVIMENTO DE CARGO DE POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. EDITAL 01/2009 - DPRF. ANULAÇÃO DE QUESTÕES OBJETIVAS 22 E 23 DA PROVA DE RACIOCÍNIO LÓGICO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO, PELO JUDICIÁRIO, DAS QUESTÕES OBJETIVAS 22 E 23 DO REFERIDO CONCURSO. QUESTÃO 23. IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. QUESTÃO 22. PRETENSÃO DE ACOLHIMENTO DE LAUDO TÉCNICO UNILATERAL DO PERITO DOS CANDIDATOS, QUE DIVERGE DA CONCLUSÃO DA BANCA EXAMINADORA. SUBSTITUIÇÃO DA CONCLUSÃO DA BANCA EXAMINADORA POR LAUDO TÉCNICO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL. RE 632.853/CE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de demanda ordinária, proposta pelos candidatos, ora recorrentes, objetivando a anulação de questões objetivas de concurso - questões 22 e 23 da prova de raciocínio lógico do concurso público para o provimento de cargo de Policial Rodoviário Federal, objeto do edital 1/2009 -, ao argumento de que, em relação à questão 22, não apresentaria ela opção correta de resposta, e, quanto à questão 23, não forneceria todas as informações necessárias à sua solução, além de que extravasaria o conteúdo programático do edital do certame. Para tanto, nas razões do presente Recurso Especial, defende-se, entre outras, a tese de que é possível, ao Poder Judiciário, quando abalizado por laudo técnico pericial, apreciar o acerto ou não da alternativa atribuída como correta, pela banca examinadora. III. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC/73, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do acórdão que julgou os Embargos Declaratórios apreciaram fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. IV. Em relação à pretensão de anulação da questão 23 do referido concurso, diante da compreensão firmada pelas instâncias ordinárias, à luz do acervo fático da causa - no sentido de que a referida questão, ao contrário do que afirma a parte recorrente, está correta, inserta nos conhecimentos atinentes a raciocínio lógico e noções de estatística, conforme previsto no edital do certame -, concluir de forma contrária é pretensão inviável, nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ. Nesse sentido, dentre inúmeros, o seguinte precedente: STJ, AgRg no Ag 1.424.286/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 03/02/2017. V. Em relação à questão 22, como esclarecem as instâncias ordinárias, no presente caso a inicial fundamenta-se em parecer técnico unilateral, contratado pelos autores - que concluiu que não há resposta correta para a questão 22 -, contrariamente à posição técnica adotada pela banca examinadora do certame, que aponta, como correta, a alternativa B da aludida questão 22. VI. Não se desconhece que inúmeras ações judiciais foram ajuizadas pelos candidatos do referido concurso, objetivando a anulação da questão 22 do aludido certame, em razão de existirem pareceres de especialistas da área específica - tanto perito judicial, quanto auxiliar técnico da parte -, que, contrariamente ao que afirma a banca examinadora do presente concurso, ora sustentam inexistir resposta correta, dentre as alternativas apresentadas no quesito, ora asseveram existir mais de uma alternativa correta, quanto à referida questão 22 do certame em apreço. VII. Todavia, em matéria de concurso público, a atuação do Poder Judiciário limita-se à verificação da observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, tendo presente a discricionariedade da Administração Pública na fixação dos critérios e normas reguladoras do certame, que deverão atender aos preceitos instituídos na Constituição Federal, sendo-lhe vedado substituir-se à banca examinadora para apreciar os critérios utilizados para a elaboração e correção das provas, sob pena de indevida interferência no mérito do ato administrativo. Ou seja, "o Poder Judiciário não pode atuar em substituição à banca examinadora, apreciando critérios na formulação de questões, reexaminado a correção de provas ou reavaliando notas atribuídas aos candidatos" (STJ, RMS 28.204/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/02/2009). No mesmo sentido, dentre inúmeros precedentes: STJ, AgInt no RE nos EDcl no RMS 50.081/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, DJe de 21/02/2017, AgInt no RMS 49.513/BA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/10/2016, AgRg no RMS 37.683/MS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 29/10/2015. VIII. A espancar dúvidas sobre o assunto, em 23/04/2015, no julgamento do RE 632.853/CE, o Plenário do STF, apreciando o Tema 485 da Repercussão Geral, nos termos do voto do Relator, Ministro GILMAR MENDES, firmou as premissas de que o Poder Judiciário não pode interferir nos critérios de correção de prova, ressalvada a excepcional hipótese de "juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame". Concluiu o Relator, no STF, no sentido de que "não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas" (STF, RE 632.853/CE, Rel. Ministro GILMAR MENDES, PLENO, DJe de 26/06/2015, sob o regime da repercussão geral). IX. No caso, para o deslinde da presente controvérsia seria necessário levar em conta parecer técnico, elaborado de forma unilateral, pelo perito da parte, ou, em outras hipóteses trazidas à colação, considerar perícia judicial, em sentido contrário ao que restou decidido, pela Corte Maior, em regime de repercussão geral. A corroborar tal posição, o próprio STF, em relação à mesma questão 22 do certame ora em análise, já aplicou a compreensão firmada por aquela Corte, no RE 632.853/CE, em regime de repercussão geral, ainda que monocraticamente, no julgamento do RE 975.980/PE, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, DJe de 22/06/2016 (decisão transitada em julgado em 28/09/2016), e do AgRg no RE 904.737/RS, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, DJe de 21/09/2016 (decisão transitada em julgado em 26/11/2016). X. Diante desse contexto, não merece prosperar a pretensão de anulação das questões 22 e 23 da prova objetiva do concurso para provimento de cargo de Policial Rodoviário Federal, objeto do edital nº 1/2009 - DPRF, porquanto, na hipótese, além de a pretensão conflitar com o entendimento do STF, firmado em regime de repercussão geral, os comandos das referidas questões não apresentam vícios evidentes e insofismáveis, verificáveis à primeira vista, a ensejar sua anulação. Com efeito, não há qualquer ilegalidade flagrante, tanto que, no presente caso - como em outros precedentes, trazidos à colação -, a pretensão da inicial ampara-se em parecer técnico especializado, colhido unilateralmente pelos autores, pelo que concluiu o acórdão recorrido que "as impugnações no aspecto técnico variam conforme os respectivos especialistas no tema (...) razão porque, nos termos da sentença, prestigio o entendimento da banca examinadora" e que "os comandos das questões não apresentam vícios evidentes e insofismáveis verificados à primeira vista, a ensejar sua anulação". XI. Recurso Especial improvido. (REsp 1528448/MG, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2017, DJe 14/02/2018) (Grifos acrescidos) Ao exame dos autos, considero, entretanto, que não merece prosperar a pretensão liminar do autor para anulação das questões nº 44, da disciplina de direito civil e nº 55, da disciplina de direito processual civil, da prova objetiva tipo 4 – Azul. A parte autora alega a nulidade da questão nº 44, da prova objetiva, com base no argumento de que haveria mais de uma alternativa correta, levando-se em consideração as disposições legais previstas no Código Civil acerca do contrato de mútuo. Eis o teor da questão nº 44, da referida prova: 44 Joãozinho pede emprestado dez reais a seu colega de turma Pedrinho para comprar balas na cantina da escola. Na hora do recreio, Joãozinho compra as balas e as divide com Pedrinho. No dia seguinte, os pais de Pedrinho vão à escola reclamar do ocorrido e exigem a devolução integral da quantia emprestada. Nesse sentido, é correto afirmar que: (A) ocorreu um negócio jurídico nulo que deve, por isso mesmo, ser desfeito, sem possibilidade de convalidação; (B) verifica-se um negócio jurídico anulável que pode ser desfeito apenas judicialmente, sem possibilidade de convalidação; (C) apesar de o negócio jurídico ter sido nulo, como reverteu em favor do incapaz lesado (Pedrinho) pela divisão das balas, pode ser convalidado; (D) apesar de o negócio jurídico ter sido anulável, como reverteu em favor do incapaz lesado (Pedrinho) pela divisão das balas, pode ser convalidado; (E) concretizou-se um ato-fato jurídico que deverá subsistir. [alternativa apontada pela banca examinadora como correta] (ID 149311693) Diante de um exame detido da questão impugnada e da resposta emitida pela banca examinadora, não vislumbro a existência da ilegalidade alegada pelo autor, nem tampouco a existência de mais de uma alternativa a ser apontada como correta. A questão exige do candidato o conhecimento específico a respeito das definições e características dos institutos do ato jurídico, negócio jurídico e ato-fato jurídico, de acordo com a concepção já sedimentada pela doutrina civilista. Como é cediço, o ato-fato jurídico é fruto de uma construção doutrinária, para abranger situações fáticas em que não houve o elemento volitivo ou em que essa vontade é desconsiderada para a caracterização do ato e cujo objetivo é de reconhecer a validade/eficácia de alguns atos que não passariam por uma análise dos requisitos do negócio jurídico. Nesse sentido, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: "No ato-fato jurídico, o ato humano é realmente da substância desse fato jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, intenção de praticá-lo." (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. I, p. 324) "Excelente exemplo de ato-fato jurídico encontramos na compra e venda feita por criança. Ninguém discute que a criança, ao comprar o doce no boteco da esquina, não tem vontade direcionada à celebração do contrato de consumo. Melhor do que considerar, ainda que apenas formalmente, esse ato como negócio jurídico, portador de intrínseca nulidade por força da incapacidade absoluta do agente, é enquadrá-lo na noção de ato-fato jurídico, dotado de ampla aceitação social." (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. II, p. 325) Conforme se observa, portanto, o caso descrito no enunciado da questão coincide inclusive com o próprio exemplo descrito pela doutrina mencionada acima para explicar o instituto do ato-fato jurídico, evidenciando assim a regularidade da alternativa apontada como correta. Por conseguinte, resta claro que a alternativa apontada pela banca como correta indica justamente essa hipótese da caracterização do instituto do ato-fato jurídico, de modo que as demais alternativas não guardam correspondência com o questionamento formulado. Logo, incabível a invalidação da questão requerida pela impetrante. De igual modo, verifico que não assiste razão ao autor em relação a nulidade da questão nº 55, da prova objetiva. Eis o teor da questão nº 55, da referida prova: 55 José demandou em face de João cobrando uma dívida no valor de cem mil reais, por força de um contrato de mútuo celebrado entre ambos. O réu, além de contestar o pedido, sustentando que não havia celebrado o contrato afirmado pelo autor, também apresentou uma defesa de mérito indireta, na qual alegou que o autor era quem lhe devia a quantia de cinquenta mil reais, por força de um outro contrato com prazo para pagamento já vencido e não quitado por José. Em réplica, José apenas sustentou que era credor de João no valor de cem mil reais e que iria provar a existência do referido contrato de mútuo afirmado em sua inicial, nada arguindo quanto à dívida alegada por João em sua defesa. Nesse cenário, é correto afirmar que: (A) ambas as alegações de crédito dependem de produção de provas, visto que não se presumem verdadeiras; (B) o contrato de mútuo presume-se verdadeiro, uma vez que a defesa de mérito é genérica; (C) a defesa de mérito indireta apresentada não deve ser admitida, pois demandaria uma via própria de cobrança; (D) falta interesse de agir na defesa de mérito indireta, pois o réu inovou no processo com objeto que não era litigioso; (E) haverá presunção de veracidade do fato afirmado pelo réu, que não foi impugnado especificamente pelo autor. [alternativa apontada pela banca examinadora como correta]. (ID 149311693) Conforme se observa, o enunciado da questão aborda a noção de defesa de mérito indireta, a qual ocorre quando o réu traz fatos novos que são impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. No caso descrito no enunciado houve um fato novo apontado pelo réu na sua contestação, referente a uma suposta compensação parcial de dívidas, o que demandaria impugnação específica pelo autor na sua réplica, por aplicação analógica do art. 341, do CPC, sob pena de serem considerados verossímeis os fatos alegados. Essa hipótese encontra-se descrita adequadamente na alternativa apontada como correta pela banca organizadora. Ademais, constato igualmente que os fundamentos formulados pelo autor demandam incursão no mérito da questão, com pesquisa para definir a corrente doutrinária ou jurisprudencial mais correta que deveria ter sido adotada pelo examinador, o que é vedado ao Judiciário. Assim sendo, considero que não assiste razão à parte autora para intervenção do Judiciário nesse quadrante. Neste contexto, ao menos diante de um juízo sumário, não verifico a plausibilidade dos fundamentos postos na inicial, para reconhecer o direito pretendido pelo autor. Sabe-se que, salvo em casos excepcionais, não é possível a antecipação, no todo ou em parte, do objeto da demanda ajuizada pela autora, quanto terá que se examinar, em elementos probatórios, a plausibilidade do direito. Diante do exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela formulado na inicial. Aguarde-se decisão final no Conflito Negativo de Competência nº 0810561-47.2025.8.20.0000. Publique-se e intime-se. NATAL/RN, 16 de julho de 2025. Juiz de Direito em substituição legal conforme assinatura digital (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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