Processo nº 0843890-07.2023.8.23.0010
ID: 282353308
Tribunal: TJRR
Órgão: Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0843890-07.2023.8.23.0010
Data de Disponibilização:
28/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCUS VINICIUS DE OLIVEIRA
OAB/RR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA
CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI
Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380
CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0843890…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA
CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI
Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380
CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0843890-07.2023.8.23.0010
APELANTE: Kyrllen Gardell Bueno Timbo
ADVOGADO: Marcus Vinicius de Oliveira (OAB/RR 152N)
APELADO:Ministério Público de Roraima
RELATOR:Des. Leonardo Cupello
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por
,
Kyrllen Gardell Bueno Timbo
contra sentença condenatória proferida pelo MM. Juiz de Direito do 2° Juizado de Violência
Doméstica – Competência Criminal – da Comarca de Boa Vista/RR (sentença proferida no
evento 98.1 – mov. de 1º grau), que o condenou à pena de
, em regime
1 (um) ano de reclusão
inicial
, pela prática do crime previsto no art. 129, § 13, do Código Penal (CP), c/c o art.
aberto
7°, inciso I, da Lei n. 11.340/2006.
Nas
a defesa pugnou pela absolvição do apelante sob o argumento de não
razões recursais
existir prova suficiente para a condenação. Subsidiariamente, requer o redimensionamento da
pena-base para o mínimo legal. (evento 8.1 – mov. de 2° grau.)
Em sede de
a defesa pugna pelo
do recurso interposto.
contrarrazões
desprovimento
(evento 12.1 – mov. de 2º grau.)
Instado a se manifestar, o órgão da Procuradoria de Justiça atuante neste Tribunal de
Justiça, em parecer, opinou pelo conhecimento do presente recurso e, no mérito, pelo
. (evento 16.1 – mov. de 2º grau.)
desprovimento
Esse é o relatório.
À revisão regimental, nos termos do § 4º do artigo 224 do Regimento Interno do Tribunal
de Justiça do Estado de Roraima (RITJRR).
Nos termos do art. 109,
, do RITJRR, indico a inclusão do feito na pauta de
caput
julgamento em ambiente eletrônico.
Boa Vista/RR, 03 de abril de 2025.
Des. Leonardo Cupello
Relator
VOTO
Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso
interposto.
I – DA PRELIMINAR SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO:
AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL
O Ministério Público, em parecer ofertado no evento 16.1 – mov. 2º grau, sustentou, em
preliminar, a ausência de dialeticidade recursal, por entender que o recorrente não teria
impugnado de maneira específica os fundamentos da sentença condenatória, limitando-se a
reproduzir os argumentos das alegações finais.
Com a devida vênia, a preliminar não merece acolhida.
Embora as razões recursais sejam sucintas, elas indicam com clareza a tese defensiva de
que as lesões corporais da vítima decorreram de um surto psicótico e não de agressão perpetrada
pelo apelante.
Tal argumentação, ainda que não suficientemente robusta para infirmar o conjunto
probatório, é suficiente para evidenciar o mínimo necessário de impugnação lógica ao decisum
recorrido, o que afasta a alegação de inobservância ao princípio da dialeticidade.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o princípio
da dialeticidade exige do recorrente a exposição dos fundamentos que sustentam a reforma da
decisão, mas não impõe rigidez excessiva na forma como isso deve ser feito, sobretudo no âmbito
penal, em respeito à ampla defesa.
Superada a preliminar, passo à análise do mérito.
II – ABSOLVIÇÃO
A controvérsia gira em torno da condenação do apelante pelo crime de lesão corporal em
contexto de violência doméstica, nos termos do art. 129, §13º, do CP. A defesa nega a prática do
fato típico, sustentando que as lesões seriam decorrentes de surto psicótico da vítima, que teria
pulado o muro da residência.
Não assiste razão ao apelante.
Para melhor análise e compreensão, passo a colacionar a exordial acusatória, que restou
assim consignada (evento 34.1 – mov. 1º grau):
“ I – DOS FATOS
Emerge do incluso Inquérito Policial que aos
, por volta de 01h30min,
29/11/2023
em residência localizada na Rua C-01, nº 46, bairro Caranã, nesta capital, o
denunciado acima qualifcado, agindo de forma livre, consciente e voluntária, sob
superioridade de gênero, prevalecendo-se de relação íntima de afeto, com animus
laedendi,
da vítima
ofendeu a integridade corporal
ELEN ANTONIA ARAUJO
, bem como
SILVA
causou dano emocional à referida, mediante isolamento,
, conforme adiante narrado.
humilhação e limitação do seu direito de ir e vir
Registram os elementos de convicção que, na ocasião da ocorrência, o denunciado
e a vítima mantinham relação íntima de afeto por três meses, período no qual
passaram a residir juntos.
Noticia o caderno investigativo que o denunciado, nas circunstâncias de tempo e
lugar anteriormente mencionados, assumindo rompante de superioridade de
gênero e em menosprezo à condição feminina da ofendida, a agrediu fsicamente,
provocando-lhe lesões descritas no Exame de Corpo de Delito nº
6955/2023/IML/RR (EP. 29.1).
Na seara policial, a vítima esclareceu que, na data dos fatos, o denunciado fcou
irritado em razão da referida, mesmo após ter ido comprar carne no mercado, ter
se dirigido para o quarto por sentir cólicas, motivo pelo qual, depois de ser
agredida com chutes, pulou o muro da residência e pediu ajuda de uma viatura da
Polícia Militar que estava em patrulhamento no bairro, cuja guarnição efetuou a
prisão em fagrante do agressor.
Ainda de acordo com o relato da ofendida, esse não se trata de um episódio
isolado de violência doméstica, uma vez que além das violências físicas praticadas
pelo denunciado, este também era contumaz em lhe causar dano emocional
durante os três meses de relacionamento, de modo que só permitia a saída da
vítima da residência na sua companhia, bem como ameaçava tirar a própria vida
caso a relação amoroso fosse terminada.
Como se não bastasse o exposto, a vítima relatou que o denunciado costumava lhe
acordar durante a madrugada apenas para preparar comida, bem como afrmava
que procuraria mulher na rua, diante da negativa da referida em manter relação
sexual.
Ao ser interrogado, o denunciado (liberado após audiência de custódia)
manifestou o interesse da falar somente em juízo.
Por fim, para fins de análise de fatores exacerbadores, verifica-se que a vítima
relatou para a guarnição da Polícia Militar que estava grávida de um mês no
momento da agressão.
(...)
III – DA IMPUTAÇÃO PENAL
ASSIM AGINDO, incorreu o denunciado nas sanções penais do art. 129, §13 c/c
art. 147-B, ambos do CP, em concurso material de crimes, na forma do art. 7º,
incisos I e II, da Lei 11.340/06.”
O Juiz sentenciante, ao concluir pela condenação do acusado em relação à prática dos
referidos delitos, assim fundamentou, no que interessa (evento 98.1 – mov. de 1º grau):
“ [...] É o relatório. Passo a fundamentar e
.
DECIDIR
Depoimentos em sede policial acostados ao mov. 1.1, fl. 13, 15, 16, 19, 21.
Em sede judicial foram ouvidos a vítima, a informante e o requerido (84.1).
A vítima ELEN ANTONIA ARAUJO SILVA, ao ser ouvida em sede Judicial,
narrou: Que no dia dos fatos não foi agredida; Que tiveram um desentendimento
por conta de um cachorro; Que no dia estava muito exaltada e chorando; Que saiu
da casa do acusado e encontrou dois policiais que lhe abordaram, momento em
que disse que queria ir para casa mas não sabia o rumo pois estava desnorteada;
Que não teve nenhum desentendimento que levou a agressão; Que as lesões que
teve foram em razão de ter pulado um muro muito alto; Que não sofreu dano
emocional; Que foi um surto que teve relacionado ao seu passado; Que
KYRLLEN tem problemas de saúde;
A testemunha PM DANIEL MENDONÇA SANTOS informou ao juízo: Que foi o
condutor do flagranteado; Que sua guarnição foi abordada por ELLEN que estaria
se queixando de agressões físicas e violência doméstica na casa de KYRLLEN;
Que estavam na via pública quando a vítima, que conseguiu se desvencilhar das
agressões do réu, encontrou a guarnição; Que KYRLLEN chegou a afirmar que
teve discussões intensas com ELLEN, mas que as agressões foram inventadas por
ELLEN; Que com a vítima já na viatura identificaram o réu que foi identificada
pela vítima como seu agressor
O acusado, KYRLLEN GARDELL BUENO FELIPE TIMBO, por sua vez, em
seu interrogatório, afirma: Que se declara inocente; Que estavam tendo uma
discussão por conta de um cachorro; Que não houveram agressões; Que foi
conduzido para a custódia; Que
Quanto ao delito do art. 147-B, CP, vejamos o que dispõe o Código Penal:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe
seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde
psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não
constitui crime mais grave.
Da análise dos autos, quanto a este tipo penal, não restaram comprovadas a
e
delitivas.
autoria
materialidade
Embora em inquérito conste informações de que o réu ameaçava se matar caso a
vítima o deixasse e que só poderia sair da casa acompanhada do réu, as
informações não foram confirmadas pela vítima em juízo ou por qualquer outra
testemunha.
Portanto, em respeito ao art. 155, CPP, que veda condenação lastreada
exclusivamente em elementos informativos de inquérito, a absolvição do réu do
crime do art. 140, §2º, CP é medida que se impõe.
Quanto ao delito de lesão corporal no âmbito doméstico, por outro lado, entendo
de modo a dar procedência ao pedido do órgão acusatório com a consequente
condenação do acusado. O tipo penal assim prescreve:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Violência Doméstica
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do
sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos)
Informa ainda a Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
No caso, quanto ao crime previsto no art. 129, §13º, do CP, vê-se que a
e a
restaram comprovadas diante dos elementos trazidos
materialidade
autoria
nos autos, especialmente os depoimentos prestados pela vítima, em inquérito, e
pela testemunha, Policial Militar que praticamente ratificou “in totum” o que a
ofendida e policiais haviam falado em sede policial.
Além disso, o laudo apontou que a vítima apresentava diversas lesões em seu
corpo e que em exame teria afirmado “
” (29.1).
meu namorado me agrediu
Ressalte-se que o crime de lesão corporal é classificado como delito material, o
qual exige a produção de um resultado naturalístico para sua caracterização,
devendo ser comprovada a efetiva ofensa à integridade física da vítima, situação
devidamente demonstrada no laudo pericial retromencionado.
Nesse sentido decide o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima,
conforme se constata na seguinte ementa:
PENAL. PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO NÃO
COMPROVADA POR PERÍCIA. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE
DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A
CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO (ART. 21 DO DEC.LEI
3.688/1941)
QUE
SE
IMPÕE.
SENTENÇA
PARCIALMENTE
REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O
PARECER MINISTERIAL. 1. Havendo prova oral da agressão, mas não
comprovadas as lesões por perícia, impõe-se a desclassificação do crime
para a contravenção penal de vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei nº
3.688/1941). 2. O crime de lesão corporal, por sua natureza, exige a
comprovação de ofensa à integridade física da vítima, enquanto nas vias
de fato a natureza das agressões não chega a ofender a integridade física
3. Não se olvida
da vítima, sendo, por isso, dispensável a prova pericial.
que a prova pericial, quando ausente ou realizada tardiamente, pode ser
substituída por outros meios de prova aptos a aferir a materialidade das
lesões corporais, como fotografias e atestados médicos. No caso, entretanto,
o exame de corpo de delito foi realizado no dia dos fatos e não atestou
qualquer sinal externo visível de lesão. 5. Sentença parcialmente reformada,
para desclassificar o delito de lesões corporais para contravenção de vias de
fato, havendo, com isso uma modificação na pena, mantida nos demais
termos. 6. Recurso provido. (TJRR – ACr 0010.13.004103-0, Rel. Des.
LEONARDO CUPELLO, Câmara Única, julg.: 20/10/2015, DJe
23/10/2015, p. 15) (grifo nosso).
A vítima, em inquérito, narrou toda a dinâmica do episódio, confirmando que no
dia dos fatos seu companheiro, motivado pelo sentimento de posse em razão de
superioridade de gênero, lhe desferiu um chute, momento em que a declarante
empreendeu fuga e pulou o muro da casa para cessar as agressões.
Embora em juízo retroceda nas alegações que prestou em sede policial, tem-se
que sua versão, em inquérito, foi corroborada, em juízo, por autoridade que
atendeu a ocorrência.
Ressalte-se que a testemunha ouvida é funcionário público e possui presunção de
veracidade em suas falas, sobretudo quando ditas de forma coesa, firme e clara
nas instâncias administrativa e judicial. Ademais, a vítima também relatou que
, outro funcionário público,
foi agredida pelo seu namorado ao médico legista
que confeccionou o documento de mov. 29.1.
Nesse sentido, vejamos julgado do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL.
FALTA GRAVE. RECONHECIMENTO. DEPOIMENTO DOS AGENTES
PENITENCIÁRIOS.
PRESUNÇÃO
DE
VERACIDADE
E
LEGITIMIDADE.
SANÇÃO
COLETIVA.
NÃO
OCORRÊNCIA.
AUTORIA DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADA. ATIPICIDADE OU
DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE DE
INCURSÃO NA SEARA FÁTICO-PROBATÓRIA. PERDA DOS DIAS
REMIDOS
NO
PERCENTUAL
MÁXIMO.
NATUREZA
ESPECIALMENTE GRAVE DA FALTA COMETIDA. MANIFESTA
ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1.
Consolidou-se nesta Corte Superior de Justiça entendimento no sentido de
que ''A prova oral produzida, consistente em declarações coesas dos agentes
de segurança penitenciária se mostraram suficientes para a caracterização da
falta como grave [...]. A Jurisprudência é pacífica no sentido de inexistir
fundamento o questionamento, a priori, das declarações de servidores
públicos, uma vez que suas palavras se revestem, até prova em
contrário, de presunção de veracidade e de legitimidade, que é inerente
" (HC 391170, Rel. Min. NEFI
aos atos administrativos em geral.
CORDEIRO, julgado em 1º/8/2017, publicado em 7/8/2017). Na mesma
linha de entendimento: HC 334732, Rel. Min. MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, julgado em 17/12/2015, publicado em 1º/2/2016. 2. Na
espécie, tendo as instâncias ordinárias concluído que as provas são
uníssonas em indicar a prática da falta grave cometida pela apenada, não há
falar em aplicação indevida de sanção coletiva, sobretudo se a conduta da
recorrente, que participou dos fatos, juntamente com outras apenadas, foi
devidamente individualizada por meio dos testemunhos dos agentes
penitenciários. 3. O habeas corpus não é a via adequada para apreciar o
pedido de absolvição/desclassificação da falta grave, tendo em vista que,
para se desconstituir o decidido pelas instâncias ordinárias, mostra-se
necessário o reexame aprofundado dos fatos e provas constantes dos autos
da execução, procedimento vedado pelos estreitos limites do remédio
heroico, caracterizado pelo rito célere e por não admitir dilação probatória.
4. No que tange à remição, o Tribunal a quo determinou a perda de 1/3 dos
dias remidos de forma fundamentada, ressaltando, inclusive, a natureza
especialmente grave da falta cometida, não havendo como reconhecer o
apontado constrangimento ilegal. 5. Agravo regimental não provido. (STJ -
AgRg no HC: 532071 SP 2019/0268215-1, Relator: Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 05/11/2019, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 12/11/2019.
Embora negue os fatos em juízo, o acusado não apresentou qualquer argumento ou
fato capaz de afastar o relato da ofendida, o qual foi corroborado por testemunha e
laudo de exame de corpo delito.
Por consequência, rejeita-se, também, a tese de absolvição arguida pela defesa.
Insta destacar que a jurisprudência é pacífica no sentido de que em delitos
praticados com violência doméstica no contexto familiar, a palavra da vítima
ganha especial relevância.
A respeito do tema, colaciono o seguinte julgado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARTIGO
65 DA LEI DE CONTRAVENCOES PENAIS. PERTURBAÇÃO DA
TRANQUILIDADE. CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA MULHER. MATERIALIDADE E AUTORIA
COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. PROVA
TESTEMUNHAL. DOSIMETRIA. AGRAVANTE. DANOS MORAIS. 1.
Os atos de violência doméstica ocorrem, geralmente, sem a presença de
testemunhas, pelo que se deve conferir especial relevo às declarações das
vítimas, as quais devem ser coerentes durante todo o curso processual e, se
possível, serem corroboradas por algum elemento material constante dos
autos e que reforce a versão apresentada. "III - Nos crimes praticados no
âmbito de violência doméstica, a palavra da vítima possui especial
relevância, uma vez que são cometidos, em sua grande maioria, às
escondidas, sem a presença de testemunhas. Precedentes." (HC 385.290/RS,
Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
06/04/2017, DJe 18/04/2017). 2. Sendo o conjunto probatório forte e coeso
no sentido da prática pelo réu da contravenção penal de perturbação da
ordem (art. 65 da LCP), no caso, a prova documental (ocorrência policial,
termo de requerimento de medidas protetivas), testemunhal (depoimento de
testemunha civil) e a segura imputação da vítima, coerente e harmônica
tanto na fase inquisitorial como em juízo, formam um conjunto coerente e
harmônico suficiente a amparar a condenação. 3. A Lei Federal 11.340/06
buscou trazer maior tutela para as vítimas de violência doméstica e familiar,
criando mecanismos para coibir e eliminar todas as formas de discriminação
contra as mulheres. 3.1. A incidência da agravante prevista no art. 61, II, f
do CP no âmbito de violência doméstica não configura, por si só, o alegado
bis in idem. 4. Segundo entendimento firmado no Superior Tribunal de
Justiça, o percentual razoável de aumento em segunda fase de dosimetria da
pena é o de 1/6. 5. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Tema
983, firmou a seguinte tese: "nos casos de violência doméstica contra a
mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de
valor mínimo indenizatório por dano moral, desde que haja pedido expresso
da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e
independentemente de instrução probatória." No caso em análise, existe
pedido expresso da acusação em suas alegações finais, de modo que o réu
teve a oportunidade de se defender do pedido indenizatório, sendo, portanto,
cabível a sua condenação por danos morais. 6. Recurso conhecido e
parcialmente
provido.
(TJ-DF
20150610056194
DF
0005521-142015.07.0006, Relator: MARIA IVATÔNIA, 2ª Turma
Criminal, julgado em 05/04/2018) (grifo nosso).
Diante da análise dos fatos, mormente das declarações da vítima e do laudo
pericial e testemunhal, constato haver harmonia no conjunto probatório, não
pairando dúvidas de que o acusado é o autor do fato a ele imputado.
Destaco ainda que a motivação da violência perpetrada foi o sentimento de posse
e impor sua vontade à vítima através da força, o que atrai o parágrafo §13º do art.
129, CP, pois o acusado, exarou conduta de desprezo a sua companheira em razão
do sexo feminino, sentindo-se a vontade para agredí-la fisicamente após um mero
desentendimento conjugal.
Dessa forma, diante do conjunto probatório produzido durante a instrução
criminal, tais como a prova documental (boletim de ocorrência e laudo pericial),
somando-se a segura imputação por parte da vítima em consonância com as
demais provas dos autos, constato haver coerência e harmonia entre as provas, as
quais apontam, de forma plena, a prática pelo réu do crime de lesão corporal no
âmbito doméstico, sendo suficiente para lastrear o decreto condenatório.
Pelo exposto, presentes a autoria e a materialidade do crime de lesão corporal no
âmbito doméstico, devendo o acusado ser responsabilizado pela prática do crime
previsto no artigo 129, § 13º, do Código Penal.
Não há nos autos elementos que afastem a
da conduta do réu.
ilicitude
O réu tinha plena ciência do caráter ilícito da sua conduta. Ainda assim, preferiu
agir em desacordo com este entendimento, quando lhe era exigível uma conduta
diversa, restando comprovada a sua
.
culpabilidade
No que diz respeito ao delito previsto no art. 129, § 13º, do Código Penal, a
circunstância referente à prática do crime com prevalência de relações domésticas,
por já constituir elementar do tipo infringido, não será considerada para majorar a
reprimenda do agente na segunda fase da dosimetria, com base na agravante
prevista no art. 61, inciso II, alínea “f”, do mesmo diploma legal, pois tal medida
configura inaceitável dupla valoração pelo mesmo fato (bis in idem).
DISPOSITIVO
Em face do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO
a denúncia oferecida pelo Ministério
PARCIALMENTE PROCEDENTE
Público para
o réu
CONDENAR
KYRLLEN GARDELL BUENO FELIPE
, como incurso na pena do artigo 129, § 13º, do Código Penal, combinado
TIMBO
com o artigo 7º, I da Lei 11.340/06 e
das penas do art. 147-B,
ABSOLVÊ-LO
CP, com arrimo no art. 386, VII, CPP.”
Do excerto da sentença condenatória, verifica-se que o Juiz sentenciante condenou o
apelante pelo crime previsto no art. art. 129, § 13, do Código Penal (CP) c/c o artigo 7º, I da Lei
11.340/06.
Observa-se que tanto a
quanto a
do delito de lesão corporal em
autoria
materialidade
contexto de violência doméstica foram devidamente comprovadas por meio do Auto de Prisão em
Flagrante n.º 4254/2023; Boletim de Ocorrência Policial n.º 00065893/2023-A01 (evento 1.1, fls.
3 a 6 – mov. 1º grau), das declarações da vítima Elen Antonia Araujo Silva prestadas na fase
inquisitorial, do testemunho do Policial Militar Daniel Mendonça Santos, que atendeu a
ocorrência e confirmou que a vítima buscou auxílio relatando agressões físicas, bem como pelo
Laudo de Exame de Corpo de Delito nº 6955/2023/IML/RR (evento 29.1, mov. 1º grau), que
atestou lesões corporais condizentes com a narrativa apresentada pela ofendida.
O conjunto probatório dos autos demonstra de forma firme e harmônica a ocorrência da
conduta típica.
A
, em sede policial, narrou com riqueza de detalhes a
vítima Elen Antonia Araújo Silva
agressão sofrida, descrevendo que foi
, tendo então
agredida com chutes
saltado o muro da
para cessar as agressões e buscar ajuda de uma viatura policial que patrulhava a
residência
região.
O depoimento da vítima é corroborado pelo testemunho do Policial Militar Daniel
, que relatou ter sido abordado pela vítima relatando agressões sofridas no
Mendonça Santos
interior da casa, e pela
, que constatou lesões
prova pericial (Laudo nº 6955/2023/IML/RR)
condizentes com agressão física (mov. 29.1).
Embora a vítima tenha retrocedido em juízo, a jurisprudência reconhece a especial
sobretudo quando
relevância da palavra da vítima em casos de violência doméstica,
corroborada por outros elementos de prova, como ocorre no presente caso.
O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no mesmo sentido:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA NO ÂMBITO DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA . PALAVRA DA VÍTIMA COMO PROVA
RELEVANTE. OMISSÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO
NÃO CONFIGURADA. DECISÃO DO TRIBUNAL FUNDADA NAS PROVAS
DOS AUTOS. SÚMULA 83/STJ . AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM
EXAME1. Agravo regimental interposto por Igor Gabriel de Souza da Cruz contra
decisão da Presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que
inadmitiu o recurso especial . O recorrente foi condenado, em primeiro grau, a 8
meses e 5 dias de detenção, posteriormente reduzidos para 4 meses e 11 dias, pelo
crime de lesão corporal no âmbito de violência doméstica e familiar (art. 129, § 9º,
do Código Penal e Lei Maria da Penha). A defesa alega omissão no acórdão que
rejeitou os embargos declaratórios. II . QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas
questões em discussão: (i) se houve omissão no acórdão que rejeitou os embargos
de declaração quanto à análise das provas relacionadas à palavra da vítima e à
ausência de testemunhas; e (ii) se a condenação foi fundamentada adequadamente
com base nas provas dos autos. III. RAZÕES DE DECIDIR3 . A palavra da
vítima, em crimes cometidos no âmbito de violência doméstica, possui
especial relevância, especialmente quando corroborada por outras provas,
Assim o tribunal de origem, sem qualquer
como laudos periciais e fotografias.
omissão, decidiu amparado nas seguintes provas: termo de requerimento de
medidas protetivas, fotografias, guia de atendimento hospitalar, laudo de exame
de corpo de delito e as declarações da vítima, em harmonia com as provas orais,
entendeu por configurada a autoria e materialidade delitivas em desfavor do
recorrente, não podendo-se falar em omissão, ambiguidade, obscuridade ou
contradição no acórdão 4. A jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de
que, em casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem valor
probatório relevante, não sendo necessária a presença de outras testemunhas
5 . O Tribunal de origem
para fundamentar a condenação (Súmula 83/STJ).
analisou de forma fundamentada as provas constantes dos autos, não se
configurando omissão, obscuridade ou contradição no acórdão.6. O exame de
corpo de delito e outras provas materiais corroboram a narrativa da vítima,
afastando a alegação de insuficiência probatória.7 . A revisão das provas e fatos
exigiria reexame do conjunto probatório, vedado em sede de recurso especial pela
Súmula 7/STJ. IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (STJ - AgRg no
AREsp: 2481719 DF 2023/0372531-0, Relator.: Ministra DANIELA TEIXEIRA,
Data de Julgamento: 23/10/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 30/10/2024)
Este também é o entendimento deste E. Tribunal de Justiça, vejamos:
APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL PRATICADA CONTRA
MULHER, POR RAZÕES DE CONDIÇÕES DO SEXO FEMININO (CP, ART.
129, § 13º). ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE INCERTEZA SOBRE QUEM
INICIOU
AS
AGRESSÕES
MÚTUAS.
IN
DUBIO
PRO
REO.
IMPROCEDÊNCIA. VERSÃO DEFENSIVA ISOLADA E INCOMPATÍVEL
COM
O
CONJUNTO
PROBATÓRIO.
PALAVRA
DA
VÍTIMA
CORROBORADA POR EXAME DE CORPO DE DELITO E TESTEMUNHOS
POLICIAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, EM CONSONÂNCIA
COM O PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA (...) 4. Nesta seara, o
c. Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que
“nos delitos de violência doméstica em âmbito familiar, a palavra da vítima
recebe considerável ênfase, notadamente quando corroborada por outros
elementos probatórios” (STJ - AREsp: 2562001, Relator: Ministro JOEL
(TJRR – ACr
ILAN PACIORNIK, Data de Publicação: 19/08/2024).
0800936-24.2022.8.23.0060, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara
Criminal, julg.: 27/09/2024, public.: 01/10/2024)
Além disso, o argumento de que as lesões seriam fruto de surto psicótico da vítima não
. Nenhum dos elementos constantes nos autos aponta para
encontra respaldo nas provas
episódio psiquiátrico ou histórico clínico que justifique a automutilação.
Portanto, existem provas suficientes para a manutenção da condenação do Apelante pelo
delito de lesão corporal, sem margem para dúvidas razoáveis, conforme os artigos 129, § 13, do
Código Penal, não havendo fundamentação válida para sua absolvição.
III – REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE
Pugnou a defesa do apelante pelo redimensionamento da pena-base.
Deixo de conhecer do recurso neste aspecto, por ausência de interesse recursal.
O juiz ao proferir a sentença, assim fixou à pena-base (evento 98.1 – mov. 1º grau):
“[...] Quanto ao crime do artigo 129, § 13º, do Código Penal.
Analisando as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, verifico que o réu agiu
com culpabilidade normal à espécie, nada tendo a valorar; não possui antecedentes
criminais; não háv elementos para valorar sua personalidade. Não há informações
quanto à sua conduta social.
Os motivos do delito são inerentes ao tipo penal; as circunstâncias do crime não
fogem da normalidade. Não há elementos para se aferir as consequências do
crime; Não se pode afirmar que o comportamento da vítima contribuiu para a
prática do crime.
1º fase
À vista dessas circunstâncias analisadas individualmente, fixo a pena-base para o
delito descrito no art. 129, § 13º do CP em
.
1 (um) ano de reclusão
Percebe-se que o Juízo
fixou a reprimenda no mínimo legal, não havendo qualquer
a quo
valoração negativa indevida das circunstâncias judiciais.
Portanto, neste ponto, o recurso não merece ser conhecido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, conheço em parte do recurso interposto, e na parte conhecida, NEGO
PROVIMENTO, nos termos do voto do relator.
É como voto.
Boa Vista, 22 de maio de 2025
Leonardo Cupello
Relator
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL (ART. 129, § 13,
DO CÓDIGO PENAL). LEI MARIA DA PENHA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. I.
PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL ARGUIDA PELO
RAZÕES DE APELAÇÃO QUE ATENDEM AOS
MINISTÉRIO PÚBLICO. REJEIÇÃO.
REQUISITOS MÍNIMOS DE ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. PLEITO DEFENSIVO. II.
MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE
ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR ELEMENTOS
PROBATÓRIOS, INCLUSIVE O LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO N.º
6955/2023/IML/RR E OS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES. VALOR
PROBANTE
RECONHECIDO.
MANUTENÇÃO
DA
CONDENAÇÃO.
III.
AUSÊNCIA DE
REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE. INVIABILIDADE.
INTERESSE RECURSAL, TENDO EM VISTA A APLICAÇÃO DA PENA-BASE NO
MÍNIMO LEGAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA,
DESPROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
GRADUADO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Desembargadores da colenda Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
Roraima, na 13ª sessão ordinária virtual de 19.5.2025 a 22.5.2025, por
, em
unanimidade
consonância com o parecer ministerial, conhecer parcialmente do recurso interposto e, na parte
conhecida
, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte
NEGAR PROVIMENTO
integrante deste Julgado.
Participaram do julgamento o Desembargador Jésus Nascimento (Presidente), Des. Leonardo
Cupello (Relator), Des. Ricardo Oliveira (Revisor) e a (o) representante da Procuradoria de
Justiça.
Sala de Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos 22 (vinte e dois) dias
do mês de maio de 2025.
Des. Leonardo Cupello
Relator
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