Ademir Ribeiro x Facta Financeira S.A. Credito, Financiamento E Investimento
ID: 334630836
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5116023-84.2024.8.24.0930
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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RAFAEL DE JESUS DA SILVA
OAB/RJ XXXXXX
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RAFAEL DE JESUS DA SILVA
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5116023-84.2024.8.24.0930/SC
APELANTE
: ADEMIR RIBEIRO (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: RAFAEL DE JESUS DA SILVA (OAB RJ207526)
ADVOGADO(A)
: RAFAEL DE JESUS DA SILVA (OAB SC51330A)
APELADO
: FACTA…
Apelação Nº 5116023-84.2024.8.24.0930/SC
APELANTE
: ADEMIR RIBEIRO (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: RAFAEL DE JESUS DA SILVA (OAB RJ207526)
ADVOGADO(A)
: RAFAEL DE JESUS DA SILVA (OAB SC51330A)
APELADO
: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)
ADVOGADO(A)
: PAULO EDUARDO SILVA RAMOS (OAB RS054014)
DESPACHO/DECISÃO
1.1) Da inicial.
ADEMIR RIBEIRO
ajuizou Ação de Revisão de Contrato em face do FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, alegando em síntese, que firmou contrato de empréstimo pessoal n. 75891553, a ser pago em 12 parcelas mensais de R$242,57.
Aduziu a ocorrência de onerosidade excessiva da obrigação, pois as cobranças ilegais e abusivas tornaram as prestações incertas e ilíquidas, e portanto, inexigíveis.
Diante desses fatos, requereu a concessão de antecipação de tutela, para que seja a parte ré instada a não promover débito de quaisquer valores; reconhecer, provisoriamente, a abusividade dos encargos; determinar que a parte ré se abstenha de inscrever o seu nome junto aos órgãos cadastrais de restrição de crédito.
Quanto ao mérito, pugnou pela: I) limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação; II) vedar a capitalização dos juros na periodicidade diária; III) a descaracterização da mora e a limitação os juros moratórios em até 1% ao mês; IV) determinar a repetição de indébito dos valores pagos indevidamente, em dobro, determinando a compensação dos créditos/débitos. V) o reconhecimento do vício resultante do erro; VI) a condenação da parte ré a indenização por dano moral.
A parte ainda pleiteou a realização dos depósitos parciais.
Ao final, pugnou pela condenação do requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios e a concessão da Justiça Gratuita.
Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1, docs. 2/10).
1.2) Da contestação.
Devidamente citada, a requerida apresentou resposta, em forma de contestação, sustentando a ausência de abusividade em relação aos juros pactuados, a impossibilidade de descaracterização da mora, a legalidade do IOF, a legalidade da capitalização de juros, a legalidade na contratação da comissão de permanência. No mais, na eventualidade da determinação da repetição do indébito, que se dê na forma simples e que se opere a compensação, abarcando inclusive as parcelas vincendas. Ainda, a inviabilidade da suspensão dos descontos. Requereu a base de cálculo para os honorários advocatícios seja o proveito econômico. Defendeu a inexistência de danos morais. Pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais, com a condenação da parte autora nas verbas sucumbenciais.
1.3) Do encadernamento processual.
Não concedido o pedido de justiça gratuita (evento 11), foi interposto agravo de instrumento, no qual se decidiu pela reforma da decisão, com a concessão da gratuidade da justiça (evento 4, autos do agravo de instrumento n. 5079287-44.2024.8.24.0000).
Concedida em parte a tutela de urgência antecipada (evento 29).
Manifestação sobre a contestação (evento 47).
1.4) Da sentença.
Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Tanit Adrian Perozzo Daltoe, prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar parcialmente procedente a pretensão inicial deduzida:
ANTE O EXPOSTO
,
confirmo
a tutela a de urgência e
julgo parcialmente procedentes
os pedidos para:
-
Revisar
a taxa de juros remuneratórios nos contratos objetos da lide, que passarão a observar a taxa média de juros divulgada pelo Banco Central para o período de cada contratação, com o acréscimo de 50%, conforme tabela constante na fundamentação;
-
Descaracterizar
eventual mora; e
-
Determinar
a repetição simples de eventual indébito, corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do pagamento, com juros simples de 1% ao mês a contar da citação, ambos até 30.8.2024. A partir dessa data, o índice de correção monetária e o percentual de juros devem observar o que determina a Lei 14.905/2024.
Os valores apurados deverão ser compensados/descontados de eventual saldo devedor em aberto e, caso quitado o contrato, restituídos em parcela única.
Diante da sucumbência recíproca,
arbitro
os honorários em 15% do valor atualizado da condenação, cabendo à parte autora o adimplemento de 30% e à parte ré o pagamento de 70% dessa verba (art. 86 do CPC).
As custas devem ser rateadas entre as partes na proporção supramencionada.
A condenação em custas e honorários da parte autora ficará suspensa por força da Justiça Gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.
1.5) Do recurso.
Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs o presente recurso de Apelação Cível, aduzindo a necessidade de limitação dos juros remuneratórios à taxa praticada pela própria instituição, ou, subsidiariamente, à média das taxas aplicadas pelas 20 maiores instituições ou à taxa média de mercado. Ainda, determinar a repetição do indébito na forma dobrada e a condenação da ré à indenização por danos morais. Defendeu a inocorrência de sucumbência recíproca e a ocorrência de cerceamento de defesa, tendo em vista a ausência de determinação de a reabertura da instrução para realização de prova pericial contábil. Requereu a majoração dos honorários advocatícios para o máximo legal. Ao final, pugna pelo provimento do recurso.
1.6) Das contrarrazões
Ausentes.
Este é o relatório.
Decido.
2.1) Da admissibilidade recursal
Conheço de parte do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, dispensado o preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
A parte não conhecida se refere ao pleito de limitação dos juros remuneratórios à taxa praticada pela própria instituição, ou, subsidiariamente, à média das taxas aplicadas pelas 20 maiores instituições, porque a questão não foi trazida junto da inicial, ou sequer na réplica, tratando-se de inovação recursal.
Entretanto, o não conhecimento do recurso no ponto não obsta a análise da tese sobre a limitação dos juros remuneratórios à taxa média do mercado.
2.2) Do julgamento na forma do art. 932 do CPC
O Código de Processo Civil, com o intuito de promover a celeridade da prestação jurisdicional, em seu art. 932, trouxe a possibilidade julgamento monocrático em determinadas circunstâncias. Veja-se:
Art. 932. Incumbe ao relator: [...]
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;
VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
Aliás, é a orientação deste Tribunal no art. 132 do Regimento Interno.
Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual: [...]
XIII – negar seguimento a recurso nos casos previstos em lei;
XIV – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
Ainda, tem-se a Súmula 568, do STJ: "
O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
".
Nesse sentido, desta Câmara:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU E NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INSURGÊNCIA PRELIMINAR NO SENTIDO DE QUE O APELO NÃO PODERIA TER SIDO JULGADO POR VIA MONOCRÁTICA. TESE INACOLHIDA. RECLAMO CONTRÁRIO A SÚMULAS E ENTENDIMENTOS SEDIMENTADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM JULGAMENTO DE RECURSOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 932, INC. IV, ALÍNEAS "A" E "B", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo n. 0301717-13.2014.8.24.0010, de Braco do Norte, rel. Des. Rogério Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 27-07-2017).
Ademais, qualquer que seja a decisão do relator, está assegurado a parte, nos termos do art. 1.021, do CPC, a interposição de agravo interno. No entanto, cumpre destacar que em eventual manejo deste recurso, "
o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada
" (§ 1º do art. 1.021), "
[...] de forma a demonstrar que não se trata de recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante, sob pena de, não o fazendo, não ter o seu agravo interno conhecido.
" (TJSC, Agravo Interno n. 4025718-24.2019.8.24.0000, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 13-02-2020).
Portanto, diante do exposto, torna-se pertinente o julgamento do presente reclamo, na forma do art. 932, do CPC, já que a discussão de mérito será resolvida com o entendimento dominante do STJ e desta Corte.
2.3) Das preliminares
2.3.1) Do julgamento
citra
petita
Ao julgador é defeso considerar questões não levantadas pelas partes, proferir sentença diversa daquela pedida ou deixar de analisar pedido, sob pena de incorrer em julgamento
ultra,
citra
ou
extra petita
, em violação ao disposto nos arts. 141 e 492,
caput
, do CPC, o que acarreta a nulidade total ou parcial da sentença.
Da doutrina:
Citra petita
(ou
infra petita
) é a decisão que deixa de analisar
(i)
pedido formulado,
(ii
) fundamento de fato ou de direito trazidos pela parte ou
(iii)
pedido formulado por ou em face de um determinado sujeito do processo. [...] na decisão
citra petita
, o magistrado
se esquece
de analisar algo que tenha sido pedido pela parte ou tenha sido trazido como fundamento do seu pedido ou da sua defesa. Daí se vê que
citra/infra petita
é decisão em que houve omissão quanto ao exame de uma questão, seja ela
incidental
ou
principal
(DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada, vol. 2. 2. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 318) (grifos do original)
Da jurisprudência catarinense:
De acordo com o disposto nos arts. 128, 293 e 460 do CPC, o juiz, ao decidir, deve restringir-se aos limites da causa, fixados pelo autor na petição inicial, sob pena de nulidade, por ser
citra
,
ultra
ou
extra
petita
. Tal lição, evidentemente, há de ser aplicada aos casos regidos pelo CDC, cujos termos, em nada, alteraram a validade daqueles dispositivos processuais, como forma de garantia do devido processo legal, respeitados, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. (AC 2007.008059-7, rel. Des. Henry Petry Junior, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 19.8.2008)
In casu
, a inicial contempla, dentre outros, o pleito de dano moral.
O juízo
a quo
deixou de analisar o pedido.
Dessarte, reconheço a ocorrência do julgamento
citra
petita
, quanto ao dano moral, cuja apreciação se dá por ocasião deste julgamento (art. 1.013, § 3º, III, CPC).
2.3.2) cerceamento de defesa
A ré sustenta a nulidade da sentença em razão da ausência de produção de prova pericial, invocando existência de cerceamento de defesa.
Em que pese a alegação, verifica-se que os próprios elementos carreados aos autos são suficientes para a solução da controvérsia instaurada. Permanecem unicamente questões de direito que, com a juntada dos documentos, torna-se dispensável a produção de outras provas.
A resolução da contenda passa, em um primeiro momento, na apreciação das teses revisionais desejadas pela parte autora.
Somente depois do reconhecimento positivo, de que sua pretensão merece acolhimento - total ou parcial - é que se torna necessário o trabalho em questão, com a específica finalidade de liquidar o julgado. Enquanto não se reconhece o direito litigado, naquilo que deve ser acolhido ou não, naquilo que é legal ou ilegal, a providência é inócua.
Afinal, não se sabe ainda quais são os parâmetros a serem utilizados. O perito está adstrito ao que for decidido em sentença ou pelo Colegiado.
No mais, o feito está instruído com o que é preciso para aferir a existência de direito ou não da parte autora.
Nesse sentido, de minha relatoria:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DAS PARTES. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA CONTÁBIL. MEIO PROBATÓRIO INÓCUO PARA O CASO EM TELA, EM QUE SE PRETENDE A REVISÃO DO QUE FOI PACTUADO. SITUAÇÃO QUE SE AMOLDA AOS CASOS DE DISPENSA DESTE MEIO DE PROVA E SE MOSTRA PASSÍVEL DE SOLUÇÃO PELA LEITURA DO PACTO E DE DOCUMENTOS CORRELATOS. PRELIMINAR AFASTADA. [...] (TJSC, Apelação n. 5024058-59.2023.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 29-08-2024).
Assim, não se acolhe o pleito.
2.4) Do mérito
2.4.1) Juros Remuneratórios.
Sustenta a parte apelante a necessidade de limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado.
Para facilitar o raciocínio a seguir estampado, convém registrar que é de conhecimento de todos os operadores jurídicos que o art. 192, § 3º da Constituição Federal, que outrora estabeleceu a limitação dos juros em 12% ao ano, restou revogado pela Emenda Constitucional n. 40 de 29/05/2003, ao argumento de que sua aplicabilidade estava condicionada à edição de legislação infraconstitucional.
É o que dispõe a Súmula 648 do STF e a Súmula Vinculante n. 07:
A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.
Neste condão, tendo em vista a ausência de legislação específica a disciplinar a aplicabilidade dos juros remuneratórios no patamar de 12% ao ano, inconcebível sua incidência no caso em comento.
Em verdade, a limitação dos juros remuneratórios, frente a omissão constitucional e legislativa está pautada na existência ou não de índices que reflitam abusividade capaz de macular/afrontar o equilíbrio contratual e gerar uma onerosidade excessiva ao consumidor e consequentemente um enriquecimento do banco.
Por fim, convém contemplar na presente decisão a inaplicabilidade dos termos legais constantes do Decreto 22.626/33 frente as instituições financeiras. Inteligência encartada na Súmula n. 596 do Supremo Tribunal Federal,
in verbis
:
As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. REVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
2. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.061.530/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, submetido a regime dos recursos repetitivos, firmou posicionamento no sentido de que:
a) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933) e Súmula nº 596/STF; b) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não indica abusividade; c) inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591, c/c o art. 406, do CC/2002, e d) admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, haja vista as peculiaridades do julgamento concreto.
3. Na hipótese, para rever a conclusão do acórdão recorrido acerca dos juros remuneratórios, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos e a interpretação da cláusula contratual, procedimentos vedados pelas Súmulas nºs 5 e 7/STJ.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp n. 2.025.468/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/5/2023, DJe de 10/5/2023.)
Desta forma, pode-se concluir que a taxa de juros remuneratórios não sofre a limitação indicada no já revogado § 3º do art. 192 da Constituição Federal.
Todavia, embora o índice dos juros remuneratórios não esteja vinculado a limitação disposta na norma constitucional supra citada, a jurisprudência pátria e até mesmo os Enunciados I e IV do Grupo de Câmaras de Direito Comercial, anotam que é possível estabelecer limitação/redução quando superior àqueles praticados pelo mercado financeiro e dispostos na tabela emitida pelo Banco Central do Brasil.
I - No contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
IV - Na aplicação da Taxa médias de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n. 1.061.530/RS sob o rito do recurso repetitivo, consolidou a orientação n. 1,
in verbis
:
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d)
É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e
que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto
.
(REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009.)
Sabe-se que a taxa média de mercado divulgada pelo Bacen provêm da média dos juros operados pelas instituições financeira para o contrato específico, contemplando, inclusive, o risco do crédito concedido.
No entanto, a referida taxa serve apenas como um referencial para averiguar a abusividade dos juros remuneratórios, de modo que devem ser analisadas as peculiaridades do caso concreto, conforme delimitado no julgamento do REsp n. 2.009.614/SC, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. 1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.
2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.
3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
4-
Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
5-
São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior. 7- Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022).
Logo, conclui-se que de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o simples fato das taxas de juros remuneratórios contratadas estarem acima da taxa média de mercado não é capaz, por si só, de caracterizar a sua abusividade.
Assim, sob essa nova diretriz, tem-se que é imprescindível aferição detalhada das peculiaridades do caso em concreto, com o intuito de garantir que a intervenção do Poder Judiciário seja revestida de segurança e certeza quanto ao juízo acerca da abusividade dos juros remuneratórios.
Diante disso, deve-se verificar as seguintes variáveis do caso em concreto para o reconhecimento da abusividade dos juros remuneratórios, quais sejam:
a) existência de relação de consumo;
b) existência de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada;
c) demonstração cristalina da "[...]
situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas
"
(
REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022).
A partir disso, passo para apreciação do caso em comento:
No caso, compulsando os elementos que formaram o conjunto probatório, observa-se que as partes firmaram contrato de empréstimo pessoal n. 75891553, no valor de R$ 1.000,01, a ser pago em 12 parcelas de R$242,57 na modalidade débito em conta (evento 1, CONTR7).
A taxa de juros anual contratada é 671,92% ao ano. Em consulta à tabela das taxas médias de mercado do Banco Central do Brasil, verifica-se que, no momento da celebração da avença entre as partes (03/04/2024), a taxa anual média estipulada foi de 95,78% ao ano (série temporal n. 20742 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado).
Nesse sentido, a partir dos requisitos estabelecidos no REsp n. 2.009.614/SC, constata-se do caso em comento que:
a) a relação contratual entre as partes é de consumo (Súmula 297 STJ);
b) os juros remuneratórios contratados estão demasiadamente acima da taxa média de mercado, o que coloca o consumidor em desvantagem absurdamente exagerada;
c) não há garantia contratual, bem como não há informações sobre a situação da economia na época da pactuação, do custo da captação dos recursos, do risco envolvido na operação em comento e do relacionamento do consumidor com a instituição financeira.
Logo, a instituição financeira não instruiu os autos com as circunstâncias do caso em comento que foram submetidas a apreciação quando da assinatura do contrato, socorrendo-se única e exclusivamente das decisões do Superior Tribunal de Justiça, ao afirmar que a taxa média de mercado não é parâmetro único e exclusivo.
Portanto, em que pese a forma de pagamento do contrato seja em débito em conta e não consignado, bem como não fora ofertada garantia, porém, repisa-se não há qualquer informação que a parte autora possuía protestos ou restrição de seu nome em órgão de proteção ao crédito quando da contratação ou até mesmo sobre a sua inadimplência. Ou seja, não há nos autos qualquer prova que demonstre os indicativos sobre o resultado da análise do perfil de risco de crédito a ser concedido à parte autora.
Até porque, não só pela vulnerabilidade técnica e inquestionável hipossuficiência do consumidor, fatores que permitem a inversão do ônus da prova, é "[...]
do banco o ônus de provar documentalmente nos autos as motivações que levaram a impor taxas de juros que ultrapassam substancialmente a média de mercado para aquele período aquisitivo, envolvendo singularidades próprias e especificidades da contratação
" (TJSC, Apelação n. 5004246-79.2020.8.24.0075, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 19-10-2023), até porque há dados - spread bancário - que não são alcançáveis pelo consumidor, configurando prova diabólica.
Entendimento implementado pelas Câmaras de Direito Comercial desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SENTENÇA QUE DECLAROU A ABUSIVIDADE E REDUZIU A TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO COM ACRÉSCIMO DE 50%. PERCENTUAL PACTUADO EM CONTRATO QUE DEMONSTRA SIGNIFICATIVA DIFERENÇA EM RELAÇÃO À TAXA MÉDIA DIVULGADA PELO BACEN. AUSÊNCIA DE PROVAS A JUSTIFICAREM EXTRAPOLAÇÃO EM PATAMAR TÃO CONSIDERÁVEL. ÔNUS DA PROVA QUE CABIA À CASA BANCÁRIA. ART. 373, II, DO CPC. CASO DOS AUTOS EM QUE SE MOSTRA RECOMENDÁVEL LIMITAR OS JUROS REMUNERATÓRIOS. RECURSO SOMENTE DO RÉU. PRINCÍPIO DA "NON REFORMATIO IN PEJUS". SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO NO PONTO. A jurisprudência dominante prevê a revisão e limitação dos juros fixados à taxa média de mercado, sem acréscimo de 50% ou qualquer outro valor, entretanto, sendo a matéria atacada apenas parte ré/banco, em respeito ao princípio da "non reformatio in pejus", fica mantida a sentença. [...] (TJSC, Apelação n. 5058524-79.2023.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Joao Marcos Buch, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 27-08-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO PESSOAL. TOGADO A QUO QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA EXORDIAL. INCONFORMISMO DO RÉU. [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. ADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL N. 1.061.530/RS, DE QUE TRATA A MULTIPLICIDADE DE RECURSOS COM FUNDAMENTO IDÊNTICO À QUESTÃO DE DIREITO, COMO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO, SOB A RELATORIA DA MINISTRA NANCY ANDRIGHI, QUE ESTIPULOU: (1) A AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA ESTIPULAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS SUPERIORES A 12% AO ANO; (2) A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS QUANDO CARACTERIZADA A RELAÇÃO DE CONSUMO E A ABUSIVIDADE RESTAR CABALMENTE DEMONSTRADA, ANTE AS PECULIARIDADES DO JULGAMENTO EM CONCRETO. ANÁLISE CONFORME OS PARÂMETROS DITADOS NO RESP REPETITIVO N. 1.061.530/RS E RESP N. 2.009.614/SC. CASO VERTENTE EM QUE: I) RESTOU CONFIGURADA A RELAÇÃO DE CONSUMO; II) A AUTORA FOI EXPOSTA A TAXA DE JUROS PACTUADA EXCESSIVAMENTE ACIMA DA MÉDIA DE MERCADO; III) O BANCO NÃO VERTEU SEQUER JUSTIFICATIVA ACERCA DA ENORME DISCREPÂNCIA DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS QUANDO O ÔNUS ERA SEU, POR SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ABUSIVIDADE INESCONDÍVEL. LIMITAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS AO TETO VEICULADO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL QUE RESULTA IMPERATIVA. SENTENÇA PRESERVADA. [...] (TJSC, Apelação n. 5076842-47.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Carlos Carstens Kohler, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 27-08-2024).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIAS DE AMBAS AS PARTES. [...] II - APELO DA PARTE AUTORA 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DO BACEN, QUANDO CONSTATADA ABUSIVIDADE. CONTRATO DE FINANCIAMENTO QUE APRESENTA TAXAS PACTUADAS EM PERCENTUAIS CONSIDERAVELMENTE ACIMA DA TAXA MÉDIA DO BACEN PARA A ESPÉCIE DE OPERAÇÃO NO PERÍODO DA CONTRATAÇÃO. LIMITAÇÃO NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVAS POR PARTE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUANTO AOS FATORES QUE JUSTIFICARAM REFERIDA DISPARIDADE. RECURSO PROVIDO NO PONTO. [...] (TJSC, Apelação n. 5020254-43.2023.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Dinart Francisco Machado, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 22-08-2024).
Do Tribunal de Justiça Gaúcho:
“Cumpre destacar que, embora a instituição financeira justifique a cobrança de juros mais elevadas em razão do risco da operação, sob a alegação do alto índice de inadimplência dos servidores estaduais e do custo da captação dos recursos, comparado ao custo de outras operações disponíveis no mercado, no presente caso, tais situações não autorizam a aplicação de juros em patamar tão superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central, haja vista que os alegados riscos da operação de crédito, que sequer foram demonstrados na espécie, devem ser suportados pela própria instituição financeira e não pelo consumidor.” (Apelação Cível, Nº 51040197520218210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em: 28-06-2023)
Desse modo, a instituição financeira ao ceder o crédito deve/pode avaliar o risco do negócio e, não simplesmente, pela modalidade de contrato, submeter o consumidor a uma taxa de juros que destoa de forma excessiva em relação a taxa média de mercado, sem que haja quaisquer informações sobre as circunstâncias do caso concreto no momento da assinatura do contrato.
No entanto, a instituição financeira ré não se desincumbiu do seu ônus de demonstrar que a parte autora possuía perfil de alto risco de inadimplência capaz de ensejar na aplicação da taxa de juros em percentual tão elevado em comparação com a taxa média de mercado, a qual serve apenas como referencial e não como um limitador.
Já decidiu esta e. Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE LIMITA AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADAS À MÉDIA DE MERCADO, DETERMINANDO A REPETIÇÃO DE INDÉBITO/COMPENSAÇÃO, NA FORMA SIMPLES, DE EVENTUAIS VALORES COBRADOS A MAIOR DA PARTE AUTORA, DESCARACTERIZANDO A MORA E CONDENANDO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS PELA CASA BANCÁRIA (EM RELAÇÃO ÀS TAXAS DE JUROS UTILIZADAS COMO PARÂMETRO DE MERCADO) CUJA REJEIÇÃO IMPORTOU NA SUA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA FIXADA PELO JUÍZO DE ORIGEM.
RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA
1. REVISÃO DE CONTRATO. POSSIBILIDADE DE AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS REPUTADAS ILEGAIS SEREM OBJETO DE REVISÃO. NECESSIDADE DE VERIFICAÇÃO CONCRETA DAS CLÁUSULAS IMPUGNADAS.
2.
TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO LEGAL À TAXA CONTRATADA. TAXA MÉDIA QUE NÃO CONSTITUI UM TETO, MAS, SIM, UM PARÂMETRO DE COMPARAÇÃO PARA AFERIR A ABUSIVIDADE DE TAXAS QUE DELA SE DISTANCIEM DE FORMA IRRAZOÁVEL, HIPÓTESE EM QUE AUTORIZADA A INTERVENÇÃO JUDICIAL PARA O FIM DE REDUÇÃO DA TAXA PACTUADA. TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADAS QUE, NO CASO CONCRETO, EXTRAPOLAM DEMASIADAMENTE A MÉDIA PRATICADA PELO MERCADO EM OPERAÇÕES DA MESMA NATUREZA NOS RESPECTIVOS PERÍODOS DE CONTRATAÇÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA VERIFICADA. CONTEXTO EM QUE OS ÍNDICES CONTRATADOS DEVEM SER LIMITADOS ÀS MÉDIAS DE MERCADO DIVULGADAS PELO BACEN
PARA OS RESPECTIVOS PERÍODOS.
PRECEDENTES DA CORTE SUPERIOR E DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NECESSÁRIA REFORMA DA SENTENÇA, NO ENTANTO, PARA CORRIGIR AS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS FIXADAS COMO LIMITE EM RELAÇÃO A DOIS DOS QUATRO CONTRATOS REVISADOS OBJETOS DOS AUTOS, TENDO EM VISTA QUE O TOGADO SINGULAR UTILIZOU, QUANTO A ELES, ÍNDICE INADEQUADO, DE MODALIDADE DIVERSA DAQUELAS EM QUE SE ENQUADRAM OS MENCIONADOS PACTOS IMPUGNADOS.
[...]
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5042443-89.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 14-12-2023).
Bem como, esta e. Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE TAXA ANUAL DE JUROS C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E PEDIDO INCIDENTAL DE EXIBI/ÇÃO DE DOCUMENTOS. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
[...]
JUROS REMUNERATÓRIOS. AFERIÇÃO BASEADA NA OBSERVÂNCIA DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO (SITUAÇÃO DA ECONOMIA À ÉPOCA, GARANTIAS OFERECIDAS, PERFIL DO CONTRATANTE E RISCOS DA OPERAÇÃO). TAXA MÉDIA DITADA PELO BANCO CENTRAL (BACEN) QUE INDICA, TÃO SOMENTE, UM CRITÉRIO ÚTIL DE AFERIÇÃO CONSIDERANDO AS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA QUE DEIXOU DE COMPROVAR, MINIMAMENTE, A RAZOABILIDADE DAS TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADAS. AUSÊNCIA DE APONTAMENTO DAS CIRCUNSTÂNCIAS RELACIONADAS ÀS OPERAÇÕES BANCÁRIAS EFETUADAS E AO PERFIL DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES SOBRE O CUSTO DAS OPERAÇÕES, FONTES DE RENDA DO CONTRATANTE, RESULTADO DA ANÁLISE DE RISCO, GARANTIAS, ETC. TAXAS REMUNERATÓRIAS CONTRATADAS QUE DESTOAM SUBSTANCIALMENTE DAS MÉDIAS DE MERCADO. JUROS REMUNERATÓRIOS ABUSIVOS. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DAS TAXAS MÉDIAS DO BACEN.
ADEMAIS, IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR AS TAXAS CONTRATADAS NOS PACTOS NÃO EXIBIDOS. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DO ART. 400, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SÚMULA N. 530 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, SALVO SE AQUELA COBRADA FOR MAIS BENÉFICA AO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSITIVA A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA NA PARTE ONDE DELIBEROU PELA REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO, COM A DEVIDA COMPENSAÇÃO, A FIM DE EVITAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. SENTENÇA MANTIDA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS EM FAVOR DA PARTE AUTORA. DESPROVIMENTO DO RECURSO DA PARTE RÉ. HIPÓTESE QUE AUTORIZA A MAJORAÇÃO PREVISTA NO ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRESENÇA CUMULATIVA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
RECURSO CONHECIDO E DESROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5096033-78.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Franco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 25-04-2024).
Ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, TÃO SOMENTE, COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTIPULADOS NO RESP N. 1.821.182/RS. ONEROSIDADE DO ALUDIDO ENCARGO QUE DEVE SER APURADA DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA, IN CASU, DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL POR PARTE DA RÉ PARA PRESERVAÇÃO DAS ELEVADAS TAXAS PACTUADAS ENTRE AS PARTES. MANUTENÇÃO, PORTANTO, DA LIMITAÇÃO DO ENCARGO À MÉDIA DE MERCADO QUE SE IMPÕE.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE ENCARGOS ABUSIVOS. DEVER DE PROMOVER A DEVOLUÇÃO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE, NA FORMA SIMPLES, ATUALIZADO COM BASE NOS ÍNDICES OFICIAIS, DIANTE DA AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL QUE NÃO CONFIGURA ABALO ANÍMICO PASSÍVEL DE REPARAÇÃO. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO INAPLICÁVEL À ESPÉCIE. MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO.
MANUTENÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS ARBITRADOS PELO MAGISTRADO A QUO. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação n. 5025371-06.2022.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-12-2023).
Não obstante, verificada a abusividade contratual, descabe acrescer percentual acima da taxa média de mercado para a confecção dos cálculos do contrato revisado.
Por fim, sem esgotar a temática, anoto que a intervenção judicial no ajuste negocial em nada interfere/compromete o sistema econômico nacional, haja vista tratar-se de um sistema complexo que encampa inúmeras variantes que destoam da análise perpetrada neste processo.
Dessa forma, os juros remuneratórios devem ser limitados ao percentual da taxa média de mercado (Bacen), nos patamares já mencionados, sem acréscimos de qualquer espécie.
Portanto, provido o apelo no ponto.
2.4.2) Do dano moral
A parte autora sustenta a existência de danos morais, tendo em vista a abusividade da avença.
A Constituição Federal de 1988 garantiu a todos, em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, e assegurou o direito de resposta (inciso V) na proporção do agravo praticado. In verbis:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;[...]X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Menciona-se:
[...] O que se chama de 'dano moral' é, não um desfalque no patrimônio, nem mesmo a situação onde só dificilmente se poderia avaliar o desfalque, senão a situação onde não há ou não se verifica diminuição alguma. [...] dano moral é empregada com sentido traslado ou como metáfora: um estrago ou uma lesão (este o termo jurídico genérico), na pessoa mas não no patrimônio.[...] O dinheiro pago, por sua vez, não poderia recompor a integridade física, psíquica ou moral lesada. Não há correspondência nem possível compensação de valores. Os valores ditos morais são valores de outra dimensão, irredutíveis ao patrimonial. (Walter Moraes apud Rui Stoco. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 457-458).
O direito a indenização mencionado pela Carta Magna parte da responsabilidade civil daquele que viola os referidos artigos, estando descritos nos artigo 186 e 927 do Código Civil, que diz:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [...]
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Fernando Noronha esclarece o assunto:
Podemos ordenar os pressupostos da responsabilidade civil de forma mais didática dizendo ser necessário, para que surja a obrigação de indenizar: a) que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza) que seja antijurídico (isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências); b) que esse fato possa ser imputado a alguém, seja por se dever à atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido do decurso de uma atividade realizada no interesse dela; c) que tenham sido produzidos danos; d) que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta. A estes quatro pressupostos da responsabilidade civil, sobre os quais estão de acordo praticamente todos os juristas, deve-se acrescentar uma condição suplementar (e que, aliás, em rigor, precede todos eles): e) é preciso que o dano esteja contido no âmbito da função de proteção assinada à norma violada. Isto é, exige-se que o dano verificado seja resultado da violação de um bem protegido.Tais são os cinco requisitos da responsabilidade civil. Os dois primeiros referem-se ao fato gerador da responsabilidade; os outros três, ao próprio dano causado. O fato causador da responsabilidade terá, assim, de ser antijurídico e deverá poder ser imputado a alguém; o dano, por sua vez, há de ser efetivo e deverá ter sido causado pelo fato gerador; além disso, (e este será o último requisito), o dano deverá constituir lesão de um dos bens que a ordem jurídica queria proteger. (in: Direito das Obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. Vol. 1. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 467-468).
Além disso, tratando-se de relação de consumo, impõe-se a observância dos ditames esculpidos no CDC, que dispõe:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Assim, para a ocorrência do dano extrapatrimonial, faz-se necessária a existência de um ato lesivo, originado pela ilicitude ou ação/omissão negligente, imprudente ou imperita, o dano (material ou moral) e o nexo de causalidade entre o fato lesivo e a conduta do agente.
No caso em apreço, não se verifica a pratica de um ato ilícito, uma vez que fora a própria parte quem assinou e aderiu ao contrato. Do mesmo modo, eventual descontentamento com os juros pactuados não prestam, por si só, para sancionar a parte, pois trata-se de mero aborrecimento.
De minha relatoria:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA PROCEDENTE EM PARTE. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. [...] DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE ATO ILÍCITO, ABALO MORAL E NEXO DE CAUSALIDADE. [...] (TJSC, Apelação n. 5044310-83.2023.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 27-06-2024).
Logo, improvido o recurso no ponto.
2.4.3) Repetição de Indébito.
Pleiteou a parte apelante pela repetição de indébito na forma dobrada.
O caso em comento é regido pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual autoriza em seu artigo 42 a repetição de indébito, no caso do consumidor ser cobrado por quantia indevida.
Desta feita, restando apurado que a parte apelante realizou pagamento indevido, é dever da parte apelada promover a devolução dos mesmos em respeito ao princípio que veda o enriquecimento sem causa (art. 884, CC), compensados na existência de débitos (art. 369, CC).
No que tange a forma da devolução, simples ou em dobro, este Relator, até então, adotava o entendimento que a repetição de indébito deveria ocorrer na forma simples, diante do engano injustificável.
Contudo, diante do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, proferido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.413.542/RS, fixou-se a tese de que a cobrança indevida em dobro independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor, sendo cabível quando a referida cobrança ser contrária à boa-fé objetiva.
A partir disso, refluindo meu posicionamento sobre a questão, passo a adotar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no qual a repetição de indébito em dobro ocorre independentemente da existência de culpa ou dolo do fornecedor, sendo necessário somente que a cobrança indevida seja contrária à boa-fé objetiva, nos termos do acórdão que fixou a tese:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015.
IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente.
2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável" (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado).
[...]
TESE FINAL
28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO.
MODULAÇÃO DOS EFEITOS
29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão.
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada.
Impõe-se a devolução em dobro do indébito.
CONCLUSÃO
31. Embargos de Divergência providos. (EREsp n. 1.413.542/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021).
Portanto, como a presente cobrança indevida é contrária à boa fé-objetiva, a repetição de indébito deve ser realizada em dobro.
Contudo, deve ser observada a modulação dos efeitos fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.413.542/RS, razão pela qual a repetição de indébito em dobro incidirá somente em cobranças indevidas realizadas após a 30/03/2021.
Diante disso, em relação aos valores cobrados indevidamente até 30/03/2021, incide a repetição de indébito de forma simples e, após 30/03/2021, de forma dobrada.
Salienta-se que quando da devolução, incide sobre os valores correção monetária pelo INPC, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, até a data de 31/08/2024. A partir dessa data, em virtude das alterações promovidas no Código Civil pela Lei nº 14.905/2024, a correção monetária será pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), e os juros de mora serão calculados pela Selic, deduzida a correção monetária (art. 406, §1º, do CC), seguindo a metodologia do Conselho Monetário Nacional e divulgada pelo Bacen, conforme o art. 406, §2º, do CC.
Caso a taxa Selic apresente resultado negativo, considera-se que como zero os juros de mora, nos termos do parágrafo 3º do art. 406 do Código Civil.
Provido o apelo neste ponto.
2.5) Da sucumbência
A parte apelante defende que não se trata de sucumbência recíproca, requerendo
"a majoração dos honorários sucumbenciais integralmente em favor da parte autora
" (evento 60, APELAÇÃO1, p.7), bem como a majoração dos honorários advocatícios para o patamar máximo legal (20%).
Pois bem.
Considerando a alteração parcial da sentença, cabível a redistribuição do ônus sucumbencial, devendo a parte autora arcar com 20% da incumbência e a parte ré com 80% das custas e dos honorários advocatícios, de modo que, apesar da redistribuição, resta mantida a sucumbência recíproca, em atenção a improcedência dos pleitos de dano moral e do afastamento da capitalização de juros.
Sobre a verba honorária, tem-se que a Lei Adjetiva Civil determina a sua fixação no mínimo de 10% (dez por cento) e no máximo de 20% (vinte por cento) "sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa" (art. 85, § 2º).
Todavia, nos casos em que "
for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa
" (art. 85, § 8º).
Nesse particular, anota-se a tese firmada pelo STJ no sentido de que "
a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados
" (Tema Repetitivo 1076).
Em qualquer caso, deverão ser observados os critérios elencados pelo legislador (art. 85, § 2º, I a IV, CPC).
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.[...]§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.[...]
Nesse sentido, orienta o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. O novo Código de Processo Civil - CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo. [...] (REsp 1.746.072/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 13.2.2019)
In casu
, a demanda é de baixa complexidade, tramitou por autos digitais em período próximo de 07 meses até a prolação da sentença. Quanto ao grau de zelo do profissional, foi normal à espécie.
Ainda assim
, julgo cabível a majoração dos honorários advocatícios para 20% sobre o valor da condenação, nos termos art. 85, § 2º, do CPC, tendo em vista que remunera mais condignamente o trabalho realizado pelos patronos, especialmente
considerando tratar-se de pacto de valor reduzido.
Assim, em parte com razão o apelo, no que tange às verbas sucumbenciais.
2.5.1) Dos honorários recursais
Em razão do provimento parcial do recurso, em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo 1.059), seguido por esta Corte, não há se falar em honorários recursais previstos no §11º do art. 85 do CPC.
Diante da fundamentação acima exarada:
a) conheço de parte do recurso e lhe dou parcial provimento para:
a.1)
limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, sem acréscimos;
a.2)
determinar que a repetição do indébito se dê na forma dobrada;
a.3)
redistribuir a sucumbência;
a.4)
majorar os honorários advocatícios para o patamar de 20% sobre o valor da condenação.
3.0) Conclusão.
Ante o exposto, com esteio no art. 932 do CPC, conheço de parte do recurso para dar parcial provimento.
Intime-se.
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