Processo nº 5058081-94.2024.8.24.0930
ID: 321839730
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5058081-94.2024.8.24.0930
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
RAFAEL PORDEUS COSTA LIMA NETO
OAB/CE XXXXXX
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LEONE TRAPNAUSKAS
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5058081-94.2024.8.24.0930/SC
APELANTE
: JAINE APARECIDA DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LEONE TRAPNAUSKAS (OAB SC066455)
APELANTE
: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)…
Apelação Nº 5058081-94.2024.8.24.0930/SC
APELANTE
: JAINE APARECIDA DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LEONE TRAPNAUSKAS (OAB SC066455)
APELANTE
: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: RAFAEL PORDEUS COSTA LIMA NETO (OAB CE023599)
DESPACHO/DECISÃO
Acolho o relatório da sentença (
evento 36, SENT1
dos autos de primeiro grau), por contemplar o conteúdo dos presentes autos,
ipsis litteris
:
Cuida-se de ação movida por
JAINE APARECIDA DA SILVA
ROBAINA
em face de
AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A.
.
Alegou que contratou a concessão de crédito para aquisição de veículo com garantia em alienação fiduciária com a parte ré. Defendeu que o contrato contém algumas cláusulas abusivas, dentre elas as que dispõem sobre: (a) os juros remuneratórios; (b) a capitalização dos juros; (c) as tarifas; (d) o seguro. Pugnou pela procedência dos pedidos, com a restituição do indébito e a manutenção da posse do bem. Requereu o afastamento da mora, e a concessão de tutela de urgência.
A tutela provisória de urgência antecipada foi deferida.
Citada, a instituição requerida apresentou contestação, em que sustentou, preliminarmente, a impugnação à justiça gratuita concedida.
No mérito, defendeu que o contrato observou a legislação de regência e a vontade das partes.
Houve réplica.
O Magistrado julgou parcialmente procedente os pedidos exordial, nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO
, revogo a tutela de urgência pela falta dos depósitos do valor tido como incontroverso e julgo procedentes em parte os pedidos para:
- Revisar a taxa de juros remuneratórios nos contrato objeto da lide, que passará a observar a taxa média de juros divulgada pelo Banco Central para o período da contratação, com o acréscimo de 50%, conforme tabela constante na fundamentação;
- Afastar a cobrança do encargo de Registro de Contrato;
- Determinar a repetição simples de eventual indébito, corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do pagamento, com juros simples de 1% ao mês a contar da citação, ambos até 30.8.2024. A partir dessa data, o índice de correção monetária e o percentual de juros devem observar o que determina a Lei 14.905/2024.
Os valores apurados deverão ser compensados/descontados do saldo devedor em aberto e, caso quitado o contrato, restituídos pela instituição financeira em parcela única.
Diante da sucumbência recíproca, arbitro os honorários em R$ 1.500,00 (85, §8º-A, e art. 86, ambos do CPC), cabendo à parte autora o adimplemento de 30% e à parte ré o pagamento de 70% dessa verba.
As custas devem ser rateadas entre as partes na proporção supramencionada.
A condenação em custas e honorários da parte autora ficará suspensa por força da Justiça Gratuita.
Os embargos de declaração opostos pela autora (
evento 41, EMBDECL1
/1º grau) foram integralmente rejeitados (
evento 57, SENT1
/1º grau).
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a instituição financeira interpôs apelação, por meio da qual sustenta, em síntese: (i) a inexistência de abusividade nas cláusulas contratuais, defendendo a validade integral do contrato celebrado, sob a égide do princípio do pacta sunt servanda; (ii) a legalidade dos juros remuneratórios pactuados no percentual de 2,97% ao mês e 42,06% ao ano, os quais estariam compatíveis com a realidade do mercado à época da contratação, sobretudo em razão das peculiaridades do bem dado em garantia (veículo com mais de cinco anos de uso); (iii) a legitimidade da cobrança da tarifa de registro do contrato; e (iv) a ocorrência de sucumbência mínima, razão pela qual requer o afastamento da condenação proporcional em honorários advocatícios, com atribuição integral da verba à parte autora (
evento 62, APELAÇÃO1
/1º grau).
Por sua vez, a parte autora requer: (i) preliminarmente, requer a isenção do preparo recursal; (ii) a aplicação da taxa média de mercado do BACEN, sem o acréscimo de 50%; (iii) a definição expressa da forma de compensação dos valores pagos indevidamente, esclarecendo-se se a restituição ocorrerá por abatimento em parcelas vincendas, devolução em parcela única ou por meio de nova liquidação; e (iv) a readequação da distribuição dos honorários de sucumbência, com sua integral isenção (
evento 64, APELAÇÃO1
/1º grau).
Contrarrazões no
evento 70, CONTRAZ1
e
evento 71, CONTRAZAP1
.
É o relatório.
Decido.
De plano, assinalo a possibilidade de julgamento monocrático do feito, em conformidade com o art. 132, XVI e XV, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
1 RECURSO DO RÉU
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
1.1 Juros remuneratórios
A instituição financeira recorrente sustenta que o contrato celebrado é plenamente válido, devendo ser respeitado em razão do princípio do pacta sunt servanda, e que não há qualquer demonstração de abusividade a justificar sua revisão. Ainda, defende que os juros remuneratórios pactuados (2,97% a.m. e 42,06% a.a.) são compatíveis com a prática de mercado, especialmente por envolver veículo com mais de cinco anos de uso.
Adianta-se, razão não lhe assiste.
Viável a revisão das cláusulas contratuais abusivas ou que coloquem o consumidor em situação amplamente desfavorável, nos termos do art. 51, IV, da Lei n. 8.078/1990, hipótese que não configura violação aos princípios do
pacta sunt servanda
e da autonomia da vontade, os quais cedem espaço à norma específica prevista no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor.
Os aludidos princípios não prevalecem de maneira absoluta, pois, configurada a relação de consumo (Súmula 297 do STJ), possível a análise e a revisão das cláusulas contratuais abusivas, notadamente em observância à função social do contrato e aos princípios de probidade e boa-fé, com vistas à restauração do equilíbrio das prestações durante a execução e a conclusão contratual.
Desse modo, a tese no sentido de que o cumprimento do contrato seria obrigatório por ter sido firmado livremente pelas partes não merece prosperar, porquanto a prévia ciência das cláusulas contratuais, a suposta livre pactuação ou a execução do contrato não têm o condão de convalidar a abusividade e afastar a revisão ou a anulação
in totum
de determinada cláusula, exegese que também se extrai dos arts. 421 a 424 do Código Civil.
Nesse sentido, a Corte da Cidadania já decidiu que, "sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, em razão da mitigação do princípio do
pacta sunt servanda
, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, função social dos contratos e dirigismo contratual" (AgInt no AREsp n. 2.020.417/SC, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 30-5-2022).
Consigna-se, porém, a limitação da apreciação jurisdicional às questões levantadas pelas partes. Isso porque, muito embora as normas do Código de Defesa do Consumidor incidam nos contratos bancários, ao Magistrado é defeso promover a revisão
ex officio
da abusividade das cláusulas (Súmula 381 do STJ).
Dito isso, sobre essa temática de juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, assim decidiu:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO
[...].
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
[...] (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. 22-10-2008).
Colhe-se do inteiro teor do precedente paradigma o seguinte excerto sobre a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil:
A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade.
Em idêntico sentido, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte lançou enunciados acerca do assunto:
Enunciado I - Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Enunciado IV - Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça revisitou o tema e firmou orientação no sentido de que "a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ, REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma).
E, na sequência, ainda complementou:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO. CARÁTER ABUSIVO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA.
1- Recurso especial interposto em 19/4/2022 e concluso ao gabinete em 4/7/2022.
2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" não descritas na decisão, acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado, é suficiente para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas em contratos de mútuo bancário; e b) qual o incide a ser aplicado, na espécie, aos juros de mora.
3- A Segunda Seção, no julgamento REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, fixou o entendimento de que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
4- Deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
5- São insuficientes para fundamentar o caráter abusivo dos juros remuneratórios: a) a menção genérica às "circunstâncias da causa" - ou outra expressão equivalente; b) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e c) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.
6- Na espécie, não se extrai do acórdão impugnado qualquer consideração acerca das peculiaridades da hipótese concreta, limitando-se a cotejar as taxas de juros pactuadas com as correspondentes taxas médias de mercado divulgadas pelo BACEN e a aplicar parâmetro abstrato para aferição do caráter abusivo dos juros, impondo-se, desse modo, o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que aplique o direito à espécie a partir dos parâmetros delineados pela jurisprudência desta Corte Superior.
7- Recurso especial parcialmente provido (REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 27-9-2022).
Com efeito, a partir da firme orientação jurisprudencial referenciada, conclui-se que a mera verificação comparativa entre a taxa média de juros apurada pelo Banco Central do Brasil e aquela prevista no contrato questionado, a princípio, não é suficiente para avaliar a abusividade do encargo. Para tanto, faz-se necessário analisar cada caso concreto e as peculiaridades da contratação.
In casu
, os efetivos juros remuneratórios foram pactuados em 2,97% ao mês e 42,06% ao ano (contrato n. 502707020 na data de 15/4/2021 -
evento 1, CONTR9
/1º grau).
Em consulta ao sítio eletrônico do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/ > Sistema Gerenciador de Séries Temporais > Estatísticas de crédito > Taxas de juros), observa-se que a taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres (pessoas físicas - aquisição de veículos) ao tempo da contratação (15/4/2021) era de 1,62% ao mês (série n. 25471) e 21,31% ao ano (série n. 20749).
À exceção do valor, do prazo do financiamento, da forma de pagamento da operação e da garantia ofertada (informações extraídas do próprio contrato), não há nos autos elementos probatórios suficientes que demonstrem os custos da captação dos recursos à época do contrato e no local da negociação, fontes de renda da parte consumidora ao tempo do ajuste para apurar sua efetiva situação econômica e/ou o seu histórico pormenorizado de inadimplência e de relacionamento com a instituição financeira, indicativos sobre o resultado da análise do perfil de risco de crédito e etc., a justificar a exorbitante discrepância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações similares.
Ademais, ainda que, nas palavras da acionada, "inexiste excessividade dos juros cobrados, porquanto as taxas de juros aplicadas no caso sub deslinde, levando em consideração que o veículo financiado tinha mais de 5 (CINCO ANOS) estavam de acordo com a média dos juros envolvendo os contratos de financiamento celebrados na época, haja vista que a jurisprudência dominante tem entendido que os juros remuneratórios só se tornam abusivos se a taxa empregada for superior a uma vez e meia a média do mercado (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), dessumindo-se, portanto, que a r. sentença em comento deve ser reformada neste ponto no sentido de manter os juros remuneratórios no percentual livremente pactuado entre as partes" (fl. 9 das razões recursais), o fato é que, no presente caso, a taxa pactuada extrapola substancialmente esse parâmetro - sendo mais de duas vezes superior à taxa média vigente no momento do ajuste - o que caracteriza, sim, vantagem excessiva e onerosidade desproporcional imposta ao consumidor.
Esta Câmara, em casos semelhantes, já decidiu:
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ.
[...].
JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, TÃO SOMENTE, COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTIPULADOS NO RESP N. 1.821.182/RS. ONEROSIDADE DO ALUDIDO ENCARGO QUE DEVE SER APURADA DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA, IN CASU, DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL POR PARTE DA RÉ PARA PRESERVAÇÃO DAS ELEVADAS TAXAS PACTUADAS ENTRE AS PARTES. [...] (Apelação n. 5002417-76.2020.8.24.0103, rel. Soraya Nunes Lins, j. 27-6-2024).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO DEMANDANTE. JUROS REMUNERATÓRIOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA ÀS PARTICULARIDADES DO CASO (SITUAÇÃO DA ECONOMIA À ÉPOCA, GARANTIAS OFERECIDAS, PERFIL DO CONTRATANTE E RISCOS DA OPERAÇÃO). RECENTE ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO RESP N. 2.009.614/SC DE RELATORIA MINISTRA NANCY ANDRIGHI. TAXA MÉDIA DIVULGADA PELO BACEN QUE INDICA, TÃO SOMENTE, UM PARÂMETRO DE AFERIÇÃO CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE DEIXOU DE DEMONSTRAR A RAZOABILIDADE DA TAXA DE JUROS CONTRATADA E DE APONTAR AS PARTICULARIDADES RELACIONADAS ÀS OPERAÇÕES EFETUADAS E AO PERFIL DO MUTUÁRIO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES SOBRE O CUSTO DA OPERAÇÃO, GARANTIAS, FONTES DE RENDA DA PARTE CONTRATANTE, RESULTADO DA ANÁLISE DE RISCO, ETC. TAXA PRATICADA QUE DESTOA SUBSTANCIALMENTE DA MÉDIA DE MERCADO. JUROS REMUNERATÓRIOS ABUSIVOS. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (Apelação n. 0305296-94.2015.8.24.0054, rel. Rocha Cardoso, j. 23-11-2023).
Assim, não há como modificar a conclusão do Juízo
a quo
no ponto, ainda que necessário se afastar do mero cotejo entre a taxa praticada e a média divulgada pelo Bacen. Por consequência, reconhecida a abusividade do encargo, pertinente é a aplicação da taxa média de mercado, conforme a sentença.
1.2 Tarifa de registro do contrato
O apelante, banco demandado defende que se trata de serviço efetivamente prestado, necessário à formalização da operação de financiamento, razão pela qual a cobrança não configuraria qualquer ilegalidade ou abusividade
Razão não lhe socorre no ponto.
Sobre o tema, é de se observar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.578.553/SP, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 958), resolveu a discussão acerca da validade da cobrança, em contratos bancários, de despesas com serviços prestados por terceiros, registro do contrato e/ou avaliação do bem, estabelecendo as seguintes teses:
[...] 2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado; 2.2. Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva; 2.3.
Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto
[...] (rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, j. 28-11-2018, grifou-se).
Como se vê, atinente à tarifa de registro de contrato, assim como o fez com relação à tarifa de avaliação de bem, a Corte da Cidadania consignou expressamente a necessidade de comprovação da efetiva prestação do serviço pela instituição financeira e, mesmo nos casos em que houver a demonstração da referida prestação, é indispensável a análise individualizada do caso concreto a fim de aquilatar se existe ou não onerosidade excessiva em desfavor do consumidor contratante.
No caso concreto, a tarifa de registro foi indicada no valor de R$ 208,77, conforme campo de especificação do crédito da cédula acostada nos autos (
evento 1, CONTR9
/ 1º grau). Contudo, não consta nos autos qualquer comprovação da efetiva realização do registro junto ao órgão de trânsito competente, tampouco documento que demonstre a formalização do gravame no Sistema Nacional de Gravames (SNG).
Nesse rumo, decisões anteriores desta Corte estabelecem que, para comprovar a prestação do serviço de registro do contrato, basta constar dos autos a "formalização do gravame perante o órgão de trânsito competente, sendo suficiente para tanto a apresentação de documento do Detran com a informação de que o bem está alienado fiduciariamente em favor da instituição financeira" (Embargos Infringentes n. 1001793-55.2016.8.24.0000, Rel. Des. Cláudio Barreto Dutra, Grupo de Câmaras de Direito Comercial, j. 12-6-2019).
Ainda nessa direção:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.
ALEGADA ABUSIVIDADE DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. INOCORRÊNCIA. TAXA PACTUADA QUE FICOU AQUÉM DA MÉDIA DIVULGADA PELO BACEN À ÉPOCA. DECISÃO DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
ARGUIDA IRREGULARIDADE NA COBRANÇA DAS TARIFAS REFERENTES A AVALIAÇÃO DO BEM E AO REGISTRO DE CONTRATO. MÁCULA EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EFETIVA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. OBSERVÂNCIA AO TEMA 958 DO STJ. SENTENÇA REFORMA NO PONTO. IRREGULARIDADE CONSTATADA. RESTITUIÇÃO DO VALOR QUE SE IMPÕE.
REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL.
HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 0300701-18.2014.8.24.0012, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marcelo Pons Meirelles, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 01-07-2025).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. [...] DEFENDIDA A ILEGALIDADE DA TARIFA DE REGISTRO DE CONTRATO. TAXA DEVIDAMENTE CONTRATADA. SERVIÇO PRESTADO EM VALOR NÃO EXCESSIVO. VALIDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO STJ EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO (RESP N. 1.578.553/SP). [...] RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO E PROVIDO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA CONHECIDA E DESPROVIDA (TJSC, Apelação n. 5053309-25.2023.8.24.0930, rel. Silvio Franco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 16-5-2024).
Logo, a sentença deve ser preservada no ponto.
2 RECURSO DA AUTORA
O recurso preenche os requisitos extrínsecos de admissibilidade, porém não preenche os requisitos intrínsecos em sua integralidade, motivo pelo qual deve ser apenas parcialmente conhecido.
Isso porque a autora, nesta instância, renova o pedido de concessão da justiça gratuita, pleiteando a isenção do preparo recursal. No entanto, dos autos extrai-se que o benefício já foi expressamente deferido pelo Juízo de origem (
evento 9, DESPADEC1
/1º grau), sendo certo que sua abrangência alcança todos os atos processuais, inclusive os praticados em grau recursal, nos termos do art. 9º da Lei n. 1.060/50.
Dessa forma, por se tratar de requerimento já apreciado e deferido, não se conhece do pedido, por ausência de interesse recursal.
2.1 Acréscimo sobre os juros remuneratórios
Pretende a autora apelante o afastamento do acréscimo de 50% aplicado sobre a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, conforme determinado na sentença. Sustenta que tal majoração não encontra respaldo legal ou contratual e contraria a Súmula 530 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado, sem qualquer acréscimo, salvo se mais vantajosa ao consumidor. Argumenta que o percentual contratado (54,30% ao ano) supera em mais de duas vezes a média vigente à época (21,31% a.a.), configurando evidente abusividade e colocando o consumidor em desvantagem excessiva, nos termos do art. 51, IV e §1º do Código de Defesa do Consumidor.
Primeiramente, observa-se que o percentual destacados em razões recursais - "taxa de juros anual de 54,30% a.a" - diz respeito ao Custo Efetivo Total (CET) da operação. Contudo, o CET não representa um encargo específico, tampouco um índice autônomo de cobrança, mas sim um indicativo global que agrega a totalidade dos encargos, tributos e despesas contratuais.
Dessa forma, "os percentuais do CET não são despesas de cobrança, muito menos interferem de modo a onerar o financiamento, uma vez que servem apenas para informar o custo do contrato. Ou seja, o CET agrega informações de todos os encargos praticados na avença, de forma que se houver alteração de alguma despesa, como por exemplo juros remuneratórios e capitalização de juros, consequentemente o valor do CET irá mudar para se adequar à nova realidade do financiamento" (AC n° 0300598-55.2014.8.24.0159, rel. Des. Newton Varella Júnior, j. 10.04.2018).
Nesse contexto, o CET não é objeto direto de revisão judicial, sendo necessário individualizar os encargos que o compõem para apurar eventual abusividade.
Dessa forma, inviável discutir especificamente sua abusividade, sendo necessário individualizar os encargos que lhe caracterizam (AC n° 0308454-74.2016.8.24.0038, rel. Des. José Maurício Lisboa, j. 27.08.2019).
As rubricas, portanto, são analisadas separadamente e, caso constatada alguma abusividade, são decotadas da contratação, independentemente de estarem ou não incluídas no Custo Efetivo Total.
Assim, os efetivos juros remuneratórios do empréstimo objeto da ação a serem revisados são os pactuados em 2,97% ao mês e 42,06% ao ano (
evento 1, CONTR9
/1º grau).
A sentença, no ponto, assim decidiu:
No caso, conforme dados transcritos na tabela abaixo, os juros remuneratórios foram assim calculados:
Número do Contrato
502707020
Tipo de Contrato
25471 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos
Juros Pactuados (%)
2,97% a.m.
Data do Contrato
15/04/2021
Juros BACEN na data (%)
1,62% a.m.
50%
2,43% a.m.
Excedeu em 50%?
SIM
Número do Contrato
502707020
Tipo de Contrato
20749 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos
Juros Pactuados (%)
42,06% a.a.
Data do Contrato
15/04/2021
Juros BACEN na data (%)
21,31% a.a.
50%
31,965% a.a.
Excedeu em 50%?
SIM
Dessa forma, os juros foram superiores a 50% da média mensal divulgada pelo Banco Central para a espécie e período da contratação, o que recomenda a sua revisão.
[...]
- Revisar a taxa de juros remuneratórios nos contrato objeto da lide, que passará a observar a taxa média de juros divulgada pelo Banco Central para o período da contratação, com o acréscimo de 50%, conforme tabela constante na fundamentação;
Apesar do acerto da sentença no que diz respeito à onerosidade da taxa de juros remuneratórios pactuada, o acréscimo de 50% sobre a limitação da taxa operada no dispositivo sentencial não merece subsistir.
Isso porque, reconhecida a abusividade, o referencial que melhor restaura o equilíbrio contratual é a própria taxa informada pelo Bacen - sem quaisquer acréscimos -, porquanto calculada com base nas informações de todas as instituições financeiras.
Nos termos do que também já decidiu esta Câmara, tal acréscimo carece de substrato legal e lógico, "até porque a jurisprudência não identifica objetivamente qualquer porcentagem determinada de variação admitida e, perante a abusividade verificada
in concreto
, efetivamente substitui o encargo contratual pelo índice mercadológico" (Apelação n. 5064180-51.2022.8.24.0930, rel. Silvio Franco, j. 21-3-2024).
E ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN, TÃO SOMENTE, COMO REFERENCIAL PARA A CONSTATAÇÃO DA ABUSIVIDADE. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTIPULADOS NO RESP N. 1.821.182/RS. ONEROSIDADE DO ALUDIDO ENCARGO QUE DEVE SER APURADA DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA, IN CASU, DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL POR PARTE DA RÉ PARA PRESERVAÇÃO DAS ELEVADAS TAXAS PACTUADAS ENTRE AS PARTES. ACRÉSCIMO DE 50% SOBRE AS MÉDIAS DE MERCADO ESTABELECIDO PELO MAGISTRADO A QUO, POR OUTRO LADO, QUE NÃO MERECE PROSPERAR. ADEQUAÇÃO, PORTANTO, DA LIMITAÇÃO DO ENCARGO ÀS MÉDIAS DE MERCADO, VEDADA A REALIZAÇÃO DE QUALQUER ACRÉSCIMO. PLEITO DA AUTORA ACOLHIDO NESSE ASPECTO (Apelação n. 5118692-47.2023.8.24.0930, rel. Soraya Nunes Lins, j. 12-9-2024).
Desse modo, acolhe-se a tese principal no ponto para limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen, sem nenhum acréscimo.
2.2 Compensação
A autora, em apelo, sustenta que a sentença é omissa quanto à forma de compensação dos valores pagos indevidamente. Argumenta que não foram definidos critérios objetivos sobre como se dará a compensação: se haverá restituição em parcela única, abatimento em parcelas vincendas ou necessidade de liquidação do saldo. Alega que tal omissão compromete a segurança jurídica e a efetividade da decisão, dificultando a execução do julgado.
Sobre o tema, a sentença foi assim proferida:
Os valores apurados deverão ser compensados/descontados do saldo devedor em aberto e, caso quitado o contrato, restituídos pela instituição financeira em parcela única.
Embora o comando não mencione expressamente as parcelas vincendas, a indeterminação da expressão “saldo devedor em aberto” permite interpretação ampliativa, razão pela qual a questão merece enfrentamento específico.
Nos termos dos arts. 368 e 369 do Código Civil, a compensação exige que as obrigações sejam líquidas, vencidas e exigíveis. As parcelas vincendas, por sua própria natureza, não possuem exigibilidade imediata, o que impede sua compensação com valores eventualmente pagos indevidamente.
Nesse ponto, está Corte já decidiu que "o abatimento está condicionado à exigibilidade das dívidas, requisito que, obviamente, não se verifica em relação aos débitos que ainda estão por vencer” ( Apelação n. 5091962-62.2024.8.24.0930, rel. Dinart Francisco Machado, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 15-5-2025).
Diante disso, necessário prover o ponto para esclarecer que a compensação dos valores eventualmente apurados deverá recair exclusivamente sobre parcelas vencidas e exigíveis, sendo incabível sua extensão às prestações vincendas.
3 ENCARGOS SUCUMBENCIAIS - APELO DE AMBOS
No ponto, a parte ré defende que houve sucumbência mínima de sua parte, uma vez que a maioria dos pedidos formulados na inicial foi julgada improcedente. Sustenta que deveria ter sido isentada do pagamento proporcional dos honorários advocatícios, atribuindo-se integralmente à autora os encargos sucumbenciais fixados.
Por outro lado, a autora alega que a sentença é omissa quanto à base de cálculo utilizada para a fixação dos honorários advocatícios, bem como quanto ao marco inicial para eventual atualização monetária. Sustenta, ainda, que a divisão proporcional da verba honorária é desproporcional e incompatível com sua condição de consumidora hipossuficiente, razão pela qual requer sua integral isenção.
Colhe-se do
decisum
:
Diante da sucumbência recíproca, arbitro os honorários em R$ 1.500,00 (85, §8º-A, e art. 86, ambos do CPC), cabendo à parte autora o adimplemento de 30% e à parte ré o pagamento de 70% dessa verba.
Pois bem.
Sobre o tema, o Código de Processo Civil estabelece:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
[...]
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022).
Dessume-se que a verba honorária, via de regra, deve ser fixada com base no § 2º do artigo supracitado, tendo a lei processual reservado o arbitramento de forma equitativa às hipóteses em que se mostrar inestimável ou irrisório o proveito econômico obtido na demanda ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (§ 8º)
Nesse rumo, o Superior Tribunal de Justiça firmou o Tema 1076, em julgamento realizado sob o rito dos recursos repetitivos, com as seguintes teses:
i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa;
ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
Ainda, o Superior Tribunal de Justiça registrou:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO TRIBUNAL DE ORIGEM. OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. AÇÃO DE COBRANÇA CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ACOLHIMENTO DA IMPUGNAÇÃO DA EXECUTADA COM EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS SOBRE O VALOR DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA ART. 1026, §2º, CPC. AFASTAMENTO. INTUITO DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 98/STJ. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS. 1. Segundo o art. 1.022, caput e incisos, do CPC, são cabíveis os embargos de declaração quando a decisão judicial se revelar omissa, obscura ou contraditória, assim como para correção de erro material. Efetivamente, verifica-se omissão do acórdão em relação à alegação de que impugnada a decisão de admissibilidade do Tribunal de origem com o argumento de que o recurso especial foi interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional. 2. Verificada omissão, em nova análise do agravo interno observa-se que o agravo em recurso especial impugnou todos os fundamentos da decisão de admissibilidade da Corte de origem.
3. A Corte Especial fixou o entendimento de que a data da sentença é o marco temporal a ser considerado para definição da norma de regência a ser aplicada na fixação da verba honorária de sucumbência. 4. No julgamento do Recurso Especial nº 1.746.072/PR, a Segunda Seção desta Corte decidiu que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 constitui a regra geral no sentido de que os honorários sucumbenciais devem fixados no patamar de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa. 5. O § 8º do art. 85 do CPC/2015 é norma de caráter excepcional, de aplicação subsidiária, para as hipóteses em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, permitindo, assim, que a verba honorária seja arbitrada por equidade. 6. A regra geral do § 2º do art. 85 do CPC/2015 deve incidir no caso em exame, porquanto não configurada nenhuma das hipóteses que permitem a aplicação do critério de equidade.
7. Segundo o entendimento desta Corte Superior "o reconhecimento do excesso de execução em sede de impugnação do cumprimento de sentença resultou na redução da quantia a ser executada, de modo que o executado faz jus à fixação de honorários advocatícios em seu favor, fixados em percentual sobre o valor decotado do inicialmente cobrado (proveito econômico), nos termos do art. 85, § 2º, do CPC/2015" (AgInt no AREsp 1724132/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/04/2021, DJe 24/05/2021) 8. Consoante orientação desta Corte Superior, "a oposição de embargos de declaração, com nítido fim de prequestionamento, não possui caráter protelatório, não ensejando a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC de 2015 (art. 538, parágrafo único, do CPC de 1973), nos termos da Súmula 98/STJ" (AgInt no AREsp 1.684.291/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 31/8/2020, DJe 23/9/2020). 9. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes, para conhecer do agravo a fim de dar provimento ao recurso especial (EDcl no AgInt no AREsp n. 1.704.142/SP, relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 25/8/2021 - sem grifo no original).
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a repartição dos encargos decorrentes da sucumbência "deve ser pautada pelo exame do número de pedidos formulados e da proporcionalidade do decaimento das partes em relação a esses pleitos" (REsp 1.255.315/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 27-9-2011).
E mais, "a caracterização da sucumbência mínima não decorre da verificação de valores (
quantum debeatur
), mas do cotejamento do número de pedidos deferidos e indeferidos na pretensão proposta" (STJ, AgRg no AREsp 532029/SP, Rel. Min. Olindo Menezes - Des. Convocado do TRF 1ª Região, Primeira Turma, DJe de 11-12-2015).
Com efeito, considerando-se o decidido em primeiro grau e nesta instância, verifica-se a existência de sucumbência mínima da parte autora, motivo pelo os encargos sucumbenciais devem ser suportados integralmente pela ré.
Quanto à verba honorária, o valor arbitrado na origem (R$ 1.500,00) revela-se adequado ao caso, pois em consonância com os critérios estabelecidos pelos §§ 2º e 8º do art. 85 do CPC.
Dessarte,
in casu
, considerando especialmente o curto tempo de tramitação da lide, a baixa complexidade da causa e o serviço efetivamente prestado pelo Causídico, entende-se adequada a fixação da verba honorária conforme estipulado na sentença, ou seja, em R$ 1.500,00, agora unicamente em favor do procurador da autora.
4 HONORÁRIOS RECURSAIS
Por fim, em consonância com a tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.059), assinalo ser descabida,
in casu
, a majoração dos honorários advocatícios devidos ao patrono do réu nos moldes do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, diante do provimento parcial do recurso interposto pela autora.
Também não há falar em honorários recursais ao advogado da demandante (art. 85, § 11, do Código de Processo Civil) no caso vertente, ante a redistribuição da sucumbência.
5 CONCLUSÃO
Ante o exposto, com base no art. 132, XVI e XV, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça:
a)
conheço do recurso do réu e nego-lhe provimento; e
b)
conheço em parte do recurso da autora e dou-lhe parcial provimento para: (i) limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen, sem nenhum acréscimo; (ii) determinar a incidência da compensação dos valores apenas sobre as prestações vencidas até a apuração em fase de cumprimento de sentença, excluídas as parcelas vincendas; (iii) condenar a parte ré ao pagamento da integralidade das despesas e honorários sucumbenciais, no valor de R$ 1.500,00, na forma da fundamentação.
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