Processo nº 1070177-89.2025.8.26.0100
ID: 291137034
Tribunal: TJSP
Órgão: Foro Central Cível - 1ª Vara de Registros Públicos
Classe: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS
Nº Processo: 1070177-89.2025.8.26.0100
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BEATRIZ VALENTE FELITTE
OAB/SP XXXXXX
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Processo 1070177-89.2025.8.26.0100 - Pedido de Providências - Registro de Imóveis - Wan Hee Kang - - Seung Ja Paik Kang - Vistos. Trata-se de pedido de providências instaurado por Wan Hee Kang e Se…
Processo 1070177-89.2025.8.26.0100 - Pedido de Providências - Registro de Imóveis - Wan Hee Kang - - Seung Ja Paik Kang - Vistos. Trata-se de pedido de providências instaurado por Wan Hee Kang e Seung Ja Paik Kang em face do 2º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, requerendo a adoção de diversas providências, em especial o imediato bloqueio cautelar das matrículas n. 130.982 e n. 82.869, do 2º RI/SP, ante o ato de averbação n.1.048, de 24 de janeiro de 2025, praticado na matrícula n.130.982, com fundamento no artigo 214 da Lei n. 6.015/1973, pelos motivos de fato e direito assim expostos: Os requerentes narram, em apertada síntese, que, em 07 de junho de 1991, firmaram cessão de direitos de compromissário comprador e adquiriram a loja 11 térreo do antigo Shopping Fashion Center Luz, com a anuência dos proprietários Sang In Kim e Kyung Ohk Kim da matrícula n.82.869, do 2º RI. Reportam que, em 14 de março de 1995, moveram ação de obrigação de fazer contra Sang In Kim e Kyung Ohk Kim, para obtenção da outorga da escritura definitiva, e o pedido foi julgado procedente por sentença transitada em julgado em 1997, mas não registrada na matrícula por exigências intransponíveis impostas pelo 2º RI. Asseveram que são os únicos e exclusivos titulares de direitos, compromissários compradores, ocupantes e detentores da loja 11 térreo do Fashion Center Luz desde a imissão na posse, em 1.991, até a expropriação ao Estado de São Paulo em 2.009. Aduzem que a ação de desapropriação do antigo Shopping Fashion Center Luz tramita nos autos do processo principal n. 0127652-60.2008.8.26.0053, da 4ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, e em cumprimento à determinação do MM. Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública, houve o desmembramento do processo principal, com relação a cada das 29 lojas do Fashion Center Luz nele compreendida, de modo que a distribuição do processo desmembrado em relação à loja 11 térreo dos requerentes foi autuada nos autos do processo n.0038133-06.2010.8.26.0053, em curso perante a 4ª Vara da Fazenda Pública (incidente da Loja 11 Térreo). Afirmam que, a partir de 23.10.2023, quando já decorridos mais de 15 anos de processamento da desapropriação e desmembramento, um terceiro chamado Carlos Henrique Santos se manifestou alegando ser "proprietário" não apenas da loja 11 térreo, mas de um total de 29 lojas no imóvel desapropriado com base em coisa julgada formada nos autos de ação de anulação de doação n. 0131669-27.2010.8.26.0001, perante a 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital. Alegam, portanto, que seria o titular e único beneficiário sobre o valor da indenização referente a 29 lojas do antigo Shopping Fashion Center Luz. Sustentam que a suposta aquisição, por si só, já se mostra inverossímil, uma vez que a doação foi formalizada por instrumento particular, sem força para efetivar qualquer transmissão de propriedade. Em 11.11.2015, foi proferida sentença de improcedência na ação de anulação de doação (processo n. 0131669-27.2010.8.26.0001), transitada em julgado em 20.01.2016. Em meados de 2021, ao tentar registrar a "propriedade", o 2º RI recusou o ato justamente porque a doação estava consubstanciada em instrumento particular e não uma escritura pública, e não apenas porque as matrículas das lojas já haviam sido encerradas em função da expropriação. Alegam que, diante do óbice intransponível pelo 2º RI, Carlos Henrique Santos requereu ao D. Juízo da 33ª Vara Cível ordem judicial determinando o efetivo registro a despeito da exigência, o que foi deferido, determinando-se a expedição de ofício ao 2º RI para a averbação retroativa da propriedade das 29 unidades descritas em nome de Carlos Henrique Santos, incluindo da loja 11 térreo, dos requerentes. Afirmam que, em cumprimento à determinação judicial, o 2º RI, em 24 de janeiro de 2025, procedeu à averbação n. 1.048 na matrícula n.130.982, que foi aberta após o encerramento das matrículas das lojas, em especial da matrícula 82.869, referente à loja 11 térreo. Para além disso, o Oficial expediu a certidão n.548.088, onde certificou o ato com datas equivocadas. Diante do exposto, com fundamento no artigo 214 da Lei n. 6.015/1973, requer: a) o imediato bloqueio das matrículas n. 130.982 e n. 82.869, do 2º Registro de Imóveis de São Paulo; b) a suspensão da eficácia da certidão n. 548.088, em esclarecimento ao ato relatado na averbação n. 1.048 da matrícula n. 130.982 do 2º Registro de Imóveis de São Paulo; c) a suspensão do levantamento da indenização expropriatória em disputa nos autos da ação de desmembramento n. 0038133-06.2010.8.26.0053 e da ação de desapropriação n. 0127652-60.2008.8.26.0053, em curso perante a 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, até a conclusão do presente pedido de providências; d) a apuração de eventual conduta disciplinar dos envolvidos; e) a oitiva do Ministério Público. Decido. De início, cabe ressaltar que, nos termos do artigo 38 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar n. 3, de 27 de agosto de 1969), a competência desta Vara especializada restringe-se a feitos contenciosos ou administrativos relativos aos registros públicos dos cartórios subordinados a esta Corregedoria Permanente: "Artigo 38 - Aos Juízes das Varas dos Registros Públicos, ressalvada a Jurisdição das Varas Distritais, compete: I - processar e julgar os feitos contenciosos ou administrativos, principais, acessórios e seus incidentes relativos aos registros Públicos, inclusive os de loteamento de imóveis, bem de família, casamento nuncupativo e usucapião; II - dirimir as dúvidas dos oficiais de registro e tabeliães, quanto aos atos de seu ofício e as suscitadas em execução de sentença proferida em outro juízo, sem ofender a coisa julgada; III - decidir as reclamações formuladas e ordenar a prática ou cancelamento de qualquer ato de serventuário sujeito à sua disciplina e inspeção, salvo matéria da competência específica do outro juízo; IV - processar e julgar as suspeições opostas aos serventuários dos cartórios que lhes estão subordinados; V - processar a matricula de jornais, revistas e outros periódicos e das oficinas impressoras; VI - decidir os incidentes nas habilitações de casamento". Assim, esta 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, além de processar ações de usucapião e retificações de registros de imóveis, detém a Corregedoria Permanente dos cartórios com atribuição em Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica, Tabelião de Protesto de Letras e Títulos e Registro de Imóveis nesta Comarca da Capital, orientando, fiscalizando, aplicando sanções administrativas e promovendo o acompanhamento das questões relativas à gestão de serventias vagas, observadas as formalidades legais e normativas. A competência administrativa, no âmbito do exercício desta Corregedoria Permanente, engloba apenas as questões relativas às nulidades de pleno direito do registro público, na forma do que dispõe o artigo 214 da Lei Federal n. 6.015/1973, e à atuação do Registrador, com aplicação, no âmbito disciplinar, da Lei Federal n. 8.935/94. Fica evidente, portanto, que não compete ao juízo tecer qualquer consideração sobre os pedidos de suspensão do levantamento da indenização expropriatória em disputa nos autos da ação de desmembramento n. 0038133-06.2010.8.26.0053 e da ação de desapropriação n. 0127652-60.2008.8.26.0053, em curso perante a 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, tampouco apurar eventual conduta dos envolvidos. Bem esclarecidos estes pontos relevantes para a correta compreensão do restrito campo de cognição que afeta o presente procedimento administrativo, passo ao exame do feito. Inicialmente, convém introduzir a matéria posta em controvérsia, rememorando que a criação e o aperfeiçoamento do registro de imóveis em nosso país, entre meados do século XIX e o final do primeiro quarto do século XX, exsurgiram da necessidade imperiosa de se estabelecer um mecanismo capaz de dotar de segurança e total publicidade as mutações jurídico-patrimoniais referentes a tais bens, os imóveis, minimizando o surgimento de litígios e conflitos de interesses. Assim, portanto, que se solidificou um sistema de registro de imóveis dotado dos predicados de generalidade e centralização, capaz de gerar a segurança e a publicidade máximas necessárias ao tráfico imobiliário. Este sistema, sempre gradualmente, foi se aperfeiçoando, tendo como marco fundamental a promulgação da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, norma que revolucionou o sistema registral brasileiro, responsável pela reunião, em diploma legal, de todos os princípios norteadores do Registro de Imóveis. Foi marcada pelo aperfeiçoamento provocado pela criação da matrícula (fólio real) - a espelhar a individualidade do imóvel caracterizada pela descrição da perfeita situação geográfica do mesmo e pela averbação de eventuais alterações objetivas e subjetivas. E, ainda, estabeleceu que os atos praticados no Registro de Imóveis, uma vez aberta a matrícula, fossem divididos em dois grandes grupos: (i) atos de registros: que dizem respeito a direitos e ônus reais; (ii) atos de averbação: que dizem respeito à mutação objetiva ou subjetiva da matrícula. No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei. É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): "Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais". A Lei dos Registros Públicos estabelece no artigo 221 que serão admitidos a registro, dentre outros títulos, os títulos judiciais formalizados por cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de processo. O documento que materializa a emigração de uma decisão judicial de dentro dos autos do processo para ingresso no fólio real constitui o título judicial, que pode ser formalizado em meio físico ou documento eletrônico, como no caso dos autos. No âmbito do C. Conselho Superior da Magistratura, está consolidado o entendimento de que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real e que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Ap. Cível n. 413-6/7). Em verdade, o título derivado de decisão proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de todo título para que seja admitido como hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação. Nesse sentido, o C. Conselho Superior da Magistratura já decidiu na Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto: "Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental." Na mesma linha, o parecer aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, DD. Desembargador Hamilton Elliot Akel, nos autos do Processo CG n. 167.709/2013: Distinguem-se título e ordem judicial. O título judicial, embora com alguma mitigação (CSM: Apelação Cível nº 1025290-06.2014.8.26.0100, relator Des. Elliot Akel), também se sujeita à qualificação do registrador. Já a ordem judicial, salvo hipóteses excepcionais de patente ilegalidade, tem de ser necessariamente cumprida, sob pena de desobediência. Assim, ao receber um título judicial (formal de partilha, certidão de penhora, carta de arrematação), o registrador - respeitados alguns limites como, por exemplo, a não incursão no mérito judicial - é livre para qualificá-lo negativamente sem que isso configure descumprimento de ordem judicial. Todavia, se o MM. Juízo que expediu o título examinar e afastar a recusa do registrador e, ato contínuo, determinar-lhe a ingresso no registro de imóveis, o que antes era um título torna-se uma ordem judicial, cujo cumprimento não pode ser postergado, sob pena de desobediência" (CGJSP: 12.566/2013, DJ: 07/03/2013, Relator: José Renato Nalini). Exatamente a hipótese do caso em exame, em que, após qualificação negativa do título judicial, sobreveio decisão judicial que afastou as razões do Registrador e determinou o ingresso registral. Com o advento da ordem judicial, superada a fase de qualificação do título, não restando outra alternativa ao Registrador que não cumpri-la e, assim, promover o registro do título. Não se ignoram as nulidades decorrentes de possível prática delitiva. Entretanto, a questão deverá ser solucionada na esfera adequada, ou seja, mediante recurso perante o Tribunal de Justiça local, tirado da decisão que ensejou o registro, sem prejuízo de eventual ação autônoma. De qualquer forma, na esfera administrativa não há nenhuma outra providência a ser tomada, não sendo possível falar sequer em bloqueio da matrícula nesta sede, uma vez que o registro foi decorrente do estrito cumprimento de ordem judicial." Vê-se dos precedentes administrativos indicados que a conduta qualificadora do Registrador deve ser fixada a partir da análise do conteúdo do documento judicial, para distinguir um título judicial ou de uma ordem judicial e, com isso, desempenhar a qualificação registral consoante a natureza do título exigir. A ordem judicial tem natureza obrigatória, em que ato jurisdicional de juiz impõe a realização de determinado ato, sob pena de descumprimento, independentemente da verificação de requisitos legais pelo Oficial, salvo excepcionalmente quando houver manifesta incompetência ou, ainda, situação excepcional e extraordinária tendente a produzir, quando da inscrição da ordem judicial no registro imobiliário, efeitos impróprios decorrentes da expansão eficacial (da decisão que foi proferida para atingir apenas as partes do processo) e que não foram direcionados pelo comando judicial ou pretendidos pelo próprio juízo. Já os títulos judiciais, conquanto sua origem judicial, são passíveis de qualificação sob o aspecto formal das peculiaridades extrínsecas do título, para verificação do cumprimento dos princípios registrais. Afirma-se, ainda, que o título judicial é "capaz de dar respaldo causal à mutação jurídico-patrimonial a ser operada pelo ato de registro"; mas as ordens judiciais, sem aptidão "a criar novas situações jurídicas", "em geral limitadoras de situações jurídicas existentes", configuram "comando dirigido ao registrador e derivado da atividade jurisdicional, como resposta, especialmente, a situações de urgência e que, dotadas de provisoriedade, demandam certa elasticidade na conformação da decisão judicial." (Marcelo Fortes Barbosa Filho, "O registro de imóveis, os títulos judiciais e as ordens judiciais", RDI 49/56). Desta feita, os critérios utilizados no âmbito da qualificação do título judicial encontram-se sedimentados em diversos precedentes administrativos e se constituem de um juízo meramente formal do Oficial, sem interferência no mérito das decisões judiciais. A ordem judicial deve ser cumprida, pois somente comporta questionamento no processo, inclusive por meios recursais. A supremacia da jurisdição exige respeito incondicionado aos comandos de natureza jurisdicional, sendo certo que o procedimento registral não pode obstar o cumprimento efetivo de ordem judicial. As ordens judiciais são basicamente os atos de constrição, como a penhora, o arresto e sequestro. A qualificação registrária das ordens judiciais exige que o Registrador se atenha apenas aos padrões mínimos que dizem respeito à identificação do imóvel e presença do devedor no fólio real como titular de domínio único ou em condomínio com outros titulares. Essa cautela meramente formal, com efeito, não deve olvidar que o relevante intuito é atender a determinação de caráter jurisdicional, o que significa que, em algumas situações concretas, a especialidade e a continuidade registrária podem vir a representar um embaraço ou obstáculo para tal finalidade. Assim, a qualificação registral tem o propósito de deter a produção de efeitos impróprios, os quais não foram direcionados ou aquilatados pelo próprio juízo emissor da ordem. Importante lembrar que a ordem judicial vale dentro dos limites intrínsecos de atuação do processo judicial, vinculando as partes, tanto os autores como os demais envolvidos réus citados pessoal ou fictamente ou eventual terceiro que tenha participado do processo. O processo é público por natureza, mas o provimento jurisdicional, em regra, não cria vínculos de obrigação para terceiros não envolvidos na relação processual (art. 492 do CPC). Neste contexto, a ordem judicial, no instante em que ingressa no registro imobiliário, alcança a publicidade "erga omnes", operando expansão de sua carga eficacial para além das partes do processo e irradiando efeitos sobre a esfera de direitos e de interesse de terceiros. A qualificação registrária atua exatamente neste momento da qualificação do título prenotado e dentro deste campo de elevação eficacial, para tutelar interesses e direitos daqueles terceiros que não participaram da relação jurídico-processual e não alcançados expressamente pelo comando judicial. A propósito, a questão dos efeitos impróprios do registro, que ultrapassam os limites da lide, já foi abordada em decisões administrativas proferidas por esta Corregedoria Permanente, como recorda com propriedade o eminente Doutor Venicio Antonio de Paula Salles, que atuou como MM. Juiz Titular desta 1ª Vara de Registros Públicos da Capital (Direito Imobiliário Brasileiro, O Registro Tabular da Penhora, Coordenação de Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, Quartier Latin, 2011, p.l 145/1146). Na abalizada doutrina, focada no precedente administrativo julgado, esclarece que os efeitos que porventura vierem a extrapolar a esfera do direito das partes processuais, passam a integrar esses efeitos impróprios (não direcionados pelo comando judicial) e que devem ser examinados pelo Registrador, pelo exame da cadeia da titularidade dominial do imóvel, que deve exigir, por meio de nota devolutiva, o cumprimento do princípio da continuidade e dos princípios da especialidade, subjetiva e objetiva. O ato de qualificação registral diante de ordem judicial, no caso de penhora, configura o exercício de função extraída de uma compreensão sistêmica da legalidade, justamente para servir como um filtro de direitos e situações que extrapolam o restrito campo do processo em que a ordem foi proferida, para que a ordem seja efetivamente cumprida em sua exata medida, sem afetar ou reduzir, por via oblíqua e de forma imprópria, direitos de terceiros que não foram objeto do comando judicial. Portanto, a inscrição deve necessariamente observar a ordem sequencial da cadeia de titularidade dominial, notadamente porque produz efeitos que repercutem no processo e sobre os direitos dos terceiros atingidos e permanecerá retratada no histórico de atos inscritos no fólio real. No caso concreto, verifica-se que da certidão da matrícula n. 82.869 do 2º RI, referente à loja n. 11, em que figuram como proprietários tabulares Sang In Kim e sua mulher Kyung Ohk Kim, que, após a prática de atos de registro, sobreveio a Av.6, de 08 de maio de 2017 , isto é, a averbação de unificação/fusão dos imóveis objetos das matrículas ns. 293, 130.219, 130.272, 56.190, 29.958, 49.088, 48.253, 130.232, 130.238, 60.288, 60.289, 50.206, 50.705, 69.718, 69.719, 455, 7.778, 7.779, 7.780, 9.511, 21.260, 21.261, 27.570, 44.049, 44.095, 51.174, 60.621, 60.545, 65.226, 72.589, 80.272, 80.273, 80.274, 108.282, 108.648, 108.649, 108.650, 108.651, 108.652, 111.405, 121.200, 121,201, 130.105, 130.108 e 121.845 (fls. 1647/1648), ensejando o encerramento da matrícula, conforme a Av. 7 de 08 de maio de 2017, dando origem à abertura da nova matrícula n. 130.982 do 2º RI, resultante da unificação/fusão dos imóveis indicados na averbação anterior (fls. 1648). Logo, como a matrícula n. 82.869 do 2º RI, que versava sobre a loja 11 do térreo, encontra-se há muito formalmente encerrada, nela não podendo ser praticado mais nenhum ato de averbação ou de registro, não há que se cogitar qualquer bloqueio cautelar desta matrícula. No tocante à matrícula n. 130.982, do 2º RI, descerrada em 08 de maio de 2017, sob a titularidade dominial do Estado de São Paulo, releva traçar as seguintes considerações: a matrícula conta atualmente com 1176 páginas (conforme a certidão visualizada por esta magistrada em 27.05.2025), tendo como último ato de registro o R.1.052, de 12 de março de 2025, e último ato de averbação o Av.1.053, de 12 de março de 2025, o que dá uma dimensão da enorme quantidade de atos já praticados e da complexidade das relações jurídicas que nela estão abarcadas. Neste contexto, analisando-se todos esses atos praticados na referida matrícula, em cotejo com a matrícula antecessora n.82.869, é possível concluir que a única questão registral posta em controvérsia pela parte interessada cinge-se exclusivamente ao ato de averbação n.1.048, de 24 de janeiro de 2025, o qual, frise-se, é um ato isolado, que não guarda qualquer correspondência lógica, quiçá encadeamento objetivo, subjetivo ou de título causal com nenhum outro ato de registro ou de averbação que tenha sido lançado em quaisquer das duas matrículas citadas. Na espécie, da análise superficial dos elementos coligidos aos autos, é possível extrair pela ausência de correspondência subjetiva entre os dados identificados no título prenotado (referente à prenotação n. 548.088, de 22 de janeiro de 2025) com o conteúdo da matrícula n. 130.982 ou da matrícula antecesssora n. 82.869, é que a qualificação positiva teria, aparentemente, desrespeitado o princípio da continuidade registral. A "averbação" foi inscrita em matrícula imobiliária cujo titular da propriedade/titular de direito real de aquisição não correspondia ao que efetivamente constava (matrícula aberta, tampouco na matrícula encerrada). A averbação, no caso concreto, propiciou uma expansão eficacial da decisão judicial e produziu efeitos impróprios sobre a esfera de direitos do proprietário do imóvel, que não era parte no processo judicial. Como é sabido, para o ingresso registrário, imprescindível que se observe o princípio da continuidade, como explica Afrânio de Carvalho: "O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente" (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, p. 254). Ou seja, o título deve estar em conformidade com o inscrito no registro Nos termo dos artigos 195 e 237, da Lei de Registros Públicos: "Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro". "Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro". No mesmo sentido, o item 47, Cap. XX, das NSCGJ: "47. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias". No caso vertente, extrai-se que a "outorgante doadora" constante do instrumento particular de doação, Geni Portnoi Novak (fls. 1.064/1.065), jamais figurou na matrícula como titular de domínio. Nota-se que o registro da aludida doação já havia sido recusado pelo Oficial, pelos motivos constantes da nota de devolução de 12/02/2021 (fls. 1.633). Por força do princípio da continuidade, o registro não pode ser realizado sem a correspondência lógica entre o título atual e os anteriores para garantir a existência de uma vinculação lógica, sequencial e ininterrupta entre o título, o fólio real, os sujeitos de direitos inscritos e o imóvel. Sob o enfoque da continuidade subjetiva, impõe-se a observância obrigatória da correlação subjetiva entre os sujeitos indicados no título causal e os titulares de direitos reais inscritos no fólio real, de modo a assegurar a permanente integridade da cadeia de titularidade de direito real na matrícula. Deste modo, eventual divergência de identificação subjetiva (e objetiva) entre o título prenotado e as informações constantes da matrícula, em sede de qualificação registral, deve obstar o registro, acarretando, automaticamente, um juízo de qualificação negativo. Como é cediço, a Lei n. 6.015/73 disciplina os títulos registráveis, em regra, no artigo 167 que concerne ao título sob o aspecto material como causa ou fundamento de um direito ou obrigação passível de ingresso no fólio real, e no artigo 221 que cuida do rol dos títulos, em sentido formal, como instrumentos que traduzem os títulos elencados no art. 167. Tais dispositivos fundam-se no princípio da legalidade, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames da legalidade estrita. Verifica-se no ato de averbação n.1.048, praticado na matrícula n. 130.982, que o Oficial fez constar que os instrumentos seriam compromissos de compra e venda, o que, todavia, destoa do título causal do título prenotado (prenotação n. 548.088, de 22 de janeiro de 2025), que seria "doação". Releva salientar que, em âmbito registral, qualificados os atos de registro como atos administrativos, espécies de atos jurídicos em sentido estrito, aos mesmos aplica-se, no que couber, a sistemática referente aos planos de existência, validade e eficácia dos atos jurídicos. E diante da especificidade destes atos, a Lei de Registros Públicos se preocupou com as nulidades do registro, em seus artigos 214, 216, 252 e 254. O artigo 214 da Lei 6.015/73 dispõe (nossos destaques): "Art. 214 - As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta. § 1oA nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos. § 2oDa decisão tomada no caso do § 1ocaberá apelação ou agravo conforme o caso. § 3oSe o juiz entender que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação poderá determinar de ofício, a qualquer momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matrícula do imóvel. § 4oBloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio. § 5oA nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel." O bloqueio de registro é uma criação administrativo-judicial, possuindo, portanto, uma função acautelatória. Nesse quadro estritamente registrário, havendo indícios de falha na qualificação e prática do ato, há necessidade de imediata adoção de medida acautelatória adequada, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, para que a parte possa adotar as medidas reputadas cabíveis na via jurisdicional competente (juízo da ação de desapropriação), inclusive eventual bloqueio judicial do ato de averbação. 1) Por todo o exposto, com fundamento no artigo 214, § 3º, da Lei de Registros Públicos, em caráter excepcional, determino o imediato bloqueio cautelar do ato de averbação n. 1.048, lançado na matrícula n. 130.982, do 2º Registro de Imóveis de São Paulo, para o fim de suspender integralmente os efeitos do referido ato de averbação, em relação a todas as lojas nele mencionadas, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, para que a parte possa adotar as medidas reputadas cabíveis na via jurisdicional competente (juízo da ação de desapropriação), inclusive requerendo eventual bloqueio judicial do ato de averbação. Com urgência, intime-se o Oficial para o imediato cumprimento da presente decisão, procedendo à averbação do bloqueio cautelar do ato de averbação n. 1.048, de 24 de janeiro de 2025, praticado na matrícula n. 130.982, do 2º Registro de Imóveis de São Paulo. Prazo: 24 (vinte e quatro) horas. 2) O Oficial fica intimado para prestar informações detalhadas sobre o ato de averbação praticado na matrícula (Av. 1.048, de 25/01/2025, relativo à prenotação n. 548.088 de 22/01/2025), devendo apresentar todos os documentos arquivados que resultaram na prática do ato; bem como esclarecer os pontos levantados pelo Ministério Público. Fixo o prazo de 10 (dez) dias. 3) Intime-se, ainda, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, para ciência e adoção das providências necessárias, nos termos do artigo 214, § 1º, da Lei de Registros Públicos, facultada manifestação em até 05 (cinco) dias, pena preclusão. 4) Na sequência, intime-se a parte requerente, facultada manifestação, no prazo de 05 (cinco dias). 5) Decorrido o prazo para manifestação das partes interessadas, abra-se vista ao Ministério Público. 6) Oportunamente, conclusos para sentença. Cumpra-se com presteza, comunicando-se a presente decisão, que serve como ofício, à E. CGJ. Intimem-se. - ADV: BEATRIZ VALENTE FELITTE (OAB 258434/SP), BEATRIZ VALENTE FELITTE (OAB 258434/SP)
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