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Livia Cristina Cabral Oyagi Correa x Bradesco Saúde S/A

ID: 293366264

Tribunal: TJSP Órgão: Foro de Registro - 1ª Vara Classe: AçãO DE EXIGIR CONTAS Nº Processo: 1002599-25.2024.8.26.0495

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

LIVIA CRISTINA CABRAL OYAGI CORREA

Polo Passivo:

BRADESCO SAÚDE S/A

Intimação

Advogados:

BEATRIZ SABEL DA CUNHA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ALESSANDRA MARQUES MARTINI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

Processo 1002599-25.2024.8.26.0495 - Ação de Exigir Contas - Serviços Hospitalares - Livia Cristina Cabral Oyagi Correa - BRADESCO SAÚDE S/A - Vistos. Trata-se de AÇÃO DE EXIGIR CONTAS proposta por… Processo 1002599-25.2024.8.26.0495 - Ação de Exigir Contas - Serviços Hospitalares - Livia Cristina Cabral Oyagi Correa - BRADESCO SAÚDE S/A - Vistos. Trata-se de AÇÃO DE EXIGIR CONTAS proposta por LIVIA CRISTINA CABRAL OYAGI CORREA em face de BRADESCO SAÚDE S/A. Aduz a requente, em apertada síntese que, em razão do diagnóstico de Lipedema grau I, submeteu-se a procedimento cirúrgico de lipoaspiração, cujo custeio foi negado pela seguradora ré. Sustenta que o procedimento foi prescrito por médico especialista e tem finalidade terapêutica, conforme relatório que atesta o diagnóstico de Lipedema grau I, Tipo 4 (doença crônica reconhecida pela CID-11: EF02.2), a indicação da cirurgia como único tratamento eficaz devido à ineficácia do tratamento conservador, e o caráter não estético, mas sim terapêutico e necessário para evitar a progressão da doença. Argumenta ademais que, a negativa de cobertura é abusiva, pois a Lei 9.656/98 obriga a cobertura de tratamento de doenças reconhecidas pelo CID, bem como o Código de Defesa do Consumidor considera nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva. Cita, ainda, o Tema 1.082 do STJ, que determina que o rol da ANS não é taxativo e que o tratamento deve ser coberto quando indicado por especialista e não houver alternativa eficaz. Por fim, aduz que o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina (CRM) reconhecem o lipedema como doença crônica e progressiva, cujo tratamento pode exigir cirurgia, e que a Resolução CFM nº 2.299/2021 determina que o tratamento cirúrgico para lipedema é terapêutico quando indicado por especialista e documentado. Por fim, requereu o reembolso integral dos valores por ela despendidos, totalizando R$ 37.770,00 (trinta e sete mil, setecentos e setenta reais), acrescidos de juros e correção monetária. Juntou documentos às fls. 05/57. Por meio da decisão proferida às fls. 103, a petição inicial foi recebida, e a ré foi citada para os termos da ação. Devidamente citada, a requerida apresentou contestação às fls. 113/139, na qual assevera que a autora figura como segurada dependente em apólice empresarial, com início de vigência em 30/05/2018, sob a égide da Lei 9.656/98. Informa que não localizou em sistema solicitação de autorização para o procedimento cirúrgico, mas sim uma solicitação de reembolso das despesas que foi negada pelo fato do procedimento cirúrgico não estar em conformidade com a Lei nº 9.656/98 e resoluções complementares. Sustenta que a apólice está vinculada ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que constitui a referência básica para cobertura mínima obrigatória, permitindo a exclusão de cobertura de procedimentos para fins estéticos. Destaca ainda, a existência de cláusula contratual de exclusão de cobertura para procedimentos cirúrgicos estéticos e/ou que não estejam de acordo com as DUT e com o Rol da ANS. Assevera que o lipedema é caracterizado por deposição anormal de gordura, frequentemente confundido com obesidade e linfedema, e que o diagnóstico é clínico, notando-se o acúmulo de gordura em região glútea, coxas, joelhos e pernas, determinando uma desproporção entre a parte inferior e superior do corpo. Em virtude disso, sustenta a improcedência da demanda, considerando que a manutenção da taxatividade do Rol da ANS visa legitimar a previsão contratual de que os planos somente devem autorizar a cobertura dos procedimentos listados, garantindo a previsibilidade de coberturas e ausentando os planos de saúde de arcar com procedimentos aleatórios ou sem comprovação científica. Afirma que não questiona ou nega o tratamento, mas sim a cláusula contratual e a indicação da Agência Reguladora quanto à não cobertura para procedimentos estéticos ou próteses. Alega que a cirurgia reparadora é aquela que atrapalha o funcionamento de um membro ou órgão, enquanto a cirurgia estética não altera a função anatômica, sendo realizada para melhorar a aparência. Sustenta que a pretensão da autora fere o princípio do pacta sunt servanda, e que a seguradora somente é obrigada a cobrir os riscos predeterminados na apólice e no cálculo do prêmio. Defende ainda, a licitude das limitações contratuais, argumentando que a responsabilidade do segurador é limitada ao risco assumido, e que o rol da ANS é, em regra, taxativo, conforme entendimento do STJ, ressalvando-se exceções para tratamentos com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e com comprovação de órgãos técnicos. Por fim, aduz a ausência de comprovação de desembolso, alegando que a juntada da nota fiscal não comprova o pagamento da quantia, e o dano material deve ser comprovado, não presumido. Ao final, requer a improcedência total dos pedidos iniciais. Houve réplica (fls. 237/240). É o relatório. Fundamento e decido. O feito encontra-se em ordem, com a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação, inexistindo qualquer preliminar ou nulidade a ser abordada. Superado esse introito, anoto que a presente demanda versa sobre o reembolso de despesas médicas relacionadas a um procedimento cirúrgico para tratamento de Lipedema, cuja cobertura foi negada pela operadora de plano de saúde. Pois bem, a questão central da presente controvérsia reside na extensão da cobertura dos planos de saúde, especialmente no que tange a procedimentos não expressamente listados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), frente à imperatividade do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e das disposições da Lei nº 9.656/98. A hermenêutica jurídica aplicada a tais instrumentos normativos, em especial no âmbito do Direito Civil e Processual Civil, demanda uma análise teleológica e sistemática, visando a proteção do consumidor e a garantia do direito fundamental à saúde, conforme preceituado no artigo 196 da Constituição Federal, vejamos: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ressalte-se que, o contrato de plano de saúde, enquanto modalidade de contrato de adesão, submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor, que consagra a vulnerabilidade do consumidor e impõe a interpretação das cláusulas contratuais de forma mais favorável ao aderente, em detrimento do fornecedor. Nesse contexto, cláusulas que estabeleçam limitações abusivas, que coloquem o paciente em desvantagem exagerada ou, ainda, que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, devem ser consideradas nulas de pleno direito, nos termos do artigo 51, IV, do CDC. Insta consignar que a Lei nº 9.656/98, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece as coberturas mínimas obrigatórias e em que pese o artigo 10 do referido diploma legal preveja algumas exclusões, a interpretação dessas vedações deve ser realizada de forma restritiva, e em observância ao princípio da função social do contrato, bem como da dignidade da pessoa humana. Destarte, a recusa de cobertura para o tratamento de doença que possua classificação na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), como é o caso do Lipedema (CID-11: EF02.2), configura prática abusiva, pois a enfermidade é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, assim sendo, a operadora não pode restringir o tipo de tratamento necessário para a cura ou controle da doença. No caso em tela, a operadora ré fundamenta sua negativa na ausência do procedimento de lipoaspiração para tratamento de lipedema no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Contudo, há de se destacar que o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 1.082, embora tenha estabelecido a regra da taxatividade do rol da ANS, ressalvou a possibilidade de sua relativização em situações excepcionais, desde que existam recomendações médicas baseadas em evidências científicas, ausência de substituto terapêutico no rol, e recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e internacional. Ademais, no âmbito do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, o entendimento encontra-se consolidado na Súmula 102, que estabelece que: "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS". Logo, tal súmula reflete a prevalência da indicação médica em face de listagens administrativas, que, por sua natureza, não podem abranger a totalidade das inovações e necessidades terapêuticas. Nesse diapasão, a documentação carreada aos autos pela parte autora, notadamente o relatório médico da Dra. Mariana Thalyta Bertolin Silva, CRM-PR 32246/RQE 23472, atesta de forma clara e inequívoca o diagnóstico de Lipedema grau I, Tipo 4, bem como a necessidade imperiosa da cirurgia de lipoaspiração como único tratamento eficaz para a doença, ante a ineficácia do tratamento conservador, rechaçando qualquer caráter meramente estético e enfatizando a finalidade terapêutica do procedimento para evitar a progressão da doença e aliviar sintomas debilitantes (fls. 15/17). Com efeito, a defesa da requerida em relação à comprovação de desembolso é rechaçada pelos comprovantes de pagamento apresentados pela autora, incluindo recibos médicos, hospitalares e comprovantes de pagamento via cartão de crédito e PIX para o procedimento realizado(20/57). Portanto, a negativa da operadora de plano de saúde, baseada na mera ausência do procedimento no rol da ANS, bem como na alegação de caráter meramente estético, ignora a gravidade da doença, a comprovação científica de sua natureza e ainda a indicação médica fundamentada pela profissional que acompanha a demandante. Nesse sentido, segue o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PLANO DE SAÚDE - FORNECIMENTO DE TRATAMENTO CIRÚRGICO PARA LIPEDEMA - ALEGADA EXCLUSÃO CONTRATUAL E AUSÊNCIA DE PREVISÃO NOROLDAANS- CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO IMPEDEM A COBERTURA NA ESPÉCIE - NEGATIVA ABUSIVA - NECESSIDADE DO PROCEDIMENTO SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA - CARÁTER NÃO ESTÉTICO - EXPRESSA INDICAÇÃO MÉDICA- SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.(TJSP; Apelação Cível 1027844-02.2023.8.26.0001; Relator (a):Ronnie Herbert Barros Soares; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana -7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/04/2025; Data de Registro: 29/04/2025). APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. LIPEDEMA. Lipedema Grau III. Negativa de cobertura pela ré sob a alegação de não constar do rol da ANS. Sentença de procedência. Recurso da ré. Lipoaspiração tumescente de células adiposas doentes, com aplicação de laser diodo e radiofrequência fracionado, em razão do diagnóstico para Lipedema grau III. Negativa de cobertura pela ré sob alegação de não constar do rol da ANS. Súmula 102 do TJSP. Rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar (ANS) de caráter meramente exemplificativo. Sentença de procedência, mantença por seus próprios fundamentos. Artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso da ré não provido. (TJSP; Apelação Cível 1012925-41.2024.8.26.0011; Relator (a):Inah de Lemos e Silva Machado; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau Turma V (Direito Privado 1); Foro Regional XI - Pinheiros -2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/03/2025; Data de Registro: 18/03/2025). Frise-se que a conduta da empresa demandada revela-se abusiva, pois restringe indevidamente o direito à saúde da segurada, em descompasso com a legislação consumerista e com a finalidade social do contrato de seguro-saúde. Ressalte-se que o custeio de procedimentos essenciais à saúde do beneficiário, quando há expressa indicação médica e comprovação da finalidade terapêutica, não pode ser rechaçado por cláusulas contratuais que criem obstáculos desproporcionais ou por rol meramente exemplificativo. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação, com fundamento nos artigos 6º e 10º do Código de Processo Civil, c/c artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, e artigo 12, II, da Lei nº 9.656/98, para condenar a requerida BRADESCO SAÚDE S.A. a ressarcir integralmente à autora LÍVIA CRISTINA CABRAL OYAGI CORREA o valor de R$ 37.770,00 (trinta e sete mil, setecentos e setenta reais), com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo desde a data do desembolso, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação. Para o cálculo de correção monetária e juros de mora após o advento da Lei n. 14.905/2024 (Publicada no DOU em 01/07/2024), salvo disposição contratual ou legal em contrário, para o cálculo da correção monetária será aplicada a variação do IPCA, apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo, e, quanto aos juros de mora, deverão observar a taxa legal, correspondente à diferença entre a taxa SELIC e o IPCA, calculada mensalmente pelo Banco Central, atentando-se que, caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência (artigos 389, parágrafo único, e 406, §§ 1° e 3º, do Código Civil, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.905, de 28 de junho de 2024). Vencida, condeno a requerida ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC. Certificado o trânsito em julgado da demanda, aguarde-se pelo prazo de 30 (trinta) dias eventual peticionamento eletrônico no tocante à distribuição do cumprimento de sentença. Após, arquivem-se definitivamente, com lançamento de movimentação específica, o que fica determinado. Cumpra-se o disposto no art. 1.098 das NSCG. Intimem-se. Registro, 27 de maio de 2025. - ADV: ALESSANDRA MARQUES MARTINI (OAB 270825/SP), BEATRIZ SABEL DA CUNHA (OAB 422943/SP)

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