Processo nº 1028156-15.2025.4.01.3500
ID: 312679826
Tribunal: TRF1
Órgão: 1ª Vara Federal Cível da SJGO
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 1028156-15.2025.4.01.3500
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DOUGLAS DUARTE NEVES
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 1ª Vara Federal Cível da SJGO SENTENÇA TIPO "B" PROCESSO: 1028156-15.2025.4.01.3500 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: AMO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 1ª Vara Federal Cível da SJGO SENTENÇA TIPO "B" PROCESSO: 1028156-15.2025.4.01.3500 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: AMO VOCE PRODUCOES LTDA REPRESENTANTES POLO ATIVO: DOUGLAS DUARTE NEVES - GO33488 POLO PASSIVO:ILMO. SR. SECRETÁRIO ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL e outros SENTENÇA Trata-se de mandado de segurança contra a extinção do benefício fiscal do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Alega que: a) em um cenário de severa crise econômica desencadeada pela pandemia da COVID-19, o Congresso Nacional, em um esforço para mitigar os prejuízos e viabilizar a retomada dessas atividades essenciais para a economia e cultura do país, instituiu, por meio da Lei n. 14.148/2021, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE); b) dentre as medidas centrais do PERSE, o art. 4º da referida Lei (após a derrubada do veto presidencial e com início de produção de efeitos em 18 de março de 2022) estabeleceu a redução das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) a 0% (zero por cento), pelo prazo determinado e certo de 60 (sessenta) meses, para as pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos, cujas atividades fossem enquadradas nos termos da lei e de sua regulamentação; c) a mesma Lei nº 14.859/2024, ao incluir o art. 4º-A na Lei nº 14.148/2021, instituiu um limite máximo de custo fiscal para o PERSE, no valor de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), a ser apurado entre abril de 2024 e dezembro de 2026, e previu a extinção do benefício no mês subsequente àquele em que fosse “demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado”; d) no dia 12 de março de 2025, foi realizada a referida audiência pública na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional (CMO), com demonstração pela Receita Federal do Brasil do atingimento do teto, tornada pública pelo Ato Declaratório Executivo RFB n. 02/2025, que declarou a extinção do benefício fiscal do PERSE para os fatos geradores a partir de 01 de abril de 2025. Como fundamentos jurídicos, defende que: a) o art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021, incluído pela Lei n. 14.859/2024, ao instituir um teto de R$ 15 bilhões para o custo fiscal do PERSE, estabeleceu um procedimento específico e vinculante para a sua apuração e para a eventual declaração de extinção do benefício. Tal procedimento, contudo, foi manifestamente desrespeitado pelas autoridades impetradas, culminando na edição do ilegal ADE RFB n. 02/2025; a.1) apesar de o art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021 ser cristalino ao condicionar a extinção do benefício fiscal à demonstração de que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado de R$ 15 bilhões, a Receita Federal do Brasil se utilizou de meras projeções para o mês de março de 2025, e não de dados efetivamente realizados e consolidados; a.2) a exigência de "relatórios bimestrais de acompanhamento" detalhados e transparentes, que deveriam embasar a demonstração em audiência pública, também foi negligenciada; a.3) a própria Receita Federal reconhece que, na apuração do teto de R$ 15 bilhões, poderia estar computando valores de atividades não elegíveis ao PERSE, simplesmente porque a empresa possui um CNAE principal (da matriz) que não é PERSE, embora possa ter sido habilitada por uma filial ou atividade secundária/preponderante; a.4) do valor total computado para o atingimento do limite, R$ 894,7 milhões referem-se a “fruições declaradas por pessoas jurídicas com decisões [judiciais] a elas favoráveis”. Trata-se, em sua maioria, de benefícios concedidos por força de decisões de caráter precário, não transitadas em julgado, e plenamente sujeitas a reversão. Apesar de o art. 4º-A da Lei do PERSE determinar que os relatórios bimestrais discriminem “os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado”, não se pode aduzir que esses valores devam ser computados “para fins de extinção definitiva de um programa”; a.5) a contagem do teto de R$ 15 bilhões iniciou-se em abril de 2024, ao passo que a regulamentação para a habilitação no “Novo PERSE” (instituído pela Lei n. 14.859/2024) e o processamento dessas habilitações só ocorreram a partir de meados de 2024. Resta dúvida, portanto, se, no cômputo do consumo de abril a julho/agosto de 2024, foram incluídos benefícios de empresas que, por exemplo, nem sequer vieram a ser habilitadas no novo regime ou que, mesmo habilitadas posteriormente, tiveram seu benefício total (não segregado) daquele período retroativamente imputado ao teto; b) a aplicação imediata do ADE RFB nº 02/2025, com extinção do PERSE a partir de 01 de abril de 2025, incorre em violação aos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal; b.1) a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que a supressão ou redução de benefício fiscal, por implicar uma majoração indireta do tributo, também se submete, como regra, à observância das referidas garantias constitucionais; b.2) o ADE RFB n. 02/2025, ao determinar a extinção do PERSE a partir de 01 de abril de 2025, com base na audiência pública de 12 de março de 2025 (e publicado em 24 de março de 2025), pretendeu que a majoração indireta dos tributos (retorno à tributação plena) ocorresse sem qualquer observância a esses prazos constitucionais mínimos; c) a extinção prematura do benefício fiscal do PERSE antes do decurso do prazo de 60 (sessenta) meses afronta diretamente o disposto no art. 178 do Código Tributário Nacional; c.1) o benefício do PERSE não foi uma mera liberalidade aleatória do Estado, mas sim uma medida emergencial e compensatória concedida em função de condições muito específicas e, em sua essência, onerosas para as empresas do setor de eventos, que são: c.1.1) pertencimento ao setor de eventos e submissão aos efeitos da pandemia; c.1.2) cumprimento dos requisitos legais para enquadramento (CNAEs e regime tributário específico); c.1.3) manter suas atividades empresariais em um cenário de extrema dificuldade, evitando um colapso setorial ainda maior; preservar empregos que, de outra forma, seriam extintos; realizar planejamentos financeiros e investimentos para a custosa retomada pós-pandemia; e submeter-se ao novo e específico processo de habilitação instituído pela Lei n. 14.859/2024; d) a extinção prematura do benefício fiscal do PERSE representa afronta aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva. Requer a concessão de medida liminar. Foi postergada a análise da liminar e determinada a notificação da autoridade coatora. A autoridade coatora defendeu a legalidade do procedimento que levou à extinção do benefício fiscal, aduzindo em preliminar a inadequação da via eleita, em razão de ausência de direito líquido e certo, e tratar-se de impetração contra lei em tese. O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito. A União também se manifestou em defesa da legalidade da extinção do benefício fiscal. É o relatório. Decido. Preliminarmente, afasto a alegação de que o presente mandado de segurança se volta contra lei em tese (Súmula 266/STF), já que o objetivo da impetrante é obstar a tributação que recairá sobre si com a extinção do benefício fiscal, motivo pelo qual também há que se reconhecer a legitimidade da autoridade arrolada como coatora. Não há que se falar em inadequação da via eleita, posto que a impetrante instruiu sua petição inicial com documentação robusta e suficiente à demonstração dos fatos alegados, não havendo necessidade de dilação probatória. Ainda em preliminar, foi observado o prazo decadencial de 120 dias para ajuizamento desta ação (art. 23 da Lei n. 12.016/2009), pois a impetração se volta tanto contra a Lei n. 14.859/2024 quanto contra o Ato Declaratório Executivo RFB n. 2, de 21 de março de 2025, publicado em 24 de março de 2025. Com isso, passo ao exame do mérito. 1. O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei n. 14.148/2021, previa inicialmente que: Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. § 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente: I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; II - hotelaria em geral; III - administração de salas de exibição cinematográfica; e IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. § 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo. [...] Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei: I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep); II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ). Após algumas modificações desde a sua instituição, a Lei n. 14.859, de 22 de maio de 2024, conferiu nova regulamentação à matéria, estabelecendo que o benefício fiscal “terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas de que trata o art. 4º que foram consideradas habilitadas na forma do art. 4º-B desta Lei, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ, sendo discriminados no relatório os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado, ficando o benefício fiscal extinto a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado” (art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021, incluído pela Lei n. 14.859/2024). Diante dessa previsão, a Receita Federal do Brasil informou em audiência pública realizada no Congresso Nacional que o limite do art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021 teria sido atingido em março de 2025 e que, por consequência, o benefício fiscal seria extinto para fatos geradores ocorridos a partir de abril de 2025 (Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025). 2. O fato de se chegar ao valor máximo de R$ 15 bilhões a partir de estimativa do gasto fiscal não tem o condão de macular o cálculo apresentado pela Receita Federal. Consta na Nota Cocad/Suara/RFB n. 50, de 12 de março de 2025, que subsidiou essa conclusão, que: “foram considerados dados relativos aos períodos de apuração abril de 2024 a fevereiro de 2025, sendo que os dados até dezembro de 2024 são completos em função do encerramento do período de entrega da Dirbi [Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária], e os dados de 2025 são parciais, daqueles contribuintes que anteciparam a entrega. Para fins de previsão de valores futuros foram considerados apenas os dados de 2024.” No modelo preditivo de utilização futura do Perse foi utilizada “a mesma base de dados originada das Dirbis ativas, transmitidas por contribuintes habilitados”, sendo “consideradas apenas as competências de abril a dezembro de 2024, cujo período de entrega já se encerrou”. Assim, chegou-se à conclusão de que “o benefício fiscal terá seu limite autorizado de R$ 15,0 bilhões [...] superado na competência março/2025”. Nota-se, pois, que a estimativa foi realizada a partir de dados de 2024, sendo corriqueiro na gestão do orçamento público o trabalho com previsões (ver, por exemplo, o disposto no art. 165, § 8º, da Constituição Federal). Além disso, caso o cálculo por estimativa tivesse sido superestimado, caberia à impetrante ter comprovado que o gasto fiscal efetivamente ocorrido até março de 2025 não superou o limite legal (art. 1º, caput, da Lei n. 12.016/2009), o que não ocorreu. 3. De fato, não foram apresentados “relatórios bimestrais de acompanhamento” nos termos em que exigido pelo art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021. Em suas informações, a autoridade coatora faz referência a publicações no endereço eletrônico da Receita Federal (como esta: < https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/contribuintes-declararam-ter-usufruido-mais-de-r-32-9-bilhoes-ate-junho>) que, além de não terem observado periodicidade bimestral, também não contemplaram todas as informações previstas no art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021. No endereço específico de Relatórios do Perse (
) constam apenas dois relatórios de acompanhamento, um referente a outubro de 2024 e o outro, já citado acima, referente a março de 2025. É de se supor que a previsão para publicação bimestral desses relatórios tinha o condão de permitir o escrutínio público periódico da evolução custo fiscal do Perse e da forma como esse custo estava sendo apurado. E isso principalmente por parte dos beneficiários do Programa, maiores interessados no máximo alcance temporal do benefício e, ao mesmo tempo, em não serem surpreendidos com o restabelecimento repentino da tributação. Com isso, a publicação dos relatórios nos termos do art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021 constitui formalidade essencial no processo de formação do ato final, consubstanciado no Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025, já que envolve diretamente a garantia de direitos do contribuinte (art. 2º, parágrafo único, VIII, da Lei n. 9.784/1999). Logo, em princípio, deveria ser reconhecida sua nulidade (art. 2º, “b”, da Lei n. 4.717/1965 e art. 53 da Lei n. 9.784/1999), dada a impossibilidade de convalidação do procedimento (art. 55 da Lei n. 9.784/1999). Entretanto, o fato de a impetrante invocar referida nulidade somente neste momento, quase 1 ano após a inclusão do art. 4º-A na Lei n. 14.148/2021 e logo após a extinção do benefício fiscal, revela conduta contrária à boa-fé objetiva (art. 5º do Código de Processo Civil). Afinal, se seu interesse fosse de fato o acompanhamento do gasto tributário do Perse, era de se esperar que ela postulasse, inclusive judicialmente, pela publicação dos relatórios já nos meses subsequentes à edição da Lei n. 14.859/2024, mitigando assim o prejuízo decorrente da omissão administrativa. Além disso, a invalidação do Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025 em razão desse fato não teria outra consequência que não a de retirar a eficácia do art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021, impedindo a extinção do benefício fiscal, pois o limite de R$ 15 bilhões já foi alcançado e, permita-me dizer, não é possível retroceder no tempo para que os relatórios sejam publicados na forma e no momento devidos. Assim, em juízo ponderativo (art. 489, § 2º, do Código de Processo Civil) guiado pelo princípio da razoabilidade (art. 8º do Código de Processo Civil) e atento às consequências práticas de eventual decisão judicial que reconheça a nulidade do ato impugnado (art. 21 do Decreto-Lei n. 4.657/1942), afasto a alegação de nulidade do Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025 pela não apresentação a contento dos relatórios bimestrais de acompanhamento. 4. A Receita Federal reconhece na já citada Nota Cocad/Suara/RFB n. 50/2025 que “as consolidações por CNAE foram realizadas considerando o CNAE principal do estabelecimento matriz, podendo ocorrer situações em que a concessão ocorreu para os estabelecimentos filiais ou em decorrência do exercício de uma outra atividade de maneira preponderante. Assim, pode[m] estar sendo apresentados valores em CNAEs que não teriam direito ao PERSE, porque o código principal da matriz não está previsto na Lei, mas a habilitação de fato é para os estabelecimentos e relativamente às atividades econômicas que têm direito à fruição.” Porém, não foi comprovado que essa metodologia levou de fato a equívoco na apuração do teto de R$ 15 bilhões, e, como se sabe, o mandado de segurança se destina a proteger direito líquido e certo (art. 1º, caput, da Lei n. 12.016/2009), de forma que “toda a atividade probatória do impetrante deve, em regra, exaurir-se no próprio momento de ingresso em juízo, e isto será feito por meio de elementos documentais pré-constituídos” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei do mandado de segurança. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense 2019. p. 227). 5. Nulidade não há no fato de ter sido considerado no valor total os benefícios concedidos por decisões judiciais não transitadas em julgado por se tratar de providência que atende a comando expresso do art. 4º-A da Lei n. 14.148/2021. 6. A impetrante alega haver “dúvida se, no cômputo do consumo de abril a julho/agosto de 2024, foram incluídos benefícios de empresas que, por exemplo, nem sequer vieram a ser habilitadas no novo regime ou que, mesmo habilitadas posteriormente, tiveram seu benefício total (não segregado) daquele período retroativamente imputado ao teto.” Isso porque “a contagem do teto de R$ 15 bilhões iniciou-se em abril de 2024, ao passo que a regulamentação para a habilitação no ‘Novo PERSE’ (instituído pela Lei nº 14.859, de maio de 2024) e o processamento dessas habilitações só ocorreram a partir de meados de 2024.” Também aqui não há prova pré-constituída de que esse fato levou a equívoco na apuração do valor de R$ 15 bilhões (art. 1º, caput, da Lei n. 12.016/2009). 7. Quanto à (im)possibilidade de revogação do Perse diante do art. 178 do Código Tributário Nacional, consigno de início que, em razão da identidade entre os efeitos práticos gerados por uma regra que isenta o pagamento de determinado tributo e uma regra que reduz a zero a alíquota desse tributo, o regime jurídico das isenções deve ser aplicado para os casos de alíquota zero, inclusive no que se refere às isenções onerosas (art. 178 do Código Tributário Nacional). A respeito da (ir)revogabilidade das isenções, o Código Tributário Nacional estabelece que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo” (art. 178). Diz-se onerosa a isenção concedida por prazo certo e sob condições determinadas. Nesse caso, ainda que a lei que a instituiu venha a ser revogada, o benefício fica garantido ao contribuinte até o esgotamento do prazo inicialmente previsto. Essa condição exigida para que a isenção seja tida como onerosa não se confunde com eventuais requisitos estabelecidos para a sua concessão (art. 176 do Código Tributário Nacional) (como, por exemplo, o fato de se tratar de isenção direcionada somente a empresas de determinado setor da economia). A redução da alíquota a zero operada pelo art. 4º da Lei n. 14.148/2021, apesar de estabelecida por prazo determinado (60 meses), não estabeleceu nenhuma condição para que os beneficiários pudessem usufruí-las (como, a título meramente exemplificativo, seria a condição de não demitir nenhum funcionário no prazo de 60 meses), tendo estabelecido, em verdade, requisitos para identificar os sujeitos que seriam beneficiados pelo Programa. Assim, não tendo o art. 4º da Lei n. 14.148/2021 estabelecido nenhuma condição para gozo do benefício fiscal, não há impedimento para sua revogação. 8. Os princípios constitucionais de grande abrangência, como segurança jurídica (art. 5º, caput, da Constituição Federal), não possuem densidade normativa suficiente para impedir a extinção de benefício fiscal. Em deferência ao princípio democrático (art. 1º da Constituição Federal), deve-se respeitar a escolha política realizada pelo Poder Legislativo, que reputou oportuno e conveniente seu encerramento. Essa conclusão pode ser ilustrada a partir de julgado do Supremo Tribunal Federal que, ao analisar a compatibilidade de norma infraconstitucional como o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da Constituição Federal), assentou não ser “adequado desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional [...] ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas” (ADC 42). 9. O princípio da anterioridade veda que seja realizada cobrança de tributo “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (anterioridade anual - art. 150, III, “b”, da Constituição Federal) e que seja realizada cobrança de tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (anterioridade nonagesimal - art. 150, III, “b”, e art. 195, § 6º, da Constituição Federal). Tratando-se de regra que busca assegurar a previsibilidade da relação fiscal, de modo a evitar que o sujeito passivo seja surpreendido com um aumento súbito de encargo, sem a possibilidade de planejamento financeiro, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento em precedente de observância obrigatória no sentido de que a anterioridade também deve ser observada nas “hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais que resultem em majoração indireta de tributos” (Tema de Repercussão Geral 1.383/STF). No presente caso, apesar de a Fazenda Pública defender que a anterioridade deve ser considerada a partir da publicação da Lei n. 14.859/2024, que inseriu o art. 4º-A na Lei n. 14.148/2021, entendo assistir razão à impetrante, devendo-se considerar, para esse fim, que a extinção do benefício fiscal ocorreu somente com o Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025. Desde a sua origem, o benefício fiscal do Perse teve caráter temporário. Pela redação original da Lei n. 14.148/2021, ele foi submetido a termo resolutivo, fixado em 60 meses (até maio de 2026); a partir das alterações promovidas pela Lei n. 14.859/2024, a temporariedade foi estabelecida com a conjugação de uma condição resolutiva, referente ao atingimento do gasto tributário de R$ 15 bilhões, com um termo resolutivo, fixado em dezembro de 2026. Nesse intervalo de tempo, que se iniciou com a publicação da Lei n. 14.859 em maio de 2024 e terminaria com o atingimento do teto de R$ 15 bilhões ou com a chegada do mês de dezembro de 2026, o contribuinte ficou sem saber quando exatamente seria extinto o benefício fiscal, já que poderia acontecer em qualquer mês entre maio de 2024 e dezembro de 2026. Nos termos em que a extinção do benefício foi prevista pela Lei n. 14.859/2024, mediante, a conjugação de condição resolutiva com termo final, não se permitiu que, com base simplesmente nesse ato normativo, fosse alcançada a finalidade do princípio da anterioridade: permitir ao contribuinte se programar para, com a publicação do ato que extingue o benefício fiscal, voltar a sofrer a tributação no ano seguinte ou dentro de noventa dias. Essa programação só se tornou possível com a edição do Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025, que indicou de forma concreta que a condição resolutiva teria se realizado em março de 2025. Com isso, e considerando que o princípio da anterioridade integra o que se poderia considerar como direito fundamental do contribuinte (art. 5º, § 2º, da Constituição Federal), entendo que a interpretação que confere a máxima efetividade à norma constitucional é a que considera o Ato Declaratório Executivo RFB n. 2, de 21 de março de 2025, como o ato extintivo do benefício fiscal (ver: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1224). Logo, a partir da publicação do ato, ocorrida em 24 de março de 2025, deve ser aplicada a anterioridade anual ao imposto de renda (art. 150, III, “b” e “c” c/c art. 150, §1º, da Constituição Federal) e a anterioridade nonagesimal ao PIS, à Cofins e à CSLL (195, § 6º, da Constituição Federal). 10. A respeito do pedido de restituição dos valores indevidamente recolhidos (art. 165 do Código Tributário Nacional), a partir da ilegalidade ora reconhecida, ressalto ser incabível sua postulação pela via administrativa, sob pena de violação ao regime constitucional dos precatórios (Tema de Repercussão Geral 1.262/STF). E em se tratando de mandado de segurança, a restituição, a ser obtida, frise-se, por meio de precatórios (Tema de Repercussão Geral 831/STF), pode alcançar somente os valores vencidos a partir da impetração (art. 14, §4º, da Lei n. 12.016/2019, também aplicável em matéria tributária), devendo os débitos relativos a período pretérito ser cobrados em ação própria (Súmulas 269 e 271/STF e EREsp 1.087.232). Por outro lado, caso o contribuinte opte pela compensação de valores apurados com débitos próprios de tributos administrados pela Receita Federal (Súmula 461/STJ), e constituindo o mandado de segurança ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária (Súmula 213/STJ), fica assegurado o direito de se pleitear administrativamente a compensação dos créditos, mesmo os anteriores à impetração, mas desde que não alcançados pela prescrição. Nesse caso, a compensação deverá observar os seguintes parâmetros: a) somente poderá se dar após o trânsito em julgado (art. 170-A do Código Tributário Nacional); b) seu alcance é limitado aos créditos não atingidos pelo prazo prescricional de 5 anos (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932); c) os créditos deverão ser acrescidos de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) (art. 39, § 4º, da Lei nº. 9.250/95); d) deverá ser observado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da presente demanda, ressalvando-se, porém, o direito de o contribuinte proceder à compensação pela via administrativa em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (Tema 265/STJ). Ante o exposto, concedo em parte a segurança (art. 487, I, do Código de Processo Civil) para: a) declarar que o Ato Declaratório Executivo RFB n. 2/2025 somente pode produzir efeitos em relação ao imposto de renda a partir de 01 de janeiro de 2026 e em relação ao PIS, à Cofins e à CSLL a partir de 23 de junho de 2025; b) declarar o direito do contribuinte de promover a compensação dos valores indevidamente recolhidos, observados os parâmetros fixados na fundamentação. Diante da sucumbência mínima, as custas devem recair sobre a impetrante, na forma da Lei n. 9.289/1996. Honorários advocatícios indevidos (art. 25 da Lei n. 12.016/2009). Sentença sujeita a remessa necessária (art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009), sem prejuízo da sua execução imediata (art. 14, § 3º, da Lei n. 12.016/2009). Havendo interposição de recurso por qualquer das partes, dê-se vista à parte contrária para que, querendo, oferte contrarrazões. Decorrido o prazo legal, com ou sem manifestação, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ocorrendo o trânsito em julgado, certifique-se e remetam-se os autos ao arquivo. Intimem-se. RODRIGO ANTONIO CALIXTO MELLO Juiz Federal Substituto
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