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Sionara Pereira
OAB/PR 17.118
SIONARA PEREIRA consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 282921113
Tribunal: TRF1
Órgão: 3ª Vara Federal Criminal da SJRO
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1007858-84.2021.4.01.4100
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS ROGERIO DO COUTO
OAB/RO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÔNIA 3ª VARA FEDERAL – CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES FINANCEIROS, LAVAGEM DE CAPITAIS E ORGANI…
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Potassio Do Brasil Ltda. x Conselho Indigena Mura
ID: 308080337
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1039810-91.2023.4.01.0000
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE GEBRAN BATOKI CHAD
OAB/SP XXXXXX
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RAIMUNDO GUARACY GUEDES MOTTA
OAB/AM XXXXXX
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IVAN DE SOUZA QUEIROZ
OAB/AM XXXXXX
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ISAEL FRANKLIN GONCALVES
OAB/AM XXXXXX
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LUIS INACIO LUCENA ADAMS
OAB/DF XXXXXX
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LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA
OAB/RJ XXXXXX
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CAROLINA MAR AZEVEDO
OAB/AM XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1039810-91.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: POTASSIO DO B…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1039810-91.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: POTASSIO DO BRASIL LTDA. REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA - RJ127346-A e LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A POLO PASSIVO:FUNDACAO NACIONAL DOS POVOS INDIGENAS - FUNAI e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ISAEL FRANKLIN GONCALVES - AM12054-A, IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297, RAIMUNDO GUARACY GUEDES MOTTA - AM4131-A e JOSE GEBRAN BATOKI CHAD - SP427778-A RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1039810-91.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Ao deferir a medida cautelar, adotei o seguinte relatório: "Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por POTÁSSIO DO BRASIL LTDA contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas nos autos da Ação Civil Pública n. 0019192-92.2016.4.01.3200, proposta pelo Ministério Público Federal contra a ora agravante e outros, e pela qual foram determinadas diversas medidas que, a critério do juízo prolator, demonstram-se necessárias para viabilizar a exploração dos recursos minerais de Potássio indicados pela empresa interessada e impugnados na Ação Civil Pública de origem, sob a argumentação de que não há licenciamento ambiental regular e que as populações indígenas potencialmente atingidas não foram regularmente consultadas. A agravante POTÁSSIO DO BRASIL LTDA sustenta estar há mais de 6 anos tentando comprovar a regularidade de seu empreendimento sob a alegação de que o este não incide sobre área indígena demarcada, estando prejudicada por entendimentos firmados em estudos realizados pelo corpo técnico do Ministério Público Federal relativo a suposta terra indígena que não estaria demarcada em razão de as áreas serem sujeitas a inundações e não permitirem uma efetiva delimitação em conformidade com a legislação brasileira para efeito de registro. Apresenta a cronologia da ação de origem, esclarecendo ter adotado medidas para a consulta dos povos indígenas que poderiam ser afetados, em que pese entenda que o empreendimento não se estende por áreas indígenas, nem provocará destruição da floresta em razão da exploração ocorrer a centenas de metros de profundidade, sendo resultado de seus rejeitos o sal de cozinha e areia, materiais que não produzem grande impacto ambiental e são estocados a seco, havendo a realocação da areia para o interior dos túneis de escavação quando se verificarem o esgotamento dos veios de exploração. Afirma que o empreendimento apresenta uma distância de 8 km da área indígena demarcada mais próxima, situação que não impediu que concordasse, em audiência de conciliação, pela realização de consulta prévia ao povo MURA, os indígenas que teriam direito à ocupação das terras com localização mais próxima ou sobreposta à área de exploração definida pelo DNPM (atual ANM), ressaltando que a consulta está em fase de conclusão, ficando seu resultado comprometido em razão da decisão impugnada, que se refere à ausência de manifestação do Congresso Nacional sobre a possibilidade de exploração de minerais na área em razão das comunidades indígenas envolvidas e da necessidade de participação do IBAMA na condução dos estudos de impacto ambiental em razão da magnitude das questões envolvidas, as quais suplantam a atribuição legal de licenciamento por parte do órgão ambiental do Estado do Amazonas. Rejeita a indicação de que seria necessária a intervenção do Congresso Nacional em face do art. 231 da Constituição, uma vez que não há terra indígena demarcada na área do projeto, respaldando-se para tal posicionamento, na Informação Técnica FUNAI n. 470/2022/SECART/COCART/CGGEO/DPT-FUNAI, da qual destaca: "(...) 1. A localização do referido empreendimento está sobreposta à área indígena? Se sim, qual etapa de demarcação em que a TI se encontra? Informamos que, a área industrial do Projeto Potássio Amazonas - Autazes encontra-se distante aproximadamente:1 km da terra indígena Jauary, com status de Delimitada e não homologada até a presente data, 7 km da terra indígena Paracuhuba, sob domínio da União conforme Decreto nº 310, de 29 de outubro de 1991 e 5 km da aldeia Soares. Informamos Ainda que o porto de Urucurituba do Projeto Potássio Amazonas - Autazes, encontra-se distante aproximadamente 13 km da terra indígena Paracuhuba, sob domínio da Unido conforme Decreto nº 310, de 29 de outubro de 1991.(...)" Informa ter sido reconhecido, no Pedido de Suspensão de Liminar - PSL n. 1038484-33.2022.4.01.0000, requerido pela UNIÃO, a possibilidade de prosseguimento do licenciamento ambiental e a expedição de licenças ambientais sem a necessidade de autorização judicial, afastando o que foi considerado como indevida interferência do Juízo Federal na esfera administrativa. Aponta ser a decisão extra petita, pois não há nos autos da Ação Civil Pública pedido ou menção à necessidade de intervenção do Congresso Nacional, notadamente em razão de não haver previsão de exploração de recursos minerais em área indígena. Assevera ser necessário afastar a suspensão do resultado da consulta ao Povo Mura e demais comunidades indígenas que o MPF indica como possivelmente impactadas pelo empreendimento (em conformidade com a Convenção 169 da OIT), uma vez que tal consulta decorre de acordo entre as partes, no qual ficou definido um prazo de 6 (seis) meses para a conclusão dos estudos, já tendo decorrido mais de 6 (seis) anos sem conclusão, não sendo razoável suspender ou desconsiderar todos os esforços já empreendidos. A despeito de todos os atos praticados, o MPF peticionou nos autos de origem requerendo a suspensão de todo e qualquer ato administrativo de licenciamento, inclusive a Consulta aos povos indígenas, indicando a necessidade de efetiva demarcação do território indígena e de ocupação por povos tradicionais denominada SOARES/URUCURITUBA, cujos estudos estão em fase de conclusão e denotam sobreposição direta sobre o perímetro da área a ser explorada no projeto Potássio Autazes, situação que reforçaria a pretensão de devido cumprimento das regras de proteção ambiental e legal relativa às populações indígenas e à necessidade de prévia autorização do Congresso Nacional para a exploração mineral em terras indígenas. Por fim, relata recear a prolação de sentença sem que seja cumprida a devida instrução do processo, podendo decorrer danos irreparáveis à agravante, pois o processo de licenciamento ambiental, que teve início perante o IPAAM, já tramita sem conclusão há mais de 14 (catorze) anos, sendo possível obrigar o empreendimento a retornar ao princípio, começando a tramitar praticamente do zero. Fundado em tal argumentação, requer: (...) a) seja o presente Agravo de Instrumento recebido, deferindo-lhe liminarmente, nos termos do art. 995 e inciso I do artigo 1.019 do CPC, o pedido de antecipação da tutela recursal, para suspender os efeitos da Decisão Agravada até julgamento final, de modo a vedar seja o processo sentenciado sem que seja considerado o resultado da consulta do Povo Mura de Autazes; que o resultado seja acolhido e acatado, afastando a suspensão imposta pela decisão agravada, além de permitir o prosseguimento do licenciamento ambiental pelo órgão estadual – IPAAM; b) seja determinada a intimação das partes Agravadas, consoante determina o inciso II do artigo 1.019; c) ao final, seja PROVIDO o presente agravo de instrumento, confirmando-se a tutela de urgência, no sentido de que seja reformada a decisão proferida, a fim de: c.1) determinar o regular prosseguimento do processo de licenciamento perante o IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão e para determinar a exclusão do IBAMA da lide, além da desnecessidade de autorização do Congresso Nacional; c.2) determinar o recebimento do resultado da Consulta ao Povo Mura de Autazes, que APROVOU a implantação e execução do Projeto Potássio Autazes nos dias 21 e 22/09/2023, assegurando e preservando o direito dos indígenas e de acatamento de suas decisões, observando-se ainda o princípio da duração razoável do processo". A medida cautelar foi deferida nos seguintes termos: "[a]nte o exposto, concedo parcialmente a liminar pleiteada para, consoante decidido no Pedido de Suspensão nº 1040729-80.2023.4.01.0000 pela Presidência do Tribunal, permitir o prosseguimento do licenciamento ambiental pelo órgão estadual - o INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS - IPAAM, até ulterior decisão". Apresentaram contrarrazões ao agravo de instrumento O MPF, a FUNAI (ID 417568983) e ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA - OLIMCV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES (ID 426894434). Aderiam às razões da PDB o CIM (ID 422070853) e o IPAAM (ID 422540353) O MPF interpôs agravo interno (ID 415749789). Apresentaram contrarrazões ao agravo interno do MPF a ANM (ID 418135769), o IBAMA (ID 418910544), a PDB (ID 420612895) e o IPAAM (ID 423537168). O MPB opinou pelo desprovimento do agravo de instrumento (ID 423800881). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1039810-91.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. II. A decisão agravada, no que interessa: "1. Em ID 1767795565 - Petição intercorrente , O Ministério Público Federal reitera pedido anterior formulado de suspensão de licenciamento do empreendimento, alegando e pleiteando que: i) Que, em consonância com recomendação da FUNAI seja suspenso todo e qualquer ato administrativo, licenciamento e, consequentemente, a respectiva consulta da Convenção 169 da OIT em relação a tais atos no âmbito do Projeto Potássio Autazes, que sejam sobrepostos ao território indígena Soares / Urucurituba, bem como que impactem potencialmente outros territórios indígenas e tradicionais, enquanto não finalizados os estudos e publicado o RCID referente ao território indígena Soares / Urucurituba (momento no qual haverá maior clareza sobre os locais de sobreposição e proibição de mineração, já que os elementos atuais demonstram sobreposição direta da pretensão de exploração com o território indígena); Tal suspensão, além do motivo territorial claro, da proibição constitucional, também se faz urgente considerando que as incertezas e pressões em relação ao empreendimento tem aumentado a insegurança, pressões e ameaças às lideranças Mura, cenário este que pode ser mitigado a partir da posição clara do Poder Judiciário sobre o tema. ii) Mesmo após tal suspensão judicial , em caso de eventual possibilidade de continuidade da consulta e do licenciamento do empreendimento sobre áreas não indígenas, que qualquer ato administrativo, licenciamento ou medida afim sobre o Projeto Potássio Autazes que impacte potencialmente território indígena ou tradicional seja licenciado pelo IBAMA e não pelo órgão estadual (IPAAM), conforme expressa disposição constitucional. 2. Em petição de ID 1761459580 - Petição intercorrente (Petição valores depositados completa), a empresa requerida reitera levantamento de valores. Defiro o pleito, devendo a secretaria adotar as providências. 3. Em ID 1737496073 - Manifestação (manifestação consulta), as organizações de direito privado CONSELHO INDÍGENA MURA – CIM, e ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA – OLIMCV, apresentam novo advogado, pleiteiam adiamento da inspeção judicial pautada anteriormente. 4. Passo a deliberar abaixo. 4.1. A presente ação civil pública foi ajuizada em 2016, apontando como causa pedir, em síntese, a ilegalidade de exploração mineral em terra indígena, cometimento de dano oral coletivo, má fé na cooptação de lideranças, moradores e servidores públicos, expedição irregular de licença prévia sem o ECI - estudo de componente indígena, ausência de consulta às comunidades afetadas, incompetência do IPAAM para expedir a licença ambiental e violação ao direito constitucional de usufruto exclusivo das terras indígenas. 4.2. Durante a tramitação do feito foram realizadas diversas audiências com tentativa de conciliação, tendo sido construído pelo Povo Mura o Protocolo de Consultas a ser aplicado em todos os casos de grandes empreendimentos que afetem seus direitos, suas terras, seu povo, sua cultura, tradição e ancestralidade. 4.3. Durante a tramitação do feito ocorreu a pandemia por COVID 19 e seu consequente estado de calamidade pública, com despachos proferidos nos presentes autos de suspensão de atos e de deslocamentos para evitar contaminações. 4.4. Foi realizada inspeção judicial em parte da área afetada, a Aldeia Soares e Urucurituba, que se encontra autodemarcada por seu Povo Mura mas até pouco tempo sem registro de atos procedimentais por parte da FUNAI para dar andamento ao procedimento formal de demarcação pelo poder público federal. 4.5. Por decisão desse juízo federal da 1a. Vara, foi determinada a constituição de Grupo de Trabalho para dar início aos procedimentos formais de demarcação da Aldeia Soares e Urucurituba, decisão essa cumprida recentemente e comunicada amplamente por parte da FUNAI, que em 3 de agosto de 2023 publicou a Portaria 741, assinada em 1.8.23, por meio da qual criou o grupo técnico para delimitar a terra Indígena Mura conhecida como Aldeia Soares e Urucurituba. 4.6. Cabe ao Congresso Nacional e não à Justiça Federal autorizar exploração mineral em Terra Indígena. De acordo com a Constituição Federal, atividades mineradoras só podem ser autorizadas em solo indígena mediante prévia autorização do Congresso Nacional, por decreto legislativo. Sem essa autorização, é nulo qualquer ato de licenciamento referente a exploração mineral que afete terras indígenas. 4.7. Também é necessária a Consulta aos Povos Indígenas afetados e a devida participação. Mas tudo somente a autorização do Congresso Nacional. Não há validade de um requisito sem outro. E por fim, o empreendimento autorizado pelo Congresso, consultado pelos povos afetados, necessita do licenciamento do órgão ambiental competente, que é o IBAMA. 4.8. Com a constituição do grupo técnico responsável para levantar dados, documentos e atos tendentes a delimitar a TI Aldeia Soares e Urucurituba, fica clara e de forma contundente a necessidade de cumprimento dos requisitos legais, constitucionais e convencionais (Conv. 169), dando-se concretude ao bloco de constitucionalidade. 4.9. É imperioso destacar que o cumprimento dos requisitos constantes do bloco de constitucionalidade não é faculdade do juízo, mas obrigação de cumprir as normas. 5. Os requisitos possuem om objetivo intrínseco, qual seja o de garantir os direitos constitucionais ambientais, dos povos indígenas e de todos os brasileiros. 6. Exploração mineral sem cumprimento de requisitos é sinônimo de tragédia ambiental, de alterações climáticas, destruição de biomas, poluição de recursos hídricos. 7. Esse entendimento acolhe os termos da Resolução 03/2021 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que dispõe sobre a Emergência Climática e o alcance das obrigações interamericanas em matéria de direitos humanos. 8. Consoante expresso na Resolução 03/2021, o nexo entre mudanças climáticas e direitos humanos é cada vez mais evidente e o seu reconhecimento a nível internacional atingiu níveis significativos de consenso, não só no regime jurídico que diz respeito às mudanças climáticas, mas também no regime internacional de direitos humanos. 9. Exatamente por meio da Resolução 03/21, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) assinalaram que as alterações climáticas afetam diretamente o direito a um meio ambiente saudável, direito que vem sendo reconhecido como um direito humano autônomo, previsto na jurisprudência dos órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Ressalto o Parecer Consultivo 23/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte I/A HR), que dispõe que a proteção deste direito não se destina apenas a proteger o interesse das pessoas na preservação dos ecossistemas, mas também visa a proteção da natureza e todos os seus componentes pelo seu valor intrínseco. Da mesma forma, A Comissão e a Corte Interamericanas entendem que a "jurisdição" a que se refere o artigo 1.1 da Convenção Americana contempla circunstâncias em que a conduta extraterritorial dos Estados constitui um exercício da jurisdição desse Estado. 10. Portanto, o licenciamento do Ibama e a autorização do Congresso Nacional se fazem essenciais para que toda a população brasileira tenha conhecimento de dados científicos referentes aos danos que por ventura venham a ser causados pelo grande empreendimento. 11. É preciso que o órgão ambiental competente, IBAMA, diga o estoque e densidade de carbono na área do empreendimento, o dano climático a curto, médio e longo prazo decorrente da exploração mineral que se pretende, a estimativa de quadro/ relatório/inventário de emissões de CO2 , a estimativa de degradação e consequentes emissões de gases com os rejeitos que devem parar no fundo da bacia amazônica, haja vista o ciclo das águas na região e a não construção de contenção de rejeitos, a estimativa de perda do estoque da fauna e da flora. 12. Essas informações compõe direito de todos os brasileiros e não pode o juízo federal substituir o órgão ambiental competente - o IBAMA- e criar um modelo matemático e estatístico de danos e recomposições sem os dados específicos. 13. Passados os anos de tramitação, os requisitos não foram preenchidos nem minimamente, de modo que não é do conhecimento do juízo o início do processo de licenciamento pelo IBAMA, o ECi - estudo de componente indígena, nem a autorização do congresso nacional. 14. Dessa forma, não se pode falar em prospecção, pesquisa ou exploração mineral, licença de instalação ou exploração e oferecimento de royalties, sem que o IBAMA inicie e conclua o procedimento de licenciamento referente ao grande empreendimento da requerida, e tudo com a devida autorização do Congresso Nacional. 15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente. 19. Intimem-se a todos os interessados para manifestações em dez dias, após o que poderá ser proferida sentença parcial ou total de mérito.(...)" III. Deferi parcialmente a medida cautelar com base nos seguintes fundamentos: "[d]a leitura da petição inicial da Ação Civil Pública (ID 296946097 - fls. 88-9 da rolagem única), constata-se que a reserva de Potássio em estudo, conforme afirmações em Reunião na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal, realizada em 2013, o Diretor de Geologia e Recursos Minerais da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e Serviço Geológico do Brasil aponta que a região da Bacia do Solimões é o local onde estão concentradas significativas porções de terras raras no Brasil, estando à época, grande parte da área com indicativo de possibilidade de extração de potássio, bloqueadas ou com requerimento de pesquisas junto ao DNPM. Na mesma reunião, o Secretário de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Estado do Amazonas informou que as reservas potenciais de potássio estendem-se do Estado do Amazonas ao Estado do Pará, envolvendo um total de 14 municípios interessados. Confira-se o trecho transcrito da manifestação (ID 296946097 - fls. 89 da RU): (...) ‘A realidade dessa reserva, que a gente coloca como a terceira, mas pode ser até a maior reserva de potássio do Planeta, é que se estende, Senadora Vanessa, desde Borba até o Estado do Pará, que pode seguir, se continuarmos o desenvolvimento, até Santarém. Quer dizer, é uma grande bacia de sal, com um potencial enorme, que só no Estado do Amazonas envolve um consórcio da ordem de 14 Municípios Interessados - alguns prefeitos estão aqui: Nova Olinda do Norte, Itacoatiara, Borba, Autazes, Silves, São Sebastião do Uatumã, Maués, Urucurituba, Urucará, Itapiranga, Barreirinha, Parintins, Boa Vista do Ramos e Nhamundá. (...) É fundado em tais indicações que o Ministério Público Federal aponta ser necessário reconhecer que os pedidos isolados de exploração mineral do potássio, na realidade, buscam implantar de maneira sucessiva um grande projeto de exploração mineral na bacia do Solimões, com a realização de estudos de impactos ambientais em áreas reduzidas, excluindo a possibilidade de abrangência regional e tornando possível a ampla extração mineral sem a necessidade de licenciamento ambiental de grande porte e escapando da avaliação de possível produção de impactos ambientais e sociais diretos e indiretos sobre comunidades indígenas e tradicionais localizadas nos inúmeros municípios que podem ser beneficiários dos processos de exploração do potássio. Nessa perspectiva é que se fundamenta o pedido de que o licenciamento ambiental seja realizado pelo IBAMA e que a FUNAI cumpra seu papel de diagnóstico e homologação de áreas indígenas que, segundo demonstram estudos da área técnica do MPF, estariam localizadas em áreas dos projetos de exploração. Esclarece o MPF que a área de exploração, em que pese a indicação inicial do projeto, é passível de ampliação, casos em que poderá atingir o perímetro das áreas indígenas sem que exista autorização para tanto e possibilitando a produção de danos diretos às terras indígenas. Na tramitação da ACP, é possível verificar a interposição de mais de 10 agravos de instrumento contra decisões interlocutórias por parte dos diversos participantes da ação. Há impugnação à determinação de estudos do componente indígena e de rejeição do IBAMA em relação à sua legitimidade para a produção dos estudos de impacto ambiental para a produção do cabível relatório técnico; também há o interesse da titular do projeto de exploração no sentido de que seja validada a Licença Prévia n. 54/2015 do IPAAM, ao fundamento de que não se verifica sobreposição a área indígena nem impacto que ultrapasse o âmbito do Estado do Amazonas. Por sua vez, a UNIÃO apresentou manifestação no sentido de que o Projeto Autazes, conduzido pela empresa Potássio do Brasil é de relevante importância estratégica para o Brasil, podendo atender cerca de 25% do consumo nacional de Potássio, insumo essencial na produção de fertilizantes necessários à agricultura nacional. Reconhece, por outro lado, ser necessária a observância à legislação aplicável, em especial, o respeito à legislação ambiental e aos povos indígenas que podem ser impactados pelo empreendimento, em especial, o povo indígena MURA. Com respaldo em tais considerações, formulou ao juízo os seguintes requerimentos (ID 970676234 dos autos de origem): (...) (a) decidir, com a brevidade necessária, o órgão competente para o licenciamento ambiental do projeto, pugnando-se, desde logo, pelo reconhecimento da competência do IPAAM, tendo em vista se tratar de matéria de cunho exclusivamente jurídico; (b) dispensar a realização da inspeção judicial ou, caso entenda ser ela necessária, fixar data próxima para sua realização; (c) liberar, de imediato, os valores depositados pela PDB em favor dos legítimos representantes do povo indígena Mura; e (d) anuir com a retomada do processo de licenciamento ambiental, tendo em vista o transcurso do prazo de suspensão de 6 (seis) meses e a adoção de várias providências relativas ao procedimento de consulta prévia nos termos da Convenção OIT 169.(...) Após a referida manifestação e a regular tramitação processual, em janeiro de 2023, em razão da mudança de comando no Poder Executivo Federal, foram fixados pontos que o juízo reputou controvertidos, determinando a intimação das partes indicadas para apresentar manifestação. A referida decisão, no que interessa, está assim redigida (ID 352851663 destes autos): (...) 6. Em razão da mudança de titularidade do executivo federal, de seus Ministérios, Autarquias e Fundações públicas federais, há necessidade urgente do juízo federal identificar se permanecem ou não os pontos controvertidos para fins de saneamento do feito, razão pela qual determino sejam intimadas todas as partes a fim de que se manifestem a respeito do estado em que se encontram os autos, conforme as teses abaixo colhidas dos autos: a. O juízo já manifestou entendimento segundo o qual grandes empreendimentos que afetem Terras Indígenas (demarcadas e em procedimento de demarcação) devem ser alvo de procedimento de licenciamento pelo IBAMA, conforme os precedentes do TRF1, STJ e STF, bem como devem ser consultados os povos indígenas afetados; b. O protocolo de consulta referente ao Povo Indígena afetado (Povo Mura) já foi construído e elaborado a partir de audiência de conciliação nos autos, respeitando-se integralmente a Convenção 169 da OIT, bem como as normas inseridas na Constituição da República Federativa do Brasil; c. A título de pontos controvertidos, houve, nos últimos cinco (05) anos, a negativa do IBAMA em licenciar o empreendimento. Houve também a compra e venda de lotes em terra indígena Mura pela empresa Requerida, Potássio do Brasil. Ainda, houve a negativa da FUNAI em dar continuidade ao procedimento de demarcação da Aldeia Soares, inclusive com recurso de Agravo perante o TRF1, que houve por bem suspender a decisão judicial nesse sentido, em processo conexo com o presente (PJe Proc. No. 1015595-88.2022.4.01.3200). 7. Dessa forma, para o saneamento do feito, intimem-se todas as partes para que informem ao juízo se persistem os mesmos pontos controvertidos. a. Primeiramente devem ser intimados a União, o IBAMA e a FUNAI e a ANM. Em seguida, a empresa ré e a parte autora (MPF). b. Prazo para manifestação: 15 – quinze dias.(...) Oportuno anotar que ao examinar o Agravo de Instrumento n. 1011342-54.2022.4.01.0000, o Desembargador Jamil Rosa de Jesus deferiu parcialmente o pedido formulado pelo IBAMA, determinando ao juízo que examinasse, fundamentadamente, a legitimidade da autarquia para conduzir o licenciamento ambiental. Em seu exame, a magistrada indica como respaldo à fixação da competência, os riscos do empreendimento para as comunidades indígenas vizinhas ao projeto, sem prejuízo dos significativos impactos que projetos de extração mineral como o discutido, podem ocasionar à fauna e à flora do local. Inconformado, o IBAMA interpôs o Agravo de Instrumento n. 1012591-06.2023.4.01.0000, ainda pendente de exame, no qual é impugnada a fixação de competência da autarquia para o licenciamento ambiental do empreendimento, sustentando não ser possível enquadrar o projeto em nenhuma das hipóteses que fixam a competência federal para o licenciamento ambiental segundo a previsão da Lei Complementar n. 140/2011. Posteriormente, foi protocolado o pedido de suspensão de todo e qualquer ato administrativo destinado ao licenciamento do empreendimento, assim como a consulta às populações previstas na Convenção 169 da OIT, pretensão que se funda na manifestação da FUNAI sobre os estudos de delimitação do território Indígena SOARES/URUCUTITUBA, a qual foi acolhida pelo juízo federal com o acréscimo de que em razão da efetiva possibilidade de sobreposição da área de extração do potássio com terras indígenas que estão em processo de delimitação, exige a expressa manifestação do Congresso Nacional em cumprimento ao art. 231 da Constituição. Ressalta que sem tal providência e a efetiva consulta aos povos afetados, todo o processamento será nulo, sem prejuízo de todo o risco de dano ambiental, destruição de biomas e poluição de recurso hídricos, acrescentando ser essenciais o licenciamento ambiental pelo IBAMA e a autorização do Congresso Nacional para exploração de recursos minerais em terras indígenas. Conclui afirmando que "Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente". Sobre a questão indígena, é relevante observar que as demarcações têm natureza declaratória, não havendo falar em superposição superveniente em relação à terra indígena que está em processo de demarcação e que enseja a sobreposição em relação a parte da área do projeto de exploração de potássio na região de Autazes. Nesse sentido, a natureza declaratória da demarcação de terras indígenas, confira-se posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO BUSCANDO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE PORTARIA DE DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. RECURSO PROVIDO. 1. Hipótese na qual se busca, mediante ação ajuizada em 16 de setembro de 2004, a nulidade da Portaria Ministerial 793/94, publicada no DOU de 20 de outubro de 1994, expedida pelo Ministro de Estado da Justiça, pela qual declarou de posse permanente indígena, para efeito de demarcação, terras situadas no Estado de Santa Catarina (Área Indígena Pinhal), caracterizadas como de ocupação tradicional e permanente indígena, nos termos dos arts. 231, da CF/88, e 17 da Lei 6.001/73. Importante registrar que, em consequência da referida demarcação, a parte autora recebeu a devida indenização pelas benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (art. 231, § 6º, da CF/88). 2. O Tribunal de origem afastou a prescrição da ação, decretada pelo magistrado de primeiro grau de jurisdição, sob o fundamento de que a criação da reserva indígena, por criar restrições ao uso da propriedade, deve ser comparada à desapropriação indireta, cuja ação, de natureza real, está sujeita ao prazo prescricional vintenário. 3. O procedimento de demarcação de terras indígenas não pode ser comparado ao apossamento administrativo - também chamado de desapropriação indireta -, caracterizado como verdadeiro esbulho possessório, sem a necessária garantia do contraditório e do devido processo legal. 4. A demarcação de terras indígenas é precedida de processo administrativo, por intermédio do qual são realizados diversos estudos de natureza etno-histórica, antropológica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, necessários à comprovação de que a área a ser demarcada constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. 5. Ademais, o particular que eventualmente esteja na posse da área a ser demarcada, segundo o disposto no § 8º do art. 2º do Decreto 1.775/96, tem a possibilidade de se manifestar, apresentando à FUNAI razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de identificação e delimitação da área a ser demarcada. 6. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios não perdem essa característica por ainda não terem sido demarcadas, na medida em que a demarcação tem efeito meramente declaratório. Assim entendido, não se pode falar em perda ou restrição da propriedade por parte de quem nunca a teve. 7. Não se tratando, portanto, de apossamento administrativo, incide, no caso, a norma contida no art. 1º do Decreto 20.910/32, a qual dispõe que "todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem". 8. Recurso especial provido, para extinguir o processo, com resolução de mérito, com fundamento no art. 269, IV, do Código de Processo Civil, por estar configurada a prescrição da ação. (REsp n. 1.097.980/SC, relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 3/3/2009, DJe de 1/4/2009.) Prestados os esclarecimentos acima, passa-se ao exame específico do exame dos pedidos liminares formulados neste curso. Não há fundamento para que este Tribunal impeça o juízo de examinar o processo, inclusive, sentenciando o feito, pois o referido ato é privativo do magistrado que conduz o processo e, por previsão legal e constitucional, está afeto às regras vigentes e à sua consciência para solucionar a demanda que lhe é apresentada, constituindo direito das partes a interposição dos recursos previstos na legislação processual. Da mesma forma, não se pode presumir que qualquer documento de prova será desconsiderado, tampouco é possível impor previamente ao Juízo de origem determinada valoração sobre elementos probatórios produzidos durante a instrução. Mais uma vez, a magistrada que conduz o processo está afeta às regras legais para solucionar a lide e as partes poderão se insurgir contra a sentença por meio dos recursos legalmente estabelecidos. Por fim, em relação à pretensão de que o prosseguimento do licenciamento ambiental seja feito pelo órgão estadual - o INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS - IPAAM, observo que mediante decisão tomada nos autos do Pedido de Suspensão nº 1040729-80.2023.4.01.0000, o Desembargador Vice-Presidente do TRF da 1ª Região, Marcos Augusto de Sousa, no exercício da Presidência, deferiu pedido formulado pelo referido órgão para suspender a decisão agravada. O referido magistrado entendeu não incidir à espécie o inciso XIV do art. 7º da Lei Complementar 140/2011 e sim o art. 8º da referida norma, uma vez que "não [houve] demonstração de que a área em que se situa o projeto Autazes esteja localizada em terras indígenas". Sendo assim, concluiu ser a competência para a emissão de licenciamento ambiental a prevista no art. 8º da referida norma legal, inserida no poder administrativo dos estados. Essa decisão produz efeitos até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, por força de previsão legal e por assim constar da decisão, salvo se for reformada pela Corte Especial do Tribunal. Logo, num juízo de cognição sumária, merece ser suspenso, no ponto, também por meio da presente via recursal, esse trecho da decisão, assegurando o regular exercício dos poderes do órgão administrativo estadual, sobretudo porque o próprio IBAMA reconhece expressamente ser hipótese de competência do órgão ambiental estadual para o licenciamento". III. Este agravo foi protocolado pela Potássio do Brasil LTDA. e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1037175-40.2023.4.01.0000, protocolado pelo Conselho Indígena Mura – CIM. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1043035-22.2023.4.01.0000, protocolado pela União. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, a fim de "determinar o regular prosseguimento do processo de licenciamento perante o IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão e para determinar a exclusão do IBAMA da lide, além da desnecessidade de autorização do Congresso Nacional" e determinar o "o recebimento do resultado da Consulta ao Povo Mura de Autazes, que APROVOU a implantação e execução do Projeto Potássio Autazes nos dias 21 e 22/09/2023, assegurando e preservando o direito dos indígenas e de acatamento de suas decisões, observando-se ainda o princípio da duração razoável do processo". III.a. A relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira. IV.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios". IV.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciálo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequência lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. Processo de consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presesente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plentamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF , na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aciete no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): Além disso, é importante destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judical constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Em anexo, foi apresentado o Relatório das Lideranças Mura de Autazes (id. 1829380154): Não houve juntada de documento de aprovação ou de reprovação do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso porque, pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Por fim, também é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha". Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão. V.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Importante destacar que, quanto ao último ponto supracitado, este Tribunal já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) VI. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que há omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena , mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A duas, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (ID 1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos: A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. IV. Conclusão Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) considerar válida a consulta realizada; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. Agravo interno prejudicado. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588 [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1039810-91.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição dos agravos de instrumento em apreço. De início, registro que o presente voto-vista abarca as discussões trazidas nos agravos de instrumento nº 1042776-27.2023.4.01.000 (interposto pelo Ibama), 1043035-22.2023.4.01.0000 (manejado pela União) e 1039810-91.2023.4.01.0000 (interposto por Potássio do Brasil Ltda.), todos voltados à suspensão dos efeitos da mesma decisão proferida pelo juízo agravado em 25/08/2023. No agravo de instrumento 1042776-27.2023.4.01.000 o Ibama alega, em resumo, não possuir competência para analisar o processo de licenciamento ambiental vinculado ao empreendimento em discussão nos autos principais, aduzindo ainda que “tanto a causa de pedir como o pedido possuem objetos claros e específicos, quais sejam, atacar licenças emitidas no licenciamento ambiental que estariam inquinadas de nulidade pela falta de oitiva livre, prévia e informada das comunidades indígenas afetadas, com consectária condenação em indenização por danos morais coletivos”, de modo que a decisão agravada teria se excedido ao inovar na lide com o reconhecimento de sua competência para o licenciamento. No agravo nº 1043035-22.2023.4.01.0000, a União questiona inicialmente a prolação de uma decisão em caráter reiterativo de comando anterior, por constituir violação ao art. 505, do CPC. Afirma também que a decisão agravada “aduziu novos argumentos impeditivos/condicionantes do licenciamento debatido”, concluindo que esse comando “prejudicou a devida compreensão dos integrantes da relação processual” acerca das medidas a serem realizadas pela Administração. Segue dizendo que a decisão agravada “aparentemente estaria proibindo a concessão de título minerário ou estabelecendo que o juízo não irá permitir mineração na aldeia Soares sem autorização do Congresso Nacional” e que, ao assim estabelecer, desconsiderou a decisão proferida nos autos da SLS nº 1038484-33.2022.4.01.0000, nos quais foi suspensa a decisão “que havia vedado a emissão de qualquer licença sem autorização judicial”. Por fim, no agravo de instrumento nº 1039810-91.2023.4.01.0000 a empresa Potássio do Brasil Ltda. sustenta não haver competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento discutido, por estar situado fora de área indígena, pertencendo ao IPAAM essa atribuição para o licenciamento do Projeto Potássio Autazes. Discorda também da compreensão de que haveria necessidade de autorização do Congresso Nacional para a implementação do empreendimento, pela mesma razão de não estar inserido em terras indígenas. A empresa recorrente também defende a legitimidade da consulta prévia realizada ao Povo Mura, para tanto ressaltando a realização de assembléia nos dias 21 e 22/09/2023, da qual teriam participado 34 das 36 aldeias de Autazes, “havendo APROVAÇÃO do Projeto Potássio Autazes pelos indígenas”. Esclarecidas as controvérsias devolvidas a esta Corte, anoto inicialmente que no julgamento do AI 1037175-40.2023.4.01.0000 esta Turma decidiu pela ausência de perda de seu objeto como consequência da prolação de comando posterior tratando de alguns dos temas decididos na decisão agravada (a mesma a que se referem os recursos em exame). Por essa razão, deixo de mais uma vez me manifestar sobre a perda do objeto também das insurgências ora analisadas. Quanto ao mais, tomo como essencial, à partida, a fixação dos pontos que são incontroversos nos autos principais a que os agravos em apreço se vinculam, isso porque o reconhecimento desse contexto (de concordância quanto a determinadas questões) reforça a formação de meu convencimento. Em primeiro lugar, é fato incontroverso que a eventual implementação do Projeto Potássio Autazes repercutirá em terras indígenas ocupadas pelo Povo Mura, tanto assim que, com o objetivo de se assegurar a regularidade do mencionado empreendimento, foi levado a efeito procedimento de consulta prévia – que também tem sua validade discutida – aos indígenas que seriam afetados. Observe-se, nesse sentido, que o próprio Relator reconhece a existência da repercussão sobre as comunidades indígenas (ainda que questione a caracterização como tal de parte das que assim consideradas pelo juízo a quo), vindo a concluir pela desnecessidade de autorização do Congresso Nacional e da atuação licenciadora do Ibama sob a premissa de que as atividades a serem desenvolvidas não ocorrerão no interior de terras indígenas, considerando assim tratar-se de repercussão que apenas indiretamente sobre elas recairia. É ainda incontroverso que o empreendimento em discussão tem o potencial de afetar diversas aldeias do Povo Mura, consoante implicitamente reconhecido pela própria agravante Potássio do Brasil ao defender, em sua insurgência, a validade da consulta prévia realizada, fazendo-o sob o fundamento de que a assembleia realizada no âmbito da mencionada consulta prévia teria contado com a participação de 34 das 36 aldeias do Povo Mura. O que se tem, portanto, é que não há necessidade de revolvimento fático-probatório para a constatação de que o empreendimento em debate, caso implementado, produzirá efeitos em terras indígenas e que essa repercussão não será confinada a uma ou outra aldeia, senão a várias delas. Diante desses fatos, repita-se, incontroversos, tenho como evidente a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a autorização da exploração minerária debatida na ação principal. Nesse sentido, a questão central para a análise desse ponto reside na definição do critério hermenêutico mais adequado para as disposições presentes no art. 231, § 3º, da Constituição Federal[1], tendo o Exmo. Relator entendido pela interpretação literal do referido dispositivo, para assim decidir no sentido de que apenas as atividades ali descritas que desenvolvidas no interior de terras indígenas é que desafiaram a autorização legislativa nele prevista. Com a devida vênia, entendo não ser essa a interpretação mais adequada, e assim concluo devidamente respaldada pelas emblemáticas manifestações do STF no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 e no RE 1379751, no sentido de que, em situações como a que nos agravos em apreço verificadas, a posição pela desnecessidade da mencionada autorização legislativa viola o art. 231, caput, e § 3º, da Constituição Federal. Na mesma linha, e também lastreada na ratio decidendi presente nas decisões em comento, bem assim no art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, entendo ser do Ibama a competência para o licenciamento ambiental, sendo tal atribuição ainda realçada pelas claras disposições contidas na Portaria Interministerial nº 60/2015, norma que o Ibama, com sua estranha recusa em assumir o múnus que lhe pertence, implicitamente se recusa dar cumprimento. Passo a explicitar as razões que justificam as conclusões acima adiantadas. Do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 (RE1017365) e do do RE 1379751 (Ag. Reg. nos terceiros Embargos de Declaração) No paradigmático julgamento da questão relativa ao marco temporal para a demarcação das terras indígenas, o pleno do STF consignou o caráter declaratório do processo respectivo, nos termos do voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, em relação ao qual, quanto ao mérito, houve apenas uma divergência (Min. Kássio Nunes Marques)[1]. Nesse sentido, a pedra de toque para a construção das teses fixadas no referido julgamento foi expressamente anunciada no cabeçalho da respectiva ementa, consistindo na definição das “POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA”. Já no corpo da ementa assentou-se que (destaquei): “4. Ao reconhecer aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos povos indígenas direitos fundamentais, com as consequentes garantias inerentes à sua proteção, quais sejam, consistir em cláusulas pétreas, anteparo em face de maiorias eventuais, interpretação extensiva e vedação ao retrocesso.” Tratando do tema em seu voto vencedor, o Ministro Edson Fachin expressamente consignou (destaquei): “Finalmente, em consonância com o entendimento acima manifestado, entendo que, por se tratar de direito fundamental, a interpretação adequada à aplicação do artigo 231 deve levar em consideração o princípio da máxima eficácia das normas constitucionais, pois se nos termos do artigo 5º, §2º do texto constitucional, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, faz-se necessário manter coerência com uma hermenêutica que cumpra os objetivos da Constituição.” Também acerca do critério mais adequado de interpretação do art. 231 da Constituição, o Ministro Luiz Fux traz como suporte de seu posicionamento – concorde com o voto do Relator – os ensinamentos de Pontes de Miranda, indicativos de que a interpretação finalística do art. 231 da CF/88 confirma linha hermenêutica que já era observada desde a Constituição de 1946. A Ministra Rosa Weber igualmente reconheceu a prevalência do critério finalístico ou prático na interpretação do art. 231, § 1º, da CF/88: “Ao delimitar dessa forma o conjunto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, o art. 231, § 1º, da Lei Maior adota critério que pode ser considerado finalístico ou prático...” (...) “Os direitos dos povos indígenas às terras por eles tradicionalmente ocupadas traduzem, sobretudo, direitos fundamentais. Não é demais lembrar, portanto, que, diante de norma constitucional assim qualificada, exorta a doutrina se evite “método interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo, a máxima eficácia possível dos direitos fundamentais.” Observa Jorge Miranda que “a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação...”. É certo que o Tema 1.031 de Repercussão Geral trata de questão disciplinada por dispositivo distinto do que ora analisado. Todavia, o reconhecimento da coerência sistêmica presente no texto constitucional revela o despropósito na adoção de critérios hermenêuticos distintos para dispositivos presentes no mesmo artigo (231) da Constituição, em um contexto no qual ambos veiculam normas de conteúdo protetivo em favor de seus beneficiários. A também repelir qualquer possibilidade de utilização de critérios díspares na interpretação do art. 231 e seus incisos, o próprio STF deliberou de forma expressa acerca da necessidade de interpretação finalística do § 3º desse dispositivo. Tal manifestação, com efeito, teve lugar no julgamento do RE 1379751, que tem como pano de fundo o exame da constitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, mediante o qual o Congresso Nacional autorizou o aproveitamento dos recursos hídricos de terras indígenas que seriam afetadas pela Usina de Belo Monte. Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o acerto do acórdão proferido por este TRF1 acerca da inconstitucionalidade do mencionado ato normativo, porquanto editado antes da imprescindível consulta (prévia) aos povos indígenas interessados. Registre-se, por importante, que a Corte Suprema veio concluir pela inviabilidade da anulação do licenciamento ambiental irregularmente concedido – diante da ausência de consulta prévia oportunamente instaurada – unicamente por conta do cenário fático divisado à época do julgamento da causa, no qual a Usina de Belo Monte já se encontrava em pleno funcionamento. Assim – é importante que seja esclarecido –, o STF deixou de anular Decreto Legislativo 788/2005 e o licenciamento ambiental na hipótese então examinada tão somente em razão da consolidação fática verificada, é dizer, apenas porque os prejuízos advindos da suspensão das atividades já iniciadas da Usina de Belo Monte traria prejuízos maiores do que os ganhos que seriam proporcionados. Feito este registro, passo aos termos do julgado proferido pelo STF, de logo pontuando a irrelevância atribuída pelo Tribunal Constitucional ao fato de a Usina de Belo Monte não ter sido construída dentro de terras indígenas, para fins de reconhecimento da obrigatoriedade de aplicação do art. 231, § 3º, da Constituição Federal. Lapidar e esclarecedora, nesse sentido, a seguinte passagem da decisão do Ministro Alexandre de Moraes que veio a ser confirmada à unanimidade pela Primeira Turma (destaquei): “Destaco, ainda, que não se sustenta o argumento do IBAMA, igualmente sustentado pela UNIÃO, de que o empreendimento não se localiza em terras indígenas, pois, conforme muito bem destacado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mostra-se inegável que, embora o empreendimento em si não esteja totalmente localizado em áreas indígenas, os seus impactos os quais abrangem área muito superior à do próprio empreendimento indiscutivelmente abrangeram terras indígenas.” E de forma ainda mais enfática o Relator prosseguiu (destaquei): “Além disso, uma interpretação sistemática e finalística do art. 231, § 3º, da Constituição Federal não impõe como requisito que o empreendimento propriamente dito esteja situado em terras indígenas, mas apenas que estas terras venham a ser efetivamente por ele afetadas. Do contrário, caso o referido dispositivo constitucional seja interpretado de forma literal e restritiva, como proposto pelos recorrentes, admitir-se-ia o absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” Como bem se vê, a decisão monocrática reiterada no voto condutor do julgamento do agravo interno tomou como absurda, nas palavras do Relator, qualquer interpretação que constringisse o sentido finalístico da norma constitucional examinada. Na mesma oportunidade, o Ministro Alexandre de Moraes também perfilhou expressamente o substancioso parecer do MPF, este que pode ser condensado nas seguintes passagens (destaquei): "Nenhuma norma jurídica existe isoladamente por si mesma. Ela deve ser entendida como elemento parcial de uma ordem jurídica geral", nota Rüthers. Cuida-se então de pesquisar o sentido dos diversos níveis contextuais onde inserido o art. 231. [...] Daí o sentido imputado aos réus ao art. 231, § 3º, não se ajustar ao restante da Constituição. Na verdade, agride os objetivos fundamentais da República. A necessidade de se colher a autorização protetiva do Congresso Nacional apenas para obras no interior de terras indígenas exporia um grupo social definido por sua raça a ter revogada sua concepção milenar de bem comum por decisão executiva. Para tanto, basta que efeitos igualmente devastadores das terras indígenas sejam provocados por causa contígua às reservas. [...]” E em mais uma oportunidade o posicionamento firmado na decisão chancelada pelo órgão fracionário do STF foi registrado nos seguintes termos: “Não há dúvida de que o Congresso Nacional, ao editar o famigerado Decreto Legislativo 788/2005, assim o fez com um insanável vício material desse decreto, porque não havia elementos de consulta para poder editar a autorização. E a Constituição Federal, no seu art. 231, § 3º, quando determina a competência do Congresso Nacional para autorizar qualquer empreendimento em terras indígenas, só poderá fazê-lo ouvidas as comunidades afetadas, antes, a fim de que lhe seja assegurada, inclusive, a participação nos lucros do empreendimento. Ora, a interpretação aqui tem que ser sistêmica e não meramente literal, como fizera o douto voto condutor do acórdão embargado. E, para que o Congresso Nacional possa se desincumbir da sua missão constitucional autorizativa desse empreendimento, através do pré-falado Decreto Legislativo, teria necessariamente que se realizar antes o estudo prévio de impacto ambiental com o seu relatório conclusivo, nos termos da Resolução 1-CONAMA, de 23/1/86, que assim determina em seu art. 6º: (destaquei) É de clareza solar, portanto, o posicionamento do STF no sentido de ser incompatível com o ordenamento constitucional sistemicamente valorado aquilo que se mostraria como uma interpretação mutilada do § 3º do art. 231 da Constituição Federal. Diante do exposto, o reconhecimento sobre a inexistência de controvérsia quanto à afetação de terras indígenas pelo empreendimento na espécie debatido reforça a necessidade de aplicação da ratio decidendi fixada pelo STF nos precedentes invocados, ante a evidente constatação de que esse tribunal superior valorou, como não poderia deixar de ser, o conteúdo finalístico do art. 231, § 3º, da Constituição Federal. A propósito, embora não tenha havido menção expressa no julgamento do RE 1379751, a linha hermenêutica nele sufragada também encontra respaldo no princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, segundo o qual a interpretação constitucional, nomeadamente no que se refere às normas protetivas de direitos, não deve ser reduzida pela literalidade do texto analisado, sendo imperiosa a valoração de seu contexto, finalidade e dos valores nela implícitos. Cuida-se, com efeito, de axioma pacífico, o de que a norma constitucional deve ser interpretada com o sentido que lhe confira maior eficácia. De igual modo, as normas de caráter protetivo devem atender aos fins sociais a que se destinam, daí porque hão de ser interpretadas e aplicadas com base nessa exata perspectiva. Trata-se, a propósito, de premissa que substancia os princípios in dubio pro reo, in dubio pro misero, in dubio pro natura e in dubio pro persona, este último com sua relevância no contexto da proteção conferida pelo Direito Internacional aos Direitos Humanos. Na espécie, cuidando-se de interpretação relativa a normas protetivas dos povos indígenas, teria lugar o que poderia ser concebido como um princípio in dubio pro indigna (aplicável, ressalve-se, como critério hermenêutico de normas dessa específica natureza protetiva). Além do julgamento do RE 1379751, é oportuno registrar a decisão proferida pelo Ministro Flávio Dino em 11/03/2025 em sede de medida cautelar no Mandado de Injunção nº 7490, no qual se discute a existência de omissão legislativa na regulamentação dos arts. 176, §1º, e 231, §§ 3º e 6º, da Constituição Federal. Na referida decisão, a interpretação finalística das disposições presentes no art. 231 da Constituição Federal foi mais uma vez a mola propulsora da conclusão externada, senão, vejamos (destaques em negrito acrescidos): “45. Acerca da participação nos resultados (art. 231, §3º), em que pese a literalidade do texto constitucional restringir-se à participação dos resultados da lavra, a interpretação que mais se coaduna com a proteção integral dos direitos e garantia da dignidade aos povos indígenas é a que também assegura o direito à participação nos resultados do aproveitamento dos recursos hídricos e dos potenciais energéticos, inclusive à vista do caráter amplo do art. 176, § 1º, CF. (...) 51. À vista das normas jurídicas citadas - Constituição Federal e legislação internacional - e de tudo o quanto já foi decidido pelo STF no RE 1379751, não restam dúvidas de que os povos indígenas são titulares do direito à participação nos resultados da exploração de recursos hídricos e da lavra de minerais que ocorram ou repercutam diretamente em suas terras.” Ainda para demonstrar a pertinência da aplicação das premissas fixadas pelo STF no RE 1379751 – apesar de a esta altura já se mostrar tautológica essa argumentação –, cabe trazer à baila o contexto no qual veio a ser editado o Decreto Legislativo nº 788/2005, ato que em sua essência foi considerado nulo pelo STF, mas que foi juridicamente preservado apenas em razão dos graves prejuízos que, àquela altura, resultariam de sua anulação. Nesse sentido, diante da evidente repercussão que as atividades da Usina de Belo Monte provocaria em terras indígenas, conquanto o empreendimento não tivesse sido construído em seu interior, este Tribunal Regional Federal negou provimento a agravo de instrumento interposto pela União contra decisão pela qual havia sido sustada a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para implantação, no Rio Xingu, da referida usina hidrelétrica. No julgamento do mencionado agravo (Nº 2001.01.00.030607-5/PA), esta Sexta Turma a um só tempo consignou a necessidade de avaliação, a cargo do Ibama, sobre o impacto ambiental potencialmente resultante do empreendimento, bem assim a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a sua implementação, e isso não pelo fato de que ele estaria sediado dentro de terras indígenas, mas pela suficiente razão de que nelas repercutiria. Confira-se, a propósito, a seguinte passagem do voto condutor do julgado então Juiz Federal e agora Desembargador Alexandre Vasconcelos: “ Impende ressaltar, outrossim, ter o autor-agravado informado a existência de várias áreas de terras indígenas na região atravessada pelo Rio Xingu, impondo-se a conclusão preliminar de que a construção da usina hidrelétrica influirá no volume de água do rio, afetando as aludidas reservas. Desse modo, em face da qualidade do bem afetado e da dimensão do impacto ambiental, bem assim ante a possibilidade de o empreendimento atingir reservas indígenas, conclui-se ser imprescindível a intervenção do IBAMA — órgão executor que integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) —, em todas as etapas, inclusive naquelas que antecedem o empreendimento. In casu, portanto, a atuação da autarquia federal não haverá de ser supletiva.” Note-se, portanto, que esta Turma considerou como causa suficiente para a avaliação do DL 788/2005 e da necessidade de atuação do Ibama na hipótese então em apreço o fato de que o empreendimento “afetaria” e “atingiria” terras indígenas. Inconformada com o referido julgado, a União e a Eletronorte apresentaram, sem êxito, a Pet 2604, cuja pretensão de suspensão dos efeitos do acórdão deste Regional veio a ser indeferida pelo então Ministro Marco Aurélio, o que foi feito inclusive com valoração – e rejeição – dos argumentos de que a Usina não afetaria diretamente terras indígenas. De modo que em momento posterior à prolação das mencionadas decisões judiciais o Congresso Nacional veio a editar o controverso Decreto Legislativo nº 788/2005, este que possui a seguinte dicção (destaquei): Art. 1º É autorizado o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu, denominado "Volta Grande do Xingu", localizado no Estado do Pará, a ser desenvolvido após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessários. Art. 2º Os estudos referidos no art. 1º deste Decreto Legislativo deverão abranger, dentre outros, os seguintes: (...) IV - estudo de natureza antropológica, atinente às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do empreendimento, devendo, nos termos do § 3º do art. 231 da Constituição Federal, ser ouvidas as comunidades afetadas. Pois bem, ainda que abstratamente invalidado pelo STF em razão de ter autorizado os procedimentos inerentes ao aproveitamento hídrico de Belo Monte antes da realização de consulta prévia às comunidades afetadas, o mencionado ato legislativo traz em seu conteúdo a expressa consignação de que a autorização nele concedida teve como premissa a repercussão causada nas comunidades indígenas localizadas “na área sob influência” do empreendimento, adotando, portanto, o mesmo critério finalístico do art. 231, §3º, da Constituição Federal. Assim, por qualquer ângulo que se examine a questão, a única interpretação que se mostra compatível com a finalidade presente nas disposições do dispositivo apontado é a de que a autorização do Congresso Nacional será imprescindível sempre que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais causar impacto relevante em terras indígenas, sendo a toda prova desnecessária a demonstração de que as atividades em questão sejam desenvolvidas no interior destas. No caso concreto, como inclusive registrado no voto do Exmo. Relator, não há dúvidas quanto à envergadura (e a relevância) do Projeto Potássio Autazes, sendo igualmente incontroverso o fato de que ele repercutirá em diversas aldeias indígenas, daí porque, em respeito ao que foi estatuído pelo STF no julgamento definitivo do RE 1379751, na decisão proferida na Pet. 2604, bem assim no precedente acima mencionado desta mesma Sexta Turma, a decisão agravada deve ser mantida no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional. Além do julgado desta Turma acima referido, este tribunal também se pronunciou em outras oportunidades sobre a questão ora examinada. Exemplificadamente, no julgamento da apelação 1999.01.00.068811-3/MT, a Quinta Turma desta Corte considerou necessária a autorização Congresso Nacional também para a realização de estudos ou implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná na forma prevista no art. 231, § 3º da Constituição Federal. Na ocasião, a então relatora, Desembargadora Selene Maria de Almeida, bem observou: “A Constituição Federal prevê, em seu art. 231, § 3º, o seguinte: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.” (...) Deveras, para que se apreenda o significado de uma norma é preciso buscar sua finalidade, a ratio legis. A interpretação teleológica do artigo em comento (e de todo o Capítulo em que se insere) consiste em indagar-se qual a intenção objetivada pelo dispositivo. Qual é o bem ou interesse jurídico que se pretende proteger? A resposta, sem dúvida, é a proteção das comunidades indígenas contra modificações predatórias no meio em que vivem. E sua excelência prosseguiu: “A União, por sua vez, não logrou desconstituir tais afirmações sobre os fatos mencionados no parecer técnico do IPHAN. Limitou-se a minimizar os efeitos dos estudos e a afirmar que o Rio Paraguai “apenas margeia a área indígena”, como se isso não viesse a afetar as populações indígenas de modo a fazer necessária a autorização do Congresso Nacional (fl. 654). As observações do parecer técnico acima mencionadas são extremamente preocupante.” E mais uma vez tratando da questão, a Quinta Turma desta Corte externou o seguinte posicionamento: “Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental” (AG 0018341-89.2012.4.01.0000, Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1 - Quinta Turma, e-DJF1 10/08/2012). E no mesmo julgado foi ainda abordada a questão referente à competência para o licenciamento ambiental – a ser melhor tratada no tópico seguinte –, no sentido de que, tal qual em relação à Usina de Belo Monte, “idêntica consideração se deve fazer em relação ao Projeto Volta Grande de Mineração, a meio caminho, por assim dizer, da Usina Belo Monte e das terras indígenas, de modo que a mesma entidade licenciadora da usina (IBAMA) deve ser também a do empreendimento de mineração, como decorrência, por sua relação ambiental com as terras indígenas”. “O licenciamento deve estar a cargo da autarquia federal, que, ainda que por decisão judicial, licenciou a UHE Belo Monte, e, portanto, pode adequadamente avaliar as interações entre os empreendimentos e suas repercussões nas comunidades indígenas vizinhas, afetadas pelo primeiro empreendimento e cuja situação pode agravar-se pelo projeto de mineração.” (AC 0001813-37.2014.4.01.3903, Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, TRF1 - Sexta Turma, PJe 11/09/2023) O que se observa, portanto, é que, ressalvados os pontos de vista divergentes também encontrados em outros julgados, este Tribunal possui longevo posicionamento que se mostra convergente com a necessidade de observância do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, daí porque, data vênia, a fixação de linha decisória distinta substanciará o que se pode denominar como um injustificável retrocesso jurisprudencial. Da competência do Ibama para o licenciamento ambiental No que se refere à competência para o licenciamento ambiental, do mesmo modo que já esclarecido em relação à necessidade de autorização do Congresso Nacional, a análise da questão deve ser feita com base no aspecto finalístico das normas que tratam do tema, também sendo reclamada, nessa situação, a aplicação do princípio hermenêutico da máxima efetividade, este que obviamente deve ser aplicado não somente às normas presentes no corpo da Constituição, como também às de hierarquia inferior que tenham sido editadas com a finalidade de realização de direitos e garantias naquela previstos. Por outro lado, a interpretação das normas jurídicas deve ser feita de modo a assegurar a coerência do sistema no qual estão inseridas, não se mostrando possível, portanto, a atribuição de sentidos e alcances teleologicamente conflitantes para dispositivos inseridos dentro de um mesmo conjunto normativo. Não há razão, portanto, para que se entenda pela necessidade de consulta prévia quando se tratar de empreendimentos realizados no entorno de terras indígenas, com o potencial de afetá-las e, ao mesmo tempo, rechaçar-se a competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento. Aplica-se ao ponto em exame, com efeito, o mesmo sentido da manifestação do Ministro Alexandre de Moraes quando referiu-se ao “absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” De modo que a definição sobre a competência do Ibama para o licenciamento em terras indígenas deve ser pautada por seu conteúdo finalístico e não por sua literalidade semântica. Pensar diferente significaria, por exemplo, afastar a competência da autarquia federal para o licenciamento de um empreendimento de impacto situado a apenas 1 metro de distância de uma determinada terra indígena, ainda que sobre ela causasse relevante repercussão. Em sentido concorde com essa compreensão, no julgamento do RESP 1.390.476 o STJ manteve hígido acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região no qual a Corte Regional decidiu pela competência do Ibama para o licenciamento ambiental de empreendimentos realizados em áreas contíguas a terras indígenas. A Corte da Legalidade assim resumiu seu entendimento: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (...) II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de “(...)" que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) Observe-se, por importante, que embora o STJ tenha invocado sua Súmula 07 como fator elemento impeditivo da admissibilidade do Recurso especial em comento, o fez à premissa da inviabilidade do revolvimento fático que envolve a controvérsia para se saber se os aspectos dessa natureza (fáticos) encontravam amparo na prova produzida. Assim, a premissa jurídica contida na decisão do TRF da 4ª Região – qual seja, a de que a competência para o licenciamento deve ser do IBAMA quando se tratar de empreendimento realizado em áreas contíguas a terra indígena que, por essa razão, será por ele afetado, – não é alcançada pela Súmula 07 do STJ. É dizer, caso dessa premissa jurídica discordasse, o STJ poderia, se assim entendesse correto, conhecer e dar provimento ao recurso especial em referência, fundando-se na conclusão de que empreendimentos realizados fora de terra indígena, ainda que nela repercutam, devem ser licenciados pelo órgão ambiental estadual. Trata-se, com efeito, de precedente que lastreou a prolação de diversas decisões monocráticas em casos semelhantes, à exemplo das que exaradas no RESp 2180955, Min. Ministro Francisco Falcão (04/04/2025), no AREsp 2059895, Min. Paulo Sérgio Domingues (04/11/2024) e no AREsp 2510802, Min. Sérgio Kukina (03/09/2024 - nesse último caso, a propósito, foi o IBAMA quem interpôs o recurso especial, sustentando sua incompetência para o licenciamento, o que foi rejeitado pelo tribunal de origem e pelo relator), entre outras. Por outro lado, o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011 dispõe ser da União a atribuição para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, localizados ou desenvolvidos em terras indígenas. Ora, apesar da referência genérica à União, é intuitivo que o referido ditame em verdade dispõe sobre a competência de sua entidade descentralizada vocacionada para essa finalidade, qual seja o Ibama, entidade que é executora do Sisnama, conforme explicitado no art. 4º da Resolução Conama 237/97, dispositivo que em seu inciso I igualmente assinala a atribuição da autarquia ambiental federal para o licenciamento em terras indígenas. De todo modo, ao disciplinar sobre a competência do Ibama para o licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas em terras indígenas, a Lei Complementar nº 140/2011 visa dar concretude, dentro de seu escopo, à obrigação imposta pelo legislador constituinte à União de proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas (art. 231, caput). Em outras palavras, a máxima efetividade da norma protetiva constitucional em exame pressupõe que também a norma jurídica que seja dela derivada deva ser interpretada com idêntico balizamento hermenêutico. Em par com toda essa constatação, cabe agora registrar que no julgamento da Pet 3388 (Relator: Min. Carlos Ayres Britto) no qual foi analisado o paradigmático caso da demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 19/03/2009, consignou a relação de pertinência temática entre terras indígenas e o meio ambiente, tendo fixado no resumo de seu julgado a compreensão de que “há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental”. Esse posicionamento, com efeito, foi reiterado no multirreferido acórdão do RE 1379751 ED-terceiros-AgR/PA, no qual a alusão ao julgado anterior teve como motivo a necessidade de observância do princípio da precaução também no trato das questões que se refiram às terras indígenas. De sorte que a competência do Ibama para o licenciamento ambiental também deve ser reconhecida pela perspectiva do princípio da precaução, em um contexto no qual o empreendimento em discussão afetará cerca de doze mil indígenas que residem em mais de trinta aldeias diferentes. Ainda a propósito, na decisão de ID 2128569975, a julgadora da origem menciona: “[E]m conexão com o presente processo está Ação com pedido de tutela cautelar impugnando doze licenças concedidas pelo IPAAM para o funcionamento do projeto que trata da exploração do mineral potássio (silvinita) dos Municípios de Autazes e Careiro da Varzea, inclusive em terras indígenas Mura. Como se vê, a existência de doze licenças ambientais (!!!) para o que se tem como um único empreendimento de exploração mineral ao menos indica que não se trata de atividade de pequeno impacto, podendo ser ainda questionada, neste momento de exame da competência para o licenciamento, a razão para o que se afigura como um disfarçado fracionamento da licença ambiental pertinente. Claro, portanto, que a envergadura do projeto em apreço é proporcional à envergadura da afetação que ele produzirá em tantas pessoas e localidades, fato que não apenas justifica, mas em verdade impõe que, dado o caráter precaucional que deve permear a avaliação ambiental, a competência para a sua realização, na espécie, deve se dar em conformidade com o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011. Não bastasse tudo isso, veja-se ainda que as disposições presentes na Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental no caso presente. Referido normativo estabelece os procedimentos administrativos que disciplinam a atuação da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde nos processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. (cf. art. 1º) O mencionado normativo dispõe no caput de seu art. 3º, que “No início do procedimento de licenciamento ambiental, o IBAMA deverá, na FCA, solicitar informações do empreendedor sobre possíveis intervenções em terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária.” Já o § 2º do art. 3º prevê que, “[P]ara fins do disposto no caput, presume-se a intervenção: I - em terra indígena, quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena, respeitados os limites do Anexo I”. O referido anexo I possui o seguinte feitio: Como se vê, em áreas inseridas na Amazônia Legal, o anexo em comento considera a distância de 10 quilômetros lineares como aquela na qual podem ser ocasionados os impactos socioambientais mencionados no § 2º do art. 3º. Portanto, um simples exercício de lógica induz à óbvia conclusão de que o Ibama é o responsável pelo licenciamento dos empreendimentos localizados a menos de dez quilômetros de terras indígenas e que sobre elas possam repercutir. Especificamente quanto a tal aspecto fático, reporto-me ao voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000 (destaquei): “... a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas).” Além disso, há nos autos principais diversos documentos no sentido de que várias aldeias distam menos de dez quilômetros do empreendimento debatido, inclusive com manifestação da Funai pela ocorrência de sobreposição em uma delas. Portanto, o que em última análise se tem é que, ao recusar sua competência para o licenciamento ambiental no caso concreto, o Ibama, mais que tudo, também nega cumprimento à Portaria Interministerial nº 60/2015. A propósito, o teor da aludida portaria também deixa clara a obrigatoriedade de participação da Funai na análise do empreendimento em causa. Encerrando o exame do ponto, refiro-me a mais um precedente desta Sexta Turma no sentido de que “é imprescindível a intervenção do IBAMA nos licenciamentos e estudos prévios relativos a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, que afetarem terras indígenas ou bem de domínio da União (artigo 10, caput, e § 4º, da Lei nº 6.938/81, c/c artigo 4º, I, da Resolução nº 237/97, do CONAMA)”. - Destaquei. (REO 0098728-48.1999.4.01.0000, Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (CONV.), TRF1, DJ 29/01/2007). Dos argumentos processuais da União O ente público traz inicialmente em seu agravo a alegação de violação ao art. 505 do CPC. A tese, contudo, não pode ser acolhida, na medida em que, além de serem caracterizadas por sua natureza precária, as decisões incidentalmente proferidas ao longo do processo são evidentemente pautadas pela cláusula rebus sic stantibus, podendo assim ser revisadas pelo condutor do processo na hipótese em que novas circunstâncias nele verificadas assim o justificarem. Exatamente por isso que o julgador pode revogar uma decisão anteriormente proferida para, por exemplo, indeferir pedido de tutela antecipada anteriormente concedida ou, com base em novos elementos de convicção, externar novo posicionamento acerca da necessidade ou desnecessidade da produção de determinado tipo de prova. Assim, diversamente do que sustenta a União, inexiste óbice processual para que o condutor do processo, diante de novos elementos de prova que considere relevantes, realize nova avaliação de uma questão outrora examinada, seja para decidir em sentido diverso, seja para confirmar seu posicionamento anterior agora com nova fundamentação. Pensar diferente, com efeito, seria manietar do condutor do processo o exercício de seu poder geral de cautela – este deve ser exercitado levando-se em conta atualidade do cenário processual divisado –, a partir de uma equivocada desconsideração da natureza dinâmica do processo, tomando-o como algo estanque e refratário às atualizações naturais resultantes do aglutinamento dos novos elementos de prova que nele aportam. Em suma, inexiste impedimento para que o julgador, depois de deferir tutela de urgência com base em determinado fundamento e de que essa medida antecipatória seja sustada em razão da superação da premissa utilizada, possa novamente examinar a questão com base em novos elementos de convicção. No caso concreto, a inspeção judicial e a superveniência de novas informações acerca da assembleia realizada municiaram a julgadora da origem com novas informações que justificaram a prolação de um novo comando, inexistindo ilegalidade nesse proceder. Tal o contexto, igualmente não se há de falar em dificuldade de compreensão acerca do conteúdo, alcance e balizas da decisão agravada, esta que, como visto, revisitou em parte questões anteriormente analisadas, fazendo-o, contudo, com base em argumentação lastreada nos novos elementos de convicção trazidos aos autos. Na mesma linha, tratando-se de decisão lastreada em novos elementos probatórios, é equivocado cogitar-se de confronto à decisão proferida na SLS 1038484-33.2022.4.01.0000, esta atrelada ao contexto processual verificado mais de um ano antes da prolação da decisão agravada, contexto este que, como adiantado, veio a ser substancialmente alterado. Também não deve ser acolhida a alegação de que ter havido prejuízo à compreensão das partes acerca das medidas adotadas com vista ao licenciamento debatido. A decisão, com efeito, é clara e coesa tanto sobre as razões que justificaram sua prolação quanto em relação às diretrizes nela fixadas. Do recurso da Empresa Potássio do Brasil Considerando-se já terem sido apreciadas as questões referentes à necessidade de autorização do Congresso Nacional e à competência do Ibama, apenas o ponto concernente à consulta prévia realizada remanesce pendente de exame. Sobre o ponto, transcrevo, como razões decidir, a seguinte passagem do voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000: “Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias distorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um dos encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os royalties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho[1], tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante.” Conclusões: a) É fato incontroverso que o empreendimento Projeto Potássio Autazes está sendo implementado no entorno de Terras Indígenas ocupadas pelo Povo Mura e que, caso concretizado, nelas e nas respectivas comunidades irá repercutir; b) o art. 231, § 3º, da Constituição Federal, impõe a autorização do Congresso Nacional sempre que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais causar impacto relevante em terras indígenas, sendo a toda prova desnecessária a demonstração de que as atividades em questão sejam desenvolvidas no interior destas. É obrigatória, portanto, a observância do referido dispositivo no caso concreto; c) o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, o art. 4º da Resolução Conama 237/97 e a Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental objeto do empreendimento em discussão; d) os elementos probatórios presentes nos autos principais põem em dúvida a validade do procedimento de consulta prévia levado a efeito, sem prejuízo de sua aparente regularidade durante boa parte do período em que teve curso. Ante o exposto, nego provimento aos agravos de instrumento nº 1042776-27.2023.4.01.000, nº 1043035-22.2023.4.01.0000 e nº 1039810-91.2023.4.01.0000. É como voto. Des(a). Federal KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1039810-91.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: POTASSIO DO BRASIL LTDA. AGRAVADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, AGENCIA NACIONAL DE MINERACAO, ESTADO DO AMAZONAS, CONSELHO INDIGENA MURA, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. Agravo de instrumento interposto pela União contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, formalizada pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de manifestação de outras comunidades não invalida a consulta, uma vez que tais comunidades adequadamente receberam todas as informações sobre o projeto, inclusive nos autos de origem, e mantiveram-se inertes. Mantida a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos que forem considerados afetados. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A proximidade entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura deslocamento de competência ao IBAMA, não atraindo a incidência do art. 7º da referida lei complementar. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada ou delimitada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. Agravo interno prejudicado. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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Potassio Do Brasil Ltda. x Conselho Indigena Mura
ID: 308080349
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1039810-91.2023.4.01.0000
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE GEBRAN BATOKI CHAD
OAB/SP XXXXXX
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RAIMUNDO GUARACY GUEDES MOTTA
OAB/AM XXXXXX
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IVAN DE SOUZA QUEIROZ
OAB/AM XXXXXX
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ISAEL FRANKLIN GONCALVES
OAB/AM XXXXXX
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LUIS INACIO LUCENA ADAMS
OAB/DF XXXXXX
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LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA
OAB/RJ XXXXXX
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CAROLINA MAR AZEVEDO
OAB/AM XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1039810-91.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: POTASSIO DO B…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1039810-91.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: POTASSIO DO BRASIL LTDA. REPRESENTANTES POLO ATIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA - RJ127346-A e LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A POLO PASSIVO:FUNDACAO NACIONAL DOS POVOS INDIGENAS - FUNAI e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ISAEL FRANKLIN GONCALVES - AM12054-A, IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297, RAIMUNDO GUARACY GUEDES MOTTA - AM4131-A e JOSE GEBRAN BATOKI CHAD - SP427778-A RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1039810-91.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Ao deferir a medida cautelar, adotei o seguinte relatório: "Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por POTÁSSIO DO BRASIL LTDA contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas nos autos da Ação Civil Pública n. 0019192-92.2016.4.01.3200, proposta pelo Ministério Público Federal contra a ora agravante e outros, e pela qual foram determinadas diversas medidas que, a critério do juízo prolator, demonstram-se necessárias para viabilizar a exploração dos recursos minerais de Potássio indicados pela empresa interessada e impugnados na Ação Civil Pública de origem, sob a argumentação de que não há licenciamento ambiental regular e que as populações indígenas potencialmente atingidas não foram regularmente consultadas. A agravante POTÁSSIO DO BRASIL LTDA sustenta estar há mais de 6 anos tentando comprovar a regularidade de seu empreendimento sob a alegação de que o este não incide sobre área indígena demarcada, estando prejudicada por entendimentos firmados em estudos realizados pelo corpo técnico do Ministério Público Federal relativo a suposta terra indígena que não estaria demarcada em razão de as áreas serem sujeitas a inundações e não permitirem uma efetiva delimitação em conformidade com a legislação brasileira para efeito de registro. Apresenta a cronologia da ação de origem, esclarecendo ter adotado medidas para a consulta dos povos indígenas que poderiam ser afetados, em que pese entenda que o empreendimento não se estende por áreas indígenas, nem provocará destruição da floresta em razão da exploração ocorrer a centenas de metros de profundidade, sendo resultado de seus rejeitos o sal de cozinha e areia, materiais que não produzem grande impacto ambiental e são estocados a seco, havendo a realocação da areia para o interior dos túneis de escavação quando se verificarem o esgotamento dos veios de exploração. Afirma que o empreendimento apresenta uma distância de 8 km da área indígena demarcada mais próxima, situação que não impediu que concordasse, em audiência de conciliação, pela realização de consulta prévia ao povo MURA, os indígenas que teriam direito à ocupação das terras com localização mais próxima ou sobreposta à área de exploração definida pelo DNPM (atual ANM), ressaltando que a consulta está em fase de conclusão, ficando seu resultado comprometido em razão da decisão impugnada, que se refere à ausência de manifestação do Congresso Nacional sobre a possibilidade de exploração de minerais na área em razão das comunidades indígenas envolvidas e da necessidade de participação do IBAMA na condução dos estudos de impacto ambiental em razão da magnitude das questões envolvidas, as quais suplantam a atribuição legal de licenciamento por parte do órgão ambiental do Estado do Amazonas. Rejeita a indicação de que seria necessária a intervenção do Congresso Nacional em face do art. 231 da Constituição, uma vez que não há terra indígena demarcada na área do projeto, respaldando-se para tal posicionamento, na Informação Técnica FUNAI n. 470/2022/SECART/COCART/CGGEO/DPT-FUNAI, da qual destaca: "(...) 1. A localização do referido empreendimento está sobreposta à área indígena? Se sim, qual etapa de demarcação em que a TI se encontra? Informamos que, a área industrial do Projeto Potássio Amazonas - Autazes encontra-se distante aproximadamente:1 km da terra indígena Jauary, com status de Delimitada e não homologada até a presente data, 7 km da terra indígena Paracuhuba, sob domínio da União conforme Decreto nº 310, de 29 de outubro de 1991 e 5 km da aldeia Soares. Informamos Ainda que o porto de Urucurituba do Projeto Potássio Amazonas - Autazes, encontra-se distante aproximadamente 13 km da terra indígena Paracuhuba, sob domínio da Unido conforme Decreto nº 310, de 29 de outubro de 1991.(...)" Informa ter sido reconhecido, no Pedido de Suspensão de Liminar - PSL n. 1038484-33.2022.4.01.0000, requerido pela UNIÃO, a possibilidade de prosseguimento do licenciamento ambiental e a expedição de licenças ambientais sem a necessidade de autorização judicial, afastando o que foi considerado como indevida interferência do Juízo Federal na esfera administrativa. Aponta ser a decisão extra petita, pois não há nos autos da Ação Civil Pública pedido ou menção à necessidade de intervenção do Congresso Nacional, notadamente em razão de não haver previsão de exploração de recursos minerais em área indígena. Assevera ser necessário afastar a suspensão do resultado da consulta ao Povo Mura e demais comunidades indígenas que o MPF indica como possivelmente impactadas pelo empreendimento (em conformidade com a Convenção 169 da OIT), uma vez que tal consulta decorre de acordo entre as partes, no qual ficou definido um prazo de 6 (seis) meses para a conclusão dos estudos, já tendo decorrido mais de 6 (seis) anos sem conclusão, não sendo razoável suspender ou desconsiderar todos os esforços já empreendidos. A despeito de todos os atos praticados, o MPF peticionou nos autos de origem requerendo a suspensão de todo e qualquer ato administrativo de licenciamento, inclusive a Consulta aos povos indígenas, indicando a necessidade de efetiva demarcação do território indígena e de ocupação por povos tradicionais denominada SOARES/URUCURITUBA, cujos estudos estão em fase de conclusão e denotam sobreposição direta sobre o perímetro da área a ser explorada no projeto Potássio Autazes, situação que reforçaria a pretensão de devido cumprimento das regras de proteção ambiental e legal relativa às populações indígenas e à necessidade de prévia autorização do Congresso Nacional para a exploração mineral em terras indígenas. Por fim, relata recear a prolação de sentença sem que seja cumprida a devida instrução do processo, podendo decorrer danos irreparáveis à agravante, pois o processo de licenciamento ambiental, que teve início perante o IPAAM, já tramita sem conclusão há mais de 14 (catorze) anos, sendo possível obrigar o empreendimento a retornar ao princípio, começando a tramitar praticamente do zero. Fundado em tal argumentação, requer: (...) a) seja o presente Agravo de Instrumento recebido, deferindo-lhe liminarmente, nos termos do art. 995 e inciso I do artigo 1.019 do CPC, o pedido de antecipação da tutela recursal, para suspender os efeitos da Decisão Agravada até julgamento final, de modo a vedar seja o processo sentenciado sem que seja considerado o resultado da consulta do Povo Mura de Autazes; que o resultado seja acolhido e acatado, afastando a suspensão imposta pela decisão agravada, além de permitir o prosseguimento do licenciamento ambiental pelo órgão estadual – IPAAM; b) seja determinada a intimação das partes Agravadas, consoante determina o inciso II do artigo 1.019; c) ao final, seja PROVIDO o presente agravo de instrumento, confirmando-se a tutela de urgência, no sentido de que seja reformada a decisão proferida, a fim de: c.1) determinar o regular prosseguimento do processo de licenciamento perante o IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão e para determinar a exclusão do IBAMA da lide, além da desnecessidade de autorização do Congresso Nacional; c.2) determinar o recebimento do resultado da Consulta ao Povo Mura de Autazes, que APROVOU a implantação e execução do Projeto Potássio Autazes nos dias 21 e 22/09/2023, assegurando e preservando o direito dos indígenas e de acatamento de suas decisões, observando-se ainda o princípio da duração razoável do processo". A medida cautelar foi deferida nos seguintes termos: "[a]nte o exposto, concedo parcialmente a liminar pleiteada para, consoante decidido no Pedido de Suspensão nº 1040729-80.2023.4.01.0000 pela Presidência do Tribunal, permitir o prosseguimento do licenciamento ambiental pelo órgão estadual - o INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS - IPAAM, até ulterior decisão". Apresentaram contrarrazões ao agravo de instrumento O MPF, a FUNAI (ID 417568983) e ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA - OLIMCV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES (ID 426894434). Aderiam às razões da PDB o CIM (ID 422070853) e o IPAAM (ID 422540353) O MPF interpôs agravo interno (ID 415749789). Apresentaram contrarrazões ao agravo interno do MPF a ANM (ID 418135769), o IBAMA (ID 418910544), a PDB (ID 420612895) e o IPAAM (ID 423537168). O MPB opinou pelo desprovimento do agravo de instrumento (ID 423800881). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1039810-91.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. II. A decisão agravada, no que interessa: "1. Em ID 1767795565 - Petição intercorrente , O Ministério Público Federal reitera pedido anterior formulado de suspensão de licenciamento do empreendimento, alegando e pleiteando que: i) Que, em consonância com recomendação da FUNAI seja suspenso todo e qualquer ato administrativo, licenciamento e, consequentemente, a respectiva consulta da Convenção 169 da OIT em relação a tais atos no âmbito do Projeto Potássio Autazes, que sejam sobrepostos ao território indígena Soares / Urucurituba, bem como que impactem potencialmente outros territórios indígenas e tradicionais, enquanto não finalizados os estudos e publicado o RCID referente ao território indígena Soares / Urucurituba (momento no qual haverá maior clareza sobre os locais de sobreposição e proibição de mineração, já que os elementos atuais demonstram sobreposição direta da pretensão de exploração com o território indígena); Tal suspensão, além do motivo territorial claro, da proibição constitucional, também se faz urgente considerando que as incertezas e pressões em relação ao empreendimento tem aumentado a insegurança, pressões e ameaças às lideranças Mura, cenário este que pode ser mitigado a partir da posição clara do Poder Judiciário sobre o tema. ii) Mesmo após tal suspensão judicial , em caso de eventual possibilidade de continuidade da consulta e do licenciamento do empreendimento sobre áreas não indígenas, que qualquer ato administrativo, licenciamento ou medida afim sobre o Projeto Potássio Autazes que impacte potencialmente território indígena ou tradicional seja licenciado pelo IBAMA e não pelo órgão estadual (IPAAM), conforme expressa disposição constitucional. 2. Em petição de ID 1761459580 - Petição intercorrente (Petição valores depositados completa), a empresa requerida reitera levantamento de valores. Defiro o pleito, devendo a secretaria adotar as providências. 3. Em ID 1737496073 - Manifestação (manifestação consulta), as organizações de direito privado CONSELHO INDÍGENA MURA – CIM, e ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA – OLIMCV, apresentam novo advogado, pleiteiam adiamento da inspeção judicial pautada anteriormente. 4. Passo a deliberar abaixo. 4.1. A presente ação civil pública foi ajuizada em 2016, apontando como causa pedir, em síntese, a ilegalidade de exploração mineral em terra indígena, cometimento de dano oral coletivo, má fé na cooptação de lideranças, moradores e servidores públicos, expedição irregular de licença prévia sem o ECI - estudo de componente indígena, ausência de consulta às comunidades afetadas, incompetência do IPAAM para expedir a licença ambiental e violação ao direito constitucional de usufruto exclusivo das terras indígenas. 4.2. Durante a tramitação do feito foram realizadas diversas audiências com tentativa de conciliação, tendo sido construído pelo Povo Mura o Protocolo de Consultas a ser aplicado em todos os casos de grandes empreendimentos que afetem seus direitos, suas terras, seu povo, sua cultura, tradição e ancestralidade. 4.3. Durante a tramitação do feito ocorreu a pandemia por COVID 19 e seu consequente estado de calamidade pública, com despachos proferidos nos presentes autos de suspensão de atos e de deslocamentos para evitar contaminações. 4.4. Foi realizada inspeção judicial em parte da área afetada, a Aldeia Soares e Urucurituba, que se encontra autodemarcada por seu Povo Mura mas até pouco tempo sem registro de atos procedimentais por parte da FUNAI para dar andamento ao procedimento formal de demarcação pelo poder público federal. 4.5. Por decisão desse juízo federal da 1a. Vara, foi determinada a constituição de Grupo de Trabalho para dar início aos procedimentos formais de demarcação da Aldeia Soares e Urucurituba, decisão essa cumprida recentemente e comunicada amplamente por parte da FUNAI, que em 3 de agosto de 2023 publicou a Portaria 741, assinada em 1.8.23, por meio da qual criou o grupo técnico para delimitar a terra Indígena Mura conhecida como Aldeia Soares e Urucurituba. 4.6. Cabe ao Congresso Nacional e não à Justiça Federal autorizar exploração mineral em Terra Indígena. De acordo com a Constituição Federal, atividades mineradoras só podem ser autorizadas em solo indígena mediante prévia autorização do Congresso Nacional, por decreto legislativo. Sem essa autorização, é nulo qualquer ato de licenciamento referente a exploração mineral que afete terras indígenas. 4.7. Também é necessária a Consulta aos Povos Indígenas afetados e a devida participação. Mas tudo somente a autorização do Congresso Nacional. Não há validade de um requisito sem outro. E por fim, o empreendimento autorizado pelo Congresso, consultado pelos povos afetados, necessita do licenciamento do órgão ambiental competente, que é o IBAMA. 4.8. Com a constituição do grupo técnico responsável para levantar dados, documentos e atos tendentes a delimitar a TI Aldeia Soares e Urucurituba, fica clara e de forma contundente a necessidade de cumprimento dos requisitos legais, constitucionais e convencionais (Conv. 169), dando-se concretude ao bloco de constitucionalidade. 4.9. É imperioso destacar que o cumprimento dos requisitos constantes do bloco de constitucionalidade não é faculdade do juízo, mas obrigação de cumprir as normas. 5. Os requisitos possuem om objetivo intrínseco, qual seja o de garantir os direitos constitucionais ambientais, dos povos indígenas e de todos os brasileiros. 6. Exploração mineral sem cumprimento de requisitos é sinônimo de tragédia ambiental, de alterações climáticas, destruição de biomas, poluição de recursos hídricos. 7. Esse entendimento acolhe os termos da Resolução 03/2021 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que dispõe sobre a Emergência Climática e o alcance das obrigações interamericanas em matéria de direitos humanos. 8. Consoante expresso na Resolução 03/2021, o nexo entre mudanças climáticas e direitos humanos é cada vez mais evidente e o seu reconhecimento a nível internacional atingiu níveis significativos de consenso, não só no regime jurídico que diz respeito às mudanças climáticas, mas também no regime internacional de direitos humanos. 9. Exatamente por meio da Resolução 03/21, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) assinalaram que as alterações climáticas afetam diretamente o direito a um meio ambiente saudável, direito que vem sendo reconhecido como um direito humano autônomo, previsto na jurisprudência dos órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Ressalto o Parecer Consultivo 23/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte I/A HR), que dispõe que a proteção deste direito não se destina apenas a proteger o interesse das pessoas na preservação dos ecossistemas, mas também visa a proteção da natureza e todos os seus componentes pelo seu valor intrínseco. Da mesma forma, A Comissão e a Corte Interamericanas entendem que a "jurisdição" a que se refere o artigo 1.1 da Convenção Americana contempla circunstâncias em que a conduta extraterritorial dos Estados constitui um exercício da jurisdição desse Estado. 10. Portanto, o licenciamento do Ibama e a autorização do Congresso Nacional se fazem essenciais para que toda a população brasileira tenha conhecimento de dados científicos referentes aos danos que por ventura venham a ser causados pelo grande empreendimento. 11. É preciso que o órgão ambiental competente, IBAMA, diga o estoque e densidade de carbono na área do empreendimento, o dano climático a curto, médio e longo prazo decorrente da exploração mineral que se pretende, a estimativa de quadro/ relatório/inventário de emissões de CO2 , a estimativa de degradação e consequentes emissões de gases com os rejeitos que devem parar no fundo da bacia amazônica, haja vista o ciclo das águas na região e a não construção de contenção de rejeitos, a estimativa de perda do estoque da fauna e da flora. 12. Essas informações compõe direito de todos os brasileiros e não pode o juízo federal substituir o órgão ambiental competente - o IBAMA- e criar um modelo matemático e estatístico de danos e recomposições sem os dados específicos. 13. Passados os anos de tramitação, os requisitos não foram preenchidos nem minimamente, de modo que não é do conhecimento do juízo o início do processo de licenciamento pelo IBAMA, o ECi - estudo de componente indígena, nem a autorização do congresso nacional. 14. Dessa forma, não se pode falar em prospecção, pesquisa ou exploração mineral, licença de instalação ou exploração e oferecimento de royalties, sem que o IBAMA inicie e conclua o procedimento de licenciamento referente ao grande empreendimento da requerida, e tudo com a devida autorização do Congresso Nacional. 15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente. 19. Intimem-se a todos os interessados para manifestações em dez dias, após o que poderá ser proferida sentença parcial ou total de mérito.(...)" III. Deferi parcialmente a medida cautelar com base nos seguintes fundamentos: "[d]a leitura da petição inicial da Ação Civil Pública (ID 296946097 - fls. 88-9 da rolagem única), constata-se que a reserva de Potássio em estudo, conforme afirmações em Reunião na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal, realizada em 2013, o Diretor de Geologia e Recursos Minerais da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e Serviço Geológico do Brasil aponta que a região da Bacia do Solimões é o local onde estão concentradas significativas porções de terras raras no Brasil, estando à época, grande parte da área com indicativo de possibilidade de extração de potássio, bloqueadas ou com requerimento de pesquisas junto ao DNPM. Na mesma reunião, o Secretário de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Estado do Amazonas informou que as reservas potenciais de potássio estendem-se do Estado do Amazonas ao Estado do Pará, envolvendo um total de 14 municípios interessados. Confira-se o trecho transcrito da manifestação (ID 296946097 - fls. 89 da RU): (...) ‘A realidade dessa reserva, que a gente coloca como a terceira, mas pode ser até a maior reserva de potássio do Planeta, é que se estende, Senadora Vanessa, desde Borba até o Estado do Pará, que pode seguir, se continuarmos o desenvolvimento, até Santarém. Quer dizer, é uma grande bacia de sal, com um potencial enorme, que só no Estado do Amazonas envolve um consórcio da ordem de 14 Municípios Interessados - alguns prefeitos estão aqui: Nova Olinda do Norte, Itacoatiara, Borba, Autazes, Silves, São Sebastião do Uatumã, Maués, Urucurituba, Urucará, Itapiranga, Barreirinha, Parintins, Boa Vista do Ramos e Nhamundá. (...) É fundado em tais indicações que o Ministério Público Federal aponta ser necessário reconhecer que os pedidos isolados de exploração mineral do potássio, na realidade, buscam implantar de maneira sucessiva um grande projeto de exploração mineral na bacia do Solimões, com a realização de estudos de impactos ambientais em áreas reduzidas, excluindo a possibilidade de abrangência regional e tornando possível a ampla extração mineral sem a necessidade de licenciamento ambiental de grande porte e escapando da avaliação de possível produção de impactos ambientais e sociais diretos e indiretos sobre comunidades indígenas e tradicionais localizadas nos inúmeros municípios que podem ser beneficiários dos processos de exploração do potássio. Nessa perspectiva é que se fundamenta o pedido de que o licenciamento ambiental seja realizado pelo IBAMA e que a FUNAI cumpra seu papel de diagnóstico e homologação de áreas indígenas que, segundo demonstram estudos da área técnica do MPF, estariam localizadas em áreas dos projetos de exploração. Esclarece o MPF que a área de exploração, em que pese a indicação inicial do projeto, é passível de ampliação, casos em que poderá atingir o perímetro das áreas indígenas sem que exista autorização para tanto e possibilitando a produção de danos diretos às terras indígenas. Na tramitação da ACP, é possível verificar a interposição de mais de 10 agravos de instrumento contra decisões interlocutórias por parte dos diversos participantes da ação. Há impugnação à determinação de estudos do componente indígena e de rejeição do IBAMA em relação à sua legitimidade para a produção dos estudos de impacto ambiental para a produção do cabível relatório técnico; também há o interesse da titular do projeto de exploração no sentido de que seja validada a Licença Prévia n. 54/2015 do IPAAM, ao fundamento de que não se verifica sobreposição a área indígena nem impacto que ultrapasse o âmbito do Estado do Amazonas. Por sua vez, a UNIÃO apresentou manifestação no sentido de que o Projeto Autazes, conduzido pela empresa Potássio do Brasil é de relevante importância estratégica para o Brasil, podendo atender cerca de 25% do consumo nacional de Potássio, insumo essencial na produção de fertilizantes necessários à agricultura nacional. Reconhece, por outro lado, ser necessária a observância à legislação aplicável, em especial, o respeito à legislação ambiental e aos povos indígenas que podem ser impactados pelo empreendimento, em especial, o povo indígena MURA. Com respaldo em tais considerações, formulou ao juízo os seguintes requerimentos (ID 970676234 dos autos de origem): (...) (a) decidir, com a brevidade necessária, o órgão competente para o licenciamento ambiental do projeto, pugnando-se, desde logo, pelo reconhecimento da competência do IPAAM, tendo em vista se tratar de matéria de cunho exclusivamente jurídico; (b) dispensar a realização da inspeção judicial ou, caso entenda ser ela necessária, fixar data próxima para sua realização; (c) liberar, de imediato, os valores depositados pela PDB em favor dos legítimos representantes do povo indígena Mura; e (d) anuir com a retomada do processo de licenciamento ambiental, tendo em vista o transcurso do prazo de suspensão de 6 (seis) meses e a adoção de várias providências relativas ao procedimento de consulta prévia nos termos da Convenção OIT 169.(...) Após a referida manifestação e a regular tramitação processual, em janeiro de 2023, em razão da mudança de comando no Poder Executivo Federal, foram fixados pontos que o juízo reputou controvertidos, determinando a intimação das partes indicadas para apresentar manifestação. A referida decisão, no que interessa, está assim redigida (ID 352851663 destes autos): (...) 6. Em razão da mudança de titularidade do executivo federal, de seus Ministérios, Autarquias e Fundações públicas federais, há necessidade urgente do juízo federal identificar se permanecem ou não os pontos controvertidos para fins de saneamento do feito, razão pela qual determino sejam intimadas todas as partes a fim de que se manifestem a respeito do estado em que se encontram os autos, conforme as teses abaixo colhidas dos autos: a. O juízo já manifestou entendimento segundo o qual grandes empreendimentos que afetem Terras Indígenas (demarcadas e em procedimento de demarcação) devem ser alvo de procedimento de licenciamento pelo IBAMA, conforme os precedentes do TRF1, STJ e STF, bem como devem ser consultados os povos indígenas afetados; b. O protocolo de consulta referente ao Povo Indígena afetado (Povo Mura) já foi construído e elaborado a partir de audiência de conciliação nos autos, respeitando-se integralmente a Convenção 169 da OIT, bem como as normas inseridas na Constituição da República Federativa do Brasil; c. A título de pontos controvertidos, houve, nos últimos cinco (05) anos, a negativa do IBAMA em licenciar o empreendimento. Houve também a compra e venda de lotes em terra indígena Mura pela empresa Requerida, Potássio do Brasil. Ainda, houve a negativa da FUNAI em dar continuidade ao procedimento de demarcação da Aldeia Soares, inclusive com recurso de Agravo perante o TRF1, que houve por bem suspender a decisão judicial nesse sentido, em processo conexo com o presente (PJe Proc. No. 1015595-88.2022.4.01.3200). 7. Dessa forma, para o saneamento do feito, intimem-se todas as partes para que informem ao juízo se persistem os mesmos pontos controvertidos. a. Primeiramente devem ser intimados a União, o IBAMA e a FUNAI e a ANM. Em seguida, a empresa ré e a parte autora (MPF). b. Prazo para manifestação: 15 – quinze dias.(...) Oportuno anotar que ao examinar o Agravo de Instrumento n. 1011342-54.2022.4.01.0000, o Desembargador Jamil Rosa de Jesus deferiu parcialmente o pedido formulado pelo IBAMA, determinando ao juízo que examinasse, fundamentadamente, a legitimidade da autarquia para conduzir o licenciamento ambiental. Em seu exame, a magistrada indica como respaldo à fixação da competência, os riscos do empreendimento para as comunidades indígenas vizinhas ao projeto, sem prejuízo dos significativos impactos que projetos de extração mineral como o discutido, podem ocasionar à fauna e à flora do local. Inconformado, o IBAMA interpôs o Agravo de Instrumento n. 1012591-06.2023.4.01.0000, ainda pendente de exame, no qual é impugnada a fixação de competência da autarquia para o licenciamento ambiental do empreendimento, sustentando não ser possível enquadrar o projeto em nenhuma das hipóteses que fixam a competência federal para o licenciamento ambiental segundo a previsão da Lei Complementar n. 140/2011. Posteriormente, foi protocolado o pedido de suspensão de todo e qualquer ato administrativo destinado ao licenciamento do empreendimento, assim como a consulta às populações previstas na Convenção 169 da OIT, pretensão que se funda na manifestação da FUNAI sobre os estudos de delimitação do território Indígena SOARES/URUCUTITUBA, a qual foi acolhida pelo juízo federal com o acréscimo de que em razão da efetiva possibilidade de sobreposição da área de extração do potássio com terras indígenas que estão em processo de delimitação, exige a expressa manifestação do Congresso Nacional em cumprimento ao art. 231 da Constituição. Ressalta que sem tal providência e a efetiva consulta aos povos afetados, todo o processamento será nulo, sem prejuízo de todo o risco de dano ambiental, destruição de biomas e poluição de recurso hídricos, acrescentando ser essenciais o licenciamento ambiental pelo IBAMA e a autorização do Congresso Nacional para exploração de recursos minerais em terras indígenas. Conclui afirmando que "Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente". Sobre a questão indígena, é relevante observar que as demarcações têm natureza declaratória, não havendo falar em superposição superveniente em relação à terra indígena que está em processo de demarcação e que enseja a sobreposição em relação a parte da área do projeto de exploração de potássio na região de Autazes. Nesse sentido, a natureza declaratória da demarcação de terras indígenas, confira-se posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO BUSCANDO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE PORTARIA DE DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. RECURSO PROVIDO. 1. Hipótese na qual se busca, mediante ação ajuizada em 16 de setembro de 2004, a nulidade da Portaria Ministerial 793/94, publicada no DOU de 20 de outubro de 1994, expedida pelo Ministro de Estado da Justiça, pela qual declarou de posse permanente indígena, para efeito de demarcação, terras situadas no Estado de Santa Catarina (Área Indígena Pinhal), caracterizadas como de ocupação tradicional e permanente indígena, nos termos dos arts. 231, da CF/88, e 17 da Lei 6.001/73. Importante registrar que, em consequência da referida demarcação, a parte autora recebeu a devida indenização pelas benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (art. 231, § 6º, da CF/88). 2. O Tribunal de origem afastou a prescrição da ação, decretada pelo magistrado de primeiro grau de jurisdição, sob o fundamento de que a criação da reserva indígena, por criar restrições ao uso da propriedade, deve ser comparada à desapropriação indireta, cuja ação, de natureza real, está sujeita ao prazo prescricional vintenário. 3. O procedimento de demarcação de terras indígenas não pode ser comparado ao apossamento administrativo - também chamado de desapropriação indireta -, caracterizado como verdadeiro esbulho possessório, sem a necessária garantia do contraditório e do devido processo legal. 4. A demarcação de terras indígenas é precedida de processo administrativo, por intermédio do qual são realizados diversos estudos de natureza etno-histórica, antropológica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, necessários à comprovação de que a área a ser demarcada constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. 5. Ademais, o particular que eventualmente esteja na posse da área a ser demarcada, segundo o disposto no § 8º do art. 2º do Decreto 1.775/96, tem a possibilidade de se manifestar, apresentando à FUNAI razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de identificação e delimitação da área a ser demarcada. 6. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios não perdem essa característica por ainda não terem sido demarcadas, na medida em que a demarcação tem efeito meramente declaratório. Assim entendido, não se pode falar em perda ou restrição da propriedade por parte de quem nunca a teve. 7. Não se tratando, portanto, de apossamento administrativo, incide, no caso, a norma contida no art. 1º do Decreto 20.910/32, a qual dispõe que "todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem". 8. Recurso especial provido, para extinguir o processo, com resolução de mérito, com fundamento no art. 269, IV, do Código de Processo Civil, por estar configurada a prescrição da ação. (REsp n. 1.097.980/SC, relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 3/3/2009, DJe de 1/4/2009.) Prestados os esclarecimentos acima, passa-se ao exame específico do exame dos pedidos liminares formulados neste curso. Não há fundamento para que este Tribunal impeça o juízo de examinar o processo, inclusive, sentenciando o feito, pois o referido ato é privativo do magistrado que conduz o processo e, por previsão legal e constitucional, está afeto às regras vigentes e à sua consciência para solucionar a demanda que lhe é apresentada, constituindo direito das partes a interposição dos recursos previstos na legislação processual. Da mesma forma, não se pode presumir que qualquer documento de prova será desconsiderado, tampouco é possível impor previamente ao Juízo de origem determinada valoração sobre elementos probatórios produzidos durante a instrução. Mais uma vez, a magistrada que conduz o processo está afeta às regras legais para solucionar a lide e as partes poderão se insurgir contra a sentença por meio dos recursos legalmente estabelecidos. Por fim, em relação à pretensão de que o prosseguimento do licenciamento ambiental seja feito pelo órgão estadual - o INSTITUTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO AMAZONAS - IPAAM, observo que mediante decisão tomada nos autos do Pedido de Suspensão nº 1040729-80.2023.4.01.0000, o Desembargador Vice-Presidente do TRF da 1ª Região, Marcos Augusto de Sousa, no exercício da Presidência, deferiu pedido formulado pelo referido órgão para suspender a decisão agravada. O referido magistrado entendeu não incidir à espécie o inciso XIV do art. 7º da Lei Complementar 140/2011 e sim o art. 8º da referida norma, uma vez que "não [houve] demonstração de que a área em que se situa o projeto Autazes esteja localizada em terras indígenas". Sendo assim, concluiu ser a competência para a emissão de licenciamento ambiental a prevista no art. 8º da referida norma legal, inserida no poder administrativo dos estados. Essa decisão produz efeitos até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, por força de previsão legal e por assim constar da decisão, salvo se for reformada pela Corte Especial do Tribunal. Logo, num juízo de cognição sumária, merece ser suspenso, no ponto, também por meio da presente via recursal, esse trecho da decisão, assegurando o regular exercício dos poderes do órgão administrativo estadual, sobretudo porque o próprio IBAMA reconhece expressamente ser hipótese de competência do órgão ambiental estadual para o licenciamento". III. Este agravo foi protocolado pela Potássio do Brasil LTDA. e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1037175-40.2023.4.01.0000, protocolado pelo Conselho Indígena Mura – CIM. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1043035-22.2023.4.01.0000, protocolado pela União. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, a fim de "determinar o regular prosseguimento do processo de licenciamento perante o IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão e para determinar a exclusão do IBAMA da lide, além da desnecessidade de autorização do Congresso Nacional" e determinar o "o recebimento do resultado da Consulta ao Povo Mura de Autazes, que APROVOU a implantação e execução do Projeto Potássio Autazes nos dias 21 e 22/09/2023, assegurando e preservando o direito dos indígenas e de acatamento de suas decisões, observando-se ainda o princípio da duração razoável do processo". III.a. A relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira. IV.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios". IV.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciálo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequência lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. Processo de consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presesente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plentamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF , na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aciete no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): Além disso, é importante destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judical constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Em anexo, foi apresentado o Relatório das Lideranças Mura de Autazes (id. 1829380154): Não houve juntada de documento de aprovação ou de reprovação do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso porque, pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Por fim, também é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha". Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão. V.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Importante destacar que, quanto ao último ponto supracitado, este Tribunal já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) VI. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que há omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena , mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A duas, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (ID 1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos: A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. IV. Conclusão Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) considerar válida a consulta realizada; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. Agravo interno prejudicado. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588 [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1039810-91.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição dos agravos de instrumento em apreço. De início, registro que o presente voto-vista abarca as discussões trazidas nos agravos de instrumento nº 1042776-27.2023.4.01.000 (interposto pelo Ibama), 1043035-22.2023.4.01.0000 (manejado pela União) e 1039810-91.2023.4.01.0000 (interposto por Potássio do Brasil Ltda.), todos voltados à suspensão dos efeitos da mesma decisão proferida pelo juízo agravado em 25/08/2023. No agravo de instrumento 1042776-27.2023.4.01.000 o Ibama alega, em resumo, não possuir competência para analisar o processo de licenciamento ambiental vinculado ao empreendimento em discussão nos autos principais, aduzindo ainda que “tanto a causa de pedir como o pedido possuem objetos claros e específicos, quais sejam, atacar licenças emitidas no licenciamento ambiental que estariam inquinadas de nulidade pela falta de oitiva livre, prévia e informada das comunidades indígenas afetadas, com consectária condenação em indenização por danos morais coletivos”, de modo que a decisão agravada teria se excedido ao inovar na lide com o reconhecimento de sua competência para o licenciamento. No agravo nº 1043035-22.2023.4.01.0000, a União questiona inicialmente a prolação de uma decisão em caráter reiterativo de comando anterior, por constituir violação ao art. 505, do CPC. Afirma também que a decisão agravada “aduziu novos argumentos impeditivos/condicionantes do licenciamento debatido”, concluindo que esse comando “prejudicou a devida compreensão dos integrantes da relação processual” acerca das medidas a serem realizadas pela Administração. Segue dizendo que a decisão agravada “aparentemente estaria proibindo a concessão de título minerário ou estabelecendo que o juízo não irá permitir mineração na aldeia Soares sem autorização do Congresso Nacional” e que, ao assim estabelecer, desconsiderou a decisão proferida nos autos da SLS nº 1038484-33.2022.4.01.0000, nos quais foi suspensa a decisão “que havia vedado a emissão de qualquer licença sem autorização judicial”. Por fim, no agravo de instrumento nº 1039810-91.2023.4.01.0000 a empresa Potássio do Brasil Ltda. sustenta não haver competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento discutido, por estar situado fora de área indígena, pertencendo ao IPAAM essa atribuição para o licenciamento do Projeto Potássio Autazes. Discorda também da compreensão de que haveria necessidade de autorização do Congresso Nacional para a implementação do empreendimento, pela mesma razão de não estar inserido em terras indígenas. A empresa recorrente também defende a legitimidade da consulta prévia realizada ao Povo Mura, para tanto ressaltando a realização de assembléia nos dias 21 e 22/09/2023, da qual teriam participado 34 das 36 aldeias de Autazes, “havendo APROVAÇÃO do Projeto Potássio Autazes pelos indígenas”. Esclarecidas as controvérsias devolvidas a esta Corte, anoto inicialmente que no julgamento do AI 1037175-40.2023.4.01.0000 esta Turma decidiu pela ausência de perda de seu objeto como consequência da prolação de comando posterior tratando de alguns dos temas decididos na decisão agravada (a mesma a que se referem os recursos em exame). Por essa razão, deixo de mais uma vez me manifestar sobre a perda do objeto também das insurgências ora analisadas. Quanto ao mais, tomo como essencial, à partida, a fixação dos pontos que são incontroversos nos autos principais a que os agravos em apreço se vinculam, isso porque o reconhecimento desse contexto (de concordância quanto a determinadas questões) reforça a formação de meu convencimento. Em primeiro lugar, é fato incontroverso que a eventual implementação do Projeto Potássio Autazes repercutirá em terras indígenas ocupadas pelo Povo Mura, tanto assim que, com o objetivo de se assegurar a regularidade do mencionado empreendimento, foi levado a efeito procedimento de consulta prévia – que também tem sua validade discutida – aos indígenas que seriam afetados. Observe-se, nesse sentido, que o próprio Relator reconhece a existência da repercussão sobre as comunidades indígenas (ainda que questione a caracterização como tal de parte das que assim consideradas pelo juízo a quo), vindo a concluir pela desnecessidade de autorização do Congresso Nacional e da atuação licenciadora do Ibama sob a premissa de que as atividades a serem desenvolvidas não ocorrerão no interior de terras indígenas, considerando assim tratar-se de repercussão que apenas indiretamente sobre elas recairia. É ainda incontroverso que o empreendimento em discussão tem o potencial de afetar diversas aldeias do Povo Mura, consoante implicitamente reconhecido pela própria agravante Potássio do Brasil ao defender, em sua insurgência, a validade da consulta prévia realizada, fazendo-o sob o fundamento de que a assembleia realizada no âmbito da mencionada consulta prévia teria contado com a participação de 34 das 36 aldeias do Povo Mura. O que se tem, portanto, é que não há necessidade de revolvimento fático-probatório para a constatação de que o empreendimento em debate, caso implementado, produzirá efeitos em terras indígenas e que essa repercussão não será confinada a uma ou outra aldeia, senão a várias delas. Diante desses fatos, repita-se, incontroversos, tenho como evidente a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a autorização da exploração minerária debatida na ação principal. Nesse sentido, a questão central para a análise desse ponto reside na definição do critério hermenêutico mais adequado para as disposições presentes no art. 231, § 3º, da Constituição Federal[1], tendo o Exmo. Relator entendido pela interpretação literal do referido dispositivo, para assim decidir no sentido de que apenas as atividades ali descritas que desenvolvidas no interior de terras indígenas é que desafiaram a autorização legislativa nele prevista. Com a devida vênia, entendo não ser essa a interpretação mais adequada, e assim concluo devidamente respaldada pelas emblemáticas manifestações do STF no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 e no RE 1379751, no sentido de que, em situações como a que nos agravos em apreço verificadas, a posição pela desnecessidade da mencionada autorização legislativa viola o art. 231, caput, e § 3º, da Constituição Federal. Na mesma linha, e também lastreada na ratio decidendi presente nas decisões em comento, bem assim no art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, entendo ser do Ibama a competência para o licenciamento ambiental, sendo tal atribuição ainda realçada pelas claras disposições contidas na Portaria Interministerial nº 60/2015, norma que o Ibama, com sua estranha recusa em assumir o múnus que lhe pertence, implicitamente se recusa dar cumprimento. Passo a explicitar as razões que justificam as conclusões acima adiantadas. Do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 (RE1017365) e do do RE 1379751 (Ag. Reg. nos terceiros Embargos de Declaração) No paradigmático julgamento da questão relativa ao marco temporal para a demarcação das terras indígenas, o pleno do STF consignou o caráter declaratório do processo respectivo, nos termos do voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, em relação ao qual, quanto ao mérito, houve apenas uma divergência (Min. Kássio Nunes Marques)[1]. Nesse sentido, a pedra de toque para a construção das teses fixadas no referido julgamento foi expressamente anunciada no cabeçalho da respectiva ementa, consistindo na definição das “POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA”. Já no corpo da ementa assentou-se que (destaquei): “4. Ao reconhecer aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos povos indígenas direitos fundamentais, com as consequentes garantias inerentes à sua proteção, quais sejam, consistir em cláusulas pétreas, anteparo em face de maiorias eventuais, interpretação extensiva e vedação ao retrocesso.” Tratando do tema em seu voto vencedor, o Ministro Edson Fachin expressamente consignou (destaquei): “Finalmente, em consonância com o entendimento acima manifestado, entendo que, por se tratar de direito fundamental, a interpretação adequada à aplicação do artigo 231 deve levar em consideração o princípio da máxima eficácia das normas constitucionais, pois se nos termos do artigo 5º, §2º do texto constitucional, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, faz-se necessário manter coerência com uma hermenêutica que cumpra os objetivos da Constituição.” Também acerca do critério mais adequado de interpretação do art. 231 da Constituição, o Ministro Luiz Fux traz como suporte de seu posicionamento – concorde com o voto do Relator – os ensinamentos de Pontes de Miranda, indicativos de que a interpretação finalística do art. 231 da CF/88 confirma linha hermenêutica que já era observada desde a Constituição de 1946. A Ministra Rosa Weber igualmente reconheceu a prevalência do critério finalístico ou prático na interpretação do art. 231, § 1º, da CF/88: “Ao delimitar dessa forma o conjunto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, o art. 231, § 1º, da Lei Maior adota critério que pode ser considerado finalístico ou prático...” (...) “Os direitos dos povos indígenas às terras por eles tradicionalmente ocupadas traduzem, sobretudo, direitos fundamentais. Não é demais lembrar, portanto, que, diante de norma constitucional assim qualificada, exorta a doutrina se evite “método interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo, a máxima eficácia possível dos direitos fundamentais.” Observa Jorge Miranda que “a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação...”. É certo que o Tema 1.031 de Repercussão Geral trata de questão disciplinada por dispositivo distinto do que ora analisado. Todavia, o reconhecimento da coerência sistêmica presente no texto constitucional revela o despropósito na adoção de critérios hermenêuticos distintos para dispositivos presentes no mesmo artigo (231) da Constituição, em um contexto no qual ambos veiculam normas de conteúdo protetivo em favor de seus beneficiários. A também repelir qualquer possibilidade de utilização de critérios díspares na interpretação do art. 231 e seus incisos, o próprio STF deliberou de forma expressa acerca da necessidade de interpretação finalística do § 3º desse dispositivo. Tal manifestação, com efeito, teve lugar no julgamento do RE 1379751, que tem como pano de fundo o exame da constitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, mediante o qual o Congresso Nacional autorizou o aproveitamento dos recursos hídricos de terras indígenas que seriam afetadas pela Usina de Belo Monte. Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o acerto do acórdão proferido por este TRF1 acerca da inconstitucionalidade do mencionado ato normativo, porquanto editado antes da imprescindível consulta (prévia) aos povos indígenas interessados. Registre-se, por importante, que a Corte Suprema veio concluir pela inviabilidade da anulação do licenciamento ambiental irregularmente concedido – diante da ausência de consulta prévia oportunamente instaurada – unicamente por conta do cenário fático divisado à época do julgamento da causa, no qual a Usina de Belo Monte já se encontrava em pleno funcionamento. Assim – é importante que seja esclarecido –, o STF deixou de anular Decreto Legislativo 788/2005 e o licenciamento ambiental na hipótese então examinada tão somente em razão da consolidação fática verificada, é dizer, apenas porque os prejuízos advindos da suspensão das atividades já iniciadas da Usina de Belo Monte traria prejuízos maiores do que os ganhos que seriam proporcionados. Feito este registro, passo aos termos do julgado proferido pelo STF, de logo pontuando a irrelevância atribuída pelo Tribunal Constitucional ao fato de a Usina de Belo Monte não ter sido construída dentro de terras indígenas, para fins de reconhecimento da obrigatoriedade de aplicação do art. 231, § 3º, da Constituição Federal. Lapidar e esclarecedora, nesse sentido, a seguinte passagem da decisão do Ministro Alexandre de Moraes que veio a ser confirmada à unanimidade pela Primeira Turma (destaquei): “Destaco, ainda, que não se sustenta o argumento do IBAMA, igualmente sustentado pela UNIÃO, de que o empreendimento não se localiza em terras indígenas, pois, conforme muito bem destacado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mostra-se inegável que, embora o empreendimento em si não esteja totalmente localizado em áreas indígenas, os seus impactos os quais abrangem área muito superior à do próprio empreendimento indiscutivelmente abrangeram terras indígenas.” E de forma ainda mais enfática o Relator prosseguiu (destaquei): “Além disso, uma interpretação sistemática e finalística do art. 231, § 3º, da Constituição Federal não impõe como requisito que o empreendimento propriamente dito esteja situado em terras indígenas, mas apenas que estas terras venham a ser efetivamente por ele afetadas. Do contrário, caso o referido dispositivo constitucional seja interpretado de forma literal e restritiva, como proposto pelos recorrentes, admitir-se-ia o absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” Como bem se vê, a decisão monocrática reiterada no voto condutor do julgamento do agravo interno tomou como absurda, nas palavras do Relator, qualquer interpretação que constringisse o sentido finalístico da norma constitucional examinada. Na mesma oportunidade, o Ministro Alexandre de Moraes também perfilhou expressamente o substancioso parecer do MPF, este que pode ser condensado nas seguintes passagens (destaquei): "Nenhuma norma jurídica existe isoladamente por si mesma. Ela deve ser entendida como elemento parcial de uma ordem jurídica geral", nota Rüthers. Cuida-se então de pesquisar o sentido dos diversos níveis contextuais onde inserido o art. 231. [...] Daí o sentido imputado aos réus ao art. 231, § 3º, não se ajustar ao restante da Constituição. Na verdade, agride os objetivos fundamentais da República. A necessidade de se colher a autorização protetiva do Congresso Nacional apenas para obras no interior de terras indígenas exporia um grupo social definido por sua raça a ter revogada sua concepção milenar de bem comum por decisão executiva. Para tanto, basta que efeitos igualmente devastadores das terras indígenas sejam provocados por causa contígua às reservas. [...]” E em mais uma oportunidade o posicionamento firmado na decisão chancelada pelo órgão fracionário do STF foi registrado nos seguintes termos: “Não há dúvida de que o Congresso Nacional, ao editar o famigerado Decreto Legislativo 788/2005, assim o fez com um insanável vício material desse decreto, porque não havia elementos de consulta para poder editar a autorização. E a Constituição Federal, no seu art. 231, § 3º, quando determina a competência do Congresso Nacional para autorizar qualquer empreendimento em terras indígenas, só poderá fazê-lo ouvidas as comunidades afetadas, antes, a fim de que lhe seja assegurada, inclusive, a participação nos lucros do empreendimento. Ora, a interpretação aqui tem que ser sistêmica e não meramente literal, como fizera o douto voto condutor do acórdão embargado. E, para que o Congresso Nacional possa se desincumbir da sua missão constitucional autorizativa desse empreendimento, através do pré-falado Decreto Legislativo, teria necessariamente que se realizar antes o estudo prévio de impacto ambiental com o seu relatório conclusivo, nos termos da Resolução 1-CONAMA, de 23/1/86, que assim determina em seu art. 6º: (destaquei) É de clareza solar, portanto, o posicionamento do STF no sentido de ser incompatível com o ordenamento constitucional sistemicamente valorado aquilo que se mostraria como uma interpretação mutilada do § 3º do art. 231 da Constituição Federal. Diante do exposto, o reconhecimento sobre a inexistência de controvérsia quanto à afetação de terras indígenas pelo empreendimento na espécie debatido reforça a necessidade de aplicação da ratio decidendi fixada pelo STF nos precedentes invocados, ante a evidente constatação de que esse tribunal superior valorou, como não poderia deixar de ser, o conteúdo finalístico do art. 231, § 3º, da Constituição Federal. A propósito, embora não tenha havido menção expressa no julgamento do RE 1379751, a linha hermenêutica nele sufragada também encontra respaldo no princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, segundo o qual a interpretação constitucional, nomeadamente no que se refere às normas protetivas de direitos, não deve ser reduzida pela literalidade do texto analisado, sendo imperiosa a valoração de seu contexto, finalidade e dos valores nela implícitos. Cuida-se, com efeito, de axioma pacífico, o de que a norma constitucional deve ser interpretada com o sentido que lhe confira maior eficácia. De igual modo, as normas de caráter protetivo devem atender aos fins sociais a que se destinam, daí porque hão de ser interpretadas e aplicadas com base nessa exata perspectiva. Trata-se, a propósito, de premissa que substancia os princípios in dubio pro reo, in dubio pro misero, in dubio pro natura e in dubio pro persona, este último com sua relevância no contexto da proteção conferida pelo Direito Internacional aos Direitos Humanos. Na espécie, cuidando-se de interpretação relativa a normas protetivas dos povos indígenas, teria lugar o que poderia ser concebido como um princípio in dubio pro indigna (aplicável, ressalve-se, como critério hermenêutico de normas dessa específica natureza protetiva). Além do julgamento do RE 1379751, é oportuno registrar a decisão proferida pelo Ministro Flávio Dino em 11/03/2025 em sede de medida cautelar no Mandado de Injunção nº 7490, no qual se discute a existência de omissão legislativa na regulamentação dos arts. 176, §1º, e 231, §§ 3º e 6º, da Constituição Federal. Na referida decisão, a interpretação finalística das disposições presentes no art. 231 da Constituição Federal foi mais uma vez a mola propulsora da conclusão externada, senão, vejamos (destaques em negrito acrescidos): “45. Acerca da participação nos resultados (art. 231, §3º), em que pese a literalidade do texto constitucional restringir-se à participação dos resultados da lavra, a interpretação que mais se coaduna com a proteção integral dos direitos e garantia da dignidade aos povos indígenas é a que também assegura o direito à participação nos resultados do aproveitamento dos recursos hídricos e dos potenciais energéticos, inclusive à vista do caráter amplo do art. 176, § 1º, CF. (...) 51. À vista das normas jurídicas citadas - Constituição Federal e legislação internacional - e de tudo o quanto já foi decidido pelo STF no RE 1379751, não restam dúvidas de que os povos indígenas são titulares do direito à participação nos resultados da exploração de recursos hídricos e da lavra de minerais que ocorram ou repercutam diretamente em suas terras.” Ainda para demonstrar a pertinência da aplicação das premissas fixadas pelo STF no RE 1379751 – apesar de a esta altura já se mostrar tautológica essa argumentação –, cabe trazer à baila o contexto no qual veio a ser editado o Decreto Legislativo nº 788/2005, ato que em sua essência foi considerado nulo pelo STF, mas que foi juridicamente preservado apenas em razão dos graves prejuízos que, àquela altura, resultariam de sua anulação. Nesse sentido, diante da evidente repercussão que as atividades da Usina de Belo Monte provocaria em terras indígenas, conquanto o empreendimento não tivesse sido construído em seu interior, este Tribunal Regional Federal negou provimento a agravo de instrumento interposto pela União contra decisão pela qual havia sido sustada a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para implantação, no Rio Xingu, da referida usina hidrelétrica. No julgamento do mencionado agravo (Nº 2001.01.00.030607-5/PA), esta Sexta Turma a um só tempo consignou a necessidade de avaliação, a cargo do Ibama, sobre o impacto ambiental potencialmente resultante do empreendimento, bem assim a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a sua implementação, e isso não pelo fato de que ele estaria sediado dentro de terras indígenas, mas pela suficiente razão de que nelas repercutiria. Confira-se, a propósito, a seguinte passagem do voto condutor do julgado então Juiz Federal e agora Desembargador Alexandre Vasconcelos: “ Impende ressaltar, outrossim, ter o autor-agravado informado a existência de várias áreas de terras indígenas na região atravessada pelo Rio Xingu, impondo-se a conclusão preliminar de que a construção da usina hidrelétrica influirá no volume de água do rio, afetando as aludidas reservas. Desse modo, em face da qualidade do bem afetado e da dimensão do impacto ambiental, bem assim ante a possibilidade de o empreendimento atingir reservas indígenas, conclui-se ser imprescindível a intervenção do IBAMA — órgão executor que integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) —, em todas as etapas, inclusive naquelas que antecedem o empreendimento. In casu, portanto, a atuação da autarquia federal não haverá de ser supletiva.” Note-se, portanto, que esta Turma considerou como causa suficiente para a avaliação do DL 788/2005 e da necessidade de atuação do Ibama na hipótese então em apreço o fato de que o empreendimento “afetaria” e “atingiria” terras indígenas. Inconformada com o referido julgado, a União e a Eletronorte apresentaram, sem êxito, a Pet 2604, cuja pretensão de suspensão dos efeitos do acórdão deste Regional veio a ser indeferida pelo então Ministro Marco Aurélio, o que foi feito inclusive com valoração – e rejeição – dos argumentos de que a Usina não afetaria diretamente terras indígenas. De modo que em momento posterior à prolação das mencionadas decisões judiciais o Congresso Nacional veio a editar o controverso Decreto Legislativo nº 788/2005, este que possui a seguinte dicção (destaquei): Art. 1º É autorizado o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu, denominado "Volta Grande do Xingu", localizado no Estado do Pará, a ser desenvolvido após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessários. Art. 2º Os estudos referidos no art. 1º deste Decreto Legislativo deverão abranger, dentre outros, os seguintes: (...) IV - estudo de natureza antropológica, atinente às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do empreendimento, devendo, nos termos do § 3º do art. 231 da Constituição Federal, ser ouvidas as comunidades afetadas. Pois bem, ainda que abstratamente invalidado pelo STF em razão de ter autorizado os procedimentos inerentes ao aproveitamento hídrico de Belo Monte antes da realização de consulta prévia às comunidades afetadas, o mencionado ato legislativo traz em seu conteúdo a expressa consignação de que a autorização nele concedida teve como premissa a repercussão causada nas comunidades indígenas localizadas “na área sob influência” do empreendimento, adotando, portanto, o mesmo critério finalístico do art. 231, §3º, da Constituição Federal. Assim, por qualquer ângulo que se examine a questão, a única interpretação que se mostra compatível com a finalidade presente nas disposições do dispositivo apontado é a de que a autorização do Congresso Nacional será imprescindível sempre que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais causar impacto relevante em terras indígenas, sendo a toda prova desnecessária a demonstração de que as atividades em questão sejam desenvolvidas no interior destas. No caso concreto, como inclusive registrado no voto do Exmo. Relator, não há dúvidas quanto à envergadura (e a relevância) do Projeto Potássio Autazes, sendo igualmente incontroverso o fato de que ele repercutirá em diversas aldeias indígenas, daí porque, em respeito ao que foi estatuído pelo STF no julgamento definitivo do RE 1379751, na decisão proferida na Pet. 2604, bem assim no precedente acima mencionado desta mesma Sexta Turma, a decisão agravada deve ser mantida no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional. Além do julgado desta Turma acima referido, este tribunal também se pronunciou em outras oportunidades sobre a questão ora examinada. Exemplificadamente, no julgamento da apelação 1999.01.00.068811-3/MT, a Quinta Turma desta Corte considerou necessária a autorização Congresso Nacional também para a realização de estudos ou implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná na forma prevista no art. 231, § 3º da Constituição Federal. Na ocasião, a então relatora, Desembargadora Selene Maria de Almeida, bem observou: “A Constituição Federal prevê, em seu art. 231, § 3º, o seguinte: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.” (...) Deveras, para que se apreenda o significado de uma norma é preciso buscar sua finalidade, a ratio legis. A interpretação teleológica do artigo em comento (e de todo o Capítulo em que se insere) consiste em indagar-se qual a intenção objetivada pelo dispositivo. Qual é o bem ou interesse jurídico que se pretende proteger? A resposta, sem dúvida, é a proteção das comunidades indígenas contra modificações predatórias no meio em que vivem. E sua excelência prosseguiu: “A União, por sua vez, não logrou desconstituir tais afirmações sobre os fatos mencionados no parecer técnico do IPHAN. Limitou-se a minimizar os efeitos dos estudos e a afirmar que o Rio Paraguai “apenas margeia a área indígena”, como se isso não viesse a afetar as populações indígenas de modo a fazer necessária a autorização do Congresso Nacional (fl. 654). As observações do parecer técnico acima mencionadas são extremamente preocupante.” E mais uma vez tratando da questão, a Quinta Turma desta Corte externou o seguinte posicionamento: “Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental” (AG 0018341-89.2012.4.01.0000, Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1 - Quinta Turma, e-DJF1 10/08/2012). E no mesmo julgado foi ainda abordada a questão referente à competência para o licenciamento ambiental – a ser melhor tratada no tópico seguinte –, no sentido de que, tal qual em relação à Usina de Belo Monte, “idêntica consideração se deve fazer em relação ao Projeto Volta Grande de Mineração, a meio caminho, por assim dizer, da Usina Belo Monte e das terras indígenas, de modo que a mesma entidade licenciadora da usina (IBAMA) deve ser também a do empreendimento de mineração, como decorrência, por sua relação ambiental com as terras indígenas”. “O licenciamento deve estar a cargo da autarquia federal, que, ainda que por decisão judicial, licenciou a UHE Belo Monte, e, portanto, pode adequadamente avaliar as interações entre os empreendimentos e suas repercussões nas comunidades indígenas vizinhas, afetadas pelo primeiro empreendimento e cuja situação pode agravar-se pelo projeto de mineração.” (AC 0001813-37.2014.4.01.3903, Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, TRF1 - Sexta Turma, PJe 11/09/2023) O que se observa, portanto, é que, ressalvados os pontos de vista divergentes também encontrados em outros julgados, este Tribunal possui longevo posicionamento que se mostra convergente com a necessidade de observância do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, daí porque, data vênia, a fixação de linha decisória distinta substanciará o que se pode denominar como um injustificável retrocesso jurisprudencial. Da competência do Ibama para o licenciamento ambiental No que se refere à competência para o licenciamento ambiental, do mesmo modo que já esclarecido em relação à necessidade de autorização do Congresso Nacional, a análise da questão deve ser feita com base no aspecto finalístico das normas que tratam do tema, também sendo reclamada, nessa situação, a aplicação do princípio hermenêutico da máxima efetividade, este que obviamente deve ser aplicado não somente às normas presentes no corpo da Constituição, como também às de hierarquia inferior que tenham sido editadas com a finalidade de realização de direitos e garantias naquela previstos. Por outro lado, a interpretação das normas jurídicas deve ser feita de modo a assegurar a coerência do sistema no qual estão inseridas, não se mostrando possível, portanto, a atribuição de sentidos e alcances teleologicamente conflitantes para dispositivos inseridos dentro de um mesmo conjunto normativo. Não há razão, portanto, para que se entenda pela necessidade de consulta prévia quando se tratar de empreendimentos realizados no entorno de terras indígenas, com o potencial de afetá-las e, ao mesmo tempo, rechaçar-se a competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento. Aplica-se ao ponto em exame, com efeito, o mesmo sentido da manifestação do Ministro Alexandre de Moraes quando referiu-se ao “absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” De modo que a definição sobre a competência do Ibama para o licenciamento em terras indígenas deve ser pautada por seu conteúdo finalístico e não por sua literalidade semântica. Pensar diferente significaria, por exemplo, afastar a competência da autarquia federal para o licenciamento de um empreendimento de impacto situado a apenas 1 metro de distância de uma determinada terra indígena, ainda que sobre ela causasse relevante repercussão. Em sentido concorde com essa compreensão, no julgamento do RESP 1.390.476 o STJ manteve hígido acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região no qual a Corte Regional decidiu pela competência do Ibama para o licenciamento ambiental de empreendimentos realizados em áreas contíguas a terras indígenas. A Corte da Legalidade assim resumiu seu entendimento: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (...) II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de “(...)" que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) Observe-se, por importante, que embora o STJ tenha invocado sua Súmula 07 como fator elemento impeditivo da admissibilidade do Recurso especial em comento, o fez à premissa da inviabilidade do revolvimento fático que envolve a controvérsia para se saber se os aspectos dessa natureza (fáticos) encontravam amparo na prova produzida. Assim, a premissa jurídica contida na decisão do TRF da 4ª Região – qual seja, a de que a competência para o licenciamento deve ser do IBAMA quando se tratar de empreendimento realizado em áreas contíguas a terra indígena que, por essa razão, será por ele afetado, – não é alcançada pela Súmula 07 do STJ. É dizer, caso dessa premissa jurídica discordasse, o STJ poderia, se assim entendesse correto, conhecer e dar provimento ao recurso especial em referência, fundando-se na conclusão de que empreendimentos realizados fora de terra indígena, ainda que nela repercutam, devem ser licenciados pelo órgão ambiental estadual. Trata-se, com efeito, de precedente que lastreou a prolação de diversas decisões monocráticas em casos semelhantes, à exemplo das que exaradas no RESp 2180955, Min. Ministro Francisco Falcão (04/04/2025), no AREsp 2059895, Min. Paulo Sérgio Domingues (04/11/2024) e no AREsp 2510802, Min. Sérgio Kukina (03/09/2024 - nesse último caso, a propósito, foi o IBAMA quem interpôs o recurso especial, sustentando sua incompetência para o licenciamento, o que foi rejeitado pelo tribunal de origem e pelo relator), entre outras. Por outro lado, o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011 dispõe ser da União a atribuição para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, localizados ou desenvolvidos em terras indígenas. Ora, apesar da referência genérica à União, é intuitivo que o referido ditame em verdade dispõe sobre a competência de sua entidade descentralizada vocacionada para essa finalidade, qual seja o Ibama, entidade que é executora do Sisnama, conforme explicitado no art. 4º da Resolução Conama 237/97, dispositivo que em seu inciso I igualmente assinala a atribuição da autarquia ambiental federal para o licenciamento em terras indígenas. De todo modo, ao disciplinar sobre a competência do Ibama para o licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas em terras indígenas, a Lei Complementar nº 140/2011 visa dar concretude, dentro de seu escopo, à obrigação imposta pelo legislador constituinte à União de proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas (art. 231, caput). Em outras palavras, a máxima efetividade da norma protetiva constitucional em exame pressupõe que também a norma jurídica que seja dela derivada deva ser interpretada com idêntico balizamento hermenêutico. Em par com toda essa constatação, cabe agora registrar que no julgamento da Pet 3388 (Relator: Min. Carlos Ayres Britto) no qual foi analisado o paradigmático caso da demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 19/03/2009, consignou a relação de pertinência temática entre terras indígenas e o meio ambiente, tendo fixado no resumo de seu julgado a compreensão de que “há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental”. Esse posicionamento, com efeito, foi reiterado no multirreferido acórdão do RE 1379751 ED-terceiros-AgR/PA, no qual a alusão ao julgado anterior teve como motivo a necessidade de observância do princípio da precaução também no trato das questões que se refiram às terras indígenas. De sorte que a competência do Ibama para o licenciamento ambiental também deve ser reconhecida pela perspectiva do princípio da precaução, em um contexto no qual o empreendimento em discussão afetará cerca de doze mil indígenas que residem em mais de trinta aldeias diferentes. Ainda a propósito, na decisão de ID 2128569975, a julgadora da origem menciona: “[E]m conexão com o presente processo está Ação com pedido de tutela cautelar impugnando doze licenças concedidas pelo IPAAM para o funcionamento do projeto que trata da exploração do mineral potássio (silvinita) dos Municípios de Autazes e Careiro da Varzea, inclusive em terras indígenas Mura. Como se vê, a existência de doze licenças ambientais (!!!) para o que se tem como um único empreendimento de exploração mineral ao menos indica que não se trata de atividade de pequeno impacto, podendo ser ainda questionada, neste momento de exame da competência para o licenciamento, a razão para o que se afigura como um disfarçado fracionamento da licença ambiental pertinente. Claro, portanto, que a envergadura do projeto em apreço é proporcional à envergadura da afetação que ele produzirá em tantas pessoas e localidades, fato que não apenas justifica, mas em verdade impõe que, dado o caráter precaucional que deve permear a avaliação ambiental, a competência para a sua realização, na espécie, deve se dar em conformidade com o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011. Não bastasse tudo isso, veja-se ainda que as disposições presentes na Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental no caso presente. Referido normativo estabelece os procedimentos administrativos que disciplinam a atuação da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde nos processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. (cf. art. 1º) O mencionado normativo dispõe no caput de seu art. 3º, que “No início do procedimento de licenciamento ambiental, o IBAMA deverá, na FCA, solicitar informações do empreendedor sobre possíveis intervenções em terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária.” Já o § 2º do art. 3º prevê que, “[P]ara fins do disposto no caput, presume-se a intervenção: I - em terra indígena, quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena, respeitados os limites do Anexo I”. O referido anexo I possui o seguinte feitio: Como se vê, em áreas inseridas na Amazônia Legal, o anexo em comento considera a distância de 10 quilômetros lineares como aquela na qual podem ser ocasionados os impactos socioambientais mencionados no § 2º do art. 3º. Portanto, um simples exercício de lógica induz à óbvia conclusão de que o Ibama é o responsável pelo licenciamento dos empreendimentos localizados a menos de dez quilômetros de terras indígenas e que sobre elas possam repercutir. Especificamente quanto a tal aspecto fático, reporto-me ao voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000 (destaquei): “... a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas).” Além disso, há nos autos principais diversos documentos no sentido de que várias aldeias distam menos de dez quilômetros do empreendimento debatido, inclusive com manifestação da Funai pela ocorrência de sobreposição em uma delas. Portanto, o que em última análise se tem é que, ao recusar sua competência para o licenciamento ambiental no caso concreto, o Ibama, mais que tudo, também nega cumprimento à Portaria Interministerial nº 60/2015. A propósito, o teor da aludida portaria também deixa clara a obrigatoriedade de participação da Funai na análise do empreendimento em causa. Encerrando o exame do ponto, refiro-me a mais um precedente desta Sexta Turma no sentido de que “é imprescindível a intervenção do IBAMA nos licenciamentos e estudos prévios relativos a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, que afetarem terras indígenas ou bem de domínio da União (artigo 10, caput, e § 4º, da Lei nº 6.938/81, c/c artigo 4º, I, da Resolução nº 237/97, do CONAMA)”. - Destaquei. (REO 0098728-48.1999.4.01.0000, Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (CONV.), TRF1, DJ 29/01/2007). Dos argumentos processuais da União O ente público traz inicialmente em seu agravo a alegação de violação ao art. 505 do CPC. A tese, contudo, não pode ser acolhida, na medida em que, além de serem caracterizadas por sua natureza precária, as decisões incidentalmente proferidas ao longo do processo são evidentemente pautadas pela cláusula rebus sic stantibus, podendo assim ser revisadas pelo condutor do processo na hipótese em que novas circunstâncias nele verificadas assim o justificarem. Exatamente por isso que o julgador pode revogar uma decisão anteriormente proferida para, por exemplo, indeferir pedido de tutela antecipada anteriormente concedida ou, com base em novos elementos de convicção, externar novo posicionamento acerca da necessidade ou desnecessidade da produção de determinado tipo de prova. Assim, diversamente do que sustenta a União, inexiste óbice processual para que o condutor do processo, diante de novos elementos de prova que considere relevantes, realize nova avaliação de uma questão outrora examinada, seja para decidir em sentido diverso, seja para confirmar seu posicionamento anterior agora com nova fundamentação. Pensar diferente, com efeito, seria manietar do condutor do processo o exercício de seu poder geral de cautela – este deve ser exercitado levando-se em conta atualidade do cenário processual divisado –, a partir de uma equivocada desconsideração da natureza dinâmica do processo, tomando-o como algo estanque e refratário às atualizações naturais resultantes do aglutinamento dos novos elementos de prova que nele aportam. Em suma, inexiste impedimento para que o julgador, depois de deferir tutela de urgência com base em determinado fundamento e de que essa medida antecipatória seja sustada em razão da superação da premissa utilizada, possa novamente examinar a questão com base em novos elementos de convicção. No caso concreto, a inspeção judicial e a superveniência de novas informações acerca da assembleia realizada municiaram a julgadora da origem com novas informações que justificaram a prolação de um novo comando, inexistindo ilegalidade nesse proceder. Tal o contexto, igualmente não se há de falar em dificuldade de compreensão acerca do conteúdo, alcance e balizas da decisão agravada, esta que, como visto, revisitou em parte questões anteriormente analisadas, fazendo-o, contudo, com base em argumentação lastreada nos novos elementos de convicção trazidos aos autos. Na mesma linha, tratando-se de decisão lastreada em novos elementos probatórios, é equivocado cogitar-se de confronto à decisão proferida na SLS 1038484-33.2022.4.01.0000, esta atrelada ao contexto processual verificado mais de um ano antes da prolação da decisão agravada, contexto este que, como adiantado, veio a ser substancialmente alterado. Também não deve ser acolhida a alegação de que ter havido prejuízo à compreensão das partes acerca das medidas adotadas com vista ao licenciamento debatido. A decisão, com efeito, é clara e coesa tanto sobre as razões que justificaram sua prolação quanto em relação às diretrizes nela fixadas. Do recurso da Empresa Potássio do Brasil Considerando-se já terem sido apreciadas as questões referentes à necessidade de autorização do Congresso Nacional e à competência do Ibama, apenas o ponto concernente à consulta prévia realizada remanesce pendente de exame. Sobre o ponto, transcrevo, como razões decidir, a seguinte passagem do voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000: “Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias distorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um dos encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os royalties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho[1], tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante.” Conclusões: a) É fato incontroverso que o empreendimento Projeto Potássio Autazes está sendo implementado no entorno de Terras Indígenas ocupadas pelo Povo Mura e que, caso concretizado, nelas e nas respectivas comunidades irá repercutir; b) o art. 231, § 3º, da Constituição Federal, impõe a autorização do Congresso Nacional sempre que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais causar impacto relevante em terras indígenas, sendo a toda prova desnecessária a demonstração de que as atividades em questão sejam desenvolvidas no interior destas. É obrigatória, portanto, a observância do referido dispositivo no caso concreto; c) o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, o art. 4º da Resolução Conama 237/97 e a Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental objeto do empreendimento em discussão; d) os elementos probatórios presentes nos autos principais põem em dúvida a validade do procedimento de consulta prévia levado a efeito, sem prejuízo de sua aparente regularidade durante boa parte do período em que teve curso. Ante o exposto, nego provimento aos agravos de instrumento nº 1042776-27.2023.4.01.000, nº 1043035-22.2023.4.01.0000 e nº 1039810-91.2023.4.01.0000. É como voto. Des(a). Federal KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1039810-91.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: POTASSIO DO BRASIL LTDA. AGRAVADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, AGENCIA NACIONAL DE MINERACAO, ESTADO DO AMAZONAS, CONSELHO INDIGENA MURA, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1. Agravo de instrumento interposto pela União contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, formalizada pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de manifestação de outras comunidades não invalida a consulta, uma vez que tais comunidades adequadamente receberam todas as informações sobre o projeto, inclusive nos autos de origem, e mantiveram-se inertes. Mantida a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos que forem considerados afetados. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A proximidade entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura deslocamento de competência ao IBAMA, não atraindo a incidência do art. 7º da referida lei complementar. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada ou delimitada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. Agravo interno prejudicado. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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Processo nº 0043491-28.2010.4.01.3400
ID: 261749941
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0043491-28.2010.4.01.3400
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO MACHADO DE CARVALHO
OAB/DF XXXXXX
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RODRIGO MADEIRA NAZARIO
OAB/DF XXXXXX
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LUCIANA SILVA GRALOUW
OAB/DF XXXXXX
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RAQUEL COPPIO COSTA
OAB/DF XXXXXX
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JOAO MARCOS AMARAL
OAB/DF XXXXXX
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RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO
OAB/DF XXXXXX
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SERGIO FERRAZ
OAB/SP XXXXXX
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RENATO OLIVEIRA RAMOS
OAB/DF XXXXXX
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LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA
OAB/RJ XXXXXX
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ANDRE DE MOURA SOARES
OAB/DF XXXXXX
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ADEMAR CYPRIANO BARBOSA
OAB/DF XXXXXX
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CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA
OAB/DF XXXXXX
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LEO ROCHA MIRANDA
OAB/DF XXXXXX
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CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS
OAB/DF XXXXXX
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CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA
OAB/DF XXXXXX
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JOSE RICARDO BAITELLO
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0043491-28.2010.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 0043491-28.2010.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0043491-28.2010.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 0043491-28.2010.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, JOAO MARCOS AMARAL - DF25113-A, RAQUEL COPPIO COSTA - DF43660-A, LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A, RODRIGO MADEIRA NAZARIO - DF12931-A e THIAGO MACHADO DE CARVALHO - DF26973-A POLO PASSIVO:MAURICIO MARINHO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, RODRIGO MADEIRA NAZARIO - DF12931-A, LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A, RAQUEL COPPIO COSTA - DF43660-A e JOAO MARCOS AMARAL - DF25113-A RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0043491-28.2010.4.01.3400 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA, JULIO TAKERU IMOTO, ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, HORACIO CESAR MARTINS BATISTA, ESPÓLIO DE ROBERTO GARCIA SALMERON, FERNANDO LEITE DE GODOY e MAURÍCIO MARINHO apelam da sentença proferida pelo Juízo 22ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que julgou parcialmente procedente a ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, condenando-os nas sanções do art. 12, II, da Lei nº 8.429/92, pela prática de condutas ímprobas descritas nos arts. 9º, caput e I, e 10, I, XII e XVIII, da mesma Lei. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT, por sua vez, apelam da sentença que absolveu Eduardo Coutinho Lins. Narra a inicial, no que interessa (ID 332938161, pp. 3/90), que no âmbito da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT, instalou-se grupo dirigido a práticas ilícitas de arrecadação de recursos de fornecedores de bens e prestadores de serviços, recursos estes destinados a pessoas físicas e a entidade partidária, corré. Mais precisamente, ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, membro do Partido Político, teria nomeado o corréu ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA para as Diretorias de Recursos Humanos - DRH e, posteriormente, de Administração – DIRAD, no período compreendido entre 11 de fevereiro de 2003 e 08 de junho de 2005. O Corréu teria, então, em ajuste com os demais Requeridos, implementado prática reiterada de solicitações de pagamento de vantagens indevidas em favor de políticos, agentes públicos e particulares, segundo divisão hierárquica de tarefas, configurando-se inclusive a arrecadação e movimentação de recursos não contabilizados para fins político-partidários. Por fim, o MPF requereu a condenação dos Requeridos às penas do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 9º, I, IV, XII; 10, XII, XIII; e 11, I, II e III, da Lei nº 8.429/92, da Lei nº 8.429/92. A sentença (ID 280508465, pp. 178/207 a 280508466, pp. 1/58) julgou parcialmente procedente a ação de improbidade administrativa, com base nos seguintes fundamentos: “67. Não se olvida constituir fato ordinário esperado que empregados incumbidos de dirigir procedimentos de licitações e fiscalização das contratações elaborem e mantenham documentos para tal controle, segundo estrutura e atribuições no âmbito da ECT (fls. 934/957). A propósito, explicaram alguns dos requeridos se tratar de procedimento de rotina adotado por diretores a fim de ter ciência dos contratos em execução e discussões em reuniões em órgãos colegiados da ECT, vindo as planilhas a serem reeditadas e atualizadas periodicamente por meio da inserção de informações relevantes acerca de contratação ou execução das avenças. 68. No entanto, chamam a atenção na espécie As informações adicionais LANÇADAS EM algumas DAS planilhas, BEM COMO as circunstâncias de elaboração e gestão dos documentos, encontrados na posse de 3 (três) diferentes corréus. 69. Em primeiro lugar, algumas das planilhas apresentam dados digitados concernentes a percentuais e/ou valores absolutos vinculados a cada contrato, não havendo informação clara acerca da natureza e necessidade de tais registros. Outrossim, uma das planilhas registra anotações manuscritas relativas a iniciais de possíveis nomes. (...) 72. Com efeito, entendo haver lastro probatório suficiente à elucidação das circunstâncias de elaboração das planilhas. Informaram os requeridos que o Sr. MAURÍCIO MARINHO trabalhava em andar inferior do prédio da ECT, distante do pavimento onde funcionava a DIRAD. Ainda, o requerido FERNANDOLEITE DE GODOY INFORMOU TRABALHAR ASSESSORADO POR DUAS SECRETÁRIAS as quais vieram a ser ouvidas no inquérito policial. (...) 78. Como terceiro documento de relevo, foi localizada no gabinete do requerido ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA planilha intitulada “PROCESSOS PARA ASSINATURA/redir” onde constam expressões manuscritas, apostas no campo destinado a observações: “FL JAPA EP JG M” (fls. 657/662). 79. Todas as características ora descritas são explicadas pelo corréu MAURÍCIO MARINHO-único a admitir ciência e elaboração dos documentos em termos simples. De fato,a expressão “AGREM.” Diz respeito à agremiação partidária. Ademais, as colunas próprias representam referências a percentuais de verba sobre os contratos, segundo resultados esperados dos contatos e consequentes pagamentos pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços da ECT. 80. No ponto, transcrevo excerto que bem sintetiza as circunstâncias e o significado das informações lançadas nas planilhas, consoante manifestação em defesa preliminar do requerido MAURÍCIO MARINO: “A partir destas planilhas foi solicitado pelo então diretor que fosse feita outra planilha com relação de possíveis fornecedores que poderiam auxiliar na campanha política de 2004, e no pagamento das despesas decorrentes da referida campanha”(fls. 3.562/3.563 volume 15). 81. Com essas considerações, entendo demonstrada a existência da prática de atos de solicitação de pagamentos nas circunstâncias descritas. Passo a apurar O acervo probatório para especificação de fatos e delimitação de responsabilidades. 82. Para além desta veemente prova da ocorrência de práticas ilícitas no âmbito da empresa pública, os demais meios de prova demonstram em pormenores a concretização da atividade. 83. Primeiramente, representantes de empresas adjudicatárias de certames ou já contratadas corroboraram a prática de solicitações de doações pelos requeridos MAURÍCIO MARINHO e JULIO TAKERU IMOTO, consoante depoimentos prestados no inquérito policial (fls. 925/926, 927/928, 931/932). 84. O corréu MAURÍCIO MARINHO encarregava-se de contato mais frequente com adjudicatários e/ou contratados aos quais solicitava contribuições destinadas ao partido ou candidato determinado. A respeito do fato declarou LIANA APARECIDA DE ARAÚJO: “... Que raramente atendia fornecedores, uma vez que havia a orientação de MAURÍCIO MARINHO no sentido de que esses fossem diretamente atendidos por ele” (fl. 665). 85. Ademais, a prática é inclusive objeto de confissão (judicial e extrajudicial) em diversos depoimentos (fls. 865/867, 877/878), bem assim ratificada em declarações de empresários. 86. Por sua vez, JULIO TAKERU IMOTO, na qualidade de consultor da diretoria de operações - DIOPE, também dedicou-se à prática ilícita, tendo sido juntada aos autos cópia impressa de Mensagem de correio eletrônico cujo teor expressamente refere-se à solicitação de produção e entrega de material têxtil destinado ao deputado José Charles (fl. 663), parlamentar responsável pela indicação do REQUERIDO Maurício marinho PARA INGRESSAR NO ÓRGÃODE TREINAMENTO DE PESSOAL DENOMINADO Universidade dos Correios, segundo próprio requerido em depoimento pessoal em audiência de instrução. (...) 88. Em complemento à mensagem e contato telefônico, destaco os pormenores constantes do depoimento de Haroldo Claudio Marschner Hager (fl. 869). Diversamente do alegado pelo requerido MAURÍCIO MARINHO, único a admitir a prática de solicitações de valores a contratados, porém não condicionada à doação a qualquer ato da ECT, o representante da Empresa PRECISION COMPONENTES LTDA. Relata serem os comportamentos de não atendimento às solicitações associados a retaliações tais como retardamento da assinatura de contrato, reprovação de amostras e devolução de lotes. (...) 91. Presente, pois, evidência de atuação conjunta dos requeridos MAURÍCIO MARINHO E JULIO TAKERU IMOTO nas práticas ilícitas de solicitações de doações. (...) 98. Primeiramente, destaco planilha manuscrita contendo nomes de pessoas naturais e números, compatíveis com valores. Ademais, consta também referência a “material entregue a Jorge PTB”(fl. 889). 99. Ainda mais relevante, foram localizadas também no gabinete do diretor da DIRAD mídias digitais cujos arquivos de imagem (passíveis de impressão) e áudio trazem material de campanha do referido pleito. Como mais significativa prova encontram-se nas mídias apreendidas 38 arquivos de imagem JPG contendo os denominados “santinhos”, típico material de campanha atinente a diversos candidatos (vide Laudo de Exame de Dispositivos de Armazenamento Computacional; Laudo nº 2565/2008-INC/DICET/DPE; DVD; Apreensão Gabinete de Osório Item 6). 100. Destarte, considero demonstrado que a prática de solicitação a contratados de contribuições sob a forma de valores, produtos ou serviços ocorreu em concomitância à campanha eleitoral de 2004, não adstrita, pois, a pedidos de contribuições de valores posteriormente ao pleito para fins de quitação de débitos pendentes dele originários”. O apelante Antônio Osório Menezes Batista aduz, em preliminar, inépcia da inicial e prescrição. No mérito, sustenta a ausência de dolo e a ausência de proveito material (ID 332938661, pp. 19/45). O apelante Julio Takeru Imoto alega, em preliminar, prescrição. No mérito, questiona a falta de materialidade e autoria dos atos de improbidade e sustenta a ausência de dolo e de provas no inquérito e na instrução processual (ID 332938661, pp. 58/75). O MPF também interpôs recurso de apelação em que requer, em síntese, a reforma da sentença para condenar Eduardo Coutinho Lins, igualmente aos demais autores do ato ímprobo, às penas previstas no art. 12, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa (ID 332938661, pp. 89/96). A ECT em seu recurso de apelação, também, debate-se pela condenação de Eduardo Coutinho (ID 332938661, pp. 99/113). O Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro busca o reconhecimento de ausência de justa causa da demanda, com a consequente ilegitimidade passiva atribuída ao referido ente (ID 332938661, pp. 119/152). O apelante Roberto Jefferson Monteiro Francisco sustenta, preliminarmente, ausência de condições da ação, inépcia por impossibilidade jurídica do pedido, pois na qualidade de deputado federal à ocasião dos fatos, era tido como agente político o que, segundo entendimento do Supremo Triubunal Federal, afastaria a aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 em relação à sua pessoa; bem como inépcia da petição inicial por enquadramento no artigo 295, I e II, do CPC e, por fim, prescrição. No mérito, aduz a ausência de dolo e de provas (ID 332938661, pp. 158/187 a 332938662, pp. 1/47). O apelante Horacio Cesar Martins Batista requer, de início, o benefício da justiça gratuita. Em preliminar, argui prescrição. No mérito, defende a ausência de ato ímprobo e de dolo; subsidiariamente, postula a aplicação do princípio da proporcionalidade na aplicação das penalidades (ID 332938752). O espólio de Roberto Garcia Salmeron, em seu recurso de apelação, busca anular a condenação por improbidade administrativa, alegando julgamento extra petita devido à condenação à perda de direitos políticos sem pedido do Ministério Público, bem como a improcedência da ação por falta de justa causa, a inexistência de atos de improbidade e a ausência de responsabilidade na reparação de danos à ECT (ID 332938770). O apelante Fernando Leite de Godoy sustenta a inexistência de ato ímprobo, de dano ao erário, de prova de proveito patrimonial indevido, assim como a redução de sua participação no pagamento de indenização por dano material e compensação por dano moral (ID 332938778). O apelante Maurício Marinho alega a ausência de ato ímprobo, dano moral e dano material. Subsidiariamente, pede a fixação da sanção em consonância com a extensão do dano, em atenção ao princípio da proporcionalidade, considerando a inexistência de obtenção de proveito patrimonial pelo recorrente (ID 332938783). O MPF, a ECT e Eduardo Coutinho Lins ofereceram contrarrazões (ID 332938786, ID 332938788 e ID 405473618). A Procuradoria Regional da República da 1ª Região apresentou parecer e opinou pelo parcial provimento do recurso de apelação do Espólio de Roberto Garcia Salmeron e pelo desprovimento dos recursos dos demais Requeridos (ID 406484652). É o relatório. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0043491-28.2010.4.01.3400 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): 1. Prejudicial de mérito Os apelantes Antônio Osório Menezes Batista, Julio Takeru Imoto e Horacio Cesar Martins Batista arguiram prescrição da ação de improbidade administrativa. A Lei nº 14.230/2021 alterou a Lei nº 8.429/92 e instituiu a prescrição intercorrente no âmbito das ações de improbidade administrativa. Segundo a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral, “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Assim, caberá a aplicação do regime prescricional na forma então prevista na lei vigente à época, isto é, na Lei nº 8.429/92, sem a incidência retroativa das alterações realizadas pela Lei nº 14.230/2021. A redação da Lei nº 8.429/92, anterior à Lei nº 14.230/21, previa que: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei. Como se denota do inciso II, em se tratando de servidor público, a prescrição se embasará no estatuto jurídico ao qual se encontra vinculado, no prazo prescricional relativo à punição de falta alusiva à demissão. Cuidando-se de servidor público federal, como no caso, haverá sujeição à Lei nº 8.112/90, a qual prevê, no § 2º do art. 142, que “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.” Os fatos descritos na inicial se ajustam, em tese, ao crime de peculato (art. 312, § 1º, do CP), cuja pena máxima é de 12 (doze) anos de reclusão e a prescrição se ampara no art. 109, II, do CP, com o prazo de 16 (dezesseis) anos. É o entendimento desta Corte: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. ACORDO ADMINISTRATIVO PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIO COM DESCONTO. VIOLAÇÃO À ORDEM CRONOLÓGICA DE PRECATÓRIOS. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DE DANOS AO ERÁRIO E DE MALTRATO AOS PRINCIPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. APELAÇÕES DOS REQUERIDOS PROVIDAS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APELAÇÃO DO MPF PREJUDICADA. 1. A discussão acerca da aplicação dos prazos penais na contagem do prazo prescricional da ação de improbidade já está consolidada no STJ, na compreensão de que, se o fato traduzir ilícito penal e estiver sob persecução penal ou já denunciado, a contagem se dará pelo tempo da pena em abstrato do crime imputado, na forma do art. 109 do CP. Assim, tendo havido o ajuizamento de ação penal (arts. 288, 312, 317 e 333 do CP), e considerando a data dos fatos em 1999, o ajuizamento da ação de improbidade em 10/09/2008, e levando-se em conta a pena em abstrato dos crimes imputados, não há que se falar em prescrição, na hipótese. 2. A tese de que a contagem da prescrição em relação a particulares se dá no prazo de cinco anos a partir da prática do ato não encontra ressonância na jurisprudência do STJ, que é acompanhada por esta Corte, e que aplica ao particular o mesmo prazo que deva ser contado ao agente público que com ele tenha atuado em conluio. Precedentes. 3. A inicial imputa aos demandados a prática de atos de improbidade administrativa causadores de enriquecimento ilícito, dano ao erário e atentatórios aos princípios da administração pública. O DNER, em ações judiciais em que fora sucumbente, teria promovido acordos com os vencedores das demandas, pagando-os diretamente. Teriam sido pagos créditos (precatórios) mais recentes em detrimento de outros (precatórios) mais antigos, violando a ordem cronológica de pagamento de dívidas da Fazenda, que, necessariamente, deve ser feito via precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal. 4. A sentença afastou corretamente as imputações pelos arts. 9º e 10 da Lei n. 8.429/92, e condenou os requeridos pelo art. 11 da mesma Lei (art. 12, III). Mas, diversamente do diagnóstico da sentença, a realidade é que não se configurou a prática de ato ímprobo. O fato de ter havido um acordo extrajudicial em processo administrativo, que tramitou regularmente perante o órgão federal e gerou um termo de transação celebrado entre as partes, não configura, sem que haja a comprovação de dolo e má-fé, ato de improbidade, ou mesmo que essa transação, de alguma forma, tenha violado a ordem cronológica de precatórios. 5. Os fatos da causa de pedir não expressam, no rigor dos termos, sequer irregularidade administrativa. A Administração poderia não ter aceitado a proposta de acordo, por conveniência e oportunidade administrativas, e mesmo em face de uma possível objeção de quebra da ordem dos precatórios - na realidade infundada, pois a ordem cronológica em si mesma não envolve os pagamentos oriundos de transação administrativa. 6. Na hipótese, quem provocou a manifestação da Administração (DNER) foi o credor do Precatório 1997.01.0016551-9/MG, por meio de seu advogado, o qual propôs um acordo com o DNER. Esse pedido transformou-se em procedimento administrativo (PA nº 51100.006854/99-43) e teve sua tramitação regular perante diversos órgãos do extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (hoje DNIT). O valor original do precatório era de R$ 1.428.489,00, tendo sido feito o acordo pelo valor de R$ 1.399.919,22, não ficando, nesse ato, caracterizado dolo ou má-fé apto a causar prejuízo à Administração ou a terceiros, e capaz de caracterizar ato de improbidade 7. "(...) a exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/1992, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada com ponderação, máxime porque a interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa e, a fortiori, ir além do que o legislador pretendeu." (STJ - 1ª Turma, REsp. 980.706/RS. Rel. Min. Luiz Fux - DJe 23/02/2011). 8. É indispensável, na interpretação do art. 11 da Lei 8.429/92, que os núcleos desonestidade, parcialidade, ilegalidade ou deslealdade às instituições sejam vetores ou elementos condutores da improbidade. A ofensa a esses princípios da administração pública somente adquire o qualificativo da improbidade, para os efeitos do art. 11, quando se evidenciar como um meio de realização de objetivos ímprobos. A improbidade há que vincular-se sempre a valores e questões materiais. 9. Preliminar de prescrição afastada. Provimento das apelações dos requeridos. Improcedência da ação. Extensão do resultado absolutório ao demandado que não apelou (art. 1.005 - CPC). Apelação do Ministério Público Federal prejudicada. (AC nº 0028622-31.2008.4.01.3400, Relator Juiz Federal SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, Quarta Turma, e-DJF1 10/05/2021). Existe sujeito particular, também, na composição passiva. Conforme o entendimento do STJ, “ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público (Súmula n. 634, Primeira Seção, julgado em 12/6/2019, DJe de 17/06/2019)”. Portanto, os fatos imputados ocorreram entre 02/2003 a 06/2005 e a demanda foi ajuizada em 14/09/2010, antes, pois, o prazo de prescrição previsto no Código Penal. Rejeita-se, portanto, a prejudicial. 2. Preliminares 2.1. Ausência de condições da ação Os apelantes Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto Jefferson Monteiro Francisco e o espólio de Roberto Garcia Salmeron sustentam ausência das condições da ação. No caso em tela, as partes são legítimas e o interesse de agir está presente, uma vez que os fatos narrados na petição inicial apresentaram individualmente indícios de que os Réus praticaram atos de improbidade que causaram dano ao erário e enriquecimento ilícito. O interesse, portanto, preeche o trinômio necessidade, adequação e utilidade. 2.2. Inépcia da inicial Os apelantes Osório Menezes Batista, Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro e Roberto Jefferson Monteiro Francisco sustentam inépcia da inicial. Observo, contudo, que a fundamentação da peça inaugural descreveu devidamente o suposto ato de improbidade ora atribuído ao Réu, decorrendo logicamente a conclusão, e possibilitando a este uma plena defesa. Não está presente nenhum dos casos previstos no artigo 330, § 1º do CPC. Assim, rejeita-se a preliminar de inépcia da petição inicial. 2.3. Impossibilidade Jurídica do pedido O apelante Roberto Jefferson Monteiro Francisco aduz a inépcia da inicial, também, ante a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que, na qualidade de deputado federal quando ocorridos os fatos, não se sujeitaria à responsabilização com amparo na Lei nº 8.429/92, mas, sim, à legislação relativa aos Crimes de responsabilidade. Ocorre que o tema já se encontra consolidado na Corte Suprema: “os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade” (Supremo Tribunal Federal a partir da Pet nº. 3.240 AgR/DF, Plenário, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, DJe 22.08.2018). Esse é o entendimento do Plenário ao negar provimento a Agravo Regimental em petição que sustentava que os agentes políticos respondem apenas por crimes de responsabilidade, mas não pelos atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/1992. Em relação ao duplo regime sancionatório, a Corte concluiu que não há qualquer impedimento à concorrência de esferas de responsabilização distintas. Com fundamento no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, que consagra o princípio constitucional da independência de instâncias, é imperativo o respeito às distintas formas e procedimentos de persecução, apuração e sancionamento dos atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e dos atos de improbidade administrativa em especial. Ainda, quanto à extensão do foro especial, o Tribunal afirmou que o foro privilegiado é destinado a abarcar apenas as ações penais. Rejeito, pois, a aludida preliminar. 2.4. Ilegitimidade passiva O apelante Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro aduz preliminar de ilegitimidade passiva. Na ação de improbidade a legitimidade passiva será daquele que supostamente tenha praticado ato ímprobo. A procedência ou não dos pedidos é questão que se confunde ao mérito. Assim, rejeita-se a preliminar. 2.5. Justiça Gratuita O Apelante Horacio Cesar Martins Batista requer o benefício da justiça gratuita. Tendo sido nomeada a Defensoria Pública da União para a defesa do réu, ora Apelante, e requerido na apelação a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, o pedido há de ser deferido, por consequência do munus público da DPU. 3. Mérito Como relatado, esta ação de improbidade administrativa visa apurar fatos relacionados à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), onde, em tese, se instalou um grupo voltado a práticas ilícitas de arrecadação de recursos de fornecedores de bens e prestadores de serviços, recursos estes destinados a pessoas físicas e um Partido Político. A sentença reconheceu a pratica de conduta que obteve enriquecimento ilícito e causou lesão ao Erário, conforme os arts. 9º, caput, I e 10, caput, I, VIII e XII, da Lei nº 8.429/92. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, que inseriu o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Conforme a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral, “a nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. O § 2º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 8.429/92, conclui-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Já o § 4º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, inserido pela Lei nº 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. No caso, a sentença condenou os Réus, ora Apelantes, pela prática de atos de improbidade administrativa, tipificados no art. 9º, caput e I, bem como Roberto Jefferson e Fernando Leite, ainda, no art. 10, I, XII; Antônio Osório, Horácio César, Julio Takeru, Maurício Marinho e Roberto Garcia Salmeron, também, no art. 10, I, XII e XVIII; e o PTB, também, no art. 10, caput, I, todos da Lei nº 8.429/92: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; O responsável por ato ímprobo que obtém enriquecimento ilícito e causa prejuízo ao erário está sujeito às seguintes sanções, previstas do art. 12, da Lei nº 8.429/92: Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; A autoria do ato ímprobo imputado aos Requeridos restou amplamente comprovada por meio dos diversos documentos acostados aos autos, como o Relatório de exame de imagens (ID 332938161, pp. 94/171 e ID 332938162, pp. 1/22), relatórios da Comissão Parlamentar de Inquérito (ID 332938164, ID 332938165, ID 332938616 e ID 332938617) e o Inquérito Policial correlato (ID 332938639, pp. 69/101 e ID 332938640, pp. 3/100). A investigação revelou a existência de uma organização criminosa que visava obter vantagens ilícitas em contratos da ECT, cuja denúncia restou corroborada, inclusive, por meio de vídeo submetido à perícia (ID 332938161, pp. 94/171 e 332938162, pp. 1/22), em que Maurício Marinho detalha o esquema de corrupção no Departamento de Contratação da ECT. As declarações de Maurício Marinho prestadas na Polícia Federal, registradas nos autos (ID 332938162, p. 25), confirma que houve um conluio entre ele, Antônio Osório e Fernando Godoy: “QUE ANTÔNIO OSÓRIO, FERNANDO GODOY e o depoente trabalhavam fechados no sentido de que nada era feito sem conhecimento dos três; QUE ANTÔNIO OSÓRIO fazia questão de saber sobre tudo que entrava e saía referente à área administrativa; QUE praticamente todos os projetos e relatórios assinados pelo “depoente “eram aprovados; QUE ANTÔNIO OSÓRIO era mais político do que técnico; QUE FERNANDO GODOY tinha delegação de competência outorgada por ANTÔNIO OSÓRIO para representar este último; QUE ora se reportava a FERNANDO GODOY, ora a ANTÔNIO OSÓRIO”. (Sem grifos no original). Maurício Marinho encarregava-se de contato mais frequente com adjudicatários e/ou contratados, aos quais solicitava contribuições destinadas ao Partido Político ou a candidato determinado, conforme esclareceu o depoente João Rafael de Aguiar, sócio da empresa RAICON (ID 332938649, p. 58): “QUE nunca entregou dinheiro para o Sr. MAURÍCIO MARINHO para contribuir para campanhas politicas do PTB ou de qualquer outro partido político; QUE deseja ratificar que ao ser perguntado pela autoridade policial se já havia falado ao telefone com o Sr. MAURICIO MARINHO, se recorda que houve sim uma conversa telefônica com a referida pessoa; QUE nessa conversa telefônica o Sr. MAURICIO MARINHO perguntou ao depoente se poderia doar camisetas brancas para que fossem utilizadas em campanhas para o PTB; QUE o depoente disse que não tinha condições de ajudar, pois inclusive sua empresa tinha multas a pagar sobre contratos dos Correios; QUE O depoente deseja esclarecer que mais tarde pagou todas as multas; QUE viajou a Brasília, mais uma vez, para tratar do processo de reequilíbrio e desta vez se encontrou com MAURICIO MARINHO em uma sala no próprio DECAM; QUE neste encontro estavam presentes MAURICIO MARINHO, o depoente e o representante comercial da RAICON, Sr. ANTÔNIO; QUE neste terceiro encontro, primeiro conversaram sobre o que o depoente foi fazer em Brasília; QUE após explicar que tinha ido aos Correios tratar do reequilíbrio financeiro de sua empresa, o Sr. MAURÍCIO MARINHO mais uma vez solicitou ao depoente que ajudasse o PTB com doação de camisetas; QUE o depoente afirmou que não poderia ajudar, mas se comprometeu que nas próximas eleições poderia ajudar o partido, independentemente da aprovação ou não do reequilibrio econômico financeiro de seu contrato; QUE as doações que pretendia fazer”. (sem grifos no original). As declarações de Jair Seidl, representante da empresa Multiformas, também reforçam essa informação, ao confirmarem o pedido de impressão de material gráfico para campanhas eleitorais, pelo réu Maurício Marinho, em favor de parente de Antonio Osório (ID 332938620, pp. 2/3 e ID 332938649, p. 64). Quanto ao réu Julio Takero Imoto, Consultor da Diretoria de Operações - DIOPE, além do depoimento de Maurício Marinho, a testemunha Haroldo Marschner Hager informou que este constantemente lhe solicitava propina (ID 332938619, p. 117/ 125 e ID 332938649, p. 58): “QUE o Sr. JULIO IMOTO se deslocava de Brasília para São Paulo nas duas vezes em que almoçou com o DEPOENTE para lhe pedir propina; QUE a primeira vez que o empregado JULIO IMOTO lhe pediu propina foi em um restaurante de frutos do mar na Asa Norte em Brasília, do qual não se recorda o nome; QUE a filha do DEPOENTE, Sr. SAMANTHA HAGER, estava também presente neste primeiro encontro e presenciou o momento em que o Sr. JULIO IMOTO solicitou propina do DEPOENTE; QUE o valor da propina era de R$ 350.000,00, a título de colaboração com o PTB, QUE não possui a nota fiscal referente ao pagamento deste almoço; QUE o segundo encontro foi realizado na Churrascaria Fogo de Chão em São Paulo/SP e que contava com a presença do Sr. CARLOS VASQUINHO; QUE neste encontro também houve a solicitação de propina por parte do Sr. JULIO IMOTO; QUE no terceiro encontro, também ocorrido na mesma churrascaria, mas em data diferente, o Sr. JULIO IMOTO lhe pediu novamente propina; QUE desta vez encontrava-se somente com o Sr. JULIO IMOTO no restaurante DON DURICA e apresentou a Comissão de Sindicância dos Correios o recibo deste almoço, no valor de R$ 61,82; QUE (sempre que o Sr. JULIO IMOTO The solicitava propina the informava que o dinheiro seria destinado ao Partido Trabalhista Brasileiro - PTB; QUE o Sr. JULIO IMOTO The contava que o dinheiro seria destinado ao Diretor dos Correios e às campanhas políticas do PTB” (Sem grifos no original). A existência de um vínculo paralelo, comprovada pelo e-mail do Réu à empresa Precision sobre contatos de malharias (ID 332938617, p. 105), encontra-se ainda mais evidente pelo fato de essa ser uma das maneiras pelas quais solicitavam propinas. Por outro lado, o réu Roberto Jefferson Monteiro Francisco, em depoimento perante a Comissão Mista de Inquérito, admitiu, inclusive, que o ilícito narrado na peça inaugural proveio de estratégia de sua autoria (ID 332938164, pp. 29/31): “[...] O que eu entendo da pergunta de V. Ex.? V. Ex. quer me perguntar se esses cargos ajudam ao financiamento dos partidos. É isso? Ajudam. E vou explicar à V. Ex. como, a regra que eu tenho no PTB. Primeiro, a empresa pública. Disse isso sempre aos meus companheiros diretores. Segundo o interesse da empresa privada que se relaciona; Se é possível, na relação, a empresa privada ajudar por dentro, no caixa, o partido, fazendo doações. É assim que funciona há anos, sempre foi assim. (...) Sobre a primeira pergunta, sr. Presidente, se o dr. Antônio Osório soube de mim essa estratégia de arrecadação, soube. Eu pedi ele que, se possível, na relação com algum empresário privado, que é uma coisa que tem que ser selecionada, amadurecida, ele pudesse, no final, nessa relação, ajudar o caixa oficial do meu partido, o Partido Trabalhista Brasileiro”. (Sem grifos no original). Cibelle Augusta de Souza Ribeiro, Secretária do DIRAD, em suas declarações à ECT, afirmou a respeito do vínculo de Roberto Jefferson com a cúpula da ECT (ID 332938645, p. 6): “- era comum receber ligações do Deputado Roberto Jefferson e também fazer ligações para o citado parlamentar; - fazia mais ligações do que recebia para o mencionado parlamentar e que a maioria dessas ligações era realizada a pedido do Diretor Osório ou recebida pelo mencionado Diretor”. Vanda Pereira do Nascimento, Secretária do DIRAD e do Assessor Executivo DIRAD (Fernando Godoy), em suas declarações à ECT e à Polícia Federal, afirmou a respeito do vínculo do então Deputado com os servidores da ECT (ID 332938645, p. 6 e ID 332938619, p. 4): “- intermediava ligações do Diretor, Sr. Osório, para O Deputado Roberto Jefferson”. “Recorda-se que o senhor Fernando Leite de Godoy manteve contato com o Deputado Federal Roberto Jefferson, Fernando Monteiro, possivelmente assessor de político vinculado ao PTB. Que era comum o recebimento de telefonemas originários de políticos vinculados ao PTB, PMDB e outros partidos”. Roberto Garcia Salmeron reafirma o vínculo do Parlamentar com os servidores (ID 332938619, pp. 171/172): "QUE, conheceu ANTONIO OSORIO quando o mesmo foi indicado pelo PTB para ocupar o cargo de Diretor de Recursos Humanos dos CORREIOS; QUE, foi apresentado ao mesmo no apartamento do ex-deputado federal ROBERTO JEFFERSON; QUE, conheceu com maior intimidade o ex-deputado ROBERTO JEFFERSON em 1996, quando o mesmo lhe disse que o PTB iria manter a sua condição de Diretor da CONAB" Em face das provas apresentadas, o vínculo entre o Deputado Roberto Jefferson e os servidores da ECT, Maurício Marinho, Osório e Fernando, encontra-se solidamente estabelecido, corroborado pela convergência entre as ações praticadas e os resultados ilícitos apontados nos autos. De mais a mais, os documentos comprovam a autoria dolosa e a materialidade da conduta de Fernando Leite de Godoy. Antônio Osório, então Diretor de Recursos Humanos da ECT, o nomeou Assessor Executivo, concedendo-lhe poder decisório para viabilizar o esquema ilícito. Além disso, os materiais apreendidos demonstram a existência de planilhas com anotações de propinas, o que converge com as declarações de Maurício Marinho, o único a relatar as ocorrências ilícitas perpetradas pelo grupo de Réus nesta ação (ID 332938619, pp. 16/95). Em relação a Horácio César Martins Batista, a autoria também se encontra demonstrada pelo conjunto das evidências e, também, pelos depoimentos de Maurício Marinho (ID 332938162, p. 45) e Antônio Osório, seu primo, que convergem no mesmo sentido: Horácio atuava como representante de empresas privadas e Antônio Osório solicitou que não fosse mais procurado nas dependências da ECT, temendo que os outros servidores suspeitassem. Assim, os fatos narrados na petição inicial restam efetivamente comprovados (ID 332938619, p. 134): “QUE HORÁCIO MARTINS BATISTA é primo do reinquirido e morador no Estado da Bahia; QUE HORÁCIO MARTINS BATISTA de vez em quando vinha a Brasília, pois representava algumas empresas privadas; QUE sabe que HORÁCIO MARTINS BATISTA tem relacionamento com ARTUR WASCHECK, sendo certo que já realizou negócios com o mesmo no Estado da Bahia; QUE é verdade que HORÁCIO MARTINS BATISTA visitava o reinquirido na sede da ECT, quando ocupava o cargo de Diretor de RH; QUE entretanto, tendo chegado ao seu conhecimento que HORÁCIO MARTINS BATISTA estava tentando emplacar empresas que representava em contratos celebrados junto aos Correios, decidiu por não mais recebê-lo naquela empresa, solicitando ao seu primo que não mais o procurasse, pois o reinquirido tinha a preocupação de ser mal interpretado dentro daquele Órgão”.(sem grifos no original). Ademais, o papel de Horácio Batista no esquema foi documentado em material apreendido na residência de Antônio Osório (ID 332938619, p. 146): “Está acertado com o atual Dirad, Dr. Ozório, através do seu primo, gue cuida de todos os negócios, Sr. Horacio, que a TV corporativa e a Vídeo conferência será feito com a Digilab, empresa do Sr. Jorge Perito, esta já fez cinqüenta reuniões com o Sr, Marinho ex Reitor hoje chefe da seção de contrato da Dirad(DA) (...)". No que diz respeito a Roberto Garcia Salmeron tenho que não restou demonstrada sua participação nos alegados atos de improbidade. A quebra de sigilo telefônico (ID 332938649, pp. 31/34) e a carta de Maurício Marinho apreendida em sua residência (ID 332938652, pp. 03/04) buscando eximir de responsabilidade os demais Réus não se me afiguram suficiente á demonstração de sua participação ativa nos atos de improbidade. Prova alguma se fez da prática por Roberto Garcia Salmeron de ato doloso que consubstanciasse improbidade administrativa no contexto dos fatos que ensejaram a ação sub examine. No que concerne ao envolvimento do Partido Trabalhista Brasileiro a r. sentença recorrida identificou, com exatidão, a obtenção de vantagens indevidas em detrimento do erário (ID 80508466, p. 1/58): “151. Por seu turno, o PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO auferiu a maior parte de recursos captados pelos requeridos por meio de solicitações indevidas a particulares adjudicatários e/ou contratados pela ECT. 152. De acordo com auditoria da Controladoria-Geral da União, o PTB foi beneficiário em média de valor correspondente a 8% dos contratos apurados (Relatório de Ação de Controle nº 00190.027366/2006-30”. A alegação de prestação de contas pelo Partido não se mostra suficiente para sua exclusão do polo passivo, considerando que os ilícitos perpetrados empregaram subterfúgios na pulverização dos valores. Destarte, os benefícios, ao menos aqueles demonstrados nos documentos dos autos, foram obtidos de forma indireta pelos membros do Partido Político, não sendo contabilizados nos registros partidários. Portanto, nota-se que os réus Antônio Osório Menezes Batista, Fernando Leite de Godoy, Julio Takeru Imoto, Maurício Marinho, Roberto Jefferson Monteiro Francisco e o Partido Trabalhista Brasileiro agiram com o dolo específico de obter enriquecimento ilícito e causar prejuízo ao erário, pois atuaram, substancialmente, com a finalidade de fraudar procedimento licitatório, utilizando informações privilegiadas para locupletarem-se dos cofres públicos, em completa desconformidade com as normas legais. A conduta praticada pelos Requeridos se amolda aos tipos previstos nos art. 9º e 10, da Lei nº 8.429/1992 (na redação conferida pela Lei nº 14.230/2021), conforme consignou a r. sentença recorrida. Adiante, os recursos do Ministério Público Federal e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, não encontram amparo quanto à autoria de Eduardo Coutinho Lins. A advertência feita pelo Réu a Maurício Marinho para não atender representante das empresas em local com outros servidores da ECT, fundamento do pedido de condenação, não indica intenção de ocultar ilícitos, nem a pretensa ciência de que eles ocorriam. Além disso, seus conhecimentos técnicos não podem ser usados como prova de participação na prática do ilícito, ao contrário do que parece crer o Ministério Público Federal. Por fim, cabe examinar se as sanções aplicadas aos Requeridos estão de acordo com as inovações legislativas e as provas dos autos. In casu, os Apelantes foram condenados nos seguintes termos: “196. Julgo PROCEDENTES OS PEDIDOS para condenar os requeridos ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA, FERNANDO LEITE DE GODOY, HORÁCIO CÉSAR MARTINS BATISTA, JULIO TAKERU IMOTO, MAURÍCIO MARINHO,Partido Trabalhista Brasileiro - PTB e ROBERTO GARCIA SALMERON às seguintes penas: a) em solidariedade, o ressarcimento à ECT da quantia de R$ 10.412.730,90 (dez milhões, quatrocentos e doze mil, setecentos e trinta reais e noventa centavos); b) Solidariamente, a reparação por danos morais na importância de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); c) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. 197. Condeno ainda os requeridos PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO, MAURÍCIO MARINHO e JULIO TAKERO IMOTO ao pagamento de multas civis respectivamente nos valores de R$ 10.412.730,90 (dez milhões, quatrocentos e doze mil, setecentos e trinta reais e noventa centavos), R$ 383.498,89 (trezentos e oitenta três mil, quatrocentos e noventa e oito reais e oitenta e nove centavos) e R$ 95.959,80 (noventa e cinco mil, novecentos e cinquenta e nove reais e oitenta centavos). 199. Condeno também os requeridos ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA e FERNANDOLEITE DE GODOY à pena de suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 10 (dez) anos; Os demandados HORÁCIO CÉSAR MARTINS BATISTA, JULIO TAKERU IMOTO, MAURÍCIO MARINHO e ROBERTO GARCIA SALMERON à suspensão dos direitos políticos durante 8 (oito) anos. 200. Condeno ainda os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do Art. 85, § 2º, do CPC”. No mais, as sanções e penalidades fixadas não extrapolam os limites autorizados pela legislação aplicável à época dos fatos e pela atual redação da Lei nº 8.429/92 (considerando-se as inovações da Lei nº 14.230/2021). Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações do Ministério Público Federal e da Empresa de Correios, mantendo a absolvição de Eduardo Coutinho Lins; NEGO PROVIMENTO às apelações dos réus Antônio Osório Menezes Batista, Fernando Leite de Godoy, Julio Takeru Imoto, Maurício Marinho, Roberto Jefferson Monteiro Francisco, e Partido Trabalhista Brasileiro; DOU PROVIMENTO à apelação de Roberto Garcia Salmeron, para o fim de julgar improcedente a ação de improbidade; e DOU PARCIAL PROVIMENTO às apelações de Horacio Cesar Martins Batista, tão-somente para lhe conceder o benefício da justiça gratuita. Mantenho a sentença nos demais termos. É como voto. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0043491-28.2010.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 0043491-28.2010.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, JOAO MARCOS AMARAL - DF25113-A, RAQUEL COPPIO COSTA - DF43660-A e LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A POLO PASSIVO:MAURICIO MARINHO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, RODRIGO MADEIRA NAZARIO - DF12931-A e LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A EMENTA ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 9º, CAPUT E I, E 10, INCISOS I, VIII E XVIII, DA LEI Nº 8.429/92. LESÃO AO ERÁRIO E DOLO ESPECÍFICO DEMONSTRADOS. REJEITADAS AS PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, INÉPCIA DA INICIAL E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RECURSO DE UM DOS RÉUS PROVIDO. RECURSOS DOS DEMAIS RÉUS NÃO PROVIDOS. RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS NÃO PROVIDOS. 1. A Ação de Improbidade Administrativa imputa aos Requeridos a prática de conduta tipificada nos arts. 9º, I, IV, XII; 10, I, XII, XIII; e 11, I, II e III, da Lei nº 8.429/92. 2. A sentença julgou parcialmente procedente a ação, pois reconheceu a autoria e a materialidade dos atos descritos na inicial. Desse modo, condenou os Requeridos, às sanções do art. 12, I, da Lei nº 8.429/92. 3. A tese firmada pelo STF, no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral, dispõe que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. 4. Aplicação do regime prescricional na forma prevista na lei vigente à época, isto é, na Lei nº 8.429/92, sem a incidência retroativa das alterações realizadas pela Lei nº 14.230/2021. 5. Conforme o art. 23, II, da Lei nº 8.429/92, anterior à Lei nº 14.230/21, a prescrição se embasará no estatuto jurídico ao qual se encontra vinculado o agente público, no prazo prescricional relativo à punição de falta alusiva à demissão. 6. Ao agente público federal haverá sujeição à Lei nº 8.112/90, que prevê, no § 2º do art. 142, que “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.” Os fatos descritos na inicial se ajustam, em tese, ao crime de peculato (art. 312, do CP), cuja pena máxima é de 12 (doze) anos de reclusão e a prescrição se ampara no art. 109, II, do CP, com o prazo de 16 (dezesseis) anos. Precedente STJ. 7. Inocorrência da prescrição dos atos de improbidade administrativa. 8. Preliminar de inépcia da inicial rejeitada. A fundamentação da peça inaugural descreveu devidamente os supostos atos de improbidade atribuídos aos Réus, decorrendo logicamente a conclusão, e possibilitando a este uma plena defesa. Não está presente nenhum dos casos previstos no artigo 330, § 1º do CPC. 9. Rejeitada preliminar de impossibilidade jurídica do pedido suscitada pelo réu apelante, que argumenta não ser cabível a sujeição de agentes políticos à Lei n° 8.429/92 e, consequentemente, aqueles penalizados por extensão. Com fundamento no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, que consagra o princípio constitucional da independência de instâncias, é imperativo o respeito (i) às distintas formas e procedimentos de persecução, apuração e sancionamento dos atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e dos atos de improbidade administrativa em especial, e (ii) dos juízos naturais responsáveis pelo processo e julgamento das respectivas atividades ilícitas. Ademais, restou pacificada a posição do Supremo Tribunal Federal (Pet nº 3.240 AgR/DF), que firmou o entendimento segundo o qual os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, se encontram sujeitos à responsabilização civil por atos de improbidade administrativa. 10. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. Questão que se confunde com o mérito. 11. Pedido de gratuidade de justiça deferido. Defesa do Réu Apelante patrocinada pela Defensoria Pública da União. 12. Os Requeridos, com exceção de R.G.S., agiram com o dolo específico de obter enriquecimento ilícito, conforme provas dos autos, que também comprovam a materialidade do ato ímprobo. 13. As penalidades aplicadas são proporcionais e, por isso, mantidas. 14. Recurso de R.G.S. provido. 15. Recursos dos demais Réus, do Ministério Público Federal e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não providos, exceto quanto à concessão da gratuidade de justiça. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do Espólio de Roberto Garcia Salmeron e dar parcial provimento à apelação de Horácio Cesar Martins Batista, bem como negar provimento às demais apelações, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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Processo nº 0043491-28.2010.4.01.3400
ID: 261749942
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0043491-28.2010.4.01.3400
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO MACHADO DE CARVALHO
OAB/DF XXXXXX
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RODRIGO MADEIRA NAZARIO
OAB/DF XXXXXX
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LUCIANA SILVA GRALOUW
OAB/DF XXXXXX
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RAQUEL COPPIO COSTA
OAB/DF XXXXXX
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JOAO MARCOS AMARAL
OAB/DF XXXXXX
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RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO
OAB/DF XXXXXX
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SERGIO FERRAZ
OAB/SP XXXXXX
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RENATO OLIVEIRA RAMOS
OAB/DF XXXXXX
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LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA
OAB/RJ XXXXXX
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ANDRE DE MOURA SOARES
OAB/DF XXXXXX
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ADEMAR CYPRIANO BARBOSA
OAB/DF XXXXXX
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CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA
OAB/DF XXXXXX
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LEO ROCHA MIRANDA
OAB/DF XXXXXX
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CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS
OAB/DF XXXXXX
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CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA
OAB/DF XXXXXX
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JOSE RICARDO BAITELLO
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0043491-28.2010.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 0043491-28.2010.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0043491-28.2010.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 0043491-28.2010.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, JOAO MARCOS AMARAL - DF25113-A, RAQUEL COPPIO COSTA - DF43660-A, LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A, RODRIGO MADEIRA NAZARIO - DF12931-A e THIAGO MACHADO DE CARVALHO - DF26973-A POLO PASSIVO:MAURICIO MARINHO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, RODRIGO MADEIRA NAZARIO - DF12931-A, LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A, RAQUEL COPPIO COSTA - DF43660-A e JOAO MARCOS AMARAL - DF25113-A RELATOR(A):MARCUS VINICIUS REIS BASTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0043491-28.2010.4.01.3400 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA, JULIO TAKERU IMOTO, ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, HORACIO CESAR MARTINS BATISTA, ESPÓLIO DE ROBERTO GARCIA SALMERON, FERNANDO LEITE DE GODOY e MAURÍCIO MARINHO apelam da sentença proferida pelo Juízo 22ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que julgou parcialmente procedente a ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, condenando-os nas sanções do art. 12, II, da Lei nº 8.429/92, pela prática de condutas ímprobas descritas nos arts. 9º, caput e I, e 10, I, XII e XVIII, da mesma Lei. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT, por sua vez, apelam da sentença que absolveu Eduardo Coutinho Lins. Narra a inicial, no que interessa (ID 332938161, pp. 3/90), que no âmbito da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT, instalou-se grupo dirigido a práticas ilícitas de arrecadação de recursos de fornecedores de bens e prestadores de serviços, recursos estes destinados a pessoas físicas e a entidade partidária, corré. Mais precisamente, ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, membro do Partido Político, teria nomeado o corréu ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA para as Diretorias de Recursos Humanos - DRH e, posteriormente, de Administração – DIRAD, no período compreendido entre 11 de fevereiro de 2003 e 08 de junho de 2005. O Corréu teria, então, em ajuste com os demais Requeridos, implementado prática reiterada de solicitações de pagamento de vantagens indevidas em favor de políticos, agentes públicos e particulares, segundo divisão hierárquica de tarefas, configurando-se inclusive a arrecadação e movimentação de recursos não contabilizados para fins político-partidários. Por fim, o MPF requereu a condenação dos Requeridos às penas do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 9º, I, IV, XII; 10, XII, XIII; e 11, I, II e III, da Lei nº 8.429/92, da Lei nº 8.429/92. A sentença (ID 280508465, pp. 178/207 a 280508466, pp. 1/58) julgou parcialmente procedente a ação de improbidade administrativa, com base nos seguintes fundamentos: “67. Não se olvida constituir fato ordinário esperado que empregados incumbidos de dirigir procedimentos de licitações e fiscalização das contratações elaborem e mantenham documentos para tal controle, segundo estrutura e atribuições no âmbito da ECT (fls. 934/957). A propósito, explicaram alguns dos requeridos se tratar de procedimento de rotina adotado por diretores a fim de ter ciência dos contratos em execução e discussões em reuniões em órgãos colegiados da ECT, vindo as planilhas a serem reeditadas e atualizadas periodicamente por meio da inserção de informações relevantes acerca de contratação ou execução das avenças. 68. No entanto, chamam a atenção na espécie As informações adicionais LANÇADAS EM algumas DAS planilhas, BEM COMO as circunstâncias de elaboração e gestão dos documentos, encontrados na posse de 3 (três) diferentes corréus. 69. Em primeiro lugar, algumas das planilhas apresentam dados digitados concernentes a percentuais e/ou valores absolutos vinculados a cada contrato, não havendo informação clara acerca da natureza e necessidade de tais registros. Outrossim, uma das planilhas registra anotações manuscritas relativas a iniciais de possíveis nomes. (...) 72. Com efeito, entendo haver lastro probatório suficiente à elucidação das circunstâncias de elaboração das planilhas. Informaram os requeridos que o Sr. MAURÍCIO MARINHO trabalhava em andar inferior do prédio da ECT, distante do pavimento onde funcionava a DIRAD. Ainda, o requerido FERNANDOLEITE DE GODOY INFORMOU TRABALHAR ASSESSORADO POR DUAS SECRETÁRIAS as quais vieram a ser ouvidas no inquérito policial. (...) 78. Como terceiro documento de relevo, foi localizada no gabinete do requerido ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA planilha intitulada “PROCESSOS PARA ASSINATURA/redir” onde constam expressões manuscritas, apostas no campo destinado a observações: “FL JAPA EP JG M” (fls. 657/662). 79. Todas as características ora descritas são explicadas pelo corréu MAURÍCIO MARINHO-único a admitir ciência e elaboração dos documentos em termos simples. De fato,a expressão “AGREM.” Diz respeito à agremiação partidária. Ademais, as colunas próprias representam referências a percentuais de verba sobre os contratos, segundo resultados esperados dos contatos e consequentes pagamentos pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços da ECT. 80. No ponto, transcrevo excerto que bem sintetiza as circunstâncias e o significado das informações lançadas nas planilhas, consoante manifestação em defesa preliminar do requerido MAURÍCIO MARINO: “A partir destas planilhas foi solicitado pelo então diretor que fosse feita outra planilha com relação de possíveis fornecedores que poderiam auxiliar na campanha política de 2004, e no pagamento das despesas decorrentes da referida campanha”(fls. 3.562/3.563 volume 15). 81. Com essas considerações, entendo demonstrada a existência da prática de atos de solicitação de pagamentos nas circunstâncias descritas. Passo a apurar O acervo probatório para especificação de fatos e delimitação de responsabilidades. 82. Para além desta veemente prova da ocorrência de práticas ilícitas no âmbito da empresa pública, os demais meios de prova demonstram em pormenores a concretização da atividade. 83. Primeiramente, representantes de empresas adjudicatárias de certames ou já contratadas corroboraram a prática de solicitações de doações pelos requeridos MAURÍCIO MARINHO e JULIO TAKERU IMOTO, consoante depoimentos prestados no inquérito policial (fls. 925/926, 927/928, 931/932). 84. O corréu MAURÍCIO MARINHO encarregava-se de contato mais frequente com adjudicatários e/ou contratados aos quais solicitava contribuições destinadas ao partido ou candidato determinado. A respeito do fato declarou LIANA APARECIDA DE ARAÚJO: “... Que raramente atendia fornecedores, uma vez que havia a orientação de MAURÍCIO MARINHO no sentido de que esses fossem diretamente atendidos por ele” (fl. 665). 85. Ademais, a prática é inclusive objeto de confissão (judicial e extrajudicial) em diversos depoimentos (fls. 865/867, 877/878), bem assim ratificada em declarações de empresários. 86. Por sua vez, JULIO TAKERU IMOTO, na qualidade de consultor da diretoria de operações - DIOPE, também dedicou-se à prática ilícita, tendo sido juntada aos autos cópia impressa de Mensagem de correio eletrônico cujo teor expressamente refere-se à solicitação de produção e entrega de material têxtil destinado ao deputado José Charles (fl. 663), parlamentar responsável pela indicação do REQUERIDO Maurício marinho PARA INGRESSAR NO ÓRGÃODE TREINAMENTO DE PESSOAL DENOMINADO Universidade dos Correios, segundo próprio requerido em depoimento pessoal em audiência de instrução. (...) 88. Em complemento à mensagem e contato telefônico, destaco os pormenores constantes do depoimento de Haroldo Claudio Marschner Hager (fl. 869). Diversamente do alegado pelo requerido MAURÍCIO MARINHO, único a admitir a prática de solicitações de valores a contratados, porém não condicionada à doação a qualquer ato da ECT, o representante da Empresa PRECISION COMPONENTES LTDA. Relata serem os comportamentos de não atendimento às solicitações associados a retaliações tais como retardamento da assinatura de contrato, reprovação de amostras e devolução de lotes. (...) 91. Presente, pois, evidência de atuação conjunta dos requeridos MAURÍCIO MARINHO E JULIO TAKERU IMOTO nas práticas ilícitas de solicitações de doações. (...) 98. Primeiramente, destaco planilha manuscrita contendo nomes de pessoas naturais e números, compatíveis com valores. Ademais, consta também referência a “material entregue a Jorge PTB”(fl. 889). 99. Ainda mais relevante, foram localizadas também no gabinete do diretor da DIRAD mídias digitais cujos arquivos de imagem (passíveis de impressão) e áudio trazem material de campanha do referido pleito. Como mais significativa prova encontram-se nas mídias apreendidas 38 arquivos de imagem JPG contendo os denominados “santinhos”, típico material de campanha atinente a diversos candidatos (vide Laudo de Exame de Dispositivos de Armazenamento Computacional; Laudo nº 2565/2008-INC/DICET/DPE; DVD; Apreensão Gabinete de Osório Item 6). 100. Destarte, considero demonstrado que a prática de solicitação a contratados de contribuições sob a forma de valores, produtos ou serviços ocorreu em concomitância à campanha eleitoral de 2004, não adstrita, pois, a pedidos de contribuições de valores posteriormente ao pleito para fins de quitação de débitos pendentes dele originários”. O apelante Antônio Osório Menezes Batista aduz, em preliminar, inépcia da inicial e prescrição. No mérito, sustenta a ausência de dolo e a ausência de proveito material (ID 332938661, pp. 19/45). O apelante Julio Takeru Imoto alega, em preliminar, prescrição. No mérito, questiona a falta de materialidade e autoria dos atos de improbidade e sustenta a ausência de dolo e de provas no inquérito e na instrução processual (ID 332938661, pp. 58/75). O MPF também interpôs recurso de apelação em que requer, em síntese, a reforma da sentença para condenar Eduardo Coutinho Lins, igualmente aos demais autores do ato ímprobo, às penas previstas no art. 12, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa (ID 332938661, pp. 89/96). A ECT em seu recurso de apelação, também, debate-se pela condenação de Eduardo Coutinho (ID 332938661, pp. 99/113). O Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro busca o reconhecimento de ausência de justa causa da demanda, com a consequente ilegitimidade passiva atribuída ao referido ente (ID 332938661, pp. 119/152). O apelante Roberto Jefferson Monteiro Francisco sustenta, preliminarmente, ausência de condições da ação, inépcia por impossibilidade jurídica do pedido, pois na qualidade de deputado federal à ocasião dos fatos, era tido como agente político o que, segundo entendimento do Supremo Triubunal Federal, afastaria a aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 em relação à sua pessoa; bem como inépcia da petição inicial por enquadramento no artigo 295, I e II, do CPC e, por fim, prescrição. No mérito, aduz a ausência de dolo e de provas (ID 332938661, pp. 158/187 a 332938662, pp. 1/47). O apelante Horacio Cesar Martins Batista requer, de início, o benefício da justiça gratuita. Em preliminar, argui prescrição. No mérito, defende a ausência de ato ímprobo e de dolo; subsidiariamente, postula a aplicação do princípio da proporcionalidade na aplicação das penalidades (ID 332938752). O espólio de Roberto Garcia Salmeron, em seu recurso de apelação, busca anular a condenação por improbidade administrativa, alegando julgamento extra petita devido à condenação à perda de direitos políticos sem pedido do Ministério Público, bem como a improcedência da ação por falta de justa causa, a inexistência de atos de improbidade e a ausência de responsabilidade na reparação de danos à ECT (ID 332938770). O apelante Fernando Leite de Godoy sustenta a inexistência de ato ímprobo, de dano ao erário, de prova de proveito patrimonial indevido, assim como a redução de sua participação no pagamento de indenização por dano material e compensação por dano moral (ID 332938778). O apelante Maurício Marinho alega a ausência de ato ímprobo, dano moral e dano material. Subsidiariamente, pede a fixação da sanção em consonância com a extensão do dano, em atenção ao princípio da proporcionalidade, considerando a inexistência de obtenção de proveito patrimonial pelo recorrente (ID 332938783). O MPF, a ECT e Eduardo Coutinho Lins ofereceram contrarrazões (ID 332938786, ID 332938788 e ID 405473618). A Procuradoria Regional da República da 1ª Região apresentou parecer e opinou pelo parcial provimento do recurso de apelação do Espólio de Roberto Garcia Salmeron e pelo desprovimento dos recursos dos demais Requeridos (ID 406484652). É o relatório. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0043491-28.2010.4.01.3400 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS VINICIUS REIS BASTOS (Relator): 1. Prejudicial de mérito Os apelantes Antônio Osório Menezes Batista, Julio Takeru Imoto e Horacio Cesar Martins Batista arguiram prescrição da ação de improbidade administrativa. A Lei nº 14.230/2021 alterou a Lei nº 8.429/92 e instituiu a prescrição intercorrente no âmbito das ações de improbidade administrativa. Segundo a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral, “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Assim, caberá a aplicação do regime prescricional na forma então prevista na lei vigente à época, isto é, na Lei nº 8.429/92, sem a incidência retroativa das alterações realizadas pela Lei nº 14.230/2021. A redação da Lei nº 8.429/92, anterior à Lei nº 14.230/21, previa que: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei. Como se denota do inciso II, em se tratando de servidor público, a prescrição se embasará no estatuto jurídico ao qual se encontra vinculado, no prazo prescricional relativo à punição de falta alusiva à demissão. Cuidando-se de servidor público federal, como no caso, haverá sujeição à Lei nº 8.112/90, a qual prevê, no § 2º do art. 142, que “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.” Os fatos descritos na inicial se ajustam, em tese, ao crime de peculato (art. 312, § 1º, do CP), cuja pena máxima é de 12 (doze) anos de reclusão e a prescrição se ampara no art. 109, II, do CP, com o prazo de 16 (dezesseis) anos. É o entendimento desta Corte: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. ACORDO ADMINISTRATIVO PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIO COM DESCONTO. VIOLAÇÃO À ORDEM CRONOLÓGICA DE PRECATÓRIOS. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DE DANOS AO ERÁRIO E DE MALTRATO AOS PRINCIPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. APELAÇÕES DOS REQUERIDOS PROVIDAS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APELAÇÃO DO MPF PREJUDICADA. 1. A discussão acerca da aplicação dos prazos penais na contagem do prazo prescricional da ação de improbidade já está consolidada no STJ, na compreensão de que, se o fato traduzir ilícito penal e estiver sob persecução penal ou já denunciado, a contagem se dará pelo tempo da pena em abstrato do crime imputado, na forma do art. 109 do CP. Assim, tendo havido o ajuizamento de ação penal (arts. 288, 312, 317 e 333 do CP), e considerando a data dos fatos em 1999, o ajuizamento da ação de improbidade em 10/09/2008, e levando-se em conta a pena em abstrato dos crimes imputados, não há que se falar em prescrição, na hipótese. 2. A tese de que a contagem da prescrição em relação a particulares se dá no prazo de cinco anos a partir da prática do ato não encontra ressonância na jurisprudência do STJ, que é acompanhada por esta Corte, e que aplica ao particular o mesmo prazo que deva ser contado ao agente público que com ele tenha atuado em conluio. Precedentes. 3. A inicial imputa aos demandados a prática de atos de improbidade administrativa causadores de enriquecimento ilícito, dano ao erário e atentatórios aos princípios da administração pública. O DNER, em ações judiciais em que fora sucumbente, teria promovido acordos com os vencedores das demandas, pagando-os diretamente. Teriam sido pagos créditos (precatórios) mais recentes em detrimento de outros (precatórios) mais antigos, violando a ordem cronológica de pagamento de dívidas da Fazenda, que, necessariamente, deve ser feito via precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal. 4. A sentença afastou corretamente as imputações pelos arts. 9º e 10 da Lei n. 8.429/92, e condenou os requeridos pelo art. 11 da mesma Lei (art. 12, III). Mas, diversamente do diagnóstico da sentença, a realidade é que não se configurou a prática de ato ímprobo. O fato de ter havido um acordo extrajudicial em processo administrativo, que tramitou regularmente perante o órgão federal e gerou um termo de transação celebrado entre as partes, não configura, sem que haja a comprovação de dolo e má-fé, ato de improbidade, ou mesmo que essa transação, de alguma forma, tenha violado a ordem cronológica de precatórios. 5. Os fatos da causa de pedir não expressam, no rigor dos termos, sequer irregularidade administrativa. A Administração poderia não ter aceitado a proposta de acordo, por conveniência e oportunidade administrativas, e mesmo em face de uma possível objeção de quebra da ordem dos precatórios - na realidade infundada, pois a ordem cronológica em si mesma não envolve os pagamentos oriundos de transação administrativa. 6. Na hipótese, quem provocou a manifestação da Administração (DNER) foi o credor do Precatório 1997.01.0016551-9/MG, por meio de seu advogado, o qual propôs um acordo com o DNER. Esse pedido transformou-se em procedimento administrativo (PA nº 51100.006854/99-43) e teve sua tramitação regular perante diversos órgãos do extinto Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (hoje DNIT). O valor original do precatório era de R$ 1.428.489,00, tendo sido feito o acordo pelo valor de R$ 1.399.919,22, não ficando, nesse ato, caracterizado dolo ou má-fé apto a causar prejuízo à Administração ou a terceiros, e capaz de caracterizar ato de improbidade 7. "(...) a exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/1992, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada com ponderação, máxime porque a interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa e, a fortiori, ir além do que o legislador pretendeu." (STJ - 1ª Turma, REsp. 980.706/RS. Rel. Min. Luiz Fux - DJe 23/02/2011). 8. É indispensável, na interpretação do art. 11 da Lei 8.429/92, que os núcleos desonestidade, parcialidade, ilegalidade ou deslealdade às instituições sejam vetores ou elementos condutores da improbidade. A ofensa a esses princípios da administração pública somente adquire o qualificativo da improbidade, para os efeitos do art. 11, quando se evidenciar como um meio de realização de objetivos ímprobos. A improbidade há que vincular-se sempre a valores e questões materiais. 9. Preliminar de prescrição afastada. Provimento das apelações dos requeridos. Improcedência da ação. Extensão do resultado absolutório ao demandado que não apelou (art. 1.005 - CPC). Apelação do Ministério Público Federal prejudicada. (AC nº 0028622-31.2008.4.01.3400, Relator Juiz Federal SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, Quarta Turma, e-DJF1 10/05/2021). Existe sujeito particular, também, na composição passiva. Conforme o entendimento do STJ, “ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público (Súmula n. 634, Primeira Seção, julgado em 12/6/2019, DJe de 17/06/2019)”. Portanto, os fatos imputados ocorreram entre 02/2003 a 06/2005 e a demanda foi ajuizada em 14/09/2010, antes, pois, o prazo de prescrição previsto no Código Penal. Rejeita-se, portanto, a prejudicial. 2. Preliminares 2.1. Ausência de condições da ação Os apelantes Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto Jefferson Monteiro Francisco e o espólio de Roberto Garcia Salmeron sustentam ausência das condições da ação. No caso em tela, as partes são legítimas e o interesse de agir está presente, uma vez que os fatos narrados na petição inicial apresentaram individualmente indícios de que os Réus praticaram atos de improbidade que causaram dano ao erário e enriquecimento ilícito. O interesse, portanto, preeche o trinômio necessidade, adequação e utilidade. 2.2. Inépcia da inicial Os apelantes Osório Menezes Batista, Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro e Roberto Jefferson Monteiro Francisco sustentam inépcia da inicial. Observo, contudo, que a fundamentação da peça inaugural descreveu devidamente o suposto ato de improbidade ora atribuído ao Réu, decorrendo logicamente a conclusão, e possibilitando a este uma plena defesa. Não está presente nenhum dos casos previstos no artigo 330, § 1º do CPC. Assim, rejeita-se a preliminar de inépcia da petição inicial. 2.3. Impossibilidade Jurídica do pedido O apelante Roberto Jefferson Monteiro Francisco aduz a inépcia da inicial, também, ante a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que, na qualidade de deputado federal quando ocorridos os fatos, não se sujeitaria à responsabilização com amparo na Lei nº 8.429/92, mas, sim, à legislação relativa aos Crimes de responsabilidade. Ocorre que o tema já se encontra consolidado na Corte Suprema: “os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade” (Supremo Tribunal Federal a partir da Pet nº. 3.240 AgR/DF, Plenário, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, DJe 22.08.2018). Esse é o entendimento do Plenário ao negar provimento a Agravo Regimental em petição que sustentava que os agentes políticos respondem apenas por crimes de responsabilidade, mas não pelos atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/1992. Em relação ao duplo regime sancionatório, a Corte concluiu que não há qualquer impedimento à concorrência de esferas de responsabilização distintas. Com fundamento no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, que consagra o princípio constitucional da independência de instâncias, é imperativo o respeito às distintas formas e procedimentos de persecução, apuração e sancionamento dos atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e dos atos de improbidade administrativa em especial. Ainda, quanto à extensão do foro especial, o Tribunal afirmou que o foro privilegiado é destinado a abarcar apenas as ações penais. Rejeito, pois, a aludida preliminar. 2.4. Ilegitimidade passiva O apelante Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro aduz preliminar de ilegitimidade passiva. Na ação de improbidade a legitimidade passiva será daquele que supostamente tenha praticado ato ímprobo. A procedência ou não dos pedidos é questão que se confunde ao mérito. Assim, rejeita-se a preliminar. 2.5. Justiça Gratuita O Apelante Horacio Cesar Martins Batista requer o benefício da justiça gratuita. Tendo sido nomeada a Defensoria Pública da União para a defesa do réu, ora Apelante, e requerido na apelação a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, o pedido há de ser deferido, por consequência do munus público da DPU. 3. Mérito Como relatado, esta ação de improbidade administrativa visa apurar fatos relacionados à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), onde, em tese, se instalou um grupo voltado a práticas ilícitas de arrecadação de recursos de fornecedores de bens e prestadores de serviços, recursos estes destinados a pessoas físicas e um Partido Político. A sentença reconheceu a pratica de conduta que obteve enriquecimento ilícito e causou lesão ao Erário, conforme os arts. 9º, caput, I e 10, caput, I, VIII e XII, da Lei nº 8.429/92. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, que inseriu o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Conforme a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral, “a nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. O § 2º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 8.429/92, conclui-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Já o § 4º do art. 1º da Lei nº 8.429/92, inserido pela Lei nº 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. No caso, a sentença condenou os Réus, ora Apelantes, pela prática de atos de improbidade administrativa, tipificados no art. 9º, caput e I, bem como Roberto Jefferson e Fernando Leite, ainda, no art. 10, I, XII; Antônio Osório, Horácio César, Julio Takeru, Maurício Marinho e Roberto Garcia Salmeron, também, no art. 10, I, XII e XVIII; e o PTB, também, no art. 10, caput, I, todos da Lei nº 8.429/92: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; O responsável por ato ímprobo que obtém enriquecimento ilícito e causa prejuízo ao erário está sujeito às seguintes sanções, previstas do art. 12, da Lei nº 8.429/92: Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; A autoria do ato ímprobo imputado aos Requeridos restou amplamente comprovada por meio dos diversos documentos acostados aos autos, como o Relatório de exame de imagens (ID 332938161, pp. 94/171 e ID 332938162, pp. 1/22), relatórios da Comissão Parlamentar de Inquérito (ID 332938164, ID 332938165, ID 332938616 e ID 332938617) e o Inquérito Policial correlato (ID 332938639, pp. 69/101 e ID 332938640, pp. 3/100). A investigação revelou a existência de uma organização criminosa que visava obter vantagens ilícitas em contratos da ECT, cuja denúncia restou corroborada, inclusive, por meio de vídeo submetido à perícia (ID 332938161, pp. 94/171 e 332938162, pp. 1/22), em que Maurício Marinho detalha o esquema de corrupção no Departamento de Contratação da ECT. As declarações de Maurício Marinho prestadas na Polícia Federal, registradas nos autos (ID 332938162, p. 25), confirma que houve um conluio entre ele, Antônio Osório e Fernando Godoy: “QUE ANTÔNIO OSÓRIO, FERNANDO GODOY e o depoente trabalhavam fechados no sentido de que nada era feito sem conhecimento dos três; QUE ANTÔNIO OSÓRIO fazia questão de saber sobre tudo que entrava e saía referente à área administrativa; QUE praticamente todos os projetos e relatórios assinados pelo “depoente “eram aprovados; QUE ANTÔNIO OSÓRIO era mais político do que técnico; QUE FERNANDO GODOY tinha delegação de competência outorgada por ANTÔNIO OSÓRIO para representar este último; QUE ora se reportava a FERNANDO GODOY, ora a ANTÔNIO OSÓRIO”. (Sem grifos no original). Maurício Marinho encarregava-se de contato mais frequente com adjudicatários e/ou contratados, aos quais solicitava contribuições destinadas ao Partido Político ou a candidato determinado, conforme esclareceu o depoente João Rafael de Aguiar, sócio da empresa RAICON (ID 332938649, p. 58): “QUE nunca entregou dinheiro para o Sr. MAURÍCIO MARINHO para contribuir para campanhas politicas do PTB ou de qualquer outro partido político; QUE deseja ratificar que ao ser perguntado pela autoridade policial se já havia falado ao telefone com o Sr. MAURICIO MARINHO, se recorda que houve sim uma conversa telefônica com a referida pessoa; QUE nessa conversa telefônica o Sr. MAURICIO MARINHO perguntou ao depoente se poderia doar camisetas brancas para que fossem utilizadas em campanhas para o PTB; QUE o depoente disse que não tinha condições de ajudar, pois inclusive sua empresa tinha multas a pagar sobre contratos dos Correios; QUE O depoente deseja esclarecer que mais tarde pagou todas as multas; QUE viajou a Brasília, mais uma vez, para tratar do processo de reequilíbrio e desta vez se encontrou com MAURICIO MARINHO em uma sala no próprio DECAM; QUE neste encontro estavam presentes MAURICIO MARINHO, o depoente e o representante comercial da RAICON, Sr. ANTÔNIO; QUE neste terceiro encontro, primeiro conversaram sobre o que o depoente foi fazer em Brasília; QUE após explicar que tinha ido aos Correios tratar do reequilíbrio financeiro de sua empresa, o Sr. MAURÍCIO MARINHO mais uma vez solicitou ao depoente que ajudasse o PTB com doação de camisetas; QUE o depoente afirmou que não poderia ajudar, mas se comprometeu que nas próximas eleições poderia ajudar o partido, independentemente da aprovação ou não do reequilibrio econômico financeiro de seu contrato; QUE as doações que pretendia fazer”. (sem grifos no original). As declarações de Jair Seidl, representante da empresa Multiformas, também reforçam essa informação, ao confirmarem o pedido de impressão de material gráfico para campanhas eleitorais, pelo réu Maurício Marinho, em favor de parente de Antonio Osório (ID 332938620, pp. 2/3 e ID 332938649, p. 64). Quanto ao réu Julio Takero Imoto, Consultor da Diretoria de Operações - DIOPE, além do depoimento de Maurício Marinho, a testemunha Haroldo Marschner Hager informou que este constantemente lhe solicitava propina (ID 332938619, p. 117/ 125 e ID 332938649, p. 58): “QUE o Sr. JULIO IMOTO se deslocava de Brasília para São Paulo nas duas vezes em que almoçou com o DEPOENTE para lhe pedir propina; QUE a primeira vez que o empregado JULIO IMOTO lhe pediu propina foi em um restaurante de frutos do mar na Asa Norte em Brasília, do qual não se recorda o nome; QUE a filha do DEPOENTE, Sr. SAMANTHA HAGER, estava também presente neste primeiro encontro e presenciou o momento em que o Sr. JULIO IMOTO solicitou propina do DEPOENTE; QUE o valor da propina era de R$ 350.000,00, a título de colaboração com o PTB, QUE não possui a nota fiscal referente ao pagamento deste almoço; QUE o segundo encontro foi realizado na Churrascaria Fogo de Chão em São Paulo/SP e que contava com a presença do Sr. CARLOS VASQUINHO; QUE neste encontro também houve a solicitação de propina por parte do Sr. JULIO IMOTO; QUE no terceiro encontro, também ocorrido na mesma churrascaria, mas em data diferente, o Sr. JULIO IMOTO lhe pediu novamente propina; QUE desta vez encontrava-se somente com o Sr. JULIO IMOTO no restaurante DON DURICA e apresentou a Comissão de Sindicância dos Correios o recibo deste almoço, no valor de R$ 61,82; QUE (sempre que o Sr. JULIO IMOTO The solicitava propina the informava que o dinheiro seria destinado ao Partido Trabalhista Brasileiro - PTB; QUE o Sr. JULIO IMOTO The contava que o dinheiro seria destinado ao Diretor dos Correios e às campanhas políticas do PTB” (Sem grifos no original). A existência de um vínculo paralelo, comprovada pelo e-mail do Réu à empresa Precision sobre contatos de malharias (ID 332938617, p. 105), encontra-se ainda mais evidente pelo fato de essa ser uma das maneiras pelas quais solicitavam propinas. Por outro lado, o réu Roberto Jefferson Monteiro Francisco, em depoimento perante a Comissão Mista de Inquérito, admitiu, inclusive, que o ilícito narrado na peça inaugural proveio de estratégia de sua autoria (ID 332938164, pp. 29/31): “[...] O que eu entendo da pergunta de V. Ex.? V. Ex. quer me perguntar se esses cargos ajudam ao financiamento dos partidos. É isso? Ajudam. E vou explicar à V. Ex. como, a regra que eu tenho no PTB. Primeiro, a empresa pública. Disse isso sempre aos meus companheiros diretores. Segundo o interesse da empresa privada que se relaciona; Se é possível, na relação, a empresa privada ajudar por dentro, no caixa, o partido, fazendo doações. É assim que funciona há anos, sempre foi assim. (...) Sobre a primeira pergunta, sr. Presidente, se o dr. Antônio Osório soube de mim essa estratégia de arrecadação, soube. Eu pedi ele que, se possível, na relação com algum empresário privado, que é uma coisa que tem que ser selecionada, amadurecida, ele pudesse, no final, nessa relação, ajudar o caixa oficial do meu partido, o Partido Trabalhista Brasileiro”. (Sem grifos no original). Cibelle Augusta de Souza Ribeiro, Secretária do DIRAD, em suas declarações à ECT, afirmou a respeito do vínculo de Roberto Jefferson com a cúpula da ECT (ID 332938645, p. 6): “- era comum receber ligações do Deputado Roberto Jefferson e também fazer ligações para o citado parlamentar; - fazia mais ligações do que recebia para o mencionado parlamentar e que a maioria dessas ligações era realizada a pedido do Diretor Osório ou recebida pelo mencionado Diretor”. Vanda Pereira do Nascimento, Secretária do DIRAD e do Assessor Executivo DIRAD (Fernando Godoy), em suas declarações à ECT e à Polícia Federal, afirmou a respeito do vínculo do então Deputado com os servidores da ECT (ID 332938645, p. 6 e ID 332938619, p. 4): “- intermediava ligações do Diretor, Sr. Osório, para O Deputado Roberto Jefferson”. “Recorda-se que o senhor Fernando Leite de Godoy manteve contato com o Deputado Federal Roberto Jefferson, Fernando Monteiro, possivelmente assessor de político vinculado ao PTB. Que era comum o recebimento de telefonemas originários de políticos vinculados ao PTB, PMDB e outros partidos”. Roberto Garcia Salmeron reafirma o vínculo do Parlamentar com os servidores (ID 332938619, pp. 171/172): "QUE, conheceu ANTONIO OSORIO quando o mesmo foi indicado pelo PTB para ocupar o cargo de Diretor de Recursos Humanos dos CORREIOS; QUE, foi apresentado ao mesmo no apartamento do ex-deputado federal ROBERTO JEFFERSON; QUE, conheceu com maior intimidade o ex-deputado ROBERTO JEFFERSON em 1996, quando o mesmo lhe disse que o PTB iria manter a sua condição de Diretor da CONAB" Em face das provas apresentadas, o vínculo entre o Deputado Roberto Jefferson e os servidores da ECT, Maurício Marinho, Osório e Fernando, encontra-se solidamente estabelecido, corroborado pela convergência entre as ações praticadas e os resultados ilícitos apontados nos autos. De mais a mais, os documentos comprovam a autoria dolosa e a materialidade da conduta de Fernando Leite de Godoy. Antônio Osório, então Diretor de Recursos Humanos da ECT, o nomeou Assessor Executivo, concedendo-lhe poder decisório para viabilizar o esquema ilícito. Além disso, os materiais apreendidos demonstram a existência de planilhas com anotações de propinas, o que converge com as declarações de Maurício Marinho, o único a relatar as ocorrências ilícitas perpetradas pelo grupo de Réus nesta ação (ID 332938619, pp. 16/95). Em relação a Horácio César Martins Batista, a autoria também se encontra demonstrada pelo conjunto das evidências e, também, pelos depoimentos de Maurício Marinho (ID 332938162, p. 45) e Antônio Osório, seu primo, que convergem no mesmo sentido: Horácio atuava como representante de empresas privadas e Antônio Osório solicitou que não fosse mais procurado nas dependências da ECT, temendo que os outros servidores suspeitassem. Assim, os fatos narrados na petição inicial restam efetivamente comprovados (ID 332938619, p. 134): “QUE HORÁCIO MARTINS BATISTA é primo do reinquirido e morador no Estado da Bahia; QUE HORÁCIO MARTINS BATISTA de vez em quando vinha a Brasília, pois representava algumas empresas privadas; QUE sabe que HORÁCIO MARTINS BATISTA tem relacionamento com ARTUR WASCHECK, sendo certo que já realizou negócios com o mesmo no Estado da Bahia; QUE é verdade que HORÁCIO MARTINS BATISTA visitava o reinquirido na sede da ECT, quando ocupava o cargo de Diretor de RH; QUE entretanto, tendo chegado ao seu conhecimento que HORÁCIO MARTINS BATISTA estava tentando emplacar empresas que representava em contratos celebrados junto aos Correios, decidiu por não mais recebê-lo naquela empresa, solicitando ao seu primo que não mais o procurasse, pois o reinquirido tinha a preocupação de ser mal interpretado dentro daquele Órgão”.(sem grifos no original). Ademais, o papel de Horácio Batista no esquema foi documentado em material apreendido na residência de Antônio Osório (ID 332938619, p. 146): “Está acertado com o atual Dirad, Dr. Ozório, através do seu primo, gue cuida de todos os negócios, Sr. Horacio, que a TV corporativa e a Vídeo conferência será feito com a Digilab, empresa do Sr. Jorge Perito, esta já fez cinqüenta reuniões com o Sr, Marinho ex Reitor hoje chefe da seção de contrato da Dirad(DA) (...)". No que diz respeito a Roberto Garcia Salmeron tenho que não restou demonstrada sua participação nos alegados atos de improbidade. A quebra de sigilo telefônico (ID 332938649, pp. 31/34) e a carta de Maurício Marinho apreendida em sua residência (ID 332938652, pp. 03/04) buscando eximir de responsabilidade os demais Réus não se me afiguram suficiente á demonstração de sua participação ativa nos atos de improbidade. Prova alguma se fez da prática por Roberto Garcia Salmeron de ato doloso que consubstanciasse improbidade administrativa no contexto dos fatos que ensejaram a ação sub examine. No que concerne ao envolvimento do Partido Trabalhista Brasileiro a r. sentença recorrida identificou, com exatidão, a obtenção de vantagens indevidas em detrimento do erário (ID 80508466, p. 1/58): “151. Por seu turno, o PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO auferiu a maior parte de recursos captados pelos requeridos por meio de solicitações indevidas a particulares adjudicatários e/ou contratados pela ECT. 152. De acordo com auditoria da Controladoria-Geral da União, o PTB foi beneficiário em média de valor correspondente a 8% dos contratos apurados (Relatório de Ação de Controle nº 00190.027366/2006-30”. A alegação de prestação de contas pelo Partido não se mostra suficiente para sua exclusão do polo passivo, considerando que os ilícitos perpetrados empregaram subterfúgios na pulverização dos valores. Destarte, os benefícios, ao menos aqueles demonstrados nos documentos dos autos, foram obtidos de forma indireta pelos membros do Partido Político, não sendo contabilizados nos registros partidários. Portanto, nota-se que os réus Antônio Osório Menezes Batista, Fernando Leite de Godoy, Julio Takeru Imoto, Maurício Marinho, Roberto Jefferson Monteiro Francisco e o Partido Trabalhista Brasileiro agiram com o dolo específico de obter enriquecimento ilícito e causar prejuízo ao erário, pois atuaram, substancialmente, com a finalidade de fraudar procedimento licitatório, utilizando informações privilegiadas para locupletarem-se dos cofres públicos, em completa desconformidade com as normas legais. A conduta praticada pelos Requeridos se amolda aos tipos previstos nos art. 9º e 10, da Lei nº 8.429/1992 (na redação conferida pela Lei nº 14.230/2021), conforme consignou a r. sentença recorrida. Adiante, os recursos do Ministério Público Federal e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, não encontram amparo quanto à autoria de Eduardo Coutinho Lins. A advertência feita pelo Réu a Maurício Marinho para não atender representante das empresas em local com outros servidores da ECT, fundamento do pedido de condenação, não indica intenção de ocultar ilícitos, nem a pretensa ciência de que eles ocorriam. Além disso, seus conhecimentos técnicos não podem ser usados como prova de participação na prática do ilícito, ao contrário do que parece crer o Ministério Público Federal. Por fim, cabe examinar se as sanções aplicadas aos Requeridos estão de acordo com as inovações legislativas e as provas dos autos. In casu, os Apelantes foram condenados nos seguintes termos: “196. Julgo PROCEDENTES OS PEDIDOS para condenar os requeridos ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA, FERNANDO LEITE DE GODOY, HORÁCIO CÉSAR MARTINS BATISTA, JULIO TAKERU IMOTO, MAURÍCIO MARINHO,Partido Trabalhista Brasileiro - PTB e ROBERTO GARCIA SALMERON às seguintes penas: a) em solidariedade, o ressarcimento à ECT da quantia de R$ 10.412.730,90 (dez milhões, quatrocentos e doze mil, setecentos e trinta reais e noventa centavos); b) Solidariamente, a reparação por danos morais na importância de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); c) Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. 197. Condeno ainda os requeridos PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO, MAURÍCIO MARINHO e JULIO TAKERO IMOTO ao pagamento de multas civis respectivamente nos valores de R$ 10.412.730,90 (dez milhões, quatrocentos e doze mil, setecentos e trinta reais e noventa centavos), R$ 383.498,89 (trezentos e oitenta três mil, quatrocentos e noventa e oito reais e oitenta e nove centavos) e R$ 95.959,80 (noventa e cinco mil, novecentos e cinquenta e nove reais e oitenta centavos). 199. Condeno também os requeridos ROBERTO JEFFERSON MONTEIRO FRANCISCO, ANTÔNIO OSÓRIO MENEZES BATISTA e FERNANDOLEITE DE GODOY à pena de suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 10 (dez) anos; Os demandados HORÁCIO CÉSAR MARTINS BATISTA, JULIO TAKERU IMOTO, MAURÍCIO MARINHO e ROBERTO GARCIA SALMERON à suspensão dos direitos políticos durante 8 (oito) anos. 200. Condeno ainda os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do Art. 85, § 2º, do CPC”. No mais, as sanções e penalidades fixadas não extrapolam os limites autorizados pela legislação aplicável à época dos fatos e pela atual redação da Lei nº 8.429/92 (considerando-se as inovações da Lei nº 14.230/2021). Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações do Ministério Público Federal e da Empresa de Correios, mantendo a absolvição de Eduardo Coutinho Lins; NEGO PROVIMENTO às apelações dos réus Antônio Osório Menezes Batista, Fernando Leite de Godoy, Julio Takeru Imoto, Maurício Marinho, Roberto Jefferson Monteiro Francisco, e Partido Trabalhista Brasileiro; DOU PROVIMENTO à apelação de Roberto Garcia Salmeron, para o fim de julgar improcedente a ação de improbidade; e DOU PARCIAL PROVIMENTO às apelações de Horacio Cesar Martins Batista, tão-somente para lhe conceder o benefício da justiça gratuita. Mantenho a sentença nos demais termos. É como voto. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 29 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCUS BASTOS Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0043491-28.2010.4.01.3400 PROCESSO REFERÊNCIA: 0043491-28.2010.4.01.3400 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, JOAO MARCOS AMARAL - DF25113-A, RAQUEL COPPIO COSTA - DF43660-A e LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A POLO PASSIVO:MAURICIO MARINHO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: JOSE RICARDO BAITELLO - DF4850-A, CARLOS ROBERTO LUCAS FRANCA - DF19251-A, CELSO LUIZ BRAGA DE LEMOS - DF17338-A, LEO ROCHA MIRANDA - DF10889-A, CAIO EDUARDO DE SOUSA MOREIRA - DF28403-A, ADEMAR CYPRIANO BARBOSA - DF23151-A, ANDRE DE MOURA SOARES - DF20096-A, LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA - RJ137677-A, RENATO OLIVEIRA RAMOS - DF20562-A, SERGIO FERRAZ - SP127336-S, RODRIGO MAZONI CURCIO RIBEIRO - DF15536-A, RODRIGO MADEIRA NAZARIO - DF12931-A e LUCIANA SILVA GRALOUW - DF54774-A EMENTA ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 9º, CAPUT E I, E 10, INCISOS I, VIII E XVIII, DA LEI Nº 8.429/92. LESÃO AO ERÁRIO E DOLO ESPECÍFICO DEMONSTRADOS. REJEITADAS AS PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, INÉPCIA DA INICIAL E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RECURSO DE UM DOS RÉUS PROVIDO. RECURSOS DOS DEMAIS RÉUS NÃO PROVIDOS. RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS NÃO PROVIDOS. 1. A Ação de Improbidade Administrativa imputa aos Requeridos a prática de conduta tipificada nos arts. 9º, I, IV, XII; 10, I, XII, XIII; e 11, I, II e III, da Lei nº 8.429/92. 2. A sentença julgou parcialmente procedente a ação, pois reconheceu a autoria e a materialidade dos atos descritos na inicial. Desse modo, condenou os Requeridos, às sanções do art. 12, I, da Lei nº 8.429/92. 3. A tese firmada pelo STF, no julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral, dispõe que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. 4. Aplicação do regime prescricional na forma prevista na lei vigente à época, isto é, na Lei nº 8.429/92, sem a incidência retroativa das alterações realizadas pela Lei nº 14.230/2021. 5. Conforme o art. 23, II, da Lei nº 8.429/92, anterior à Lei nº 14.230/21, a prescrição se embasará no estatuto jurídico ao qual se encontra vinculado o agente público, no prazo prescricional relativo à punição de falta alusiva à demissão. 6. Ao agente público federal haverá sujeição à Lei nº 8.112/90, que prevê, no § 2º do art. 142, que “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.” Os fatos descritos na inicial se ajustam, em tese, ao crime de peculato (art. 312, do CP), cuja pena máxima é de 12 (doze) anos de reclusão e a prescrição se ampara no art. 109, II, do CP, com o prazo de 16 (dezesseis) anos. Precedente STJ. 7. Inocorrência da prescrição dos atos de improbidade administrativa. 8. Preliminar de inépcia da inicial rejeitada. A fundamentação da peça inaugural descreveu devidamente os supostos atos de improbidade atribuídos aos Réus, decorrendo logicamente a conclusão, e possibilitando a este uma plena defesa. Não está presente nenhum dos casos previstos no artigo 330, § 1º do CPC. 9. Rejeitada preliminar de impossibilidade jurídica do pedido suscitada pelo réu apelante, que argumenta não ser cabível a sujeição de agentes políticos à Lei n° 8.429/92 e, consequentemente, aqueles penalizados por extensão. Com fundamento no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, que consagra o princípio constitucional da independência de instâncias, é imperativo o respeito (i) às distintas formas e procedimentos de persecução, apuração e sancionamento dos atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e dos atos de improbidade administrativa em especial, e (ii) dos juízos naturais responsáveis pelo processo e julgamento das respectivas atividades ilícitas. Ademais, restou pacificada a posição do Supremo Tribunal Federal (Pet nº 3.240 AgR/DF), que firmou o entendimento segundo o qual os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, se encontram sujeitos à responsabilização civil por atos de improbidade administrativa. 10. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. Questão que se confunde com o mérito. 11. Pedido de gratuidade de justiça deferido. Defesa do Réu Apelante patrocinada pela Defensoria Pública da União. 12. Os Requeridos, com exceção de R.G.S., agiram com o dolo específico de obter enriquecimento ilícito, conforme provas dos autos, que também comprovam a materialidade do ato ímprobo. 13. As penalidades aplicadas são proporcionais e, por isso, mantidas. 14. Recurso de R.G.S. provido. 15. Recursos dos demais Réus, do Ministério Público Federal e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não providos, exceto quanto à concessão da gratuidade de justiça. ACÓRDÃO Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do Espólio de Roberto Garcia Salmeron e dar parcial provimento à apelação de Horácio Cesar Martins Batista, bem como negar provimento às demais apelações, nos termos do voto do Relator. Brasília-DF. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS Desembargador Federal Relator
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Processo nº 1027733-17.2023.4.01.3600
ID: 315213648
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 21 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 1027733-17.2023.4.01.3600
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMARIO DE LIMA SOUSA
OAB/MT XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1027733-17.2023.4.01.3600 PROCESSO REFERÊNCIA: 1027733-17.2023.4.01.3600 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: UNIA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1027733-17.2023.4.01.3600 PROCESSO REFERÊNCIA: 1027733-17.2023.4.01.3600 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) POLO PASSIVO:ALEXSANDRA ELIZABETE DA SILVA SANTANA REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ROMARIO DE LIMA SOUSA - MT18881-A RELATOR(A):JOSE AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 21 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) n. 1027733-17.2023.4.01.3600 R E L A T Ó R I O O(A) EXMO(A). SR(A). DESEMBARGADOR(A) FEDERAL JOSE AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO (RELATOR(A)): - Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta pela União contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso que concedeu a segurança “para determinar ao Impetrado que conceda à Impetrante a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI quando da aquisição de veículo 0 (zero)) quilômetro..” (ID 431926094) Em suas razões recursais, a Fazenda Nacional alega que o Sistema da Receita Federal de concessão dos benefícios é objetivo, observadas as hipóteses do art. 111 do Código Tributário Nacional. Aduz que a impetrante não apresenta as limitações relacionadas no inciso III, do art. 2º, do Decreto nº 11.063/2022, bem como do §1º, do artigo 1º, da Lei nº 8.989/1995. Portanto, seria legítima a denegação da ordem, ante à ausência dos requisitos previstos nesta lei’. (ID 431926101) Não houve contrarrazões. Parecer do Ministério Público Federal sem manifestação sobre o mérito, pelo regular prosseguimento do feito (ID 432576964). É o relatório. Des(a). Federal JOSE AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO Relator(a) PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 21 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) n. 1027733-17.2023.4.01.3600 V O T O O(A) EXMO(A). SR(A). DESEMBARGADOR(A) FEDERAL JOSE AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO (RELATOR(A)): - Com efeito, ressalto que a Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre a Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas portadoras de deficiência física, e dá outras providências, determina que: Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³ (dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por: (Redação dada pela Lei nº 13755, de 2018 [...] IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) [...] § 1o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada também pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) § 2o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) § 3o Na hipótese do inciso IV, os automóveis de passageiros a que se refere o caput serão adquiridos diretamente pelas pessoas que tenham plena capacidade jurídica e, no caso dos interditos, pelos curadores. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) § 4o A Secretaria Especial dos Diretos Humanos da Presidência da República, nos termos da legislação em vigor e o Ministério da Saúde definirão em ato conjunto os conceitos de pessoas portadoras de deficiência mental severa ou profunda, ou autistas, e estabelecerão as normas e requisitos para emissão dos laudos de avaliação delas. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) § 5º Os curadores respondem solidariamente quanto ao imposto que deixar de ser pago, em razão da isenção de que trata este artigo. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) § 6o A exigência para aquisição de automóveis equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão não se aplica aos portadores de deficiência de que trata o inciso IV do caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 10.754, de 31.10.2003) Ainda, a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências, determina que: “Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade.” O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamenta a Lei no 7.853/1989, definindo que: Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) [...] Nesse sentido, confira-se: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. IPI. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. ART. 1º, § 1º, DA LEI N. 8.989/95. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. DEFICIÊNCIA COMPROVADA. ISENÇÃO MANTIDA. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. O art. 1º, da Lei n. 8.989/95 determina a concessão de isenção de IPI na aquisição de automóveis por portadores de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. 3. A concessão do benefício para deficientes físicos restringe-se às situações enumeradas no § 1º, do art. 1º, da Lei n. 8.989/95. 4. Hipótese em que a moléstia adquirida pela recorrida enquadra-se entre as elencadas no referido artigo. Concessão de IPI mantida. Recurso especial improvido. (REsp 1370760/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013) Assim, tendo-se em conta a documentação acostada aos autos (laudo de junta médica especial), atestando ser o impetrante portadora de “Visão Monocular” (ID 431926069), não há equívoco no reconhecimento do seu direito firmado em sentença. A propósito julgado deste egrégio Tribunal. Verbis: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. VEÍCULO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. ISENÇÃO. LEI Nº 8.989/1995. APRESENTAÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO CNH. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. 1. A Lei nº 8.989/1995, que dispõe sobre a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de automóveis para utilização por pessoas portadoras de deficiência física, não condiciona a obtenção do benefício fiscal à apresentação da Carteira Nacional de Habilitação - CNH com anotação de restrição. 2. O egrégio Superior Tribunal de Justiça reconhece que: O art. 1º, da Lei nº 8.989/95 determina a concessão de isenção de IPI na aquisição de automóveis por portadores de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal [...] A concessão do benefício para deficientes físicos restringe-se às situações enumeradas no §1º, do art. 1º, da Lei nº 8.989/95 (REsp 1.370.760/RN, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 06/09/2013). 3. Essa colenda Turma entende que: "tendo-se em conta a documentação acostada aos autos (laudos médicos), atestando ser a impetrante portadora de 'Visão Monocular de caráter irreversível consequência de ambliopia funcional por estrabismo divergente em OD. A cirurgia da catarata não foi suficiente para melhorar a acuidade visual, embora com melhoria de campo visual.' [...], não há equívoco no reconhecimento do seu direito firmado em sentença. [...] No tocante a exigência de apresentação de Carteira Nacional de Habilitação CNH com indicação de limitação compatível com a exigência legal para a isenção do IPI, em conformidade com as resoluções do CONTRAN, ressalto que tal exigência extrapola a imposição estabelecida pela Lei nº 8.989/1985" (AMS 1007432-09.2019.4.01.3400, Relator Desembargador Federal José Amilcar Machado, Sétima Turma, PJe 02/07/2021). 4. Os atos normativos de natureza administrativa que visam regulamentar normas gerais e abstratas têm como função a complementação da disciplina contida em lei strictu sensu, sendo vedado extrapolar os limites da legislação em sede de decreto regulamentar, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. Precedentes do STF: AgRg no RE. 583.785, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 22.2.2013; AgRg no RE. 458.735, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 3.2.2006 (STJ, AgRg no AREsp 231.652/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 21/03/2017). 5. Inviável a Administração Tributária criar exigências não previstas na lei que disciplina a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de automóveis por pessoas portadoras de deficiência física. 6. Apelação e remessa oficial, não providas. (AC 1013233-43.2023.4.01.3600, DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES, TRF1 - SÉTIMA TURMA, PJe 29/02/2024 PAG.) No tocante a exigência de apresentação de Carteira Nacional de Habilitação – CNH com indicação de limitação compatível com a exigência legal para a isenção do IPI, em conformidade com as resoluções do CONTRAN, ressalto que tal exigência extrapola a imposição estabelecida pela Lei nº 8.989/1985. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISENÇÃO DE IPI PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE CNH COM ANOTAÇÃO RESTRITIVA. DESCABIMENTO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CÓDIGO FUX. RESOLUÇÕES RFB E CONTRAN SEM NÍVEL DE LEI FEDERAL. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283/STF E 284/STF, POR ANALOGIA. REANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO CONHECIDO PARA SE DAR PARCIAL CONHECIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL E, NESTA EXTENSÃO LHE NEGAR PROVIMENTO. 1. Não houve infringência ao art. 1.022 do Código Fux, na medida em que o Tribunal de origem apreciou, fundamentadamente, a controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade. Observe-se que, malgrado não ter o Colegiado acolhido os argumentos suscitados pelo recorrente, manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Afora isso, julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa às normas ora invocadas. 2. A exigência de anotação restritiva na CNH como requisito para isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI para Pessoa com Deficiência não possui amparo na Lei 8.989/1995, porquanto seus artigos 1o., IV e 3o., citados como supostamente violados não exigem, em momento algum, tal anotação. 3. Dessa feita, a Lei 8.989/1995 prevê o benefício fiscal para as Pessoas com Deficiência que atenderem aos requisitos impostos em seu texto, que não relaciona a apresentação de CNH com anotação restritiva como critério de concessão. Neste sentido, os seguintes precedentes monocráticos: REsp. 1.836.207/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18.11.2019; AREsp. 1.584.479/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 11.11.2019; REsp. 1.835.473/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 7.11.2019. 4. A referida exigência em relação à CNH, segundo a FAZENDA NACIONAL, encontra amparo na Instrução Normativa RFB 1.769/2017 e nas Resoluções CONTRAN 425/2012 e 718/2017, justificando tais determinações com base no art. 141 do CTB, segundo o qual, o processo de habilitação, as normas relativas à aprendizagem para conduzir veículos automotores e elétricos e à autorização para conduzir ciclomotores serão regulamentados pelo CONTRAN. 5. Ocorre que tais dispositivos não se revestem de nível de Lei Federal, não sendo, portanto, passíveis de análise em sede de Apelo Nobre e não se figurando aptos à infirmar o acórdão ora guerreado. Ademais, o art. 141 do CTB apenas autoriza o CONTRAN a regulamentar o processo de habilitação e autorização para condução de veículos automotores e ciclomotores, não referindo-se à requisitos exigíveis para a concessão de eventual benefício tributário. A insuficiência e inadequação da argumentação atrai, então, óbice das Súmulas 283/STF e 284/STF, por analogia. No mesmo sentido, os seguintes precedentes monocráticos: AREsp. 1.590.010/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.11.2019; REsp. 1.815.980/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18.10.2019; REsp. 1.831.514/RS, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA; DJe 30.8.2019. 6. Ademais, o Tribunal de origem, soberano na análise do contexto fático probatório, considerou o laudo emitido por médicos vinculados ao serviço público hábil para subsidiar o reconhecimento da deficiência física para fins de reconhecimento da isenção pleiteada pelo impetrante, independentemente da exigência da apresentação de CNH com restrição compatível com a deficiência (fls. 186/188). Desconstituir tal conclusão demandaria adentrar a seara fático probatória do presente feito, o que se mostra inviável em razão de óbice imposto pela Súmula 7/STJ. 7. Agravo conhecido para dar-se parcial conhecimento ao Recurso Especial da FAZENDA NACIONAL e, nesta extensão, negar-lhe provimento. (AREsp 1591926/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 05/03/2020) Desse modo, estão comprovados os pressupostos autorizadores da isenção requerida. Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial. Honorários advocatícios ordinários e por majoração recursal incabíveis (art. 25 da Lei do Mandado de Segurança – 12.016/2009). É como voto. Des(a). Federal JOSE AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO Relator(a) PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 21 - DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1027733-17.2023.4.01.3600 PROCESSO REFERÊNCIA: 1027733-17.2023.4.01.3600 CLASSE: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) POLO ATIVO: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) POLO PASSIVO:ALEXSANDRA ELIZABETE DA SILVA SANTANA REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ROMARIO DE LIMA SOUSA - MT18881-A E M E N T A TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PLEITO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA. IPI. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PORTADORA DE CEGUEIRA MONOCULAR. LEI Nº 7.853/89. CONDIÇÃO DE DEFICIENTE RECONHECIDA MEDIANTE ACERVO DOCUMENTAL ACOSTADO AOS AUTOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. A Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre a Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas portadoras de deficiência física, determina que: “Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) [...] § 1o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada também pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)”. 2. Assim, tendo-se em conta a documentação acostada aos autos (laudo de junta médica especial), atestando ser a parte impetrante portador de “Visão Monocular” (ID 431926069), não há equívoco no reconhecimento do seu direito firmado em sentença. 3. Nesse sentido: “O art. 1º, da Lei n. 8.989/95 determina a concessão de isenção de IPI na aquisição de automóveis por portadores de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. 3. A concessão do benefício para deficientes físicos restringe-se às situações enumeradas no § 1º, do art. 1º, da Lei n. 8.989/95. 4. Hipótese em que a moléstia adquirida pela recorrida enquadra-se entre as elencadas no referido artigo. Concessão de IPI mantida. Recurso especial improvido.”. (REsp 1370760/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013) 4. No tocante a exigência de apresentação de Carteira Nacional de Habilitação – CNH com indicação de limitação compatível com a exigência legal para a isenção do IPI, em conformidade com as resoluções do CONTRAN, ressalto que tal exigência extrapola a imposição estabelecida pela Lei nº 8.989/1985. 5. Precedente: “[...] 2. A exigência de anotação restritiva na CNH como requisito para isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI para Pessoa com Deficiência não possui amparo na Lei 8.989/1995, porquanto seus artigos 1o., IV e 3o., citados como supostamente violados não exigem, em momento algum, tal anotação. 3. Dessa feita, a Lei 8.989/1995 prevê o benefício fiscal para as Pessoas com Deficiência que atenderem aos requisitos impostos em seu texto, que não relaciona a apresentação de CNH com anotação restritiva como critério de concessão. Neste sentido, os seguintes precedentes monocráticos: REsp. 1.836.207/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 18.11.2019; AREsp. 1.584.479/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 11.11.2019; REsp. 1.835.473/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 7.11.2019. [...]”.(AREsp 1591926/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 05/03/2020) 6. Desse modo, estão comprovados os pressupostos autorizadores da isenção requerida. 7. Honorários advocatícios ordinários e por majoração recursal incabíveis (art. 25 da Lei do Mandado de Segurança – 12.016/2009). 8. Apelação e remessa oficial desprovidas. A C Ó R D Ã O Decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial. Brasília, na data da certificação digital. Desembargador(a) Federal JOSE AMILCAR DE QUEIROZ MACHADO Relator(a)
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Processo nº 1000689-75.2023.4.01.4100
ID: 283539195
Tribunal: TRF1
Órgão: 7ª Vara Federal Criminal da SJRO
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1000689-75.2023.4.01.4100
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLEBER JAIR AMARAL
OAB/RO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Rondônia 7ª Vara Federal Criminal da SJRO SENTENÇA TIPO "D" PROCESSO: 1000689-75.2023.4.01.4100 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) …
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Rondônia 7ª Vara Federal Criminal da SJRO SENTENÇA TIPO "D" PROCESSO: 1000689-75.2023.4.01.4100 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:MAURO DE CARVALHO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: CLEBER JAIR AMARAL - RO2856 S E N T E N Ç A RELATÓRIO MAURO DE CARVALHO, devidamente qualificado nos autos, foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90. Narra a inicial acusatória que: Nos anos de 2004 a 2005, MAURO DE CARVALHO, com vontade livre e consciente da ilicitude de sua conduta, omitiu e prestou informações falsas sobre os seus rendimentos à Receita Federal do Brasil (RFB), desse modo suprimindo ou reduzindo o pagamento de valores devidos de imposto sobre a renda das pessoas físicas (IRPF). Segundo consta dos autos do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) em referência, o denunciado, MAURO DE CARVALHO, então Deputado Estadual em Rondônia, de modo livre e consciente da ilicitude de sua conduta, omitiu informações sobre os rendimentos recebidos por meio da “folha de pagamento paralela” existente na Assembleia Legislativa de Rondônia nos anos-calendário de 2004 a 2005, eximindo-se do pagamento do imposto devido relativo à renda recebida. O Inquérito Policial nº 0200/2005-SR/PF/RO foi instaurado para apurar a existência de folha de pagamento paralela, com servidores comissionados, fantasmas ou laranjas na Assembleia Legislativa de Rondônia. Relativamente à designada “folha paralela”, constatou-se que, em meados do ano de 2004, diversos deputados estaduais – dentre eles MAURO DE CARVALHO – uniram-se com o propósito de desviar dinheiro da Assembleia Legislativa. Para garantir ilícitos repasses mensais aos deputados envolvidos, criaram uma folha de pagamento paralela à folha oficial, que consistia, na verdade, em um subterfúgio para a promoção de desvio mensal de valores, dissimulados como pagamento de pessoal Durante a investigação conduzida pela Polícia Federal, constatou-se que, além dos gastos com a folha normal, a referida “folha paralela” do deputado teve um custo de R$ 754.550,00, no período de junho de 2004 a maio de 2005, com a participação de 24 servidores (documento 1.3, p.7). Os cheques utilizados no pagamento dos funcionários da “folha paralela” foram confeccionados pelo Setor Financeiro da Assembleia Legislativa e mediante recibo, os cheques eram recebidos pelo próprio deputado ou por terceiros. O ora denunciado teve sua assinatura atribuída em 19 destes recibos. Apurou-se que MAURO fazia uso do nome de terceiros, recebia os cheques, conforme comprovado pelos recibos assinados e não os repassava aos servidores fantasmas, obtendo benefício financeiro direto com os cheques emitidos pela Assembleia Legislativa. Os autos da investigação foram instruídos com depoimentos de servidores “fantasmas” (JANILSON CLÊNIO PEREIRA DOS SANTOS, JOSÉ ZEFERINO AZEVEDO e MARCOS ANTÔNIO DE SOUZA ROSA) que confirmaram em depoimento não ter trabalhado para o denunciado na Assembleia Legislativa de Rondônia (documento 1, p. 47/59). Dentre os depoimentos prestados, JUDSON TEIXEIRA PAES DE ARAÚJO relatou que recebeu os valores dos cheques enquanto exercia o emprego de vigilante na residência do deputado (documento 1, p. 59). Por esses fatos antecedentes, no bojo da Ação Penal nº 0000364-37.2010.8.22.0000, MAURO foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia pelos crimes do art. 288, caput, e art. 312, caput, (43 vezes), c/c o art. 29, na forma do art. 71, todos do Código Penal, bem como pelo crime do art. 1º, caput, V, da Lei 9.613/1998 c/c art. 29 do Código Penal (acórdão em documento 17). Com a sua conduta, o denunciado também sonegou informações à Receita Federal do Brasil a respeito do recebimento de valores oriundos da folha paralela, logrando êxito ao fraudar a fiscalização tributária e se eximir do pagamento de imposto sobre esta renda. Em virtude dos fatos acima narrados, a Receita Federal do Brasil promoveu ação fiscal, que resultou na lavratura do Auto de Infração no processo administrativo nº 10240.003237/2008-39, no âmbito do qual se concluiu pela prática das seguintes infrações: omissão de rendimentos com vínculo recebidos de pessoa jurídica com vínculo empregatício, acréscimo patrimonial a descoberto, dedução indevida de dependente, omissão de rendimentos caracterizada por depósitos bancários com origem não comprovada e omissão de rendimentos (documento 1, p. 3). Conforme o Termo de Verificação e Encerramento da Ação Fiscal, de 2.12.2008, foi constituído o crédito tributário de R$286.768,16, composto por R$124.787,77 referente ao Imposto de Renda de Pessoa Física devido, acrescido de R$53.588,90 de juros de mora e R$108.391,49 de multas (documento 1, p.13), conforme os seguintes fatos geradores: (…) Segundo a Receita Federal do Brasil, a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 23 de março de 2020. Respectivo crédito foi inscrito na Dívida Ativa da União em 18 de setembro de 2020 e é objeto de cobrança judicial na Execução Fiscal nº 1000641-87.2021.4.01.4100, em trâmite na 1ª Vara Federal de Porto Velho/RO (documento 17). Representação Fiscal para Fins penais e Autos de Infração (Id 1458089891). A denúncia foi recebida no dia 04/05/2023 (Id. 1602225429). Devidamente citado o réu apresentou peça defensiva (Id. 1939159146). O recebimento da denúncia foi ratificado, afastando-se preliminares de inépcia da inicial e de ausência de justa causa (Id. 2135209634). Realizada audiência de instrução e julgamento em 16/10/2024 (Id. 2153555688) ocasião em que foram ouvidas as testemunhas José Zeferino Azevedo, Geraldo Adalberto Caldeira, Marcelo Liporace Donato e Judson Teixeira Paes de Araújo. Realizada nova audiência de instrução e julgamento em 25/11/2024 (Id. 2160021544) ocasião em que foram ouvidas as testemunhas acusação Marcos Antônio de Souza Rosa e Janilson Clenio Pereira Santos e a testemunha de defesa Irma Fogaça, bem como se procedeu ao interrogatório do réu MAURO DE CARVALHO. Na fase do art. 402 do CPP, o MPF requereu a juntada de certidão de antecedentes criminais da Justiça Estadual de Rondônia e a defesa solicitou a juntada de documentação, conforme ata O Ministério Público Federal, em sede de alegações finais, declinadas de forma oral ao final da audiência de instrução e julgamento requereu a condenação dos réus nos termos da denúncia. A defesa, por outro lado, requereu a absolvição do réu por entender que as provas carreadas aos autos demonstram que o réu não cometeu o crime de que acusado. É o relatório. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO Da tipicidade, materialidade e autoria A peça acusatória imputa ao acusado o crime do artigo 1º, I, da Lei 8.137/1990 e, a seguir descrito: Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; [..] Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. No caso em análise, a materialidade e autoria do delito restaram plenamente comprovadas pela Representação Fiscal para fins penais nº 10240.003237/2008-39 e pelas oitivas das testemunhas em juízo. A testemunha arrolada pela acusação JOSÉ ZEFERINO AZEVEDO, em juízo, declarou conhecer o réu da igreja, restringindo-se a relação a assuntos religiosos. Perguntado se trabalhou para o réu na Assembleia Legislativa de Rondônia afirmou que ia ao parlamento mas sempre pra tratar de assuntos religiosos e nunca ter assinado qualquer documento para ser assessor ou funcionário da Assembleia. Quanto a ter feito financiamento para débito em folha de pagamento da Assembleia Legislativa de Rondônia asseverou que não recorda. Inquirido novamente sobre ter trabalhado para o réu asseverou que atuou apenas em questão religiosas em visitas na Assembleia Legislativa. Asseverou, por fim, que nunca foi funcionário da Assembleia ou do deputado, nem assessor. Também arrolada pela acusação, a testemunha GERALDO ADALBERTO CALDEIRA declarou ser auditor fiscal da Receita aposentado. Sobre os fatos asseverou se recordar do caso, mas não de detalhes. Já MARCELO LIPORACE DONATO declarou em juízo ter sido auditor da Receita Federal é o ano de 2020. Afirmou se recordar de recebimentos, de assessores pegando cheques e trocando em outras contas. Que muitas pessoas ou recebiam e repassavam um pedaço ou algumas que nem recebiam. Inquerido afirmou que não se recorda de nenhum dos 119 ou 120 processos administrativos abertos sobre o caso que tenha sido encerrado sem resultado, sendo todos os envolvidos autuados. JUDSON TEIXEIRA PAES DE ARAÚJO, testemunha de acusação, declarou em juízo ter trabalhado prestando serviços ao réu entre os anos de 2004 e 2019, atuando como serviços gerais na residência de MAURO DE CARVALHO, e o pagamento do salário era feito pela Assembleia Legislativa de Rondônia. Asseverou que após a mudança do réu de uma casa para um apartamento, os seus serviços não foram mais necessários, motivo pelo qual foi nomeado assessor do então deputado pela Assembleia. Confrontado com o depoimento dado à Polícia Federal, no qual asseverou que nunca fora assessor de gabinete do deputado MAURO DE CARVALHO, e nunca deu expediente na Assembleia, resumindo-se seu trabalho à vigilância na residência particular do deputado, o confirmou. Pelo trabalho recebia em torno de R$ 3.000,00. Também confirmou que a partir de janeiro de 2005 teve seu salário reduzido de cerca de R$ 2.500,00 para aproximadamente R$ 1.300,00, explicando que essa redução ocorreu quando deixou de prestar os serviços na residência do deputado e passou a prestar serviços na Assembleia. Inquirido sobre a forma pela qual recebia o pagamento asseverou que por um período foi cheque nominal e depois recebia em conta, ficando todo o pagamento para si. MARCOS ANTÔNIO DE SOUZA ROSA, também arrolado pela acusação, declarou que sua relação com o réu à época dos fatos era de amizade por meio da Igreja. Perguntado se trabalhou na Assembleia Legislativa de Rondônia entre os anos de 2004 e 2005 respondeu que não, afirmando também não ter atuado como assessor legislativo do deputado MAURO DE CARVALHO. Explicou que em uma das eleições, para o cargo de deputado estadual, um dos assessores do deputado lhe solicitou cópia de seu CPF afirmando que lhe daria uma assessoria, e que ficou sabendo que seu nome constava como assessor apenas muito tempo depois, em um audiência. Pelo trabalho desempenhado na eleição asseverou que recebeu um ou duas, talvez três ajudas de aproximadamente R$ 300,00 em cheques, não sabendo dizer que os cheques estavam em nome de MAURO ou da Assembleia. Inquirido afirmou que acredita que os cheques vinham em seu nome. Por fim, a testemunha de acusação JANILSON CLENIO PEREIRA SANTOS declarou ter trabalhado na Assembleia Legislativa no ano de 2018, mas não nos anos de 2004 e 2005, e não ter sido assessor do então deputado MAURO oficialmente, mas ter trabalhado para ele em campanhas. Asseverou que deixou documentação pessoal com pessoas ligadas ao réu na época dos fatos. Quanto ao objetivo da entrega desses documentos asseverou que era para uma possível nomeação como assessor, coisa que não aconteceu. Mas que foi comunicado que constava na assessoria da Assembleia, mas que nunca recebeu nenhum valor referente, salvo uma vez na qual recebeu uma ajuda por ter trabalhado na campanha, algo entre 300 e 400 reais. Quanto a forma do pagamento afirmou que foi em dinheiro. Também que não recebeu nenhum cheque oriundo da Assembleia Legislativa. Respondeu que entre os anos de 2004 e 2005 não se recorda onde e se trabalhava. No Detran teria trabalhado entre 2007 e 2008, possivelmente. Arrolada pela defesa, a testemunha IRMA FOGAÇA declarou em juízo que trabalha na Assembleia Legislativa de Rondônia a quase 25 anos. Inquerida respondeu que começou exercendo a função de secretária e depois passou para o cargo de chefe de gabinete do deputado MAURÃO DE CARVALHO. Respondeu que JANILSON CLENIO PEREIRA SANTOS, JOSÉ ZEFERINO AZEVEDO, MARCOS ANTÔNIO DE SOUZA ROSA trabalharam como assessores parlamentares na Assembleia. Quanto ao pagamento destes funcionário asseverou que era feito por meio de cheques, que era passado ou para o chefe de gabinete ou para o parlamentar que assinavam recibo e os repassavam para os servidores, acrescentando que estes recebiam os chegues pessoalmente. Em seu interrogatório judicial o réu MAURO DE CARVALHO declarou ter 59 anos, ser casado, não ter filhos menores, ser pecuarista, ter formação superior em gestão pública. Inquerido, reafirmou que não foi condenado em qualquer outro processo criminal. Asseverou que as testemunhas que afirmaram ter ajudado em campanhas eleitorais de fato trabalharam na campanha, que pediam para ser nomeados como assessores, que alguns assessores ficavam pouco tempo na função por não comparecer no local de trabalho ou não trabalhar como deveriam eram exonerados. Inquerido se todas as testemunhas que afirmaram ter trabalhado na campanha de fato o fizeram e se elas foram nomeadas como assessoras asseverou que JOSÉ ZEFERINO sempre fez trabalho de campanha na igreja para campanha eleitoral do réu, de forma voluntária; quanto a JUDSON afirmou que este já trabalhava para si, como segurança na sua casa e que depois foi trabalhar na Assembleia e que ele atuava no escritório que o réu tinha em sua casa e onde realizava atendimentos relativos ao mandato eleitoral; quanto a JANILSON respondeu que sempre trabalhara na sua campanha e sempre de forma voluntária; quanto a MARCOS ANTÔNIO DE SOUZA ROSA assevero que também trabalhou em sua campanha eleitoral, também de forma voluntária e após as eleições queria um serviço na Assembleia pois estava sem emprego, pelo que foi nomeado como assessor por um período de 2 a 3 meses, mas não se adaptou ao trabalho, motivo pelo qual foi exonerado. Inquirido se todas estas testemunhas estariam mentindo respondeu que sim. Como é possível observar pelas oitivas da maioria das testemunhas, as quais relataram desde o modo como o esquema foi operado e como a Receita Federal do Brasil realizou o procedimento apuratório (servidores e ex servidores da RFB) até o modo como trabalhou pessoalmente para o réu, embora recebesse salário da Assembleia Legislativa de Rondônia (uma das testemunhas) e o fato de estarem registrados como assessores parlamentares mas não saberem disso e não terem recebido salário, salvo pequena quantia a título de ajuda de custo pelo trabalho na campanha eleitoral do réu (demais testemunhas de acusação). Com efeito, conforme demonstra sobretudo a Representação Fiscal para Fins Penais, entre os anos 2004 e 2005, o réu MAURO DE CARVALHO omitiu e prestou informações falsas sobre os seus rendimentos à Receita Federal do Brasil, quando era Deputado Estadual por este Estado de Rondônia, quando omitiu informações sobre rendimentos recebidos através de “folha de pagamento paralela” da Assembleia Legislativa do estado. A defesa argumenta que a testemunha IRMA FOGAÇA teria contradito parte das testemunhas ao afirmar que estas trabalharam de fato no gabinete do então deputado estadual. Ocorre que as demais testemunhas indicaram peremptoriamente e com minúcias que jamais atuaram no gabinete de MAURO DE CARVALHO, bem como as circunstâncias do caso, com as provas do recebimento dos valores na conta do réu, a investigação que constatou gastos de R$ 754.550,00 no período analisado com 24 servidores, indicam com mais força que houve de fato a contratação apenas formal de muitos destes servidores que não recebiam seus salários e também não trabalharam, ou o caso de JUDSON TEIXEIRA, que afirmou ter trabalhado muito tempo na residência do réu, mas recebendo pela Casa Legislativa. Por fim, com o lançamento definitivo do crédito tributário, que ocorreu em 23/03/2020 (Id. 1458112846, p. 190), e provada a qualidade de funcionários fantasmas, impõe-se a condenação do réu nos moldes da denúncia. DISPOSITIVO Em face ao exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva articulada na denúncia para CONDENAR o réu MAURO DE CARVALHO, como incurso nas penas do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90. DOSIMETRIA Art. 1º da Lei n. 8.137/90 Circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) A culpabilidade é maior, vez ao tempo do crime o réu era detentor de mandato público eletivo, motivo pelo qual exaspero a pena base em 1/6. Os antecedentes não são desfavoráveis. Não existem elementos suficientes para a avaliar a conduta social e a personalidade. Os motivos e as circunstâncias do crime são normais às espécies. Mas as consequências, por se tratar de deputado estadual, o qual também teve mandato como presidente da casa legislativa, são mais graves, devendo-se exasperar a pena em mais 1/6. Não há o que valorar no comportamento da vítima. Assim, fixo a pena-base em 2 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, além do pagamento de 14 dias multa. Circunstâncias agravantes e atenuantes Inexistem agravantes e atenuantes. Causas de aumento ou diminuição Ausentes causas de aumento ou diminuição. Pena definitiva Fica o réu definitivamente condenado à pena de 2 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, e ao pagamento de 14 dias-multa a razão 2 salários mínimos para cada dia-multa. Fica o réu definitivamente condenado à pena de 2 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, e ao pagamento de 14 dias-multa, à razão de 200% do salário-mínimo vigente à época do fato, para cada dia multa. Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade Em atenção ao quantum da pena fixada e aos critérios do art. 59 do CP, o regime inicial para o cumprimento da reprimenda deve ser o regime aberto (art. 33, §2º, “c” e § 3º, CP). Substituição da pena privativa de liberdade Considerando que a pena restou fixada em quatro anos, não sendo o réu reincidente em crime doloso e a culpabilidade e os antecedentes assim o recomendando, SUBSTITUO a pena corporal por restritivas de direitos, consistentes em: a) Prestação pecuniária, que fixo no valor de R$ 300.000,00, vigentes à época dos fatos, devidamente atualizados até a data de pagamento. Justifico tal valor tomando como base a vantagem indevida auferida pelo réu, bem como na renda declarada pelo réu. Referida quantia deverá ser recolhida diretamente na conta judicial n. 0830.635.00007902-6. b) Limitação do fim de semana, pelo temo da pena privativa de liberdade aplicada. Fica o condenado ciente de que o descumprimento ocasionará a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, nos termos do art. 44, §4º, do Código Penal. Recurso em liberdade Concedo ao réu o direito de recorrer da sentença em liberdade, uma vez que respondeu a ação penal solto, além de ausentes motivos para decretação da prisão cautelar neste momento. Providências após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória a) expeça-se guia de execução definitiva da pena; b) oficie-se ao TRE/RO, nos termos do art. 15, III, da CF; c) oficie-se ao Instituto de Identificação, para registro; d) REMETA-SE o processo à contadoria para o cálculo da multa. Verificado o valor, ENCAMINHE-SE guia ao juízo da execução para cobrança da pena pecuniária, nos termos do art. 51 da LEP; e) EXPEÇA-SE guia para recolhimento das custas e da pena de multa; f) PROVIDENCIE-SE o registro da sentença no SINIC. Cumpridas as providências necessárias, ARQUIVEM-SE os autos, com as devidas baixas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Porto Velho/RO, data da assinatura eletrônica. (assinado digitalmente)
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Processo nº 0001859-16.2006.4.01.3900
ID: 298055993
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001859-16.2006.4.01.3900
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO
OAB/PA XXXXXX
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CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO
OAB/PA XXXXXX
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JIMMY SOUZA DO CARMO
OAB/PA XXXXXX
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CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA
OAB/PA XXXXXX
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SILVIANE PETER EBERSOL
OAB/RS XXXXXX
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ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO
OAB/PE XXXXXX
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MARCOS CAETANO DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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ALTINO FERREIRA BUENO
OAB/GO XXXXXX
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REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA
OAB/PA XXXXXX
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RENAN AZEVEDO SANTOS
OAB/PA XXXXXX
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JOSE ALYRIO WANZELER SABBA
OAB/PA XXXXXX
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GILZELY MEDEIROS DE BRITO
OAB/PA XXXXXX
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ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA
OAB/PA XXXXXX
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DANIEL KONSTADINIDIS
OAB/PA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros POLO PASSIVO:LIA NAZARETH MELLO ALEIXO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DANIEL KONSTADINIDIS - PA9167-A, ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA - PA9381-A, GILZELY MEDEIROS DE BRITO - PA8539-A, JOSE ALYRIO WANZELER SABBA - PA6012-A, RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA - PA1746-A, ALTINO FERREIRA BUENO - GO10614-A, MARCOS CAETANO DA SILVA - GO11767-A, ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO - PE17539-A, SILVIANE PETER EBERSOL - RS50606-A, CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA - PA22213-A, JIMMY SOUZA DO CARMO - PA18329-A, CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO - PA12123-A e HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO - PA2746-A RELATOR(A):LEAO APARECIDO ALVES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) n. 0001859-16.2006.4.01.3900 RELATÓRIO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): A União ajuizou a presente ação de improbidade administrativa contra Lia Nazareth Mello Aleixo e outros. O autor imputa aos réus a prática das condutas ímprobas consistentes: (i) em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; (ii) em “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”; (iii) e em “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput, I e II (na redação original), respectivamente. Id. 399734652 - Pág. 4-18. Após regular instrução, o juízo rejeitou o pedido. Id. 399735592. A União opôs embargos de declaração “com o propósito de obter do juízo o pronunciamento sobre a não conversão desta ação por improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347/85.” Id. 399735597. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pelo acolhimento dos embargos de declaração “a fim de viabilizar a manifestação do juízo sobre o ponto levantado pela embargante.” Id. 399735600. Os réus apresentaram contrarrazões. Id. 399735603, 399735605, 399735611 e 399735617. O juízo rejeitou os embargos de declaração. Id. 399735621. Insatisfeita com esse desfecho, a União interpôs apelação, formulando o seguinte pedido: Em razão do exposto, requer a União a reforma da sentença: Porque ficou demonstrada a prática de improbidade administrativa e, assim, imputar as respectivas sanções aos Apelados, cuja tipificação foi apresentada na prefacial de piso; ou Tendo em vista que o juízo singular, quando dos julgamento dos embargos de declaração, já se pronunciou quanto ao art. 17, §16, da Lei nº 8.429/92, se proceda, pelo órgão fracionário, a conversão da presente ação por improbidade administrativa em ação civil pública e, assim, condenar os Apelados ao ressarcimento ao erário em razão do dano causado ao patrimônio da Apelante. Id. 399735627. Os réus apresentaram contrarrazões. Ids. 399735637, 399735641, 399735643, 399735645, e 399735653. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo provimento da apelação. Id. 416445043. Esta Turma negou provimento à apelação. Id. 432890924. Inconformadas, a PRR1 e a União opuseram embargos de declaração. A PRR1 formulou o seguinte pedido: Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer sejam conhecidos e providos os presentes embargos de declaração, com efeitos infringentes, para que seja sanada a omissão/contradição/obscuridade do acórdão recorrido, nos termos da fundamentação exarada, de modo a dar-se provimento à apelação em comento [...]. Id. 433022615. A União formulou o seguinte pedido: Diante do exposto, requer a UNIÃO sejam acolhidos os embargos de declaração para esclarecer a obscuridade e suprir a omissão ora apontadas, à luz do art. 1.022, incisos I e II e parágrafo único, inciso II c/c art. 489, inciso II, e §1º, incisos I, III e IV, ambos do CPC, de sorte a que se esclareça acerca (i) da presença do dolo específico, considerando-se o cotejo do sobrevôo com os documentos apresentados, visivelmente diversos, (ii) a prestabilidade da auditoria de 1998, consideradas as circunstâncias supra, (iii) se há necessidade de prova de conluio entre os agentes, já que já foi demonstrado o elemento subjetivo dolo específico e (iv) a ocorrência de dano ao erário. Id. 434277079. Os réus apresentaram contrarrazões. Ids. 434446523, 434447171, 434791115, 434877733 e 435340837. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) n. 0001859-16.2006.4.01.3900 VOTO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): I A.A PRR1 sustenta a existência de contradição no acórdão embargado. B. “Nos termos do magistério de Barbosa Moreira: Pode haver contradição entre proposições contidas na motivação (exemplo: a mesma prova ora é dita convincente, ora inconvincente), ou entre proposições da parte decisória, isto é, incompatibilidade entre capítulos do acórdão: v.g. anula-se, por vício insanável, quando logicamente se deveria determinar a restituição ao órgão inferior, para sentenciar de novo; ou declara-se inexistente a relação jurídica prejudicial (deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental), mas condena-se o réu a cumprir a obrigação que dela necessariamente dependia; e assim por diante. Também pode ocorrer contradição entre alguma proposição enunciada nas razões de decidir e o dispositivo: por exemplo, se na motivação se reconhece como fundada alguma defesa bastante para tolher a pretensão do autor, e no entanto se julga procedente o pedido. (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 556-557)”. (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1791689/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021.) “A contradição que dá margem aos embargos declaratórios é a que se estabelece entre os termos da própria decisão judicial - fundamentação e dispositivo - e não a que porventura exista entre ela e o ordenamento jurídico; menos ainda a que se manifeste entre o acórdão e a opinião da parte vencida”. (STF, RHC 79785-ED/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 10/04/2003, Tribunal Pleno, DJ 23-05-2003, P. 31.) “A contradição que autoriza a interposição de embargos declaratórios é a que se aninha na estrutura da própria decisão embargada, entre a fundamentação e o dispositivo; não a que ressai do cotejo entre aquela decisão e outras, proferidas sobre o mesmo tema.” (STF, AR 1535-ED/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO, julgado em 22/03/2004, Tribunal Pleno, DJ 18-06-2004, P. 44.) “A contradição que autoriza o manejo dos embargos de declaração é aquela interna, ou seja, entre proposições do próprio julgado e não aquela entre ele e a lei ou entendimento das partes.” (STJ, EDcl no REsp 1602681/ES, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018.) “A contradição apta a ensejar o emprego dos declaratórios é somente a interna, ou seja, a verificável entre a fundamentação e o dispositivo da própria decisão embargada, e não aquela externa, oriunda de contraste alegadamente existente em face de julgado diverso do embargado.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1114315/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 23/02/2018.) C. No presente caso, a fundamentação contida no voto condutor está em consonância com o dispositivo do acórdão embargado, donde a manifesta ausência de contradição. II A. As embargantes sustentam que há omissão no acórdão embargado. B. Embora visem ao aprimoramento da decisão judicial, os embargos de declaração não constituem o instrumento processual idôneo a fim que a parte registre seu inconformismo com o resultado do julgamento; não substituem o recurso cabível; não constituem oportunidade para que a parte lance novos argumentos sobre matérias já decididas pelo julgador; nem, muito menos, constituem oportunidade para que a parte possa suscitar fundamentação que deveria ter sido apresentada antes e não o foi. Dessa forma, são “incabíveis os embargos de declaração, quando [...] tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, vem a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal.” (STF, RE 202097 ED-EDv-AgR-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2004, DJ 27-08-2004 P. 52.) Os “[e]mbargos declaratórios não se prestam a submeter à reapreciação os fundamentos da decisão embargada.” (STF, AI 458072 ED/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009, DJe-195 16-10-2009.) Em idêntica direção, dentre outros precedentes: STF, HC 86579 ED/ES, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-036 29-02-2008; RE 230581 AgR-ED/MG, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/11/2007, DJe-157 07-12-2007 DJ 07-12-2007 P. 95. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 11/12/2007, DJe-162 29-08-2008.) Além disso, o STF firmou a tese de que “[o]s embargos de declaração não se prestam a corrigir erro de julgamento.” (STF, RE 194662 ED-ED-EDv, Rel. p/ Acórdão RISTF Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015, DJe-151 03-08-2015.) III A. As embargantes alegam que a União demonstrou a existência de dano ao erário ao afirmar que o dano ao erário decorre da fiscalização realizada mediante sobrevoo. Segundo a União, a realização dos laudos mediante sobrevoo implicou a “emissão de um laudo que não condiz com a realidade o ente financiador venha a realizar o repasse baseado nesse documento público que atestou a execução de objeto que, na verdade, não foi executado.” A União alegou, assim, que da realização dos laudos mediante sobrevoo “é consequência lógica a existência do prejuízo”. Essas afirmações e as demais constantes das razões de apelação da União deixaram de infirmar os fundamentos do acórdão embargado: (i) ausência de indicação da conduta ímproba supostamente praticada pelos réus que, tendo sido procedida com dolo específico, acarretou, de forma direta e imediata, dano ao erário; (ii) inexistência de prova do dolo específico na conduta dos réus; (iii) dano ao erário decorrente, direta e imediatamente da conduta dos réus. A realização dos laudos mediante sobrevoo, como ressaltado pelo juízo, pode ter decorrido de falta de diligência dos servidores, e, não, de dolo específico. Na ausência de dolo específico, como demonstrado, ad nauseam, no acórdão embargado, inexiste fundamento para a condenação do réu ao ressarcimento ao erário. Em suma, e, ainda que tenha havido prejuízo, a condenação dos réus ao ressarcimento ao erário, com fundamento na prática de conduta ímproba, demanda, como explicado no acórdão embargado, a indicação e a comprovação da prática de conduta ímproba específica com dolo específico, circunstâncias inexistentes na apelação interposta pela União. Ao contrário, constou do acórdão embargado a observação do juízo no sentido de “‘que a fiscalização limitada ao sobrevoo resultou de fatores externos, não partindo da pura voluntariedade dos servidores.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Como também constou do acórdão embargado, “o juízo enfatizou que ‘a equipe de fiscalização referente ao Laudo n. 177/96 comunicou aos superiores sobre a fiscalização ter sido feita através de sobrevoo, e ainda assim, nenhuma providência fora tomada internamente pela SUDAM, conforme consta no Relatório Final do PAD.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Além disso, “[s]egundo o juízo, ‘[t]al fato evidencia que a fiscalização por sobrevoo não era procedimento vedado de forma expressa pelos setores competentes da autarquia’ e que ‘[r]eforça tal constatação o fato de não haver, ao menos na época, norma interna na extinta SUDAM prevendo de maneira específica que a fiscalização devesse ocorrer em solo, vedando a fiscalização limitada ao sobrevoo.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Assim sendo, fatores externos sujeitaram os servidores à realização da fiscalização mediante sobrevoo, e, não, eventual dolo específico deles direcionado a causar dano ao erário. B. A União argumenta que o acórdão embargado “[p]autou-se ... na ausência de irregularidade de fiscalização de obras por meio de sobrevôo, no argumento de ausência de dolo e de dano ao erário”. Esta Corte deixou claro a existência de irregularidades na fiscalização. No acórdão embargado esta Corte asseverou que “[o] juízo consignou que a Secretaria da Receita Federal (SRF) constatou, em 1998, diversas irregularidades na execução do Projeto Fabosa.” No entanto, os réus nesta ação de improbidade administrativa efetuaram a fiscalização em data anterior, 1996 e 1997, e, como observado pelo juízo, “‘do acervo probatório não é possível extrair a constatação de que os servidores, na ocasião em que elaboraram os Relatórios de Fiscalização, tinham conhecimento das irregularidades constatadas a partir de 1998 pela SRF na execução do projeto pela Fazenda Alto Bonito, e mesmo com este conhecimento elaboraram os laudos de fiscalização visando ocultar tais irregularidades.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 27. As questões relacionadas ao dolo específico e ao dano ao erário foram examinadas na Parte III-A deste voto, não havendo necessidade de serem repetidas aqui. C. A União afirma que “o fato de que os servidores não sabiam que se baseavam em documentação falsa para atestar a execução do empreendimento não se presta a excluir o dolo.” Dolo é “consciência e vontade de realizar os elementos do tipo legal”. (STF, Inq 4019, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 23-02-2016, DJe-066 11-04-2016.) Se “os servidores não sabiam que se baseavam em documentação falsa para atestar a execução do empreendimento”, faltou-lhes vontade, e, portanto, um dos elementos da conduta dolosa. D. A União alega que “o elemento subjetivo decorre do fato de que muitas das informações incluídas no laudo eram IMPOSSÍVEIS de serem verificadas por meio de fiscalização aérea. Cite-se, como exemplo, o atesto da potência de um motor Yamar 36hp pelos requeridos.” A potência de um motor pode ser atestada mediante a consulta aos manuais especializados, sem necessidade de inspecionar o equipamento in loco. E. A alegação da União de que “a apresentação de documentos falsos não é algo que ocorra por erro” não foi suscitada nas razões de apelação, donde a ausência de omissão a suprir nesse particular. Id. 399735627. A União assevera que “a pessoa jurídica teve sua parcela de colaboração, uma vez que, diante das irregularidades presentes, aceitou a documentação oficial irregular com objetivo de continuar a receber os recursos públicos”. Como visto no Relatório, a União imputou aos réus a prática das condutas ímprobas consistentes: (i) em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; (ii) em “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”; (iii) e em “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. LIA, Art. 10, caput, I e II, na redação original, respectivamente. Nenhuma dessas condutas é aplicável, de forma específica, aos dirigentes da empresa tomadora do financiamento. Ademais, a União deixou de indicar onde residiria o dano ao erário além daquele que pode ser ressarcido mediante o ajuizamento de ação de cobrança ou de execução por título extrajudicial, conforme o caso. Em suma, as questões suscitadas nas razões de apelação foram examinadas no acórdão embargado, donde a ausência de omissão, mas mera pretensão ao reexame da fundamentação do acórdão. IV A. As embargantes sustentam a existência de obscuridade no acórdão embargado. B. “Da doutrina processualista, extrai-se que a obscuridade consiste na falta de clareza da decisão impugnada, sendo que, diante da função precípua do pronunciamento judicial de emprestar certeza às relações litigiosas que calham às suas portas, não se admitem decisões judiciais não-unívocas.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1791689/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021.)“‘A obscuridade é fenômeno representativo de acórdão ininteligível, confuso, embaraçoso em suas razões e enigmático em sua parte dispositiva’ (STJ, EDcl no AgRg no AG 178.699/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ de 19/04/1999).” (STJ, EDcl no REsp n. 919.427/RJ, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 2/2/2017, DJe de 17/4/2017.) C. Na espécie, os fundamentos e a conclusão expostos no acórdão embargado são claros, precisos e diretos, e, assim, não padecem de obscuridade. D. A União afirma que é necessário “esclarecer obscuridade acerca do argumento de que ‘não se sabe a situação real do empreendimento em 1993 pois a vistoria foi realizada em 1998’. Ora, se em 1998 ainda não estava executada a obra, porque em 1993 estaria? Houve construção de 98% da obra, mas depois foi realizada sua destruição para ficar em 76%? Não faz sentido, e nem os requeridos trouxeram essa alegação.” As conclusões expostas pela União, quanto ao percentual de conclusão do projeto, inexistem no acórdão embargado. As porcentagens indicadas pela União não constaram do acórdão embargado. Nesse contexto, a fundamentação contida no acórdão embargado desautoriza a conclusão da União no sentido da existência de obscuridade, que “‘resulta de pura criação mental ...’ (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO).” (STF, HC 73271, Relator(a): CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 19-03-1996, DJ 04-10-1996 P. 37100.) E. A União afirma que “é necessário que se esclareça se a prova de conluio é necessária à aplicação do art. 10, da LIA, uma vez que referido requisito não está previsto na norma. Em verdade, a lei exige apenas a prova do dolo específico do agente, o que restou demonstrado nos autos, bem como a causação de dano ao erário decorrente de tais condutas.” Novamente a União extrai do acórdão embargado conclusões que nele não foram expostas. Em momento algum esta Corte afirmou que “a prova de conluio é necessária à aplicação do art. 10, da LIA”. No acórdão embargado esta Corte afirmou, nesse ponto, que: O juízo consignou que a Secretaria da Receita Federal (SRF) constatou, em 1998, diversas irregularidades na execução do Projeto Fabosa. O Ministério da Fazenda constatou, dentre outras coisas, “que não houve aplicação dos recursos no projeto, não houve providências corretivas administrativas para apurar a responsabilidade dos servidores da SUDAM pela continuidade do projeto, sem a constatação das diversas irregularidades cometidas, tendo em vista que este se utilizou de recursos do FINAM desde 1983 a 1996, que se encontra em ação fiscal, a liberação de valores equivalentes a mais de US$ 1,2 milhão por este Fundo de Investimento, conforme informações do Banco da Amazônia – BASA.” Id. 399735592. No entanto, o juízo observou que “do acervo probatório não é possível extrair a constatação de que os servidores, na ocasião em que elaboraram os Relatórios de Fiscalização, tinham conhecimento das irregularidades constatadas a partir de 1998 pela SRF na execução do projeto pela Fazenda Alto Bonito, e mesmo com este conhecimento elaboraram os laudos de fiscalização visando ocultar tais irregularidades.” Id. 399735592. Além disso, o juízo acentuou que “não há prova de que os servidores agiram em conluio com os sócios/representantes da empresa no sentido de produzir laudos de fiscalização com atesto de inversões inexistentes, quiçá que receberam vantagem indevida para agir de tal maneira.” Id. 399735592. Id. 432890924 - Pág. 27. Como decorre da transcrição acima, a invocação do fundamento exposto pelo juízo no sentido da inexistência de prova de conluio foi lançada por esta Corte a título de reforço de fundamentação, e, apenas, para demonstrar que inexistem provas de concerto prévio entre os réus para lesar o erário. Considerando que esse fundamento foi lançado apenas a título de reforço, a sua exclusão do acórdão embargado é insuficiente para alterar o resultado do julgamento. Em outras palavras, ainda que esse fundamento de reforço seja inidôneo, os demais fundamentos expostos no acórdão embargado são suficientes à confirmação do acórdão embargado. Em caso similar, o STF explicou que, “[a]inda que o TST tenha decidido a questão dos autos amparado-se na tese da dispensa imotivada, tal fato não influencia na parte dispositiva do voto ora impugnado, considerando que o segundo fundamento foi utilizado apenas como reforço argumentativo.” (STF, RE 1276234 AgR-ED-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 05-12-2022, DJe-s/n 09-02-2023.) No mesmo sentido, explicando que “o fato de ter o voto proferido no mandado de segurança se utilizado de reforço argumentativo, para destacar, ainda, que, ‘para se entender de forma diversa, seria necessário o reexame dos fatos e das provas integrantes do feito administrativo, procedimento incompatível com a via do mandado de segurança’, não afasta a fundamentação de mérito do writ.” (STF, AO 2860 AgR-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 31-03-2025, DJe-s/n 10-04-2025.) F. A União requer “seja aclarada a circunstância [...] acerca da efetiva ocorrência de dano ao erário, decorre[n]te dos repasses de valores indevidos, fundados nos laudos incorretos, bem como acerca da possibilidade de conversão da presente AIA em ação de ressarcimento.” Como visto acima, Parte III deste voto, somente há dano ao erário passível de ressarcimento a partir da prova de existência de conduta ímproba dolosa, hipótese em que a sanção de ressarcimento é imprescritível. Nesse sentido, cumpre repetir a fundamentação exposta no acórdão embargado. No tocante à prescrição disciplinada na Constituição da República, Art. 37, § 5º, o STF decidiu que: 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. (STF, RE 852475, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, DJe-058 25-03-2019.) Em consequência, a Corte firmou a seguinte Tese, quanto ao Tema 897 da Repercussão Geral: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) Dessa forma, está mais do que claro que somente “[s]ão imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) No presente caso, o exame das provas contidas nos autos, vistas em conjunto, não convenceram o juízo nem esta Corte de que houve a “prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) G. Considerando que as embargantes propugnam apenas o reexame dos fundamentos do acórdão embargado, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, supra.) V Em conformidade com a fundamentação acima, voto pela rejeição dos embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros POLO PASSIVO:LIA NAZARETH MELLO ALEIXO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DANIEL KONSTADINIDIS - PA9167-A, ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA - PA9381-A, GILZELY MEDEIROS DE BRITO - PA8539-A, JOSE ALYRIO WANZELER SABBA - PA6012-A, RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA - PA1746-A, ALTINO FERREIRA BUENO - GO10614-A, MARCOS CAETANO DA SILVA - GO11767-A, ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO - PE17539-A, SILVIANE PETER EBERSOL - RS50606-A, CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA - PA22213-A, JIMMY SOUZA DO CARMO - PA18329-A, CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO - PA12123-A e HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO - PA2746-A EMENTA: Embargos de declaração. Ação de improbidade administrativa. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]). Obscuridade, contradição e omissão. Não ocorrência. Embargos de declaração rejeitados. 1. Alegação de ocorrência de obscuridade. Improcedência, no caso. Hipótese em que os fundamentos e a conclusão expostos no acórdão embargado são claros, precisos e diretos, e, assim, não padecem de obscuridade. 2. Alegação de ocorrência de contradição. Improcedência, no caso. Hipótese em que a fundamentação contida no voto condutor está em consonância com o dispositivo do acórdão embargado, donde a manifesta ausência de contradição. 3. Alegação de ocorrência de omissão. Improcedência, no caso. Hipótese em que as questões suscitadas nas razões de apelação foram examinadas no acórdão embargado. Pretensão ao reexame da fundamentação do acórdão. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP.) Embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União rejeitados. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal LEÃO ALVES Relator
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Processo nº 0001859-16.2006.4.01.3900
ID: 298055998
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001859-16.2006.4.01.3900
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO
OAB/PA XXXXXX
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CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO
OAB/PA XXXXXX
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JIMMY SOUZA DO CARMO
OAB/PA XXXXXX
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CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA
OAB/PA XXXXXX
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SILVIANE PETER EBERSOL
OAB/RS XXXXXX
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ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO
OAB/PE XXXXXX
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MARCOS CAETANO DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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ALTINO FERREIRA BUENO
OAB/GO XXXXXX
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REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA
OAB/PA XXXXXX
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RENAN AZEVEDO SANTOS
OAB/PA XXXXXX
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JOSE ALYRIO WANZELER SABBA
OAB/PA XXXXXX
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GILZELY MEDEIROS DE BRITO
OAB/PA XXXXXX
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ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA
OAB/PA XXXXXX
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DANIEL KONSTADINIDIS
OAB/PA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros POLO PASSIVO:LIA NAZARETH MELLO ALEIXO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DANIEL KONSTADINIDIS - PA9167-A, ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA - PA9381-A, GILZELY MEDEIROS DE BRITO - PA8539-A, JOSE ALYRIO WANZELER SABBA - PA6012-A, RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA - PA1746-A, ALTINO FERREIRA BUENO - GO10614-A, MARCOS CAETANO DA SILVA - GO11767-A, ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO - PE17539-A, SILVIANE PETER EBERSOL - RS50606-A, CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA - PA22213-A, JIMMY SOUZA DO CARMO - PA18329-A, CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO - PA12123-A e HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO - PA2746-A RELATOR(A):LEAO APARECIDO ALVES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) n. 0001859-16.2006.4.01.3900 RELATÓRIO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): A União ajuizou a presente ação de improbidade administrativa contra Lia Nazareth Mello Aleixo e outros. O autor imputa aos réus a prática das condutas ímprobas consistentes: (i) em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; (ii) em “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”; (iii) e em “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput, I e II (na redação original), respectivamente. Id. 399734652 - Pág. 4-18. Após regular instrução, o juízo rejeitou o pedido. Id. 399735592. A União opôs embargos de declaração “com o propósito de obter do juízo o pronunciamento sobre a não conversão desta ação por improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347/85.” Id. 399735597. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pelo acolhimento dos embargos de declaração “a fim de viabilizar a manifestação do juízo sobre o ponto levantado pela embargante.” Id. 399735600. Os réus apresentaram contrarrazões. Id. 399735603, 399735605, 399735611 e 399735617. O juízo rejeitou os embargos de declaração. Id. 399735621. Insatisfeita com esse desfecho, a União interpôs apelação, formulando o seguinte pedido: Em razão do exposto, requer a União a reforma da sentença: Porque ficou demonstrada a prática de improbidade administrativa e, assim, imputar as respectivas sanções aos Apelados, cuja tipificação foi apresentada na prefacial de piso; ou Tendo em vista que o juízo singular, quando dos julgamento dos embargos de declaração, já se pronunciou quanto ao art. 17, §16, da Lei nº 8.429/92, se proceda, pelo órgão fracionário, a conversão da presente ação por improbidade administrativa em ação civil pública e, assim, condenar os Apelados ao ressarcimento ao erário em razão do dano causado ao patrimônio da Apelante. Id. 399735627. Os réus apresentaram contrarrazões. Ids. 399735637, 399735641, 399735643, 399735645, e 399735653. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo provimento da apelação. Id. 416445043. Esta Turma negou provimento à apelação. Id. 432890924. Inconformadas, a PRR1 e a União opuseram embargos de declaração. A PRR1 formulou o seguinte pedido: Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer sejam conhecidos e providos os presentes embargos de declaração, com efeitos infringentes, para que seja sanada a omissão/contradição/obscuridade do acórdão recorrido, nos termos da fundamentação exarada, de modo a dar-se provimento à apelação em comento [...]. Id. 433022615. A União formulou o seguinte pedido: Diante do exposto, requer a UNIÃO sejam acolhidos os embargos de declaração para esclarecer a obscuridade e suprir a omissão ora apontadas, à luz do art. 1.022, incisos I e II e parágrafo único, inciso II c/c art. 489, inciso II, e §1º, incisos I, III e IV, ambos do CPC, de sorte a que se esclareça acerca (i) da presença do dolo específico, considerando-se o cotejo do sobrevôo com os documentos apresentados, visivelmente diversos, (ii) a prestabilidade da auditoria de 1998, consideradas as circunstâncias supra, (iii) se há necessidade de prova de conluio entre os agentes, já que já foi demonstrado o elemento subjetivo dolo específico e (iv) a ocorrência de dano ao erário. Id. 434277079. Os réus apresentaram contrarrazões. Ids. 434446523, 434447171, 434791115, 434877733 e 435340837. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) n. 0001859-16.2006.4.01.3900 VOTO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): I A.A PRR1 sustenta a existência de contradição no acórdão embargado. B. “Nos termos do magistério de Barbosa Moreira: Pode haver contradição entre proposições contidas na motivação (exemplo: a mesma prova ora é dita convincente, ora inconvincente), ou entre proposições da parte decisória, isto é, incompatibilidade entre capítulos do acórdão: v.g. anula-se, por vício insanável, quando logicamente se deveria determinar a restituição ao órgão inferior, para sentenciar de novo; ou declara-se inexistente a relação jurídica prejudicial (deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental), mas condena-se o réu a cumprir a obrigação que dela necessariamente dependia; e assim por diante. Também pode ocorrer contradição entre alguma proposição enunciada nas razões de decidir e o dispositivo: por exemplo, se na motivação se reconhece como fundada alguma defesa bastante para tolher a pretensão do autor, e no entanto se julga procedente o pedido. (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 556-557)”. (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1791689/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021.) “A contradição que dá margem aos embargos declaratórios é a que se estabelece entre os termos da própria decisão judicial - fundamentação e dispositivo - e não a que porventura exista entre ela e o ordenamento jurídico; menos ainda a que se manifeste entre o acórdão e a opinião da parte vencida”. (STF, RHC 79785-ED/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 10/04/2003, Tribunal Pleno, DJ 23-05-2003, P. 31.) “A contradição que autoriza a interposição de embargos declaratórios é a que se aninha na estrutura da própria decisão embargada, entre a fundamentação e o dispositivo; não a que ressai do cotejo entre aquela decisão e outras, proferidas sobre o mesmo tema.” (STF, AR 1535-ED/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO, julgado em 22/03/2004, Tribunal Pleno, DJ 18-06-2004, P. 44.) “A contradição que autoriza o manejo dos embargos de declaração é aquela interna, ou seja, entre proposições do próprio julgado e não aquela entre ele e a lei ou entendimento das partes.” (STJ, EDcl no REsp 1602681/ES, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018.) “A contradição apta a ensejar o emprego dos declaratórios é somente a interna, ou seja, a verificável entre a fundamentação e o dispositivo da própria decisão embargada, e não aquela externa, oriunda de contraste alegadamente existente em face de julgado diverso do embargado.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1114315/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 23/02/2018.) C. No presente caso, a fundamentação contida no voto condutor está em consonância com o dispositivo do acórdão embargado, donde a manifesta ausência de contradição. II A. As embargantes sustentam que há omissão no acórdão embargado. B. Embora visem ao aprimoramento da decisão judicial, os embargos de declaração não constituem o instrumento processual idôneo a fim que a parte registre seu inconformismo com o resultado do julgamento; não substituem o recurso cabível; não constituem oportunidade para que a parte lance novos argumentos sobre matérias já decididas pelo julgador; nem, muito menos, constituem oportunidade para que a parte possa suscitar fundamentação que deveria ter sido apresentada antes e não o foi. Dessa forma, são “incabíveis os embargos de declaração, quando [...] tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, vem a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal.” (STF, RE 202097 ED-EDv-AgR-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2004, DJ 27-08-2004 P. 52.) Os “[e]mbargos declaratórios não se prestam a submeter à reapreciação os fundamentos da decisão embargada.” (STF, AI 458072 ED/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009, DJe-195 16-10-2009.) Em idêntica direção, dentre outros precedentes: STF, HC 86579 ED/ES, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-036 29-02-2008; RE 230581 AgR-ED/MG, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/11/2007, DJe-157 07-12-2007 DJ 07-12-2007 P. 95. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 11/12/2007, DJe-162 29-08-2008.) Além disso, o STF firmou a tese de que “[o]s embargos de declaração não se prestam a corrigir erro de julgamento.” (STF, RE 194662 ED-ED-EDv, Rel. p/ Acórdão RISTF Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015, DJe-151 03-08-2015.) III A. As embargantes alegam que a União demonstrou a existência de dano ao erário ao afirmar que o dano ao erário decorre da fiscalização realizada mediante sobrevoo. Segundo a União, a realização dos laudos mediante sobrevoo implicou a “emissão de um laudo que não condiz com a realidade o ente financiador venha a realizar o repasse baseado nesse documento público que atestou a execução de objeto que, na verdade, não foi executado.” A União alegou, assim, que da realização dos laudos mediante sobrevoo “é consequência lógica a existência do prejuízo”. Essas afirmações e as demais constantes das razões de apelação da União deixaram de infirmar os fundamentos do acórdão embargado: (i) ausência de indicação da conduta ímproba supostamente praticada pelos réus que, tendo sido procedida com dolo específico, acarretou, de forma direta e imediata, dano ao erário; (ii) inexistência de prova do dolo específico na conduta dos réus; (iii) dano ao erário decorrente, direta e imediatamente da conduta dos réus. A realização dos laudos mediante sobrevoo, como ressaltado pelo juízo, pode ter decorrido de falta de diligência dos servidores, e, não, de dolo específico. Na ausência de dolo específico, como demonstrado, ad nauseam, no acórdão embargado, inexiste fundamento para a condenação do réu ao ressarcimento ao erário. Em suma, e, ainda que tenha havido prejuízo, a condenação dos réus ao ressarcimento ao erário, com fundamento na prática de conduta ímproba, demanda, como explicado no acórdão embargado, a indicação e a comprovação da prática de conduta ímproba específica com dolo específico, circunstâncias inexistentes na apelação interposta pela União. Ao contrário, constou do acórdão embargado a observação do juízo no sentido de “‘que a fiscalização limitada ao sobrevoo resultou de fatores externos, não partindo da pura voluntariedade dos servidores.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Como também constou do acórdão embargado, “o juízo enfatizou que ‘a equipe de fiscalização referente ao Laudo n. 177/96 comunicou aos superiores sobre a fiscalização ter sido feita através de sobrevoo, e ainda assim, nenhuma providência fora tomada internamente pela SUDAM, conforme consta no Relatório Final do PAD.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Além disso, “[s]egundo o juízo, ‘[t]al fato evidencia que a fiscalização por sobrevoo não era procedimento vedado de forma expressa pelos setores competentes da autarquia’ e que ‘[r]eforça tal constatação o fato de não haver, ao menos na época, norma interna na extinta SUDAM prevendo de maneira específica que a fiscalização devesse ocorrer em solo, vedando a fiscalização limitada ao sobrevoo.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Assim sendo, fatores externos sujeitaram os servidores à realização da fiscalização mediante sobrevoo, e, não, eventual dolo específico deles direcionado a causar dano ao erário. B. A União argumenta que o acórdão embargado “[p]autou-se ... na ausência de irregularidade de fiscalização de obras por meio de sobrevôo, no argumento de ausência de dolo e de dano ao erário”. Esta Corte deixou claro a existência de irregularidades na fiscalização. No acórdão embargado esta Corte asseverou que “[o] juízo consignou que a Secretaria da Receita Federal (SRF) constatou, em 1998, diversas irregularidades na execução do Projeto Fabosa.” No entanto, os réus nesta ação de improbidade administrativa efetuaram a fiscalização em data anterior, 1996 e 1997, e, como observado pelo juízo, “‘do acervo probatório não é possível extrair a constatação de que os servidores, na ocasião em que elaboraram os Relatórios de Fiscalização, tinham conhecimento das irregularidades constatadas a partir de 1998 pela SRF na execução do projeto pela Fazenda Alto Bonito, e mesmo com este conhecimento elaboraram os laudos de fiscalização visando ocultar tais irregularidades.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 27. As questões relacionadas ao dolo específico e ao dano ao erário foram examinadas na Parte III-A deste voto, não havendo necessidade de serem repetidas aqui. C. A União afirma que “o fato de que os servidores não sabiam que se baseavam em documentação falsa para atestar a execução do empreendimento não se presta a excluir o dolo.” Dolo é “consciência e vontade de realizar os elementos do tipo legal”. (STF, Inq 4019, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 23-02-2016, DJe-066 11-04-2016.) Se “os servidores não sabiam que se baseavam em documentação falsa para atestar a execução do empreendimento”, faltou-lhes vontade, e, portanto, um dos elementos da conduta dolosa. D. A União alega que “o elemento subjetivo decorre do fato de que muitas das informações incluídas no laudo eram IMPOSSÍVEIS de serem verificadas por meio de fiscalização aérea. Cite-se, como exemplo, o atesto da potência de um motor Yamar 36hp pelos requeridos.” A potência de um motor pode ser atestada mediante a consulta aos manuais especializados, sem necessidade de inspecionar o equipamento in loco. E. A alegação da União de que “a apresentação de documentos falsos não é algo que ocorra por erro” não foi suscitada nas razões de apelação, donde a ausência de omissão a suprir nesse particular. Id. 399735627. A União assevera que “a pessoa jurídica teve sua parcela de colaboração, uma vez que, diante das irregularidades presentes, aceitou a documentação oficial irregular com objetivo de continuar a receber os recursos públicos”. Como visto no Relatório, a União imputou aos réus a prática das condutas ímprobas consistentes: (i) em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; (ii) em “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”; (iii) e em “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. LIA, Art. 10, caput, I e II, na redação original, respectivamente. Nenhuma dessas condutas é aplicável, de forma específica, aos dirigentes da empresa tomadora do financiamento. Ademais, a União deixou de indicar onde residiria o dano ao erário além daquele que pode ser ressarcido mediante o ajuizamento de ação de cobrança ou de execução por título extrajudicial, conforme o caso. Em suma, as questões suscitadas nas razões de apelação foram examinadas no acórdão embargado, donde a ausência de omissão, mas mera pretensão ao reexame da fundamentação do acórdão. IV A. As embargantes sustentam a existência de obscuridade no acórdão embargado. B. “Da doutrina processualista, extrai-se que a obscuridade consiste na falta de clareza da decisão impugnada, sendo que, diante da função precípua do pronunciamento judicial de emprestar certeza às relações litigiosas que calham às suas portas, não se admitem decisões judiciais não-unívocas.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1791689/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021.)“‘A obscuridade é fenômeno representativo de acórdão ininteligível, confuso, embaraçoso em suas razões e enigmático em sua parte dispositiva’ (STJ, EDcl no AgRg no AG 178.699/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ de 19/04/1999).” (STJ, EDcl no REsp n. 919.427/RJ, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 2/2/2017, DJe de 17/4/2017.) C. Na espécie, os fundamentos e a conclusão expostos no acórdão embargado são claros, precisos e diretos, e, assim, não padecem de obscuridade. D. A União afirma que é necessário “esclarecer obscuridade acerca do argumento de que ‘não se sabe a situação real do empreendimento em 1993 pois a vistoria foi realizada em 1998’. Ora, se em 1998 ainda não estava executada a obra, porque em 1993 estaria? Houve construção de 98% da obra, mas depois foi realizada sua destruição para ficar em 76%? Não faz sentido, e nem os requeridos trouxeram essa alegação.” As conclusões expostas pela União, quanto ao percentual de conclusão do projeto, inexistem no acórdão embargado. As porcentagens indicadas pela União não constaram do acórdão embargado. Nesse contexto, a fundamentação contida no acórdão embargado desautoriza a conclusão da União no sentido da existência de obscuridade, que “‘resulta de pura criação mental ...’ (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO).” (STF, HC 73271, Relator(a): CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 19-03-1996, DJ 04-10-1996 P. 37100.) E. A União afirma que “é necessário que se esclareça se a prova de conluio é necessária à aplicação do art. 10, da LIA, uma vez que referido requisito não está previsto na norma. Em verdade, a lei exige apenas a prova do dolo específico do agente, o que restou demonstrado nos autos, bem como a causação de dano ao erário decorrente de tais condutas.” Novamente a União extrai do acórdão embargado conclusões que nele não foram expostas. Em momento algum esta Corte afirmou que “a prova de conluio é necessária à aplicação do art. 10, da LIA”. No acórdão embargado esta Corte afirmou, nesse ponto, que: O juízo consignou que a Secretaria da Receita Federal (SRF) constatou, em 1998, diversas irregularidades na execução do Projeto Fabosa. O Ministério da Fazenda constatou, dentre outras coisas, “que não houve aplicação dos recursos no projeto, não houve providências corretivas administrativas para apurar a responsabilidade dos servidores da SUDAM pela continuidade do projeto, sem a constatação das diversas irregularidades cometidas, tendo em vista que este se utilizou de recursos do FINAM desde 1983 a 1996, que se encontra em ação fiscal, a liberação de valores equivalentes a mais de US$ 1,2 milhão por este Fundo de Investimento, conforme informações do Banco da Amazônia – BASA.” Id. 399735592. No entanto, o juízo observou que “do acervo probatório não é possível extrair a constatação de que os servidores, na ocasião em que elaboraram os Relatórios de Fiscalização, tinham conhecimento das irregularidades constatadas a partir de 1998 pela SRF na execução do projeto pela Fazenda Alto Bonito, e mesmo com este conhecimento elaboraram os laudos de fiscalização visando ocultar tais irregularidades.” Id. 399735592. Além disso, o juízo acentuou que “não há prova de que os servidores agiram em conluio com os sócios/representantes da empresa no sentido de produzir laudos de fiscalização com atesto de inversões inexistentes, quiçá que receberam vantagem indevida para agir de tal maneira.” Id. 399735592. Id. 432890924 - Pág. 27. Como decorre da transcrição acima, a invocação do fundamento exposto pelo juízo no sentido da inexistência de prova de conluio foi lançada por esta Corte a título de reforço de fundamentação, e, apenas, para demonstrar que inexistem provas de concerto prévio entre os réus para lesar o erário. Considerando que esse fundamento foi lançado apenas a título de reforço, a sua exclusão do acórdão embargado é insuficiente para alterar o resultado do julgamento. Em outras palavras, ainda que esse fundamento de reforço seja inidôneo, os demais fundamentos expostos no acórdão embargado são suficientes à confirmação do acórdão embargado. Em caso similar, o STF explicou que, “[a]inda que o TST tenha decidido a questão dos autos amparado-se na tese da dispensa imotivada, tal fato não influencia na parte dispositiva do voto ora impugnado, considerando que o segundo fundamento foi utilizado apenas como reforço argumentativo.” (STF, RE 1276234 AgR-ED-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 05-12-2022, DJe-s/n 09-02-2023.) No mesmo sentido, explicando que “o fato de ter o voto proferido no mandado de segurança se utilizado de reforço argumentativo, para destacar, ainda, que, ‘para se entender de forma diversa, seria necessário o reexame dos fatos e das provas integrantes do feito administrativo, procedimento incompatível com a via do mandado de segurança’, não afasta a fundamentação de mérito do writ.” (STF, AO 2860 AgR-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 31-03-2025, DJe-s/n 10-04-2025.) F. A União requer “seja aclarada a circunstância [...] acerca da efetiva ocorrência de dano ao erário, decorre[n]te dos repasses de valores indevidos, fundados nos laudos incorretos, bem como acerca da possibilidade de conversão da presente AIA em ação de ressarcimento.” Como visto acima, Parte III deste voto, somente há dano ao erário passível de ressarcimento a partir da prova de existência de conduta ímproba dolosa, hipótese em que a sanção de ressarcimento é imprescritível. Nesse sentido, cumpre repetir a fundamentação exposta no acórdão embargado. No tocante à prescrição disciplinada na Constituição da República, Art. 37, § 5º, o STF decidiu que: 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. (STF, RE 852475, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, DJe-058 25-03-2019.) Em consequência, a Corte firmou a seguinte Tese, quanto ao Tema 897 da Repercussão Geral: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) Dessa forma, está mais do que claro que somente “[s]ão imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) No presente caso, o exame das provas contidas nos autos, vistas em conjunto, não convenceram o juízo nem esta Corte de que houve a “prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) G. Considerando que as embargantes propugnam apenas o reexame dos fundamentos do acórdão embargado, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, supra.) V Em conformidade com a fundamentação acima, voto pela rejeição dos embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros POLO PASSIVO:LIA NAZARETH MELLO ALEIXO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DANIEL KONSTADINIDIS - PA9167-A, ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA - PA9381-A, GILZELY MEDEIROS DE BRITO - PA8539-A, JOSE ALYRIO WANZELER SABBA - PA6012-A, RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA - PA1746-A, ALTINO FERREIRA BUENO - GO10614-A, MARCOS CAETANO DA SILVA - GO11767-A, ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO - PE17539-A, SILVIANE PETER EBERSOL - RS50606-A, CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA - PA22213-A, JIMMY SOUZA DO CARMO - PA18329-A, CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO - PA12123-A e HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO - PA2746-A EMENTA: Embargos de declaração. Ação de improbidade administrativa. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]). Obscuridade, contradição e omissão. Não ocorrência. Embargos de declaração rejeitados. 1. Alegação de ocorrência de obscuridade. Improcedência, no caso. Hipótese em que os fundamentos e a conclusão expostos no acórdão embargado são claros, precisos e diretos, e, assim, não padecem de obscuridade. 2. Alegação de ocorrência de contradição. Improcedência, no caso. Hipótese em que a fundamentação contida no voto condutor está em consonância com o dispositivo do acórdão embargado, donde a manifesta ausência de contradição. 3. Alegação de ocorrência de omissão. Improcedência, no caso. Hipótese em que as questões suscitadas nas razões de apelação foram examinadas no acórdão embargado. Pretensão ao reexame da fundamentação do acórdão. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP.) Embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União rejeitados. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal LEÃO ALVES Relator
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Processo nº 0001859-16.2006.4.01.3900
ID: 298056006
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES
Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001859-16.2006.4.01.3900
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO
OAB/PA XXXXXX
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CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO
OAB/PA XXXXXX
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JIMMY SOUZA DO CARMO
OAB/PA XXXXXX
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CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA
OAB/PA XXXXXX
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SILVIANE PETER EBERSOL
OAB/RS XXXXXX
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ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO
OAB/PE XXXXXX
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MARCOS CAETANO DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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ALTINO FERREIRA BUENO
OAB/GO XXXXXX
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REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA
OAB/PA XXXXXX
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RENAN AZEVEDO SANTOS
OAB/PA XXXXXX
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JOSE ALYRIO WANZELER SABBA
OAB/PA XXXXXX
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GILZELY MEDEIROS DE BRITO
OAB/PA XXXXXX
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ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA
OAB/PA XXXXXX
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DANIEL KONSTADINIDIS
OAB/PA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros POLO PASSIVO:LIA NAZARETH MELLO ALEIXO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DANIEL KONSTADINIDIS - PA9167-A, ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA - PA9381-A, GILZELY MEDEIROS DE BRITO - PA8539-A, JOSE ALYRIO WANZELER SABBA - PA6012-A, RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA - PA1746-A, ALTINO FERREIRA BUENO - GO10614-A, MARCOS CAETANO DA SILVA - GO11767-A, ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO - PE17539-A, SILVIANE PETER EBERSOL - RS50606-A, CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA - PA22213-A, JIMMY SOUZA DO CARMO - PA18329-A, CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO - PA12123-A e HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO - PA2746-A RELATOR(A):LEAO APARECIDO ALVES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) n. 0001859-16.2006.4.01.3900 RELATÓRIO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): A União ajuizou a presente ação de improbidade administrativa contra Lia Nazareth Mello Aleixo e outros. O autor imputa aos réus a prática das condutas ímprobas consistentes: (i) em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; (ii) em “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”; (iii) e em “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput, I e II (na redação original), respectivamente. Id. 399734652 - Pág. 4-18. Após regular instrução, o juízo rejeitou o pedido. Id. 399735592. A União opôs embargos de declaração “com o propósito de obter do juízo o pronunciamento sobre a não conversão desta ação por improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347/85.” Id. 399735597. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pelo acolhimento dos embargos de declaração “a fim de viabilizar a manifestação do juízo sobre o ponto levantado pela embargante.” Id. 399735600. Os réus apresentaram contrarrazões. Id. 399735603, 399735605, 399735611 e 399735617. O juízo rejeitou os embargos de declaração. Id. 399735621. Insatisfeita com esse desfecho, a União interpôs apelação, formulando o seguinte pedido: Em razão do exposto, requer a União a reforma da sentença: Porque ficou demonstrada a prática de improbidade administrativa e, assim, imputar as respectivas sanções aos Apelados, cuja tipificação foi apresentada na prefacial de piso; ou Tendo em vista que o juízo singular, quando dos julgamento dos embargos de declaração, já se pronunciou quanto ao art. 17, §16, da Lei nº 8.429/92, se proceda, pelo órgão fracionário, a conversão da presente ação por improbidade administrativa em ação civil pública e, assim, condenar os Apelados ao ressarcimento ao erário em razão do dano causado ao patrimônio da Apelante. Id. 399735627. Os réus apresentaram contrarrazões. Ids. 399735637, 399735641, 399735643, 399735645, e 399735653. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo provimento da apelação. Id. 416445043. Esta Turma negou provimento à apelação. Id. 432890924. Inconformadas, a PRR1 e a União opuseram embargos de declaração. A PRR1 formulou o seguinte pedido: Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer sejam conhecidos e providos os presentes embargos de declaração, com efeitos infringentes, para que seja sanada a omissão/contradição/obscuridade do acórdão recorrido, nos termos da fundamentação exarada, de modo a dar-se provimento à apelação em comento [...]. Id. 433022615. A União formulou o seguinte pedido: Diante do exposto, requer a UNIÃO sejam acolhidos os embargos de declaração para esclarecer a obscuridade e suprir a omissão ora apontadas, à luz do art. 1.022, incisos I e II e parágrafo único, inciso II c/c art. 489, inciso II, e §1º, incisos I, III e IV, ambos do CPC, de sorte a que se esclareça acerca (i) da presença do dolo específico, considerando-se o cotejo do sobrevôo com os documentos apresentados, visivelmente diversos, (ii) a prestabilidade da auditoria de 1998, consideradas as circunstâncias supra, (iii) se há necessidade de prova de conluio entre os agentes, já que já foi demonstrado o elemento subjetivo dolo específico e (iv) a ocorrência de dano ao erário. Id. 434277079. Os réus apresentaram contrarrazões. Ids. 434446523, 434447171, 434791115, 434877733 e 435340837. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) n. 0001859-16.2006.4.01.3900 VOTO Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): I A.A PRR1 sustenta a existência de contradição no acórdão embargado. B. “Nos termos do magistério de Barbosa Moreira: Pode haver contradição entre proposições contidas na motivação (exemplo: a mesma prova ora é dita convincente, ora inconvincente), ou entre proposições da parte decisória, isto é, incompatibilidade entre capítulos do acórdão: v.g. anula-se, por vício insanável, quando logicamente se deveria determinar a restituição ao órgão inferior, para sentenciar de novo; ou declara-se inexistente a relação jurídica prejudicial (deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental), mas condena-se o réu a cumprir a obrigação que dela necessariamente dependia; e assim por diante. Também pode ocorrer contradição entre alguma proposição enunciada nas razões de decidir e o dispositivo: por exemplo, se na motivação se reconhece como fundada alguma defesa bastante para tolher a pretensão do autor, e no entanto se julga procedente o pedido. (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 556-557)”. (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1791689/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021.) “A contradição que dá margem aos embargos declaratórios é a que se estabelece entre os termos da própria decisão judicial - fundamentação e dispositivo - e não a que porventura exista entre ela e o ordenamento jurídico; menos ainda a que se manifeste entre o acórdão e a opinião da parte vencida”. (STF, RHC 79785-ED/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 10/04/2003, Tribunal Pleno, DJ 23-05-2003, P. 31.) “A contradição que autoriza a interposição de embargos declaratórios é a que se aninha na estrutura da própria decisão embargada, entre a fundamentação e o dispositivo; não a que ressai do cotejo entre aquela decisão e outras, proferidas sobre o mesmo tema.” (STF, AR 1535-ED/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO, julgado em 22/03/2004, Tribunal Pleno, DJ 18-06-2004, P. 44.) “A contradição que autoriza o manejo dos embargos de declaração é aquela interna, ou seja, entre proposições do próprio julgado e não aquela entre ele e a lei ou entendimento das partes.” (STJ, EDcl no REsp 1602681/ES, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018.) “A contradição apta a ensejar o emprego dos declaratórios é somente a interna, ou seja, a verificável entre a fundamentação e o dispositivo da própria decisão embargada, e não aquela externa, oriunda de contraste alegadamente existente em face de julgado diverso do embargado.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1114315/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 23/02/2018.) C. No presente caso, a fundamentação contida no voto condutor está em consonância com o dispositivo do acórdão embargado, donde a manifesta ausência de contradição. II A. As embargantes sustentam que há omissão no acórdão embargado. B. Embora visem ao aprimoramento da decisão judicial, os embargos de declaração não constituem o instrumento processual idôneo a fim que a parte registre seu inconformismo com o resultado do julgamento; não substituem o recurso cabível; não constituem oportunidade para que a parte lance novos argumentos sobre matérias já decididas pelo julgador; nem, muito menos, constituem oportunidade para que a parte possa suscitar fundamentação que deveria ter sido apresentada antes e não o foi. Dessa forma, são “incabíveis os embargos de declaração, quando [...] tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, vem a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal.” (STF, RE 202097 ED-EDv-AgR-ED-ED-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2004, DJ 27-08-2004 P. 52.) Os “[e]mbargos declaratórios não se prestam a submeter à reapreciação os fundamentos da decisão embargada.” (STF, AI 458072 ED/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009, DJe-195 16-10-2009.) Em idêntica direção, dentre outros precedentes: STF, HC 86579 ED/ES, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-036 29-02-2008; RE 230581 AgR-ED/MG, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/11/2007, DJe-157 07-12-2007 DJ 07-12-2007 P. 95. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 11/12/2007, DJe-162 29-08-2008.) Além disso, o STF firmou a tese de que “[o]s embargos de declaração não se prestam a corrigir erro de julgamento.” (STF, RE 194662 ED-ED-EDv, Rel. p/ Acórdão RISTF Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015, DJe-151 03-08-2015.) III A. As embargantes alegam que a União demonstrou a existência de dano ao erário ao afirmar que o dano ao erário decorre da fiscalização realizada mediante sobrevoo. Segundo a União, a realização dos laudos mediante sobrevoo implicou a “emissão de um laudo que não condiz com a realidade o ente financiador venha a realizar o repasse baseado nesse documento público que atestou a execução de objeto que, na verdade, não foi executado.” A União alegou, assim, que da realização dos laudos mediante sobrevoo “é consequência lógica a existência do prejuízo”. Essas afirmações e as demais constantes das razões de apelação da União deixaram de infirmar os fundamentos do acórdão embargado: (i) ausência de indicação da conduta ímproba supostamente praticada pelos réus que, tendo sido procedida com dolo específico, acarretou, de forma direta e imediata, dano ao erário; (ii) inexistência de prova do dolo específico na conduta dos réus; (iii) dano ao erário decorrente, direta e imediatamente da conduta dos réus. A realização dos laudos mediante sobrevoo, como ressaltado pelo juízo, pode ter decorrido de falta de diligência dos servidores, e, não, de dolo específico. Na ausência de dolo específico, como demonstrado, ad nauseam, no acórdão embargado, inexiste fundamento para a condenação do réu ao ressarcimento ao erário. Em suma, e, ainda que tenha havido prejuízo, a condenação dos réus ao ressarcimento ao erário, com fundamento na prática de conduta ímproba, demanda, como explicado no acórdão embargado, a indicação e a comprovação da prática de conduta ímproba específica com dolo específico, circunstâncias inexistentes na apelação interposta pela União. Ao contrário, constou do acórdão embargado a observação do juízo no sentido de “‘que a fiscalização limitada ao sobrevoo resultou de fatores externos, não partindo da pura voluntariedade dos servidores.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Como também constou do acórdão embargado, “o juízo enfatizou que ‘a equipe de fiscalização referente ao Laudo n. 177/96 comunicou aos superiores sobre a fiscalização ter sido feita através de sobrevoo, e ainda assim, nenhuma providência fora tomada internamente pela SUDAM, conforme consta no Relatório Final do PAD.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Além disso, “[s]egundo o juízo, ‘[t]al fato evidencia que a fiscalização por sobrevoo não era procedimento vedado de forma expressa pelos setores competentes da autarquia’ e que ‘[r]eforça tal constatação o fato de não haver, ao menos na época, norma interna na extinta SUDAM prevendo de maneira específica que a fiscalização devesse ocorrer em solo, vedando a fiscalização limitada ao sobrevoo.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 28. Assim sendo, fatores externos sujeitaram os servidores à realização da fiscalização mediante sobrevoo, e, não, eventual dolo específico deles direcionado a causar dano ao erário. B. A União argumenta que o acórdão embargado “[p]autou-se ... na ausência de irregularidade de fiscalização de obras por meio de sobrevôo, no argumento de ausência de dolo e de dano ao erário”. Esta Corte deixou claro a existência de irregularidades na fiscalização. No acórdão embargado esta Corte asseverou que “[o] juízo consignou que a Secretaria da Receita Federal (SRF) constatou, em 1998, diversas irregularidades na execução do Projeto Fabosa.” No entanto, os réus nesta ação de improbidade administrativa efetuaram a fiscalização em data anterior, 1996 e 1997, e, como observado pelo juízo, “‘do acervo probatório não é possível extrair a constatação de que os servidores, na ocasião em que elaboraram os Relatórios de Fiscalização, tinham conhecimento das irregularidades constatadas a partir de 1998 pela SRF na execução do projeto pela Fazenda Alto Bonito, e mesmo com este conhecimento elaboraram os laudos de fiscalização visando ocultar tais irregularidades.’ Id. 399735592.” Id. 432890924 - Pág. 27. As questões relacionadas ao dolo específico e ao dano ao erário foram examinadas na Parte III-A deste voto, não havendo necessidade de serem repetidas aqui. C. A União afirma que “o fato de que os servidores não sabiam que se baseavam em documentação falsa para atestar a execução do empreendimento não se presta a excluir o dolo.” Dolo é “consciência e vontade de realizar os elementos do tipo legal”. (STF, Inq 4019, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 23-02-2016, DJe-066 11-04-2016.) Se “os servidores não sabiam que se baseavam em documentação falsa para atestar a execução do empreendimento”, faltou-lhes vontade, e, portanto, um dos elementos da conduta dolosa. D. A União alega que “o elemento subjetivo decorre do fato de que muitas das informações incluídas no laudo eram IMPOSSÍVEIS de serem verificadas por meio de fiscalização aérea. Cite-se, como exemplo, o atesto da potência de um motor Yamar 36hp pelos requeridos.” A potência de um motor pode ser atestada mediante a consulta aos manuais especializados, sem necessidade de inspecionar o equipamento in loco. E. A alegação da União de que “a apresentação de documentos falsos não é algo que ocorra por erro” não foi suscitada nas razões de apelação, donde a ausência de omissão a suprir nesse particular. Id. 399735627. A União assevera que “a pessoa jurídica teve sua parcela de colaboração, uma vez que, diante das irregularidades presentes, aceitou a documentação oficial irregular com objetivo de continuar a receber os recursos públicos”. Como visto no Relatório, a União imputou aos réus a prática das condutas ímprobas consistentes: (i) em “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei”; (ii) em “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”; (iii) e em “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. LIA, Art. 10, caput, I e II, na redação original, respectivamente. Nenhuma dessas condutas é aplicável, de forma específica, aos dirigentes da empresa tomadora do financiamento. Ademais, a União deixou de indicar onde residiria o dano ao erário além daquele que pode ser ressarcido mediante o ajuizamento de ação de cobrança ou de execução por título extrajudicial, conforme o caso. Em suma, as questões suscitadas nas razões de apelação foram examinadas no acórdão embargado, donde a ausência de omissão, mas mera pretensão ao reexame da fundamentação do acórdão. IV A. As embargantes sustentam a existência de obscuridade no acórdão embargado. B. “Da doutrina processualista, extrai-se que a obscuridade consiste na falta de clareza da decisão impugnada, sendo que, diante da função precípua do pronunciamento judicial de emprestar certeza às relações litigiosas que calham às suas portas, não se admitem decisões judiciais não-unívocas.” (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1791689/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2021, DJe 25/11/2021.)“‘A obscuridade é fenômeno representativo de acórdão ininteligível, confuso, embaraçoso em suas razões e enigmático em sua parte dispositiva’ (STJ, EDcl no AgRg no AG 178.699/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ de 19/04/1999).” (STJ, EDcl no REsp n. 919.427/RJ, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 2/2/2017, DJe de 17/4/2017.) C. Na espécie, os fundamentos e a conclusão expostos no acórdão embargado são claros, precisos e diretos, e, assim, não padecem de obscuridade. D. A União afirma que é necessário “esclarecer obscuridade acerca do argumento de que ‘não se sabe a situação real do empreendimento em 1993 pois a vistoria foi realizada em 1998’. Ora, se em 1998 ainda não estava executada a obra, porque em 1993 estaria? Houve construção de 98% da obra, mas depois foi realizada sua destruição para ficar em 76%? Não faz sentido, e nem os requeridos trouxeram essa alegação.” As conclusões expostas pela União, quanto ao percentual de conclusão do projeto, inexistem no acórdão embargado. As porcentagens indicadas pela União não constaram do acórdão embargado. Nesse contexto, a fundamentação contida no acórdão embargado desautoriza a conclusão da União no sentido da existência de obscuridade, que “‘resulta de pura criação mental ...’ (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO).” (STF, HC 73271, Relator(a): CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 19-03-1996, DJ 04-10-1996 P. 37100.) E. A União afirma que “é necessário que se esclareça se a prova de conluio é necessária à aplicação do art. 10, da LIA, uma vez que referido requisito não está previsto na norma. Em verdade, a lei exige apenas a prova do dolo específico do agente, o que restou demonstrado nos autos, bem como a causação de dano ao erário decorrente de tais condutas.” Novamente a União extrai do acórdão embargado conclusões que nele não foram expostas. Em momento algum esta Corte afirmou que “a prova de conluio é necessária à aplicação do art. 10, da LIA”. No acórdão embargado esta Corte afirmou, nesse ponto, que: O juízo consignou que a Secretaria da Receita Federal (SRF) constatou, em 1998, diversas irregularidades na execução do Projeto Fabosa. O Ministério da Fazenda constatou, dentre outras coisas, “que não houve aplicação dos recursos no projeto, não houve providências corretivas administrativas para apurar a responsabilidade dos servidores da SUDAM pela continuidade do projeto, sem a constatação das diversas irregularidades cometidas, tendo em vista que este se utilizou de recursos do FINAM desde 1983 a 1996, que se encontra em ação fiscal, a liberação de valores equivalentes a mais de US$ 1,2 milhão por este Fundo de Investimento, conforme informações do Banco da Amazônia – BASA.” Id. 399735592. No entanto, o juízo observou que “do acervo probatório não é possível extrair a constatação de que os servidores, na ocasião em que elaboraram os Relatórios de Fiscalização, tinham conhecimento das irregularidades constatadas a partir de 1998 pela SRF na execução do projeto pela Fazenda Alto Bonito, e mesmo com este conhecimento elaboraram os laudos de fiscalização visando ocultar tais irregularidades.” Id. 399735592. Além disso, o juízo acentuou que “não há prova de que os servidores agiram em conluio com os sócios/representantes da empresa no sentido de produzir laudos de fiscalização com atesto de inversões inexistentes, quiçá que receberam vantagem indevida para agir de tal maneira.” Id. 399735592. Id. 432890924 - Pág. 27. Como decorre da transcrição acima, a invocação do fundamento exposto pelo juízo no sentido da inexistência de prova de conluio foi lançada por esta Corte a título de reforço de fundamentação, e, apenas, para demonstrar que inexistem provas de concerto prévio entre os réus para lesar o erário. Considerando que esse fundamento foi lançado apenas a título de reforço, a sua exclusão do acórdão embargado é insuficiente para alterar o resultado do julgamento. Em outras palavras, ainda que esse fundamento de reforço seja inidôneo, os demais fundamentos expostos no acórdão embargado são suficientes à confirmação do acórdão embargado. Em caso similar, o STF explicou que, “[a]inda que o TST tenha decidido a questão dos autos amparado-se na tese da dispensa imotivada, tal fato não influencia na parte dispositiva do voto ora impugnado, considerando que o segundo fundamento foi utilizado apenas como reforço argumentativo.” (STF, RE 1276234 AgR-ED-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 05-12-2022, DJe-s/n 09-02-2023.) No mesmo sentido, explicando que “o fato de ter o voto proferido no mandado de segurança se utilizado de reforço argumentativo, para destacar, ainda, que, ‘para se entender de forma diversa, seria necessário o reexame dos fatos e das provas integrantes do feito administrativo, procedimento incompatível com a via do mandado de segurança’, não afasta a fundamentação de mérito do writ.” (STF, AO 2860 AgR-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 31-03-2025, DJe-s/n 10-04-2025.) F. A União requer “seja aclarada a circunstância [...] acerca da efetiva ocorrência de dano ao erário, decorre[n]te dos repasses de valores indevidos, fundados nos laudos incorretos, bem como acerca da possibilidade de conversão da presente AIA em ação de ressarcimento.” Como visto acima, Parte III deste voto, somente há dano ao erário passível de ressarcimento a partir da prova de existência de conduta ímproba dolosa, hipótese em que a sanção de ressarcimento é imprescritível. Nesse sentido, cumpre repetir a fundamentação exposta no acórdão embargado. No tocante à prescrição disciplinada na Constituição da República, Art. 37, § 5º, o STF decidiu que: 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. (STF, RE 852475, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, DJe-058 25-03-2019.) Em consequência, a Corte firmou a seguinte Tese, quanto ao Tema 897 da Repercussão Geral: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) Dessa forma, está mais do que claro que somente “[s]ão imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) No presente caso, o exame das provas contidas nos autos, vistas em conjunto, não convenceram o juízo nem esta Corte de que houve a “prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.” (STF, RE 852475, supra.) G. Considerando que as embargantes propugnam apenas o reexame dos fundamentos do acórdão embargado, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP, supra.) V Em conformidade com a fundamentação acima, voto pela rejeição dos embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0001859-16.2006.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001859-16.2006.4.01.3900 CLASSE: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros POLO PASSIVO:LIA NAZARETH MELLO ALEIXO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DANIEL KONSTADINIDIS - PA9167-A, ANGELO DEMETRIUS DE ALBUQUERQUE CARRASCOSA - PA9381-A, GILZELY MEDEIROS DE BRITO - PA8539-A, JOSE ALYRIO WANZELER SABBA - PA6012-A, RENAN AZEVEDO SANTOS - PA18988-A, REYNALDO ANDRADE DA SILVEIRA - PA1746-A, ALTINO FERREIRA BUENO - GO10614-A, MARCOS CAETANO DA SILVA - GO11767-A, ESTACIO LOBO DA SILVA GUIMARAES NETO - PE17539-A, SILVIANE PETER EBERSOL - RS50606-A, CARLOS EDUARDO RODRIGUES COSTA - PA22213-A, JIMMY SOUZA DO CARMO - PA18329-A, CLAUDIO DE SOUZA MIRALHA PINGARILHO - PA12123-A e HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO - PA2746-A EMENTA: Embargos de declaração. Ação de improbidade administrativa. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]). Obscuridade, contradição e omissão. Não ocorrência. Embargos de declaração rejeitados. 1. Alegação de ocorrência de obscuridade. Improcedência, no caso. Hipótese em que os fundamentos e a conclusão expostos no acórdão embargado são claros, precisos e diretos, e, assim, não padecem de obscuridade. 2. Alegação de ocorrência de contradição. Improcedência, no caso. Hipótese em que a fundamentação contida no voto condutor está em consonância com o dispositivo do acórdão embargado, donde a manifesta ausência de contradição. 3. Alegação de ocorrência de omissão. Improcedência, no caso. Hipótese em que as questões suscitadas nas razões de apelação foram examinadas no acórdão embargado. Pretensão ao reexame da fundamentação do acórdão. Assim, “[é] de se rejeitar embargos de declaração que procuram [...] o reexame da fundamentação do acórdão”. (STF, RHC 88682 ED/SP.) Embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União rejeitados. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração opostos pela PRR1 e pela União, nos termos do voto do Relator. Desembargador Federal LEÃO ALVES Relator
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