Processo nº 0003879-54.2009.4.01.4100
ID: 321788813
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0003879-54.2009.4.01.4100
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Advogados:
CLOVES GOMES DE SOUZA
OAB/RO XXXXXX
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JOSE DE OLIVEIRA HERINGER
OAB/RO XXXXXX
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AMBROSIO GAIA NINA
OAB/AM XXXXXX
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ELIEL SANTOS GONCALVES
OAB/RO XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003879-54.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003879-54.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: DANIELA SANTANA AMOR…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003879-54.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003879-54.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: DANIELA SANTANA AMORIM e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: ELIEL SANTOS GONCALVES - RO6569-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003879-54.2009.4.01.4100 R E L A T Ó R I O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por ERNANDES SANTOS AMORIM e DANIELA SANTANA AMORIM (ID 182214787 - Pág. 180/215) em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Rondônia que, nos autos da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, tendo como assistentes a União Federal e o Município de Ariquemes/RO, e em face dos apelantes e de Osmar Santos Amorim, Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes e as três empresas por ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso I, da Lei 8.429/1992 (ID 182214787 - Pág. 140/177). Osmar Santos Amorim foi excluído do polo passivo da demanda, pelo Juízo de origem, em razão de seu falecimento e da inexistência de bens. Aos demandados foram aplicadas as seguintes sanções: (i) perda da função pública para Ernandes Amorim e Daniela Amorim; (ii) pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da remuneração recebida como prefeito(a) para Ernandes Amorim e Daniela Amorim; (iii) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 4 (quatro) anos para Ernandes Amorim e Daniela Amorim; e (iv) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 3 (três) anos. Em razões recursais, os apelantes alegam, em prejudicial de mérito, a prescrição quinquenal para Ernandes Santos Amorim. Preliminarmente, sustentam (i) a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de perícia; e (ii) violação ao contraditório e à ampla defesa, diante da juntada de documentos sem intimação dos réus para se manifestarem, além da utilização de tais provas, consideradas nulas, para fundamentar a condenação. No mérito, os apelantes afirmam que não restou comprovada ação ou omissão dos ex-Prefeitos que configurem ato de improbidade. Sustentam que não podem ser responsabilizados pelos atos praticados pelos donos das empresas que concorrem nas licitações. Argumentam que paira discussão acerca da validade das provas que subsidiaram sua condenação, no caso, as interceptações telefônicas, acostadas aos autos como prova emprestada. Alegam, ainda, ausência de dolo ou culpa em suas condutas. Por fim, insurgem-se em face da proporcionalidade na aplicação das sanções. Requerem, assim, reforma da sentença. Subsidiariamente pedem a redução das sanções impostas (ID 182214787 - Pág. 180/215). O MPF apresentou contrarrazões ao recurso de apelação pugnando pela manutenção da sentença recorrida (ID 182214788 - Pág. 186/191). A União Federal aderiu às contrarrazões do MPF, pugnando pelo não provimento do recurso (ID 182214788 - Pág. 194). O Município de Ariquemes/RO não apresentou contrarrazões. Em Parecer, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opinou pelo não provimento do recurso de apelação, pugnando pela irretroatividade das alterações da Lei 14.230/2021 (ID 184023022). Intimadas as partes acerca das modificações introduzidas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992 (ID 345700146), (i) a PRR1 ratificou o Parecer ministerial, no qual pugnava pela irretroatividade das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 ao caso concreto, requerendo o regular prosseguimento do feito (ID 347475638); (ii) a União limitou-se a manifestar ciência do ato judicial (ID 348104159); (iii) o Município de Ariquemes/BA não se manifestou; e (iv) os réus/recorrentes quedaram inertes. A União, posteriormente, quando intimada da inclusão do feito em sessão de julgamento, apresentou memoriais de julgamento, pugnando pelo não provimento dos apelos dos demandados, eis que a conduta por eles perpetrada se enquadra no art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021 (ID 370200616). Intimados os apelantes a comprovarem a hipossuficiência, a fim de analisar o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita (ID 371696130), optaram por recolher o preparo do recurso (ID 383239120). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003879-54.2009.4.01.4100 V O T O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Os apelantes juntaram comprovante de recolhimento de preparo (ID 383722662). Ressalta-se que, conquanto a observação feita no ato judicial de ID 371696130, ainda que não houvesse o pagamento das custas recursais, a compreensão atual desta relatora é de que o apelo não deixaria de ser conhecido e, portanto, o recurso não seria deserto, pois a Lei 14.230/2021 alterou a Lei 8.429/1992 no que toca à necessidade do preparo, determinando que “não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas” (art. 23-B, caput) e estabelece que, caso a sentença seja de procedência, “as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final” (art. 23-B, § 1º). Avançando, constata-se que o recurso é tempestivo, não há hipótese de deserção por ausência ou insuficiência de preparo e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Preliminar de cerceamento de defesa Alegam os apelantes, em preliminar, que ocorreu cerceamento de defesa porque não lhes foi deferido o pedido de realização de perícia para demonstrar a existência do posto de saúde no Setor 06. Durante a fase postulatória, já sob a vigência do CPC/15, o Juízo a quo determinou a intimação das partes para que especificassem as provas que pretendiam produzir (ID 182214786 - Pág. 324). Os ora apelantes requereram a produção de prova pericial, “com a finalidade de constatação serem à época dos fatos os preços praticados pela administração pública” (ID182214786 - Pág. 327). Isto é, pretendiam os apelantes a realização de perícia com o fim de serem apurados os preços praticados pela Administração Pública à época dos fatos, com o intuito de se verificar suposta ocorrência de sobrepreço ou superfaturamento. Na sequência, o Juízo a quo deferiu, tão somente, os pedidos de produção de prova testemunhal requeridos, deixando de se pronunciar a respeito da prova pericial (ID 182214787 - Pág. 30). Assim, em alegações finais, Ernandes Amorim e Daniela Amorim alegaram cerceamento de defesa, diante da ausência de análise do pedido de prova pericial feito por eles, afirmando ser necessária a realização de perícia “para trazer a lume tanto a existência da unidade de saúde no Setor 06 a época dos fatos, quanto se os preços praticados nas planilhas da obra se encontravam de acordo com aqueles praticados no mercado” (ID182214787 - Pág. 103). Prosseguindo na regular marcha processual, o Juízo de origem, em sentença, analisou o pedido formulado pelos demandados (ID182214787 - Pág. 147/148): 1.2 - Do cerceamento de defesa Afirmam os réus Ernandes Amorim e Daniela Amorim, em suas alegações finais (fls. 4396-4348), que teria havido cerceamento de defesa, porquanto requereram prova pericial para comprovar a existência da unidade de saúde no Setor 06 de Ariquemes/RO à época dos fatos, bem como que os preços praticados nas planilhas da obra estão de acordo com os praticados no mercado, não tendo havido negativa explícita pelo Juízo. Da análise do pedido de provas formulado à fl. 4267, verifico que a finalidade que ali constou expressamente era somente a comprovação de que os preços estavam de acordo com os praticados no mercado. Verifico, ainda, que o Juízo somente deferiu o pedido de produção de prova testemunhal formulado pelos referido réus (fl. 4304). De qualquer forma, apresenta-se desnecessária a prova requerida. Não há na inicial alegação de que os preços praticados não estavam de acordo com os praticados no mercado, sendo que, ainda que houvesse, caberia ao MPF o ônus de provar tal assertiva (art. 373, I, do CPC), o que não o fez. No que se refere à alegação de que a prova pericial seria para comprovar a existência da unidade de saúde no Setor 06 de Ariquemes/RO à época dos fatos, além de não ter constado essa finalidade no pedido de provas de fl. 4267, trata-se também de prova desnecessária, seja porque uma perícia não seria o meio adequado para se constatar que no local, especificamente à época dos fatos, existiria uma unidade de saúde, seja porque a documentação existente nos autos já é suficiente para dirimir a questão. Assim, indefiro o pedido de produção de prova pericial formulado pelos réus à fl. 4267, por desnecessária (art. 370 do CPC) e, por consequência, não acolho a alegação de cerceamento de defesa. (grifou-se) Pois bem. Nota-se, com o exposto, que em nenhum momento o direito de defesa dos apelantes lhes foi cerceado, pois o Juízo de origem decidiu não acolher o pedido de produção de prova pericial, considerando-a desnecessária. Cabe ao órgão julgador prevenir e reprimir a produção de provas inservíveis/desnecessárias ao processo e/ou meramente protelatórias, razão pela qual descabe falar em cerceamento de defesa, pois, diante do princípio do convencimento motivado, previsto no art. 370 do Código de Processo Civil vigente, o magistrado pode considerar desnecessária a produção de outras provas, sendo-lhe permitido, inclusive, rever seu posicionamento e determinar a realização daquelas que julgar necessárias. Não cabe compelir o magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção. Ademais, cabe ao juiz o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139, II, do CPC), inclusive, se o caso, indeferindo postulações meramente protelatórias (art. 139, III, segunda parte, CPC), tudo de forma a concretizar o direito de as partes obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4o do NCPC). Além disso, o Juízo de origem não condenou os demandados em ressarcimento ao erário e entendeu que a execução das obras objeto do Convênio foram regulares, o que torna imprestável referida prova pericial. Rejeito, assim, a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Preliminar de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa Alegam os apelantes que as provas juntadas pelo MPF, produzidas nas ações 2004.41.00.003869-7 (nova numeração 0003851-62.2004.4.01.4100) e 2008.41.00.006229-2 (nova numeração 0006226-94.2008.4.01.4100) são nulas, pois foram ordenadas por Juízo incompetente e declaradas nulas por esta Corte Regional, em decisão transitada em julgado, de modo que não podem ser utilizadas para condenar os apelantes. Afirmam, ainda, que a sentença deve ser anulada, pois usou provas emprestadas sem o devido processo legal, violando o contraditório e a ampla defesa, pois Daniela Amorim não era parte em nenhuma daquelas ações, de modo que não pôde se defender das provas produzidas naqueles autos. Além disso, sustentam que, após a juntada dos documentos pelo MPF, os demandados não foram intimados para se manifestarem a respeito delas. Compulsando os autos, verifica-se que o MPF, após a determinação pelo Juízo a quo para que as partes especificassem as provas que pretendiam produzir, pugnou pela juntada posterior de cópias (i) do Inquérito Policial que subsidiou as ações penais que tratavam dos fatos relacionados à presente demanda; (ii) dos autos da interceptação telefônica e eventual quebra de sigilo bancário que instruíram os processos criminais; e (iii) dos depoimentos colhidos nas referidas ações (ID 182214786 - Pág. 349). O Parquet Federal juntou, então, cópias das ações penais 0003851-62.2004.4.01.4100 e 0006226-94.2008.4.01.4100 (ID 182214787 - Pág. 28). Ato contínuo, o Juízo de origem deferiu o pedido de produção de prova testemunhal dos apelantes, determinando a oitiva das testemunhas indicadas (ID 182214787 - Pág. 30). Após a realização da audiência para inquirição das testemunhas, o Juízo a quo determinou a intimação das partes para apresentarem alegações finais (ID 182214787 - Pág. 52). Nota-se, assim, que os apelantes apresentaram alegações finais, ocasião em que poderiam ter se manifestado sobre os documentos juntados pelo órgão ministerial. No entanto, Ernandes Amorim e Daniela Amorim não se manifestaram a respeito das ações penais juntadas aos autos (ID 182214787 - Pág. 98/128), vindo somente a arguir a suposta nulidade em razões de apelação, caracterizando a chamada "nulidade de algibeira" ou de bolso. Nesse ponto, cumpre consignar que, em atenção ao princípio da boa-fé processual, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a arguição de nulidade processual, quando realizada apenas após a ciência, pela parte interessada, da decisão de mérito contrária a seus interesses e o vício já poderia ser vislumbrado com nitidez antes disso, constitui a chamada "nulidade de algibeira", incompatível com o referido princípio e que pode estar configurada mesmo nos casos de nulidade absoluta (aqui hipoteticamente falando pois não verificada nulidade absoluta, tampouco relativa). Logo, não há que se falar em violação ao contraditório e à ampla defesa, já que os apelantes tiveram oportunidade de contraditar os documentos juntados pelo Parquet Federal, tendo permanecido, no entanto, inertes. Por fim, no que toca à alegação de nulidade das provas por terem sido ordenadas por Juízo incompetente, melhor sorte não assiste aos apelantes. Nota-se que o Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem no HC 39.246-RO, que tinha como paciente o acusado Ernandes Santos Amorim, para o fim de: a) anular o julgamento transcorrido no 1° grau (Justiça Federal de 1ª instância); b) anular o decreto segregatório; c) reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para julgar os acusados; e d) expedir alvará de soltura em favor de Ernandes Amorim (ID182214788 - Pág. 146). Remetidos os autos das referidas ações penais a este TRF da 1ª Região (ID 182214788 - Pág. 147), perante esta Corte Regional o MPF ratificou a denúncia apresentada e requereu a unificação dos inquéritos/processos em trâmite no referido Tribunal e o aproveitamento dos atos instrutórios (ID 182214788 - Pág. 153/156). Esta Corte Regional indeferiu, então, os pedidos do MPF e julgou nulos os atos decisórios praticados no processo, por terem sido proferidos por juiz absolutamente incompetente (ID 182214788 - Pág. 158/159). Em seguida, por força da decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.797/DF e 2.860/DF, que reconheceu a inconstitucionalidade dos §§1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal (que concedia aos ex-ocupantes de cargos públicos e/ou mandatos eletivos foro por prerrogativa de função), foi determinado o retorno dos autos para o Juízo Federal de 1ª instância para prosseguimento do feito (ID 182214788 - Pág. 168). Com o retorno dos autos ao Juízo que determinou as provas que foram produzidas naquelas ações penais e determinada sua competência para tanto, as provas emprestadas juntadas na presente demanda pelo MPF são, portanto, válidas. Rejeito, desta forma, a preliminar de nulidade das provas por terem sido ordenadas por juiz incompetente. Por fim, e para que não se interponha futuros embargos de declaração sob a premissa de omissão, registra-se, oportunamente, que a recente tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do HC 232.627, quando se revisitou o tema, não afasta a validade e eficácia dos atos judiciais proferidos nas referidas ações penais sobreditas. Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 11/03/2025, ao concluir o julgamento do HC 232.627, proferiu a seguinte decisão com fixação de tese: Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para processar e julgar a ação penal 1033998-13.2020.4.01.3900, com a fixação da seguinte tese: “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”, com aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O Ministro Flávio Dino acompanhou o Relator, efetuando um complemento à tese. Plenário, Sessão Virtual de 28.2.2025 a 11.3.2025. (destaquei). Prejudicial de prescrição quinquenal Alegam os apelantes que os fatos narrados pelo MPF ocorreram em 22/03/2002, quando assinado plano de trabalho entre o Município de Ariquemes/RO e o Ministério da Saúde, data em que o apelante Ernandes Amorim era Prefeito do referido ente municipal. Afirmam que Ernandes Amorim teria renunciado ao seu mandato em 04/04/2002, quando teria iniciado o prazo prescricional para a propositura da presente demanda em relação ao ex-Prefeito. Assim, tendo a presente ação de improbidade sido ajuizada somente em 19/06/2009, a pretensão estaria prescrita em relação a Ernandes Amorim. Verifica-se, no entanto, que, da análise da exordial do MPF, o ex-Prefeito Ernandes Amorim exercia a função de líder do grupo criminoso denunciado pelo órgão ministerial, de modo que suas condutas se perpetuaram para além do seu mandato, tendo continuado no mandato de sua filha, a ora apelante Daniela Amorim, como Prefeita do Município de Ariquemes/RO. Veja-se partes da petição inicial do MPF em que são narradas as condutas praticadas pelo ex-Prefeito (ID 182214770 - Pág. 4): (...) Contudo, embora oficialmente DANIELA ocupasse o cargo de Prefeita, sendo a ordenadora de despesas do Município de Ariquemes, a verdade é que, de fato, AMORIM continuou a gerenciar a Administração Municipal, tomando todas as decisões que competiam à Prefeitura Municipal, sempre em benefício das empresas integrantes de seu grupo econômico, conforme restou evidenciado na Operação Rondônia/Mamoré, conduzida pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Controladoria-Geral da União. Nesse sentido, as degravações da interceptação telefônica deixam bem clara a liderança de AMORIM na Prefeitura de Ariquemes, orientando os demais, decidindo e acertando todos os detalhes, de modo a prevalecer seus interesses privados. (...) Assim, embora ele não mais exercesse o cargo de Prefeito do Município de Ariquemes/RO, Ernandes Amorim teria participado dos esquemas de fraudes licitatórias apurados pelo MPF, pela PF e pela CGU, o que o faz ter participação nos atos de improbidade como particular. Neste contexto, a prescrição, para todos os requeridos, se regula pelo término do exercício do mandato de Prefeita da corré / litisconsorte passiva Daniela Santana Amorim, ocorrido em 2004, já que foi durante a gestão dela que ocorreram as fraudes nos procedimentos licitatórios. Antes do advento da Lei 14.230/2021, o art. 23, inciso I, da Lei 8.429/1992 previa o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para a propositura de ação civil pública por improbidade administrativa, contado do término do exercício, em relação aos detentores de mandato, cargo em comissão e função comissionada. Relativamente aos particulares, pessoas física ou jurídica, a regulação do prazo prescricional se daria de acordo com aquele previsto para os agentes públicos a que também seja cominada à responsabilidade por atos ímprobos. Logo, considerando que Ernandes Santos Amorim era Prefeito do Município de Ariquemes/RO e Daniela Santana Amorim Vice-Prefeita, tendo aquele posteriormente renunciado e esta o sucedido, apontando a inicial que Ernandes Amorim continuou a gerenciar a Administração municipal em benefício de empresas integrantes de seu grupo econômico, a prescrição quinquenal teve como marco inicial o término do mandato da corré Daniela Santana Amorim, no final do ano de 2004. Assim, considerando que a ação foi ajuizada em 19/06/2009 (ID 182214770 - Pág. 2), não se consumou a prescrição em relação a quaisquer dos requeridos. Sem mais questões preliminares ou prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador. Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/1992, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir) retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão (ARE 843.989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, preveem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa. A Lei 14.230/2021 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[1] e 7043, o STF proferiu decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação. Já nos autos da ADI 7236/DF[2], ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/1992. E mais recentemente, o Plenário do STF julgou o mérito do RE 656.558/SP/Tema 309 da repercussão geral, reafirmando sua jurisprudência no sentido de que o dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992, em sua redação originária. Confira-se: Decisão: O Tribunal, (...) Por maioria, apreciando o tema 309 da repercussão geral, deu provimento ao RE nº 656.558/SP, a fim de se restabelecer a decisão em que se julgou improcedente a ação, e fixou a seguinte tese: "a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária. b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores." Tudo nos termos do voto ora aditado do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, André Mendonça e Cármen Lúcia. Plenário, Sessão Virtual de 18.10.2024 a 25.10.2024. Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/1992 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II da Lei 8.429/1992 trazidas pela Lei 14.230/2021 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É nesse prisma que serão analisadas as condutas da parte ré/apelante que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo, o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Do caso concreto. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal, tendo como assistentes a União Federal e o Município de Ariquemes/RO, em desfavor de Ernandes Santos Amorim, Daniela Santana Amorim, Osmar Santos Amorim e das empresas Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, em razão de suposto esquema de fraudes em procedimentos licitatórios envolvendo verbas públicas federais, através de contratação simulada, o que configuraria atos de improbidade previstos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. Osmar Santos Amorim foi excluído do polo passivo da demanda, pelo Juízo de origem, em razão de seu falecimento e da inexistência de bens (ID 182214786 - Pág. 330). O Juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes e as três empresas por ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso I, da Lei 8.429/1992 (ID 182214787 - Pág. 140/177). No caso concreto, após a prolação da sentença condenatória, entrou em vigor a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/1992 e que devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022. Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal. Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg. TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos. Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos) Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/1992, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Já o § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/1992, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[3] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/1992[4], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Na hipótese, Ernandes Santos Amorim e Daniela Santana Amorim, ora apelantes e ex-prefeitos do Município de Ariquemes/RO, afirmam que não restou comprovada ação ou omissão dos ex-Prefeitos que configure ato de improbidade. Sustentam que não podem ser responsabilizados pelos atos praticados pelos donos das empresas que concorrem nas licitações. Argumentam que paira discussão acerca da validade das provas que subsidiaram sua condenação, no caso, as interceptações telefônicas, acostadas aos autos como prova emprestada. Alegam, ainda, ausência de dolo ou culpa em suas condutas. No que toca à imputação no art. 11, inciso I, da LIA, como já relatado, referido dispositivo foi revogado pela Lei 14.230/2021, segundo a qual não mais constitui conduta ímproba o desvio de finalidade. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de ter caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, razão pela qual somente se caracterizará improbidade por violação aos princípios a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Assim, prevalecia nesta Corte Regional o posicionamento de que, com o advento da Lei 14.230/2021, a ausência de imputação em um dos tipos do art. 11 da LIA, sejam aqueles da redação original, sejam os da redação atual, ensejaria a absolvição do agente por atipicidade da conduta, diante da imputação genérica, sem vinculação a tipo específico, assim como a imputação nos incisos revogados do art. 11 (incisos I, II, IX e X). No entanto, em julgados recentes, o Eg. Superior Tribunal de Justiça tem aplicado o princípio da continuidade normativo-típica em alguns casos. A Primeira Turma do STJ, alinhada à jurisprudência do STF, adotou o posicionamento de que é possível a aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, de modo a afastar a abolição da tipicidade da conduta do réu, quando for possível o enquadramento típico nos incisos da nova redação trazida pela Lei 14.230/2021, preservando a reprovação da conduta da parte. Nesse passo, nas ações de improbidade administrativa em curso, importa perquirir se houve a efetiva extinção da reprovabilidade da conduta ilícita ou não. Caso tenha ocorrido a extinção da reprovabilidade, a ação de improbidade deverá ser julgada improcedente tendo em vista a aplicação retroativa das normas sancionatórias mais benéficas ao réu. Por outro lado, se a conduta continuar descrita na Lei 8.429/1992, deve-se aplicar a continuidade normativo-típica, já que inaplicável a tipicidade cerrada apenas aos casos sentenciados antes da vigência da Lei 14.230/2021. Nesse contexto, sabe-se que a diferenciação, desde o início da ação de improbidade, entre as condutas elencadas nos artigos 9º e 10 e nos incisos do artigo 11 da Lei 8.429/1992 passou a ter relevo somente após as alterações legislativas, em especial o art. 17, § 10-C da Lei 8.429/1992, que dispõe que “o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor”. Nota-se, assim, que até a edição da Lei 14.230/2021, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estava sedimentada no sentido que, na ação de improbidade, o réu defende-se dos fatos imputados, e não da capitulação legal da conduta. Nesse sentido, não existia a incidência do princípio da tipicidade cerrada, nem tampouco maior preocupação formal com a subsunção da conduta aos incisos dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. Dentro dessa lógica, o artigo 11, caput e incisos I e II, da Lei 8.429/1992 serviam justamente como tipos subsidiários, já que poderiam abarcar qualquer conduta ímproba, por estarem dotados de alto grau de generalidade ao dispor que configura ato de improbidade “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições” (caput), bem como “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” (inciso I), e “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício” (inciso II). Assim, quando da prolação da sentença, caso não estivessem previstos os elementos constitutivos dos artigos 9º e 10, o magistrado poderia subsumir a conduta como atentatória aos princípios da Administração Pública, inexistindo até então rigor formal, por se tratar de rol meramente exemplificativo. Ocorre que a nova legislação, trazida pela Lei 14.230/2021 ao caput do art. 11, tipifica de forma taxativa os atos ímprobos por ofensa aos princípios da Administração Pública, não mais se admitindo a condenação genérica por mera ofensa aos aludidos princípios, e revogou os incisos I e II do art. 11. Neste contexto, destaca-se o seguinte julgado da lavra do eminente Ministro Benedito Gonçalves que admitiu a continuidade típico-normativa e, por conseguinte, reconheceu que a condenação fundada no art. 11, caput, permanece hígida após a edição da Lei 14.230/2021, já que a conduta de dispensar indevidamente a licitação está prevista no inciso V do mesmo dispositivo legal: ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. INCÊNDIO EM PRÉDIO PÚBLICO. SITUAÇÃO EMERGENCIAL A PERMITIR CONTRATAÇÃO DIRETA. INCLUSÃO DE OBRAS E REFORMAS DE AMBIENTES NÃO ATINGIDOS PELO EVENTO DANOSO. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. FAVORECIMENTO DE PARTICULAR E TERCEIRO. COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CONDENAÇÃO COM BASE NO ART. 11 DA LIA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. INEXISTÊNCIA DE ABOLIÇÃO DA IMPROBIDADE NO CASO CONCRETO. EXPRESSA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA NO INCISO V DO ART. 11 DA LIA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. NECESSIDADE DE NOVA ADEQUAÇÃO. 1. (...). 2. A Primeira Turma do STJ, por unanimidade, em julgamento realizado no dia 6/2/2024, no AgInt no AREsp n. 2.380.545/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, acórdão pendente de publicação, seguiu a orientação da Suprema Corte no sentido de que "as alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 ao art. 11 da Lei n. 8.429/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado" (ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe 6/9/2023). 3. Na sessão de 27/2/2024, no julgamento do AgInt no AREsp n. 1.206.630, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, DJe 1/3/2024, a Primeira Turma desta Corte, alinhando ao entendimento do STF, adotou a tese da continuidade típico-normativa do art. 11 quando, dentre os incisos inseridos pela Lei n. 14.230/2021, remanescer típica a conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da Administração Pública. 4. Na espécie, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático e probatório constante dos autos, atestou a prática de ato ímprobo, em razão de dispensa indevida de licitação e do favorecimento de particular e terceiro, consignando a presença do elemento subjetivo em relação aos fatos apurados. A reversão de tal entendimento exige o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 5. Nesse contexto, nota-se que a referida conduta (dispensa indevida de licitação e favorecimento de particular e terceiro) guarda correspondência com a hipótese prevista no inciso V do art. 11 da LIA, de maneira a atrair a referida tese da continuidade típico-normativa. 6. (...). 7. Agravo interno parcialmente provido, para conhecer do agravo, a fim de conhecer em parte do recurso especial, e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento, tão somente para reduzir a 3 anos a pena de proibição de contratar com a Administração Pública. (AgInt no AREsp 1.611.566/SC, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 29/5/2024.) Nesse sentido, também é o posicionamento que vem sendo adotado nesta Corte Regional, conforme se depreende dos julgados abaixo colacionados e destacados: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 10 E 11, DA LIA. INOVAÇÕES DA LEI Nº 14.230/2021. RETROATIVIDADE BENÉFICA. DOLO ESPECÍFICO NÃO EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE PROVA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS NÃO PROVIDOS. 1. Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa que imputa aos Requeridos a prática de atos ímprobos tipificados nos arts. 10, incisos I, VIII, XI e XII, e 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92. 2. Considerando a ausência de comprovação do especial fim de agir na conduta imputada aos Requeridos e o efetivo dano ao Erário, conforme exige a nova redação do inciso VIII do art. 10 da LIA, a sentença julgou improcedente a ação, porque reconheceu que não há conduta passível de enquadramento na nova redação dos arts. 10 e 11, caput, da LIA. 3. (...). 5. Ainda, a Lei nº 14.230/2021 modificou a redação do caput do art. 11 da Lei nº 8.429/92 para tornar o rol de condutas ímprobas taxativo. Sendo assim, para a configuração de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429/92, após as inovações legislativas, exige-se a subsunção da conduta em algum dos incisos deste dispositivo, o que não se verifica no caso. 6. No entanto, o STJ tem adotado o entendimento no sentido de que a conduta antes enquadrada no caput de forma genérica, deve persistir se houver enquadramento na nova redação de alguns dos incisos do referido art. 11 da Lei 8.429/92, de acordo com o princípio da continuidade típico-normativa (AgInt no AREsp 1.611.566/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 29/05/2024; EDcl no AgInt no AREsp 2.150.580/MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingos, Primeira Turma, DJe 17/06/2024). 7. In casu, revogada a conduta prevista no art. 11, caput, e inciso I, deve o ato ser tipificado no art. 11, V da Lei 8.429/92, que prevê como ímproba frustrar o caráter concorrencial de procedimento licitatório, na hipótese de constatada a ação dolosa. 8. No (...). 11. Sentença mantida. Recursos não providos. (AC 1000250-22.2017.4.01.3309, relator Desembargador Federal Marcus Vinicius Reis Bastos, TRF1 - Décima Turma, PJe 20/02/2025) DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992, COM ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.030, II, DO CPC. JULGAMENTO EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 1.199). ACÓRDÃO REFORMADO. 1. Trata-se de julgamento de embargos de declaração, em sede de juízo de retratação, determinado pelo eminente Vice-Presidente desta Corte Regional, nos termos do art. 1.030, inciso II, do CPC, ao fundamento de que o acórdão recorrido "diverge daquele entendimento no ponto em que absolveu a recorrente por atipicidade de conduta, apesar de ter restado comprovado o dolo". 2. A sentença, proferida antes da vigência da Lei 14.230/2021, enquadrou a conduta da ré na regra do art. 11, caput, da Lei 8.429/92, condenando-a nas penas do art. 12, III, da LIA. Julgando a apelação interposta pela requerida, esta Terceira Turma negou provimento ao recurso. 3. Ao julgar os embargos de declaração opostos pela requerida, o Colegiado da Terceira Turma acolheu os declaratórios, com efeitos infringentes, para dar provimento ao recurso e absolver a requerida, ao fundamento de que em razão da "inserção do inciso XI no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 pela Lei nº 14.230/21, o nepotismo foi especificado como conduta ímproba, detalhando o tipo legal previamente abstrato, sem alterar a natureza jurídica do ato imputado à embargante. Todavia, este artigo não pode fundamentar a condenação por esses fatos, em virtude do mandamento expresso no art. 17, § 10-F da Lei nº 8.429/1992, que impede o juízo de condenar o réu por tipo diverso do descrito na petição inicial". 4. A Lei 14.230/2021 aplica-se ao caso dos autos, eis que atinge as ações em curso, considerando que o seu art. 1º, § 4º, determina, expressamente, a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, conforme já reconheceu o STF, no julgamento do ARE 843.989/PR, em sede de repercussão geral. 5. É atribuída à acusada, então Prefeita do Município de Brejo de Areia/MA, a prática de ato ímprobo tipificado no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, por ter supostamente contratado seu esposo, seus dois filhos e seu tio como profissionais de saúde do Programa de Saúde da Família e do Programa de Saúde Bucal, sem a realização do devido processo seletivo. 6. A Lei 14.230/2021, ao introduzir e alterar diversos dispositivos da Lei 8.429/1992, revogou expressamente a conduta genérica prevista no caput do art. 11, bem como os incisos I, II, IX e X, da Lei de Improbidade Administrativa. 7. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, tem adotado entendimento no sentido de que a conduta antes enquadrada no caput do art. 11 de forma genérica, deve persistir se houver enquadramento em alguns dos incisos da nova redação do referido dispositivo, introduzida pela Lei 14.230/2021, de acordo com o princípio da continuidade típico-normativa. Precedentes: EDcl no AgInt no AREsp 2.150.580/MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingos, Primeira Turma, DJe 17/06/2024; AgInt no AREsp 1.611.566/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 29/05/2024. 8. No caso, a conduta atribuída à requerida encontra correspondência na hipótese prevista atualmente pelo inciso XI do art. 11 da Lei 8.429/1992, que prevê a prática de nepotismo como ato de improbidade administrativa atentatório aos princípios da Administração Pública. 9. Desse modo, uma vez que a Lei 14.230/2021 incluiu no art. 11 da Lei 8.429/1992 o inciso XI, prevendo expressamente a prática de nepotismo como conduta ímproba, não há que se falar em abolição da tipicidade. Nesse sentido: AREsp n. 1.233.777/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 19/8/2024; AgInt no AREsp n. 2.129.455/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 11/9/2024. 10. Ao contrário do alegado pela parte embargante, esta Terceira Turma, no julgamento da apelação, reconheceu, de acordo com o voto condutor do acórdão, a má-fé da requerida na contratação de parentes sem o devido processo seletivo, configurando, assim, a prática da figura do nepotismo, conduta que atenta contra o princípio da moralidade pública. 11. Portanto, demonstrado que a conduta da requerida se amolda expressamente ao disposto no art. 11, inciso XI, da Lei 8.429/1992, com redação introduzida pela Lei 14.230/2021, assiste razão ao Ministério Público Federal na reforma do acórdão impugnado que acolheu os declaratórios da parte requerida para dar provimento ao seu recurso e julgar improcedente o pedido. 12. Embargos de declaração opostos pela parte requerida rejeitados, em sede de juízo de retratação (art. 1.030, II, do CPC), para manter integralmente o acórdão que negou provimento ao apelo da parte requerida. (AC 0008025-92.2014.4.01.3703, DESEMBARGADOR FEDERAL NEVITON DE OLIVEIRA BATISTA GUEDES, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 28/02/2025 PAG.) Logo, mesmo após a prolação de sentença condenatória, ainda não definitiva, a jurisprudência do Eg. STJ e desta Corte Regional tem admitido a recapitulação jurídica dos fatos, desde que as condutas imputadas se enquadrem a pelo menos algum dos tipos constantes da Lei 8.429/1992, com as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021. Alia-se a isso a decisão do Ministro Alexandre de Moraes nos autos da ADI 7236[5], ainda em julgamento, que, ao examinar o mérito da controvérsia, apresentou voto no sentido de julgar parcialmente procedente o pedido para, no que interessa, “declarar a parcial nulidade com redução de texto do art. 17, § 10-C, excluindo a expressão ‘e a capitulação legal apresentada pelo autor’” e “dar interpretação conforme ao art. 17, § 10-F, inc. I, no sentido de que será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial, desde que não tenha tido a possibilidade de ampla defesa, observado o parágrafo 10-C”, de modo a permitir que o magistrado altere o enquadramento típico constante da inicial, mantendo somente a vedação relativa à modificação dos fatos. Com isso, retoma-se a anterior jurisprudência no sentido de que na ação de improbidade o réu se defende dos fatos imputados, e não da capitulação legal da conduta. No caso dos autos, o Juízo sentenciante imputou aos apelantes ato de improbidade previsto no art. 11, inciso I, da Lei 8.429/1992, diante da violação a princípios da Administração Pública. Narra o MPF que no ano de 2002 Ernandes Santos Amorim e Daniela Santana Amorim ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito e Vice-Prefeita do Município de Ariquemes/RO, tendo Ernandes Amorim renunciado ao cargo em 2002 para se candidatar ao cargo de Governador do Estado de Rondônia. Afirma o órgão ministerial que, embora Ernandes Amorim tenha renunciado, ele continuou a gerenciar a Administração Municipal junto a Daniela Amorim, sua filha, tomando decisões que competiam à Prefeita, em benefício das empresas integrantes de seu grupo econômico, o Grupo Amorim. Sustenta o MPF que, em decorrência das fraudes licitatórias perpetradas pelos apelantes, a Polícia Federal, junto ao Parquet Federal e à Controladoria-Geral da União, deflagrou a Operação Rondônia/Mamoré. Alega o Parquet Federal que as degravações da interceptação telefônica juntada aos autos mostram a liderança de Ernandes Amorim na Prefeitura de Ariquemes/RO, mesmo após sua renúncia, orientando Daniela Amorim e acertando os detalhes das simulações nas licitações, de modo a prevalecer seus interesses privados. Afirma o MPF que foram apuradas fraudes em procedimentos licitatórios instaurados no âmbito do Município de Ariquemes/RO, através do fracionamento de despesas e consequente direcionamento da contratação, bem como por meio de utilização de empresas fantasmas (que não existiam na prática), ou constituídas em nome de “laranjas” ou “testas-de-ferro” do Grupo Amorim, e gerenciadas por Osmar Santos Amorim, irmão de Ernandes. Assim, participavam dos esquemas fraudulentos as empresas demandadas Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, dentre outras. Salienta o órgão ministerial que, para tanto, funcionários da Prefeitura de Ariquemes/RO participavam dos esquemas fraudulentos, como Secretários Municipais e membros da comissão de licitação. No caso dos autos, o MPF se reporta ao Convênio 2383/02 firmado entre a Prefeitura de Ariquemes/RO e o Fundo Nacional de Saúde, cujo objeto era a ampliação da unidade de saúde do Setor 06 no Município. Ocorre que não havia tal unidade de saúde no Setor 06, de modo que a apelante Daniela Amorim requereu a alteração da localização da obra para o Setor 10. Foi realizada a licitação na modalidade Convite, tendo participado as empresas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Parra Arquitetura e Construção Ltda e Portal Construções, Comércio e Representação Ltda. No entanto, apurou-se que as empresas participantes do certame, como já visto, pertenciam ao Grupo Amorim, pois, embora registradas em nome de outras pessoas, eram gerenciadas pela família Amorim. A empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, por exemplo, tinha como sócio gerente Francisco José Rangel Nunes, segurança e pessoa de confiança de Ernandes Amorim, o que restou evidenciado na interceptação telefônica realizada durante a Operação Rondônia/Mamoré. Verificou-se, ainda, que a condição financeira dos sócios da empresa e a movimentação financeira da empresa e dos sócios eram incompatíveis com a realidade por eles apresentadas. Também foi apurado que Osmar Santos Amorim seria o verdadeiro dono da empresa, já que foram encontrados em sua residência diversos documentos relacionados à empresa Rangel & Matias, além de procuração com poderes outorgados a ele para que representasse a empresa perante a Prefeitura de Campo Novo/RO. Por fim, a fiscalização in loco realizada pela CGU constatou que a execução da obra, objeto do Convênio e processo licitatório em questão, não foi realizada diretamente pela empresa Rangel & Matias Construção e Transporte Ltda, mas sim pela empresa Romana (Roma Construções Ltda). Já quanto às outras duas empresas participantes do certame licitatório, Portal Construções Comércio e Representação Ltda e Parra Arquitetura e Construção Ltda, apurou-se que se tratavam de empresas “fantasmas”, utilizadas para dar aparência de legalidade aos procedimentos licitatórios no Município de Ariquemes/RO, participando das licitações apenas para que as demais empresas pudessem sair como vencedoras do certame, em clara violação à concorrência. O Juízo de origem bem analisou como se dava o modus operandi do esquema fraudulento encabeçado pelo Grupo Amorim, como se depreende dos seguintes trechos da sentença (ID 182214787 - Pág. 156/163; original com negrito): (...) Da análise dos autos efetivamente se constata a existência de um grupo de empresas que se beneficiavam das fraudes em licitações, todas sob a liderança de Ernandes Amorim. O modus operandi, como já dito, era a constituição prévia de empresas em nome de pessoas interpostas (laranjas) e empresas que, na prática, não atuavam (fantasmas), todas pertencentes ao denominado Grupo amorim, dentre elas as rés Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Parra Arquitetura e Construção Ltda, as quais participavam de licitações apenas para dar aparência de legalidade ao certame. Antecipadamente Ernandes Amorim já definia quais empresas iriam participar e qual iria vencer a licitação, sendo o procedimento licitatório forjado, com a conivência e participação dos membros da comissão de licitação e da então Prefeita Daniela Amorim. Dentro da organização criminosa, havia divisão de tarefas no sentido de quais empresas ficariam sob a responsabilidade de determinado membro, todavia, como faziam parte do mesmo grupo, em diversas ocasiões determinado membro passava a atuar como representante de outra participante. (...) Confira-se, a título de exemplo, alguns dos elementos de prova constantes dos autos que evidenciam tal contexto: (...) d) foi constatado pela Polícia Federal que as empresas Portal Construções e Parra Construções não funcionavam no endereço informado (fls. 1014-1017), bem como que tais empresas se encontravam inativas até 2011 e omissas em 2002 (fl. 1052); e) a empresa ré Rangel & Matias outorgou procuração a fim de que Osmar Santos Amorim - irmão de Ernandes Amorim e tio de Daniela Amorim – a representasse junto à Prefeitura Municipal de Campo Novo/RO (fl. 654); f) o endereço registrado da ré Rangel & Matias não foi localizado e o sítio encontrado continha somente uma sala e computador (fls. 1145-1146); g) conforme fl. 1052, somente em 2002 o estabelecimento passou a ter movimentação financeira, equivalente a R$ 109.122,50 (cento e nove mil, cento e vinte e dois reais e cinquenta centavos), passando já em 2003 a movimentar R$ 934.886,27 (novecentos e trinta e quatro mil, oitocentos e oitenta e seis reais e vinte e sete centavos), além da movimentação financeira de R$ 2.270.950,00 (dois milhões, duzentos e setenta mil, novecentos e cinquenta reais) de Francisco José Rangel Nunes (fls. 1050/1051); h) o teor das análises das reclamações trabalhistas efetuadas às fls. 900-910, 1139-1143, 1161-1167 e 1200-1205, aliada às cópias das reclamações trabalhistas de fls. 2324-2541, evidenciam, em especial considerando que os empregados vivem o dia-a-dia da empresa, que as reclamadas ali citadas e seus representantes pertencem a um mesmo grupo (...). (...) Assim, em que pese a alegação de inexistência de provas quanto à formação do "Grupo Amorim" a partir da participação das empresas rés, os elementos de prova existentes nos autos, vistos em seu conjunto, são suficientes para comprovar o alegado. Dessa forma, conclui-se que os réus Ernandes Amorim, Daniela Amorim e Osmar Amorim faziam parte da organização criminosa, observando que este último foi excluído do polo passivo em razão de seu falecimento e inexistência de bens (11. 4269), bem como que as empresas Rangel & Matias, Portal Construções e Parra Arquitetura, as quais participaram do certame licitatório, compunham o Grupo Amorim. (destacou-se) Neste contexto, o Juízo sentenciante firmou posicionamento pela condenação dos demandados, diante da demonstração pelo MPF da materialidade e autoria dos fatos narrados, bem como do dolo na conduta dos réus, analisando de forma exaustiva os elementos probatórios presentes nos autos, que deixam evidente a fraude licitatória, através da simulação e do direcionamento do certame (ID 182214787 - Pág. 164): (...) Quanto ao direcionamento, considerando que as empresas Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Parra Arquitetura e Construção Ltda compõem o Grupo Amorim, conforme fundamentado no item 2.4, conclui-se pelo direcionamento do certame licitatório, a fim de que a empresa definida antecipadamente por Ernandes Amorim vencesse a licitação, no caso, a ré Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda. Oportuno observar que, ao que consta, alguns processos administrativos referentes aos certames licitatórios eram integralmente forjados, visto que não continham os documentos necessários para habilitação das empresas e/ou eram instruídos com documentos falsos. (...) Cito, ainda, o fato de as empresas Portal Construções e Parra Arquitetura se encontrarem inativas/omissas (fl. 1052). A existência de servidor do INSS (Adão Magalhães da Cruz), que promovia expedição de certidões negativas de empresas do grupo, mediante fraude e recebimento de valores, também evidencia o fato (v.g., 1237-1240, 1992-1993, 1177-1180 do Anexo 05 e 4826-4828 do Anexo 10). Nesse contexto, devidamente comprovado o direcionamento do certame licitatório Convite n° 271/CPL/02, referente à unidade de saúde, para a empresa Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda. (destacou-se) Conquanto se tenha demonstrado o direcionamento da licitação, com a contratação da empresa do Grupo Amorim, é preciso ressaltar que o Juízo a quo entendeu que ocorreu a execução integral e regular das obras do objeto do Convênio, de modo que os demandados não foram condenados a ressarcir (prejuízo) ao erário, conforme se nota nestes trechos da sentença (ID 182214787 - Pág. 168/169): (...) Nesse quadro, verifica-se que, ao contrário do alegado na inicial, ainda que a posteriori, a FUNASA aprovou a mudança de endereço da obra e a reformulação do plano de trabalho, inclusive tendo ciência de que a obra executada foi a construção de uma unidade de saúde e não propriamente sua ampliação, bem como certificou que a obra foi concluída em sua integralidade e com material de boa qualidade, aprovando a prestação de contas. Assim, mediante a aprovação do novo Plano de Trabalho, restou também reconhecido que o montante cobrado pela obra era coerente com o valor de mercado, de acordo com as tabelas próprias para a região, porquanto o órgão concedente obrigatoriamente faz referida análise. De toda sorte, como já dito, não há na inicial alegação de que os preços praticados não estavam de acordo com os praticados no mercado, sendo que, ainda que houvesse, caberia ao MPF o ônus de provar tal assertiva (art. 373, I, do CPC), o que não o fez. Há de se ressaltar, contudo, que a justificativa inicial utilizada para angariar recursos era inverídica (ampliação de unidade de saúde do Setor 06), visto que no endereço que consta do Plano de Trabalho inicial, qual seja, Setor 06, Lote 01, Quadra 07 e 08, Bloco "b", Ariquemes/RO (fl. 2633), funcionava a Escola Municipal Dr. Dirceu de Almeida, inexistindo posto de saúde a ser ampliado no local, conforme vistoria in loco efetuada pelos agentes da CGU (fl. 341). A Certidão emitida pelo Ofício de Registro de Imóveis também registra que o referido endereço se encontra "destinado ao Colégio Dirceu de Almeida" (fl. 2592). (...) Esse fato demonstra que, além da prática dos envolvidos de forjar certames licitatórios e outros procedimentos administrativos, angariavam também recursos mediante justificativas inverídicas. (destacou-se) (...) Contudo, conforme dito, considerando que houve a conclusão da integralidade da obra e inexistindo provas de que o montante cobrado não seja coerente com o valor de mercado, bem como não havendo nos autos especificação de quantia acrescida ilicitamente ao patrimônio dos réus, ônus que competia ao autor da ação (art. 373, I, do CPC), resulta demonstrada a prática pelos requeridos de atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei n. 8.429/92), impondo a estes a aplicação das sanções previstas no inciso III, do art. 12 da Lei nº 8.429/92. Tal contexto motivou o Juízo de origem a julgar parcialmente procedente o pedido, tendo em vista a demonstração de fraude na licitação em questão, com o direcionamento da contratação para favorecer as empresas do Grupo Amorim, condenando os réus por ato de improbidade previsto no art. 11, inciso I, da Lei 8.429/1992 (ID 182214787 - Pág. 170/172): (...) Diante das fundamentações constantes dos tópicos precedentes, resultou devidamente demonstrada a atuação de Ernandes Amorim como líder das fraudes perpetradas pelas empresas pertencentes ao Grupo Amorim, bem como que a empresa Rangel & Matias, Portal Construções e Parra Arquitetura faziam parte do aludido grupo, tendo participado do direcionamento do certame licitatório referente à obra de construção da unidade de saúde de Ariquemes/RO, objeto dos presentes autos, em especial mediante a atuação de Francisco José Rangel Nunes (vulgo Chicão), pessoa interposta indicada no contrato social como sócio da Rangel & Matias. (...) Em relação à ré Daniela Santana Amorim, oportuno tecer mais algumas considerações, a fim de que não haja dúvidas quanto à forma de sua participação. (...) Todavia, os elementos de prova dos autos demonstram que tinha conhecimento, aprovava e até participava das ações ilícitas de seu genitor. (...) Sua participação, na qualidade de Prefeita do Município de Ariquemes/RO, foi fundamental para a execução das fraudes, porquanto possuía conhecimento, permitia e até determinava sua realização pelos outros membros da organização criminosa, em especial os servidores da Prefeitura. Assim, há de se concluir pelo dolo dos réus nas ações ímprobas relativas à construção da unidade de saúde. (destacou-se) Neste contexto, a conduta imputada aos demandados, ora apelantes, consistente na simulação da licitação em questão, a um só tempo, frustrou o caráter concorrencial do necessário processo licitatório e beneficiou de forma direta as empresas demandadas, permanecendo legalmente vedada pela Lei 8.429/1992. É possível inferir do exposto que, com a edição da Lei 14.230/2021, não houve extinção da reprovabilidade na esfera cível, pelo contrário, a conduta de frustrar o procedimento licitatório continua típica e descrita na Lei 8.429/1992, no art. 11, inciso V. Isto é, em nenhum momento a conduta de frustrar o procedimento licitatório passou a ser admitida como válida em nosso ordenamento, o que reforça a necessidade da tutela da probidade administrativa em relação a esse tipo de ilícito. Não há que se falar, pois, em atipicidade superveniente da conduta. Não havendo a efetiva perda/prejuízo patrimonial, a conduta poderá ser enquadrada como ato que atenta contra os princípios da Administração Pública na forma do art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, que dispõe ser ato de improbidade “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial (...) de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. Logo, com a edição da Lei 14.230/2021, não houve extinção da reprovabilidade na esfera cível, pelo contrário, a conduta de frustrar o procedimento licitatório continua descrita na LIA em seu art. 11, inciso V. O MPF enquadrou a conduta dos demandados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992 e o Juízo sentenciante imputou aos demandados a prática de ato ímprobo do artigo 11, inciso I, da Lei 8.429/1992, revogado pela Lei 14.230/2021. Contudo, a partir do contexto fático delineado nos autos remanesce a definição das condutas entre aquelas previstas no art. 10, inciso VIII, e art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992. Isso porque se constatou que houve conluio entre os demandados para fraudar as licitações em apreço, frustrando o caráter concorrencial dos certames, em razão da participação de empresas que pertenciam ao mesmo grupo econômico e/ou familiar, denotando o dolo dos apelantes em “obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade” (art. 11, § 1º, da LIA), privilegiando e favorecendo as empresas contratadas, em detrimento da própria Administração Pública que deixou de selecionar proposta mais vantajosa. No caso em apreço, como não foi comprovada a perda patrimonial efetiva, a conduta atribuída aos apelantes encontra total ressonância ao tipo descrito no art. 11, V, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021. Com efeito, interessante registrar que o entendimento jurisprudencial anterior à Lei 14.230/2021 se inclinava para a consideração do dano in re ipsa nos casos de fraude licitatória, já que, naturalmente, o expediente tem o propósito de, eliminando a concorrência, maximizar os ganhos dos fraudadores. Em sentido parcialmente diverso, o Legislador promoveu diferenciação nas tipologias inerentes às fraudes licitatórias, incluindo no inciso VIII do art. 10 a exigência de que a fraude acarrete “perda patrimonial efetiva”, ao passo que no art. 11 introduziu tipologia específica no inciso V, para aquele que “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. Ao que se sente, realizou-se precisa distinção entre a fraude licitatória com dano ao erário evidente (por exemplo, preço praticado acima das condições de mercado ou demonstração em concreto de que se deixou de contratar outro licitante com proposta melhor, etc.), caracterizada no art. 10, e a fraude que não conta com a demonstração de dano, caracterizada no art. 11 (o que não afasta o dano inerente à fraude, apenas não demonstrado especificamente). A questão, assim, se refere à delimitação fática, com certificação ou não do dano, conforme o caso. Não atendido o ônus de delimitar o dano ao erário, resta a responsabilização na forma da nova redação do inciso V do art. 11, o que, conforme já detalhado, se dá no vertente feito. O Juízo a quo, além de constatar que a conduta praticada violou os princípios regentes da Administração Pública, frustrando, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de procedimento licitatório, foi categórico ao afirmar a presença do dolo específico na conduta dos apelantes, incorrendo, dessa forma, no tipo previsto no art. 11, V, da Lei 8.429/1992, por força da continuidade normativo-típica. Neste sentido, vejam-se os seguintes precedentes da Eg. Corte de Justiça, em que se destacou: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 182/STJ. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1.199/STF. NECESSIDADE DE CONFORMAÇÃO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. (...). 5. Alteração da Lei 8.429/1992 pela Lei 14.230/2021, passando a exigir a tipificação de uma das hipóteses previstas nos incisos do art. 11 da LIA. Reconhecimento na origem da indevida dispensa de procedimento licitatório, conduta que poderia vir a se enquadrar no inciso V do art. 11 da LIA. Atual exigência de dolo específico. Necessidade de conformação na origem. 6. Agravo interno a que se dá parcial provimento, determinando o retorno dos autos para conformação. (AgInt nos EDcl no AREsp 1.971.805/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 19/8/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS DECISÓRIOS. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO, OMISSÃO E ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADO. SUBMISSÃO DE AGENTE POLÍTICO (PREFEITO) À LEI N. 8.429/1992. AUSÊNCIA DE CONTRAPROVA QUE AFASTE A PRESUNÇÃO RELATIVA DAS PROVAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO CIVIL. ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE NO JUÍZO CRIMINAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS. INAPLICABILIDADE DO ART. 21, § 4º, DA LIA, INCLUÍDO PELA LEI N. 14.230/2021. EFICÁCIA SUSPENSA PELO STF. ADI N. 7.236/DF. REVOGAÇÃO DO ART. 11, I DA LEI Nº 8.429/1992. APLICAÇÃO CONTINUIDADE TÍPICO NORMATIVA. FRAUDE À LICITAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ABOLIÇÃO DE ATO ÍMPROBO. CONDUTA DOLOSA E DANO CONCRETO ASSENTADO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO SANÇÃO DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA. AGRAVO CONHECIDO PARA CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO. I - (...). V - A dispensa indevida de licitação que acarreta pagamento ao agente ímprobo e a ausência de prestação de serviço gera dano concreto e, por conseguinte, enseja a responsabilização do agente nos termos do art. 11, V, da Lei nº 8.666/1993. A revaloração dos danos gerados ao erário encontra óbice da Súmula 7/STJ. VI - Após o advento da Lei nº 14.230/2021 não mais subsiste a condenação de suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública. VII - Agravo conhecido para conhecer do Recurso Especial e dar-lhe parcial provimento tão-somente para excluir a sanção da suspensão dos direitos políticos, prejudicado o pedido de tutela de urgência. (AREsp 1.417.207/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/9/2024, DJe de 19/9/2024.) Assim, sendo o caso de condenação dos apelantes pela prática do ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, em continuidade normativo-típica, a sentença condenatória deve ser mantida. Dosimetria das sanções Por fim, é preciso analisar a dosimetria das seguintes sanções aplicadas aos apelantes: (i) perda da função pública para Ernandes Amorim e Daniela Amorim; (ii) pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da remuneração recebida como prefeito para Ernandes Amorim e Daniela Amorim; (iii) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 4 (quatro) anos para Ernandes Amorim e Daniela Amorim; e (iv) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 3 (três) anos. Quanto à possibilidade de cumulação das sanções, o próprio art. 12 da Lei 8.429/1992 prevê a possibilidade de que as cominações nela previstas possam ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. No que toca às sanções aplicáveis na hipótese do art. 11 da LIA, a Lei 14.230/2021 fez algumas alterações, determinando o “pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos”. Assim, quanto às sanções de perda da função pública e de suspensão de direitos políticos, estas não mais podem ser aplicadas no caso de condenação por ato de improbidade previsto no art. 11 da LIA. Logo, devem ser decotadas as penas de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos para os apelantes. Quanto à multa civil, trata-se de sanção pecuniária que tem finalidade corretiva, sancionatória, de modo a ressarcir a Administração Pública lesada, para além do dano causado, punindo aquele que atuou de forma ímproba e prevenindo novo cometimento de infrações. O valor da multa civil, no caso de condenação por ato de improbidade previsto no art. 11 da LIA, deve ser “de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente”, podendo ser “aumentada até o dobro, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, o valor calculado na forma dos incisos I, II e III do caput deste artigo é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade” (art. 12, § 2º, LIA, com redação dada pela Lei 14.230/2021). O Juízo a quo condenou os demandados ao pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da remuneração recebida como prefeito para Ernandes Amorim e Daniela Amorim, devendo ser mantida tal sanção, tal como fixado em sentença pelo Juízo a quo, posto que observada a razoabilidade e a proporcionalidade em sua fixação. O termo inicial dos juros e da correção monetária da multa civil prevista na Lei de Improbidade Administrativa será o momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), considerando-se a tese firmada no recente julgamento do Tema Repetitivo 1128 pela 1ª Seção do STJ, em 12/3/2025, e observando-se, no mais, os termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação da sentença. Nesse ponto, não há que se falar em reformatio in pejus em recurso exclusivo dos réus, pois o Juízo a quo condenou os réus, ora apelantes, à sanção, dentre outras, de “pagamento de multa civil de 10 (dez) vezes o valor da remuneração percebida no exercício do cargo de prefeito, com correção monetária a partir do evento danoso (Súmulas 43 e 54 do STJ)” (ID 182214787 - Pág. 175/176). Ressalta-se que a multa civil deverá reverter em favor do ente lesado, nos termos do art. 18 da Lei 8.429/1992. A despeito da omissão legislativa quanto ao destino da multa civil, mas considerando a especialidade da Lei, confere-se que os valores arrecadados a título de multa civil devem ser revertidos, tal como as indenizações, ao ente público prejudicado pelo ilícito. No que toca à sanção de proibição de contratar com o poder público, trata-se de suspensão temporária do exercício de direitos, impedindo que se possa negociar com a Administração Pública ou se beneficiar de fomento público. Logo, a sanção de proibição de contratar com o poder público se coaduna ao caso dos autos, revelando-se necessário manter a sanção de proibição, no prazo de 3 (três) anos, conforme estabelecido pelo Juízo de origem, pois este se mostrou razoável ao caso concreto. Por tudo, de ser mantida a condenação dos apelantes por ato de improbidade previsto no art. 11, inciso V, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, em continuidade normativo-típica, e, sob a orientação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade e a reprovação dos atos de improbidade praticados, as sanções aplicáveis ficam estabelecidas da seguinte forma: (i) pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da remuneração recebida como prefeito para Ernandes Amorim e Daniela Amorim, com juros e correção a partir do momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), observando-se, no mais, as disposições do Manual de Cálculos da Justiça Federal, a ser revertida em favor da Fundo Nacional de Saúde (quem celebrou o Convênio com o Município de Ariquemes); e (ii) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 3 (três) anos. Por fim, não é caso de ampliação dos efeitos deste Acórdão às empresas que não recorreram (Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda), com fulcro no art. 1.005, do CPC, porque aqui não houve alteração favorável à esfera jurídica dos apelantes em relação à sanção de proibição de contratar com o poder público (a única pena aplicada às empresas condenadas). Ante o exposto, dou parcial provimento às apelações de Daniela Santana Amorim e Ernandes Santos Amorim para, reconhecendo a continuidade normativo-típica da conduta imputada aos réus no tipo do art. 11, inciso V, da LIA - com redação dada pela Lei 14.230/2021 -, readequar as sanções impostas da seguinte forma: 1.1) pagamento de multa civil no montante de 10 (dez) vezes o valor da remuneração recebida como prefeito, com juros e correção a partir do momento do cometimento do ilícito (data do evento danoso), observando-se, no mais, as disposições do Manual de Cálculos da Justiça Federal, a ser revertida em favor da Fundo Nacional de Saúde; e 1.2) proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de 3 (três) anos. Descabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, posto que, aplicado o princípio da simetria, não verificada má-fé (inteligência do §2 do artigo 23-B da Lei 8.429/1992, com a redação incluída pela 14.230/2021)[6]. Com amparo no art. 29, XII, RI-TRF1, determino a correção da autuação para cadastrar como rés as empresas Parra Arquitetura e Construção Ltda, Portal Construções, Comércio e Representação Ltda e Rangel & Matias Construção Civil e Transporte Ltda, bem como seus advogados, nos casos em que tenham sido constituídos. É o voto. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora [1]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [2]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [3]No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [4]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [5] Decisão: Após o voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), que confirmava integralmente a medida cautelar concedida e, convertendo seu referendo em julgamento de mérito, conhecia parcialmente da presente ação direta de inconstitucionalidade e julgava-a parcialmente procedente, nos seguintes termos (artigos da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021): i) declarar prejudicados os pedidos referentes ao artigo 1º, §§ 1º, 2º e 3º, e ao artigo 10, da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; ii) julgar inconstitucionais o artigo 1º, § 8º; o artigo 12, §§ 1º, 4º e 10; o artigo 17, § 10-D, e o artigo 17-B, § 3º; iii) declarar a parcial nulidade com redução de texto do art. 17, § 10-C, excluindo a expressão “e a capitulação legal apresentada pelo autor”; iv) julgar parcialmente procedente o pedido para dar interpretação conforme ao art. 17, § 10-F, inc. I, no sentido de que será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial, desde que não tenha tido a possibilidade de ampla defesa, observado o parágrafo 10-C; v) declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do art. 21, § 4º, da referida Lei, no sentido de que a absolvição criminal, em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, somente impede o trâmite da ação de improbidade administrativa nas hipóteses dos arts. 65 (sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito); 386, I (estar provada a inexistência do fato); e 386, IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), todos do Código de Processo Penal; vi) declarar a parcial inconstitucionalidade com interpretação conforme do artigo 23-C da referida Lei, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa; vii) declarar a parcial nulidade com redução de texto do artigo 23, § 5º, excluindo a expressão “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo”; e viii) julgar improcedente a presente ação em relação ao artigo 11, caput, e revogação dos incisos I e II, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, declarando-os constitucionais, pediu vista antecipada dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Aguardam os demais Ministros. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 16.5.2024. [6]Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 0003879-54.2009.4.01.4100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003879-54.2009.4.01.4100 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTES: DANIELA SANTANA AMORIM e outro REPRESENTANTES DOS APELANTES: ELIEL SANTOS GONCALVES - RO6569-A APELADOS: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM LICITAÇÃO. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. READEQUAÇÃO DA CONDUTA AO ART. 11, V, DA LIA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. SANÇÃO DE MULTA CIVIL E PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO MANTIDAS. DECOTADAS AS SANÇÕES DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS PARA OS APELANTES. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DESSAS SANÇÕES AO ART. 11 DA LIA APÓS A LEI 14.230/2021. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por ex-gestores municipais contra sentença que, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal, com assistência da União e do Município de Ariquemes/RO, julgou parcialmente procedente o pedido para condená-los, juntamente com empresas vinculadas, pela prática de ato de improbidade administrativa com base no art. 11, I, da Lei 8.429/1992, em sua redação originária. 2. A sentença aplicou aos apelantes as sanções de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por quatro anos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público por três anos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. Há quatro questões em discussão: (i) a alegação de cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial; (ii) a nulidade da sentença por utilização de prova emprestada sem contraditório; (iii) a ocorrência de prescrição quinquenal em relação a ex-prefeito; e (iv) a existência de dolo e tipicidade da conduta segundo a nova redação da Lei 8.429/1992, bem como a dosimetria das sanções aplicadas. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A alegação de cerceamento de defesa foi rejeitada. A produção de prova pericial foi corretamente indeferida pelo juízo de origem por ser considerada desnecessária à elucidação do caso, conforme autorizado pelo art. 370 do CPC. 5. Inexistiu nulidade por violação ao contraditório e à ampla defesa. Os apelantes tiveram oportunidade de se manifestar sobre os documentos juntados, não o fazendo em tempo oportuno, configurando-se a preclusão e a provocação de "nulidade de algibeira ou de bolso". 6. A tese de prescrição foi afastada. Considerando-se a continuidade das condutas ímprobas após o término do mandato de E. S. A., o prazo prescricional deve ser contado a partir do final do mandato de D. S. A., o que torna a ação tempestiva. 7. Reconhecida a necessidade de readequação típica da conduta à nova redação do art. 11, V, da Lei 8.429/1992, por continuidade normativo-típica. 8. Comprovado o dolo específico e a existência de fraude à licitação, por meio de direcionamento do certame e conluio entre empresas integrantes de grupo familiar, sem, contudo, demonstração de dano patrimonial efetivo, a hipótese, a luz das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 na LIA, encontra tipicidade no art. 11, V, da Lei 8.429/1992, já que o art. 10, VIII, exige perda patrimonial efetiva. 9. Diante das alterações legislativas, foram excluídas as sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, por não mais estarem previstas para o tipo do art. 11 da LIA, conforme redação dada pela Lei 14.230/2021. 10. Mantidas as sanções de pagamento de multa civil no valor de 10 vezes a remuneração dos réus e de proibição de contratar com o Poder Público por três anos, consideradas adequadas e proporcionais à gravidade da conduta e dentro dos limites previstos atualmente no art. 12, III, da LIA. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso parcialmente provido. Readequada a tipificação da conduta ao art. 11, V, da LIA, com exclusão das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, mantidas as demais penalidades impostas na sentença. Tese de julgamento: “1. A Lei 14.230/2021 aplica-se de forma retroativa aos processos de improbidade administrativa em curso, desde que não transitados em julgado, inclusive para fins de tipicidade e dosimetria das sanções. 2. A revogação do art. 11, I, da LIA não implica absolvição quando a conduta permanece típica nos novos incisos do art. 11, conforme o princípio da continuidade normativo-típica. 3. A conduta de frustrar, com dolo específico, o caráter concorrencial de licitação configura ato ímprobo previsto no art. 11, V, da Lei 8.429/1992. 4. Não se aplicam mais as sanções de suspensão dos direitos políticos e perda da função pública às hipóteses do art. 11 da LIA, na redação atual.” Legislação relevante citada: CF/1988, art. 37, § 4º; CPC, art. 370; Lei 8.429/1992, arts. 1º, §§ 1º, 2º e 4º, 10, 11, V, 12, § 2º, 17, §§ 10-C e 10-F, e 23-B, § 2º; Lei 14.230/2021. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022 (Tema 1.199/RG); STF, ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 22.08.2023; STJ, AgInt no AREsp 1.611.566/SC, rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 20.05.2024; STJ, AREsp 1.417.207/MG, rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 17.09.2024; TRF1, AC 1000250-22.2017.4.01.3309, rel. Des. Fed. Marcus Vinicius Reis Bastos, j. 20.02.2025; TRF1, AC 0008025-92.2014.4.01.3703, rel. Des. Fed. Neviton de Oliveira Batista Guedes, j. 28.02.2025. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação, nos termos do voto da Relatora. Brasília, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
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